segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Eleição expõe crise do socialismo europeu

Steven Erlanger*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO (4/10/2009)

Um fantasma assombra a Europa - o espectro do lento colapso do socialismo. Mesmo em meio a um dos maiores desafios para o capitalismo nos últimos 75 anos, que envolve uma crise profunda do sistema financeiro decorrente de uma "exuberância irracional", da cobiça e da debilidade dos sistemas reguladores, os partidos socialistas da Europa e seus primos de esquerda não encontraram uma resposta convincente e tampouco tiraram proveito da debilidade da direita.

Os eleitores alemães derrotaram o Partido Social-Democrata (SPD), dando-lhe apenas 23% dos votos, o pior desempenho desde a 2ª Guerra. E puniram também os candidatos esquerdistas nas eleições para o Parlamento Europeu, além de esmagarem os socialistas franceses em 2007. Nos países em que a esquerda se mantém no poder, como na Espanha e na Grã-Bretanha, ela sofre ataques constantes. Onde não está, como na França, Itália e agora Alemanha, está dividida e sem ação.

Alguns conservadores americanos demonizam o estímulo fiscal e a reforma do sistema de saúde do presidente americano, Barack Obama, como uma guinada perigosa para o socialismo de estilo europeu - mas é a direita europeia e não a esquerda que está usando sua agenda política.

Os partidos de centro-direita da Europa absorveram muitas ideias da esquerda: generosos benefícios no âmbito da previdência, estatização do sistema de saúde, rigorosas restrições às emissões de carbono e cessão parcial da soberania à União Europeia. Mas ganharam votos prometendo atuar de modo mais eficiente do que a esquerda, trabalhando para reduzir impostos, melhorar a regulação do setor financeiro e tratar do problema do aumento da população idosa. Os conservadores europeus, segundo Michel Winock, historiador do Instituto de Estudos Políticos de Paris, "adequaram-se à modernidade".

Quando o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e sua colega Angela Merkel, da Alemanha, condenam os excessos do "modelo anglo-saxão" de capitalismo, louvando ao mesmo tempo o poder protetor do Estado, usam ideias socialistas que se tornaram tradicionais.

Em Portugal, os socialistas no governo reelegeram-se no domingo, mas perderam a maioria absoluta no Parlamento. Na Espanha, os socialistas ainda têm o mérito de terem se oposto à ditadura de Franco e à guerra no Iraque. Na Alemanha, a esquerda ampla, que inclui os verdes, tem uma maioria estrutural no Parlamento, mas os social-democratas, em crise pós-eleitoral, terão de considerar uma aliança com a esquerda intransigente, cujas raízes estão no antigo Partido Comunista da Alemanha Oriental.

O problema é, em parte, "o muro, (que continua) na cabeça" dos alemães. Enquanto os democratas-cristãos foram se deslocando sem problemas ao leste, os social-democratas do lado ocidental nunca se uniram aos comunistas. "As duas Alemanhas, uma socialista, outra comunista, nunca se fundiram", disse Giovanni Sartori, professor emérito da Universidade Columbia.

A situação na França é até pior para a esquerda. Ao ser questionado sobre se o partido poderia estar morrendo, Bernard-Henri Lévy, um socialista emblemático, respondeu: "Não, já morreu. Ninguém, ou quase ninguém ousa afirmá-lo. Mas todos, ou quase todos, estão conscientes disso." Embora seja acusado de exagerar, porque o partido é o maior na oposição e continua popular no governo local, suas palavras tiveram grande repercussão.

Os socialistas franceses venceram as eleições presidenciais pela última vez em 1988 e Ségolène Royal, candidata em 2007, perdeu a presidência para Sarkozy por 6,1%, uma ampla margem na época.

Na França, o Partido Socialista "está preso na armadilha de uma contradição sem esperanças", disse Tony Judt, da Universidade de Nova York. Ele adota uma plataforma radical que não pode pôr em prática e o resultado deixa espaço para os partidos à sua esquerda que chegam a obter 15% dos votos.

As lutas fratricidas na França e em outros países não contribuíram absolutamente para colocar os partidos socialistas em condições de responder à pergunta do momento: como preservar o Estado do bem-estar numa época de crescimento mais lento e de déficits cada vez maiores?

Judt argumenta que os socialistas europeus precisam de uma nova mensagem - como reformar o capitalismo "reconhecendo o caráter central dos interesses econômicos, mas tirando-o um pouco de sua posição dominante como único foco da política".

"Mas sem esse tipo de reforma, não acredito que o socialismo tenha futuro na Europa", diz Judt. "E, considerando que ele constitui uma parte central do consenso democrático europeu, esta é uma péssima notícia."

*Steven Erlanger é comentarista político

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