terça-feira, 27 de outubro de 2009

Na banda estreita da História

Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU EM OPINIÃO & NOTICIA


Em situação muito parecida com este ponto morto em que a sucessão presidencial derrapa por falta de candidatos legalmente respaldados e o presidente se empenha em adiantar o impontual relógio da História, o observador político dos Diários Associados advertiu em sua coluna no O Jornal que, se o Brasil continuasse a ser alimentado com palavras que nada significavam, deixaria de observá-lo. Não há registro de que o Brasil tenha tomado conhecimento da ameaça de Mozart Monteiro (patrono da galeria dos mozarlescos, elaborada por Manuel Bandeira), que continuou a observar a situação do mesmo jeito e a produzir crônicas políticas.

Crises freqüentam apenas a banda estreita da história oral. A história oficial é destinada ao consumo escolar e seu negócio é ensinar que reformas são a melhor maneira de manter à mão o que pedia para ser mudado antes que fosse tarde. Nunca é tarde. No Brasil as urnas não davam a última palavra e era sagrado o direito de duvidar do resultado de eleição.Os políticos investiam pesado no atraso.O presidente Lula deve ao princípio da maioria absoluta um monumento de mármore italiano. Mas não entendeu. Pois nem ele próprio duvidou quando se viu eleito. Apalpou-se até se convencer de que estava a salvo, e demorou a se soltar. Este presidente que não cala é o produto quase final dos anteriores. Suspeita-se de que ainda falta o Lula definitivo.

Já no primeiro mandato de Lula, quando as práticas do mensalão ainda estavam sendo testadas, faltou uma voz para ativar o princípio formulado por Machado de Assis, que denunciou o equívoco de se dizer que a ocasião faz o ladrão. Pode ter feito, mas, desde então, passou a valer o ponto de vista de que a ocasião se reservava exclusivamente para o furto. Pelo modo machadeano de ver, o ladrão já nasce feito. O que varia é a oportunidade, de acordo com as circunstâncias. O mensalão se encarregou de demonstrar que Machado estava com a razão (melhor, que ela estava com ele). O pessoal do negócio parlamentar financiado pela caixa 2 legalizou o procedimento no Congresso Nacional. O sofá foi retirado mas a má fama ficou. E Lula aceitou fazer o papel de Pilatos no Credo.

O tempo passou, os índices que medem as ilusões de felicidade se arredondaram e, tudo indica, o presidente se dispôs a operar no futuro porque o Brasil (no seu modo de ver) cansou-se do atraso, debitado à conta dos governos anteriores, e Lula se convenceu mesmo de que, depois dele, o passado será arquivado. Os presidentes para trás passaram a retratos na parede. Os brasileiros cansaram-se de carregar o passado e já desanimavam de esperar pelo futuro desde que, antes de morrer por aqui, Stephen Zweig vinculou o Brasil ao futuro num livro infelizmente mais citado do que lido.

O título era favorável, mas foi usado como escudo dos céticos para puxar a opinião para baixo. A descoberta do futuro pelo presidente Lula (ou alguém por ele) deve-se à leitura das Confissões de Santo Agostinho às escondidas.Voltou as costas aos governos anteriores e passou a operar na nova dimensão. Foi ao encontro do futuro com uma intimidade imprudente. De braços abertos.

Lula já está na próxima década, embora seus mandatos se encerrem com o decênio. Não tem tempo a perder nem muito a fazer, exceto regar a eleição com seu verbo incontinente. Já fez reserva de mercado até 2014, quando espera estar de volta por apego à reincidência. Até lá, a classe média será reforçada por um certo ressentimento de quem perdeu a vez mas, por merecimento, espera alcançar mais poder político. O futuro é para todos. O pequeno burguês também aposta no futuro imediato.

O Brasil pode contar com a classe média em 2014, quando - e se - Lula se confirmar candidato.Tudo estará mais para surpresas do que para certezas. Até lá, sem dúvida, o próprio Lula já se sentirá em algum ponto do passado. Se quiser detalhes, pergunte a qualquer ex-presidente. Tudo bem se ficar por aí. E, sem sair do PAC, lance enquanto é tempo um programa para reescrever, segundo seu modo de ver e entender, toda a Historia do Brasil, de cabo a rabo, e se reserve um lugar de destaque. O terceiro mandato de Lula, por intermédio da democracia, claro, pode necessitar de acelerar a História quando o futuro tiver deixado para trás seus dois mandatos presidenciais e hipóteses alternativas.

Lidar com o futuro tem vantagens, já que, a longo prazo, estaremos todos, candidatos ou eleitores, pelo menos, politicamente mortos. Para falar claro e sem rodeios, quando o petróleo do pré-sal correr solto por aqui, nem todos os que se alvoroçam com a hipótese poderão comemorar ao câmbio político do dia. Quem sobreviver estará condenados a outras conseqüências que, por enquanto, não passam de hipóteses dependurados em incógnitas.

Lula não será o mesmo, por mais lépido que esteja graças ao elixir do pré-sal, dentro de 15 anos e se a democracia resistir sem fissuras a tanto tempo.

Não é apenas o futuro que é inesgotável. O passado não tem pressa e pode esperar. O fato conclusivo é que, como se fosse o famoso salame que Stalin recomendava ser comido em fatias finas para não se engasgar, a História serve também para dar aos incautos a impressão de se repetir.

Para completar o quadro, continua faltando apenas uma oposição que encontre os caminhos naturais que a levem, senão ao poder, pelo menos à certeza de que é possível pelo voto, mas espanque de vez os atalhos que, em português ou qualquer língua em que a democracia se faça entender, são conhecidos pelo nome genérico de golpe de Estado. A oposição terá que renascer das cinzas ornitológicas da social-democracia, ainda a tempo de adiar as reformas que são o motor insubstituível da História do Brasil.

No dia em que forem feitas, a distância entre os futuro e o passado ficará mais curta do que parece a olho nu.

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