terça-feira, 10 de novembro de 2009

José Pastore:: Empregos americanos e brasileiros

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

William Ellis, administrador de mão cheia, prestou relevantes serviços ao Brasil por mais de 20 anos. Primeiro, como diretor da United States Agency for International Development e depois como diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Ele acaba de escrever um paper que apresenta um quadro desolador sobre o futuro do emprego nos Estados Unidos. Ellis acredita que os postos de trabalho destruídos na crise, em sua maioria, não voltam tão cedo. Os empregos do setor financeiro caem nesse caso. E não é só. Na indústria de veículos e de aviões a corrida foi perdida para outros países. O mesmo está ocorrendo nos setores de alta tecnologia, como o farmacêutico e o da pesquisa genética. Na defesa e nos serviços militares, na melhor das hipóteses, haverá estabilidade de emprego. Na construção de habitações, a retomada continuará lenta por muito tempo. No varejo, na educação e na saúde surgem poucos empregos, mas de baixos salários. Na administração pública, os orçamentos dos governos têm fôlego curto para promover uma forte expansão da infraestrutura.

Nos últimos 18 meses os Estados Unidos perderam mais de 7 milhões de empregos. O desemprego ultrapassou a casa dos 10% no último trimestre - a maior taxa desde 1983. A festa de consumir 25% da produção mundial com apenas 5% da população parece ter acabado.

Ao comentar o crescimento do PIB de 3,5% no terceiro trimestre de 2009, o próprio presidente Barack Obama revelou que a sua grande preocupação é com o emprego. É isso: a Bolsa vai bem, mas os empregos vão mal.

Vejam esses dados. No terceiro trimestre de 2009 a produtividade do trabalho aumentou 9,5%! É uma cifra estonteante e indicadora de muita substituição de trabalho por tecnologias e de medidas de racionalização das empresas que, de resto, continuam enxugando seus quadros sem nenhum sinal de reversão. Dos 10,2% atuais, a taxa de desemprego pode passar a 11% nos próximos meses.

Por isso convém interpretar com muita cautela o referido aumento do PIB. Um país só sai da recessão - de facto - quando a oferta de emprego atende à demanda. Não é o caso. Além de um desemprego crescente, a renda familiar americana caiu 3,4%. O consumo subiu, é verdade. Mas isso foi artificialmente propelido pelos estímulos governamentais para a compra de automóveis novos e de imóveis residenciais. As famílias, que viram os empregos e os salários minguarem, continuam com pesadas dívidas para pagar.

Parece não haver dúvida de que o mercado de trabalho americano passará por uma profunda transformação estrutural. Isso já está afetando a massa salarial, o poder de compra dos consumidores e a capacidade de o país importar - o que acaba prejudicando os exportadores, dentre eles, o Brasil.

De fato, o quadro sombrio do emprego americano sinaliza uma longa caminhada para a retomada da exportação dos nossos bens manufaturados. Os dados estão aí: entre janeiro e setembro de 2009, as vendas externas do Brasil para os Estados Unidos despencaram 47% em relação ao mesmo período em 2008. A participação das nossas exportações caiu de 15,5% para 9,5%.

Além disso tivemos um grave empobrecimento da pauta das exportações. Depois de 29 anos em que os manufaturados lideraram o fluxo, eles foram ultrapassados pelos produtos básicos. Para os Estados Unidos café e petróleo bruto foram os dois principais produtos vendidos neste ano.

É claro que os constrangimentos internos (câmbio, tributos, encargos sociais, infraestrutura precária e outros) também pesaram nesse desempenho. Mas não podemos desconsiderar a fragilização da capacidade de compra daquele país determinada pelo alto desemprego e elevado endividamento das famílias.

Os setores exportadores de commodities geram empregos de baixos salários, com raras exceções. É neles também que ocorre a maior informalidade. Se adicionarmos a tudo isso a forte concorrência dos chineses e de outras nações emergentes, vemos que o nosso mercado de trabalho corre o risco de ser empurrado para empregos de menor qualidade.

A vingar as previsões do meu amigo Bill Ellis, amargaremos esse quadro por vários anos. Por mais que o mercado interno alavanque a economia, a qualidade dos empregos brasileiros estará intimamente atrelada ao que vai acontecer com a economia dos nossos compradores.

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