quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Taxa de obviedades

Wilson Figueiredo
DEU EM OPINIÃO & NOTICIA


Desde que tudo neste país deixou de ser do jeito que sempre foi, o mais provável é que não volte atrás e se disponha a ser diferente com outro sentido. Para melhor. Como, aliás, sem apelar para cima, é da ordem natural das coisas e da natureza humana aqui por baixo. Com votos, porém, de que nada, na história deste país em que vivemos (e não daquele a que se refere com desdém o presidente Luiz Inácio Lula da Silva), se pareça com o país de que se fala quando se trata de política, e que, por sua vez, também não será a mesma. Ainda bem. O que se passa só pode ser a transição entre o que se ouvia contar e o que sobrará como conseqüência. É o que veremos e o presidente também, mas do lado de fora, quando as dúvidas o assediarem e o propósito de voltar ficar cada vez mais distante.

Vai sair de circulação a taxa de obviedade de uso generalizado quando se é obrigado a dizer qualquer coisa (ou se deveria apenas calar), e se diz que o país, alguém ou alguma coisa deixarão de ser os mesmos. Nenhum presidente da República (daí para baixo não se cogita) foi o mesmo depois que deixou de ser. Pior é que ninguém volta ao que era e todos se perdem entre as causas e as conseqüências. Não há quem resista a uma comparação com o que tiver sido. Getúlio Vargas foi o único que voltou, mas sem resolver a questão. Entrou por fora e voltou por dentro do voto.

Nem assim. JK chegou lá e teve tudo para voltar, mas quando chegou a hora já não dependia dos eleitores. A eleição indireta fez o serviço completo.

Com pose de silogismo, o refrão de Lula pareceu auto-sustentável, mas não passou de recurso evasivo, de efeito imediato. O presidente se tornou porta-voz da história falada deste país e, não apenas por isso, nunca mais será o mesmo depois de deixar o governo. O país continuará a mudar e Lula deixará efetivamente a presidência ao entrar para a categoria de ex-presidente e aceitar o baque. Passará a ser referido do mesmo jeito com que se refere aos que o antecederam.
Ainda que voltasse à presidência da República, da qual tomou conhecimento por alto (e também por baixo), não será o mesmo. E nem mesmo dando passos atrás conseguirá desempenhar as funções de primeiro ministro com que passou a sonhar por fora do parlamentarismo. Não foi convincente a idéia do mandato móvel, à vontade do freguês (que vem a ser o próprio eleitor), no presidencialismo.

Nunca mais, até onde a vista alcança, Lula conseguirá pensar na presidência como antes. O primeiro gesto presidencial, assim que se pilhou eleito, foi apalpar-se para ter certeza, mas já havia esquecido em algum lugar a promessa de abolir a reeleição feita quando nem contava sequer com a eleição. Nunca mais foi o mesmo. Já com o segundo mandato encaminhado, lançou às urtigas o propósito restaurador. Quando se falou em terceiro mandato, nem se lembrou da velha promessa de tirar a reeleição do caminho da democracia, antes que custe a esta e aos eleitores um preço exorbitante. Foi freudianamente incorreto. Os propósitos embutidos na visão de esquerda, quando a eleição estava distante, eram para a história que não se escreve. Mas, com a cotação internacional do socialismo em baixa profunda, não teve importância desafinar.

O fato é que se o Brasil não é o mesmo, o brasileiro não ficou para trás.

Não voltariam atrás para fazer estatística, considerando que duas ditaduras consumiram mais de um terço do Século 20. Mesmo abatendo as reeleições que nada acrescentaram às eleições, aos presidentes e à democracia. De um jeito ou de outro, nos sentiremos os mesmos, mas como se sentirá o Brasil?

É duvidoso que, refeito do esforço de parecer que não era o mesmo ( o anterior à carta aos brasileiros, datada de 2002 e por ele assinada) Lula volte a ser o que se considerava antes. O número que veste é maior ou ele é menor. E, por ai afora, nada nem ninguém, e ele muito menos, poderá dizer coisa diferente. É tão fácil observar, por exemplo, que nem o segundo mandato presidencial de Lula ou Fernando Henrique terá sido igual ou melhor do que o primeiro.
Começou com Fernando Henrique e, infelizmente, não se extinguiram com Lula os equívocos da reeleição. O que se viu foram dois presidentes não serem iguais em coisa alguma, nem mesmo nos defeitos. Houve alternância, mas com discordância frontal, exceto na opção econômica que fez de FH um convertido ao Consenso de Washington e de Lula seu sacristão histórico. Consenso foi o que passou em brancas nuvens, mas ninguém olhava para o alto.

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