segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Brechas na reforma eleitoral

Cristine Prestes, de São Paulo
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Sob o argumento de garantir maior transparência às eleições futuras com a criação de regras claras para o uso da internet, o projeto de minirreforma eleitoral em votação no Congresso tende a dificultar ainda mais a fiscalização do financiamento de campanhas eleitorais. Um parágrafo incluído na proposta pode abrir uma brecha para que os limites hoje existentes para doações de empresas e pessoas físicas a candidatos sejam extrapolados sem que seja possível puni-los em tempo hábil e impugnar os eleitos. O projeto já foi aprovado na Câmara e está em tramitação no Senado. As emendas mais polêmicas voltarão à Câmara.

Brecha na reforma eleitoral dificulta controle de doações

Sob o pretexto de garantir maior transparência às eleições futuras com a criação de regras claras para o uso da internet, o projeto de minirreforma eleitoral em votação no Congresso Nacional pode, na prática, dificultar ainda mais a fiscalização do financiamento de campanhas eleitorais. Um parágrafo incluído na proposta pode abrir uma brecha para que os limites hoje existentes para doações de empresas e pessoas físicas a candidatos sejam extrapolados sem que seja possível puni-los em tempo hábil e impugnar eleitos.

O projeto já foi aprovado na Câmara dos Deputados e está em tramitação no Senado Federal, que aprovou o texto-base da proposta na semana passada, deixando para esta semana a votação de emendas mais polêmicas, que devem voltar à Câmara. Para que seja aplicada nas eleições do ano que vem, a reforma precisa ser sancionada até o dia 3 de outubro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O texto da reforma aprovado na Câmara inclui na Lei dos Partidos Políticos um parágrafo que estabelece que, em anos eleitorais, eles poderão aplicar ou distribuir pelas diversas eleições os recursos recebidos de pessoas físicas e jurídicas, desde que sejam obedecidos os limites estabelecidos para as doações feitas diretamente aos candidatos - de 2% do faturamento bruto, no caso de empresas, e de 10% dos rendimentos brutos, no caso de pessoas físicas, percentuais que têm por base sempre o ano anterior à eleição.

Até então, esses limites eram válidos apenas para doações feitas a candidatos. Já os partidos, pela lei atual, podem receber doações livremente. Ainda que os percentuais impostos aos candidatos passem a ser aplicados também aos partidos, no caso de distribuição de recursos em anos eleitorais - como pretende a reforma eleitoral -, a dificuldade na fiscalização da nova regra pode abrir a possibilidade de doações acima do permitido por lei.

Especialistas em legislação eleitoral apontam duas situações da reforma que deixam lacunas na fiscalização das doações. A primeira delas refere-se à prestação de contas dos candidatos e dos partidos. Por lei, os candidatos tem um prazo de 30 dias após a eleição para apresentarem sua contabilidade - que inclui as doações feitas por pessoas físicas e empresas, diretamente, e os recursos recebidos dos partidos. No entanto, a legislação não prevê a exigência de que os recursos transferidos pelos partidos tenham sua origem detalhada neste momento. A origem dos recursos recebidos pelos partidos só será identificada quando eles prestarem suas contas - o que acontece apenas no ano seguinte, até o dia 30 de abril. O problema é que a impugnação de candidaturas por conta de doações irregulares pode ser feita apenas até 15 dias após a diplomação dos eleitos, que ocorre em 15 de dezembro. "Se forem percebidas doações acima dos limites feitas a partidos e transferidas a candidatos no ano seguinte, nada mais poderá ser feito, pois não cabe mais nenhuma ação", diz o juiz eleitoral Márlon Jacinto Reis, presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe).

A segunda situação é ainda mais complexa. Como o projeto de reforma prevê textualmente que os partidos podem transferir recursos de doações dentro dos limites impostos a candidatos "em ano eleitoral", nada impede que, se a proposta for aprovada, empresas e pessoas físicas façam doações de quaisquer valores a partidos até 31 de dezembro deste ano, por exemplo, e esse dinheiro seja transferido a candidatos em 2010. Ou seja, na prestação de contas feita pelos partidos em 2011, as doações detalhadas serão as recebidas em 2010 - e não as recebidas em 2009. "O projeto significa o fim da transparência no financiamento de campanhas que já foi possível obter com as decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a impossibilidade de discussão judicial sobre a licitude das doações", afirma Márlon Reis. "Ao que parece, a lei abre a possibilidade de doações ocultas", afirma o advogado Alberto Rollo, especialista em legislação eleitoral e presidente do Instituto de Direito Político, Eleitoral e Administrativo (Idipea).

Para o deputado federal Flávio Dino (PCdoB-MA), relator do projeto na Câmara, no entanto, a reforma pode trazer mais transparência às eleições. Ele cita, por exemplo, um dispositivo do projeto que exige que todo o material de campanha impresso contenha o CNPJ do contratante e o valor pago. A exigência não era prevista em lei, mas já era aplicada por conta de decisões do TSE. "Legalmente já se tem instrumentos para identificar o caixa dois em campanhas eleitorais", diz Dino.

A mudança proposta na minirreforma, de acordo com especialistas, deve estimular ainda mais as doações aos partidos, que cresceram nas últimas eleições. Segundo Eduardo Nobre, sócio fundador do Instituto de Direito Político e Eleitoral (IDPE) e advogado do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados, que atua em campanhas de diversos partidos e candidatos, em 2006, ao criar limites para a doação a candidatos, uma reforma na lei eleitoral acabou fazendo com que empresas e pessoas físicas passassem a doar para os partidos. Essas doações já têm sido alvo de várias ações judiciais pelas Procuradorias Regionais Eleitorais. Somente em São Paulo, a procuradoria identificou 2,7 mil casos de doações acima dos limites nas eleições de 2006 - tanto de pessoas físicas quanto de pessoas jurídicas. De acordo com o procurador regional eleitoral Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, na época as ações judiciais não foram adiante porque o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo considerou que as provas das doações irregulares eram ilegais. A procuradoria havia obtido, com a Receita Federal, dados da receita bruta declarada de empresas sem que, para isso, tivesse autorização judicial - e a quebra de sigilo foi considerada ilegal.

Neste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fechou um convênio com a Receita e recebeu do fisco informações sobre o faturamento e os rendimentos das empresas e pessoas físicas de doadores nas eleições de 2006. Com base nesses dados, a procuradoria paulista entrou com ações judiciais contra candidatos e doadores que extrapolaram os limites. O TRE, no entanto, considerou que o prazo para a proposição de ações já havia expirado. A decisão agora caberá ao TSE, que já recebeu recursos de vários TREs do país sobre o tema.

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