sábado, 17 de outubro de 2009

Lula encarna Silvio Santos

André Duarte
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

No capítulo final da visita ao sertão, presidente transforma entrega de casas em Pernambuco num misto de show de calouros e bingo

O apresentador Silvio Santos quis ingressar na política ao tentar emplacar, sem sucesso, a sua candidatura a Presidência da República nas eleições de 1989. Ontem, em pleno sertão pernambucano, o presidente Lula pareceu ter encarnado a personalidade folclórica do magnata da TV ao comandar uma solenidade de entrega de 55 casas num povoado (1)afastado da zona rural entre Salgueiro e Cabrobó. Além de quebrar o protocolo — fato corriqueiro nas suas agendas públicas —, o petista atacou de mestre de cerimônia ao inverter os rumos do evento na Vila Produtiva do Junco, que faz parte do projeto de transposição do Rio São Francisco. Quando a solenidade ainda estava no começo, Lula causou surpresa ao tomar um microfone sem fio para anunciar que iria dispensar o discurso para comandar pessoalmente o sorteio de todas as casas.

Num misto de locutor de bingo e humorista, o presidente sorteou os bilhetes, chamou as famílias para receberem as chaves no palco, inventou apelidos aos sorteados e até orientou a segurança sobre como coordenar o esquema de circulação das pessoas. Na prática, o sorteio serviu apenas para definir em que casa ficaria cada uma das famílias beneficiadas. O cerimonial da Presidência planejava apenas que os primeiros sorteados subissem ao palco para o recebimento de chaves simbólicas, economizando tempo para os discursos oficiais.

Acompanhado dos ministros Geddel Vieira de Lima (Integração Nacional) e Franklin Martins (Comunicação Social) e dos governadores Eduardo Campos e Cid Gomes (Ceará), Lula pediu que cada um deles anunciasse o nome de um sorteado. Coube ao deputado federal e presidenciável Ciro Gomes (PSB), que também foi ao local como convidado, chamar o segundo sortudo. Até o cinegrafista de uma produtora de TV foi convocado.

Os beneficiados, a maioria agricultores, ouviram comentários irreverentes do presidente. “Cumprimenta todo mundo, meu filho”, orientou o petista a um rapaz que tinha acabado de receber as chaves. A sucessão de informalidades não parou por aí, sendo algumas delas com referências políticas. Lula pediu para sortear a casa de número 13: “O número 13 tem a ver comigo e com o Zagallo (ex-técnico de futebol, conhecido por ser supersticioso com o 13)”, justificou.

Aos olhos dos moradores da região que acompanharam o evento, a tática parece ter funcionado. “Meu filho, esse homem é uma bênção de Deus”, elogiou a aposentada Maria Pereira, que recebeu as chaves da casa nova das mãos do anfitrião. Antes da chegada do presidente à vila, ela passou mal e chegou a ser socorrida por uma equipe médica de plantão por conta do calor. “É o herói do Brasil”, derreteu-se outro futuro morador, ao tomar o microfone de Lula para elogiá-lo.

1 - Quase prontas

Junco é uma das 18 vilas produtivas rurais que estão sendo erguidas para o reassentamento de 794 famílias que tiveram que deixar suas antigas casas em função da construção dos canais da transposição do Rio São Francisco. Oito vilas estão em Pernambuco. As 55 casas do Junco têm 99 metros quadrados e já estão construídas. Faltam, contudo, as ligações de água encanada e de energia elétrica.

O número

55 Número de casas entregues simbolicamente no evento de ontem

Língua afiada
Após uma inspeção às obras de concretagem do Eixo Norte da transposição do Rio São Francisco, o presidente Lula da Silva, em rápida entrevista, aumentou o tom das críticas ao PSDB e ao governador de São Paulo, José Serra. Ao ser questionado sobre as críticas feitas pela oposição ao caráter eleitoreiro da viagem, Lula afirmou: “A pior coisa é a ociosidade. Um bando de homens sem ter o que fazer é uma desgraça”. Na entrevista, Lula afirmou: “Eles devem olhar o que estão fazendo. Mas também não vou esperar que a oposição reconheça o que estou fazendo”, completou.

Pouco antes, em discurso para uma plateia de trabalhadores no canteiro de obras do projeto de transposição do Rio São Francisco, o presidente já havia rebatido críticas da oposição, embora sem citar nomes. Ele reclamou que muitos oposicionistas não deixam claro o que realmente desejam para o governo. “A oposição é como jogador num banco de reservas. Diz que é amigo de quem está jogando, mas está torcendo para o outro se machucar ou tomar cartão vermelho”, disse.

Diferentemente do dia anterior, no entanto, o governador de São Paulo, José Serra, preferiu um tom de neutralidade. O pré-candidato do PSDB à Presidência disse que não travará um debate eleitoral porque não está em campanha. “O presidente Lula falou em termos eleitorais e não vou fazer um debate eleitoral por dois motivos: porque ele não é candidato a presidente no ano que vem e porque eu não defini se serei candidato ou não”, afirmou.

Apesar das pressões dentro e fora do PSDB, o tucano permanece irredutível na ideia de definir o candidato tucano à Presidência somente no ano que vem. “Estou trabalhando como governador e vou continuar assim até o começo do ano que vem, quando vou decidir os meus rumos eleitorais”.

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