terça-feira, 18 de agosto de 2009

Lula pode se afastar para fazer a diferença

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


No horizonte do Palácio do Planalto figura a hipótese de que o presidente do Senado possa assumir algumas vezes a Presidência da República, no próximo ano, em plena campanha sucessória. Não é à toa, portanto, que Lula estica a corda para manter José Sarney no cargo. O rigor que a Justiça Eleitoral vem imprimindo a suas decisões e as dificuldades, na decolagem, da candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) estão na origem das aflições palacianas.

A avaliação corrente é que "se o embate estiver pau a pau", Lula terá de aprofundar seu envolvimento pessoal na candidatura da ministra, envolvimento que já é considerado no limite da responsabilidade, em áreas jurídicas.

Neste caso, Lula não teria outra saída a não ser se licenciar do governo para colocar a candidatura Dilma no colo e tentar fazer a diferença no resultado final da eleição. No cargo, essa seria uma atitude de alto risco, sujeita a pedidos de impugnação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Licenciado Lula, a Presidência da República passa para o vice José Alencar, homem de saúde reconhecidamente frágil. Nos últimos meses, Alencar precisou cada vez mais vezes de cuidados hospitalares. Como se diz do sertanejo, é um forte. Mas uma campanha presidencial exige constante estado de vigilância.

O segundo na linha sucessória é o deputado Michel Temer (PMDB-SP), presidente da Câmara. A partir de abril do próximo ano, ele não ocupará mais cargos executivos, sob pena de se tornar inelegível em outubro. Ou seja, Temer não poderia disputar a reeleição a deputado e nem a vice-presidência da República na chapa encabeçada pela ministra Dilma Rousseff, como vez por outra é cogitado.

O terceiro é o presidente do Senado. Ele mesmo, José Sarney, a bola da vez, fosse outra a conjuntura política. Por enquanto é a Sarney que cabe segurar o Senado a unha no ano da eleição.
Se chegar à eleição em condições de pressão e temperatura que julgar boas para o PT, Lula segue no cargo e faz campanha para Dilma sentado na cadeira de presidente, apenas alguns tons acima do que até agora tem feito. O temperamento da ministra Dilma Rousseff é que faz petistas e aliados de Lula desconfiar de suas condições para enfrentar uma campanha eleitoral espinhosa, onde provocações de toda ordem são lugar comum. Não é raro se ouvir no Congresso que Dilma só perde a próxima eleição para si mesma.

Cidade de muros baixos, Brasília não tardou a tomar conhecimento da maneira rude de administrar da ministra. Mas muito do que se dizia e se diz a respeito do comportamento da ministra também ficava na conta das lendas e das intrigas brasilienses, que ninguém fica sabendo ao certo de onde vieram e até aonde vão.

O pedido de demissão do ex-secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional Luiz Antonio Eiras teve o efeito de dissipar dúvidas.

Foi durante uma reunião sobre a construção da Transnordestina, quando Eiras teria informado que a rodovia não ficaria pronta no prazo estabelecido, o ano eleitoral de 2010, se o coronograma acordado no encontro não fosse acompanhado de um ajuste de recursos do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste. A reação de Dilma foi considerado grosseira

Sabe-se agora que mais ou menos no mesmo período - é uma época pessoalmente difícil para a ministra - Dilma teve outro entrevero com uma autoridade do governo. E na presença de mais de uma dezena de testemunhas.

Tratava-se de uma reunião sobre o programa "Minha Casa, Minha Vida". Presentes 11 grandes empresas (Rodobens, Bairro Novo, MRV, Cyrela, Rossi, Gafisa W.Torre, entre outras), a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, o vice-presidente de governo da Caixa Econômica Federal, Jorge Hereda.

No início da reunião, Hereda informou que a greve dos engenheiros da Caixa - responsáveis pela análise dos projetos do PAC -havia terminado naquela semana, depois de 52 dias.

A ministra então perguntou se o prazo de 30 dias para os projetos serem aprovados dentro da burocracia da Caixa estavam sendo cumpridos. O vice-presidente tergiversou. Disse que, com a greve, a Caixa estava quase cumprindo o prazo.

Dilma demonstrou irritação. Jorge Hereda tentou explicar a situação: "Tivemos um imprevisto, que foi a greve, ministra", disse, segundo testemunho de presentes.

Dilma rebateu no ato, de acordo com a versão narrada mais tarde por empresários: "Você devia ter se precavido contra imprevistos". Ao que Hereda respondeu: "Mas a greve durou mais do que nós imaginávamos".

O pessoal da construção civil acompanhava a discussão, perplexo: "Se o imprevisto durou mais do que você imaginava, então é porque você não se preparou direito para o imprevisto", criticou Dilma. Hereda começou, então, a apresentar os números do programa. Números que a ministra achou ruins.

"Está ruim o desempenho. Só os Estados pequenos contratando significa que não está bom", ela reclamou. O funcionário da Caixa rebateu dizendo que, diante da greve, era um ritmo razoável. Dilma perdeu de vez a paciência:

"Esse não é o tipo de resposta que eu gosto, Hereda. Você sabe. Ou está bom ou está ruim. E está ruim", disse, segundo a anotação feita por um dos presentes.

Nessa reunião, as grandes empresas disseram que vão conseguir fazer 307 mil habitações de 1 milhão previstos. As outras 700 mil ficariam com as empresas médias e pequenas.

Dilma foi receptiva a aspectos do discurso dos empresários. Eles reclamaram da ação do Ibama e do Ministério Público. Sobre o Ibama, ela prometeu chamar para uma reunião o instituto e os órgãos estaduais a fim de aparar as arestas. Sobre o MP, no entanto, foi cáustica: "Esse, nem Deus", disse. "O MP é muito cioso de sua autonomia".

Depois, diante de uma reclamação sobre o preço da habitação em Porto Velho (RO), onde o custo de construção é 25% maior do que em São Paulo, Dilma aquiesceu, voltou-se para o vice-presidente da Caixa e e falou:

"Hereda, você vai rever (o preço), né?"

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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