domingo, 16 de agosto de 2009

Plano de poder

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Os escândalos envolvendo os líderes da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), com a manipulação de dinheiro dos fiéis para fortalecer o império de comunicação que o chamado bispo Macedo construiu com base na Rede Record de televisão, têm um terceiro componente que é fundamental no projeto de poder montado pelo grupo: o plano político, onde a Universal atua através do Partido Republicano Brasileiro (PRB). Essa combinação de igreja com meios de comunicação e política é uma mistura explosiva que alimenta um projeto maior, que o próprio bispo Macedo explicitou em um livro com o cândido nome de “Plano de Poder — Deus, os cristãos e a política”.

Escrito em parceria com Carlos Oliveira, diretordo jornal “ Hoje em Dia”, de Belo Horizonte — um dos jornais da rede midiática da Universal, que tem também várias rádios pelo país — o livro parte do princípio de que Deus tem “um projeto de poder político de nação” para o seu povo, que tem sido negligenciado.

“Lamentavelmente, esse senso de percepção tem faltado a muitos cristãos, que hoje já somam no Brasil 40 milhões de pessoas, que vem crescendo a cada dia”, afirma Macedo.

Esse “ enorme potencial” tem que ser aproveitado para a conclusão do “ projeto de nação ” de Deus. “Quando se trata dos votos dos evangélicos, estamos diante de dois interesses”, afirmam os autores: “O interesse dos próprios cristãos em ter representantes genuínos e o interesse de Deus de que Seu projeto de nação se conclua”.

No meio de toda essa doutrinação, onde não faltam conselhos como “é extremamente necessário que haja um projeto visando primeiramente a conscientização e o amadurecimento e esclarecimento de um povo, ou de uma classe, para que então seja construída a estratégia e alcançados os objetivos intencionados”, o livro constata que não existe uma fórmula infalível para a chegada ao poder, o que quer dizer que “o campo em que ocorrem tais disputas está aberto. (...) Os procedimentos estratégicos não podem ser, de forma alguma, ignorados. Lembre-se de que o próprio Deus não os ignorou”.

Os tais “procedimentos estratégicos” não têm sido ignorados pelos seguidores do bispo Macedo, que ao sentir que a primeira legenda assumida pelo grupo, o PL, havia sido atingida mortalmente pelo escândalo do mensalão, tratou de criar uma nova sigla política.

O vice-presidente da República, José Alencar, rompeu com o PL e aderiu a mais uma aventura partidária do bispo Macedo, que já havia sido seu parceiro no PL. O Partido Municipalista Renovador, criado em 16 de dezembro de 2003, com apoio de mais de 457.702 eleitores, transformou-se em 25 de outubro de 2005 em Partido Republicano Brasileiro — o PRB.

Em poucos dias conseguiram recolher nas igrejas espalhadas pelo país milhares de assinaturas para constituir um partido político, meta que o PSOL levou quase um ano para atingir pelos métodos tradicionais.

A opção pelo empresário José Alencar na eleição de 2002 tinha uma intenção política específica: convencer o eleitorado não-petista de que a candidatura Lula não representava perigo e era capaz de unir capital e trabalho na busca do desenvolvimento.

Agora, não. A escolha do partido do bispo Edir Macedo foi uma jogada política com outro alcance, tentativa explícita de ampliar os tentáculos do governo a uma área popular que atrai muitos votos de cabresto.

No estudo “Religião e sociedade em capitais brasileiras”, coordenado pelo professor da PUC do Rio Cesar Romero Jacob, foram examinadas pela primeira vez estatísticas detalhadas sobre a opção religiosa dos moradores de 19 capitais brasileiras.

Uma das conclusões mais importantes é que as três décadas de estagnação da economia brasileira, aliadas ao modelo urbano perverso — que segrega nas áreas distantes os mais carentes — produziram nos últimos anos um fenômeno recorrente em todas as principais capitais brasileiras: a formação de anéis evangélicos nas periferias, onde se concentram sobretudo os fiéis pentecostais, em número crescente.

Nas áreas centrais, mais abaladas , permanece predominante a população católica, que, no entanto, tem diminuído sistematicamente em todas as principais capitais: em 13 das 19 metrópoles estudadas, esse declínio ultrapassou os 10 pontos percentuais entre os censos de 1991 e 2000.

As duas principais denominações pentecostais são a Assembleia de Deus e a Universal do Reino de Deus (Iurd). Entre elas, no entanto, há diferença de comportamento, segundo os estudiosos.

Enquanto a Assembleia de Deus concentra-se nas áreas mais pobres, principalmente na Baixada Fluminense, a Iurd está mais presente nos subúrbios de classe média, onde a pregação da teologia da prosperidade faz mais eco entre fiéis ávidos pela terra prometida do emprego e da perspectiva de empreendimentos econômicos que, uma vez bem-sucedidos, reverterão em maior volume de doações.

Além do PRB, a Igreja Universal usa a tática de espalhar adeptos em vários outros par tidos, o que faz com que tenha uma bancada diversificada no Congresso. O que há de diferente entre a Universal e as outras igrejas evangélicas é que ela é um instrumento de enriquecimento de pessoas e um meio para acumular poder político

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