sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Intimidação à imprensa argentina

Janaína Figueiredo Correspondente • BUENOS AIRES
DEU EM O GLOBO

Receita faz megainspeção no "Clarín" e oposição denuncia ataque à liberdade de expressão

O governo da presidente Cristina Kirchner ordenou ontem uma inesperada inspeção da AFIP (a Receita Federal argentina) à sede do jornal “Clarín”, aprofundando o conflito entre a Casa Rosada e os principais meios de comunicação do país. A iniciativa foi criticada pela oposição, que voltou a denunciar a intenção do governo Kirchner de atentar contra a liberdade de expressão, em meio à discussão no Congresso sobre o polêmico projeto de lei sobre serviços audiovisuais, que o Executivo pretende aprovar antes de dezembro, quando perderá a maioria em ambas as câmaras.

Pela primeira vez, em 64 anos, o jornal “Clarín” foi alvo de uma gigantesca operação de inspeção da receita argentina.

Mais de 200 fiscais da AFIP chegaram à sede principal do jornal, localizada no bairro de Constitución, por volta das 15h. Paralelamente, outros 50 inspetores foram enviados a sete empresas do grupo. Segundo empregados da empresa, alguns inspetores atuaram de forma agressiva e, em alguns casos, tentaram impedir a cobertura jornalística do incidente.

— Estamos vivendo uma etapa que parece mais ditadura do que democracia — declarou o editor-geral adjunto do jornal, Ricardo Roa.

No início da noite, integrantes do grupo informaram que fiscais também realizaram inspeções em residências de diretores do “Clarín”. Como na sede do jornal, os inspetores não deram muitas explicações e simplesmente exigiram a entrega de documentos referentes à situação tributária dos diretores que foram alvo da medida.

Jornal denunciara irregularidades

Segundo integrantes do grupo, “chamou a atenção que a inspeção tenha sido ordenada no mesmo dia em que o jornal denunciou irregularidades na entrega de um subsídio de US$ 2,5 milhões a uma empresa por um órgão estatal que depende de Ricardo Echegaray, que também é diretor da AFIP”.

— O governo está buscando ter mais poder e controlar a imprensa, com uma lei que tem como objetivo principal distribuir licenças de meios de comunicação entre grupos amigos — denunciou Roa.

O editor-adjunto do jornal afirmou que “os fiscais da AFIP não conseguiram explicar o que foram buscar”: — Este é um recado para todos os jornalistas. Publicamos uma informação contra o governo e enviaram 200 inspetores. Todos podemos ser vítimas deste tipo de atos autoritários.

Três horas após iniciada a inspeção, o editor-geral do jornal, Ricardo Kirschbaum, disse ter recebido uma ligação de Echegaray, pedindo desculpas pelo incidente. De acordo com Kirschbaum, “o diretor da AFIP negou ter ordenado a operação e comprometeu-se a enviar uma carta de desculpas”.

— Esta é uma situação insólita, o diretor da AFIP disse desconhecer esse procedimento e prometeu punir os funcionários que o autorizaram. Mas não importa quem deu a ordem. Foi uma ação que tentou intimidar nosso jornal — enfatizou o editor.

Nas últimas semanas, o grupo foi alvo de uma série de ataques e perseguições, denunciadas por associações internacionais, entre elas a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). O conflito com o governo se acentuou desde que a presidente enviou o projeto de lei sobre serviços audiovisuais ao Congresso. Se o documento for aprovado, o grupo seria um dos mais prejudicados, já que poderia perder mais de 200 licenças de rádio e TV. Segundo analistas, o principal objetivo de Néstor e Cristina Kirchner é, justamente, enfraquecer o Clarín, considerado um de seus principais inimigos.

No momento em que a sede do “Clarín” estava sendo ocupada pelos inspetores, o vice-presidente Julio Cobos estava reunido com líderes da oposição para discutir o projeto de lei.

Após o encontro, o deputado do peronismo dissidente Francisco De Narváez, o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, e o senador Ernesto Sanz, da União Cívica Radical, convocaram uma entrevista coletiva para defender adiamento do debate e, sobretudo, a aprovação do projeto. Na visão da oposição, uma lei tão importante deve ser discutida e votada após a posse dos deputados e senadores eleitos em junho. Perguntados sobre a inspeção ao “Clarín”, eles redobraram suas críticas ao governo K.

— O Poder Executivo usa instrumentos que são do Estado como ferramentas do governo — disse Sanz.

Já De Narváez assegurou que “já nada do que faz este governo surpreende, existe uma clara decisão de atacar a liberdade de expressão”.

Outros deputados opositores, como a radical Silvia Giudici, presidente da Comissão de Liberdade de Expressão, acusaram a Casa Rosada de querer “mudar as regras para que seus aliados assumam o controle de meios importantes”.

— Um dos pontos do projeto que questionamos é o que permite a participação de empresas telefônicas no mercado de fornecedores de TV a cabo (controlado pelo Clarín).

Está claro que a iniciativa busca beneficiar sócios do casal K — disse a deputada.

A medida também foi criticada por líderes de associações rurais, representantes de outro dos setores atacados pelo governo. A AFIP também ordenou ontem uma inspeção no centro de exposições da Sociedade Rural Argentina, que tem entre seus proprietários o deputado De Narváez.

— Pelo visto, o governo escolheu como principais inimigos a imprensa e o campo — disse Hugo Biolcati, presidente da Sociedade Rural.

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