quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Miriam Leitão:: Sinal verde

DEU EM O GLOBO

O aviso da Casa Branca de que os Estados Unidos anunciarão metas de redução de gases de efeito estufa é histórico. Já se esperava, vinha se delineando nos últimos dias, e a Câmara já tinha aprovado os 17% de corte, mas pela primeira vez a maior economia do mundo assume metas. A ida do presidente Barack Obama à reunião da Dinamarca é o fim do flerte com a ideia de adiar o acordo.

Isso significa que a reunião de Copenhague chegará a um novo acordo? Não necessariamente. Significa, no entanto, que o fracasso fica mais caro para quem bloquear o avanço. Os Estados Unidos estão dez anos atrasados nesta conversa frente a outros países como os europeus, que desde que ratificaram o Tratado de Kioto passaram a adotar políticas nacionais de redução das emissões. A Europa tem metas de redução de 20% tendo 1990 como base. Os Estados Unidos cortarão em relação a 2005. O Brasil tem como base um cenário para 2020.

É preciso ver as diferenças de números, já que cada grupo de países está cortando de uma base diferente. Se a proposta americana fosse em relação a 1990, pelos cálculos do professor José Goldemberg, da USP, significaria um corte de 7%. Mesmo assim, ele lembra que pelo menos é uma estimativa concreta, diferente do que fez o governo brasileiro, que projetou cortes em relação a emissões futuras, que ainda ninguém sabe quais serão.

- O governo brasileiro prometeu cortar as emissões em relação a 2020. Mas ninguém sabe quanto emitiremos em 2020. Então, a proposta americana, nesse sentido, é melhor que a brasileira porque mostra um número concreto - explicou.

O cientista Carlos Nobre, do Inpe, calcula que a proposta dos Estados Unidos significa um corte de apenas 3,5% do que o país emitia em 1990:

- Em termos práticos, os EUA em 2020 voltarão a emitir como em 1990. Então é uma proposta pouco ousada porque a recomendação era de corte de 20% a 40% dos países industrializados em relação a 1990. Mas há pouco que Obama possa fazer sem a aprovação de uma proposta melhor pelo Congresso.

O governo Bill Clinton assinou o protocolo de Kioto, mas na era Bush o acordo nunca foi ratificado e até a existência do problema foi negada. Sem o maior emissor histórico, Kioto fez pouco. Hoje, o balanço mostra que as emissões mundiais continuaram aumentando durante a vigência do acordo com data marcada para acabar em 2012.

Goldemberg diz que o anúncio americano significa uma mudança da água para o vinho no posicionamento do país em relação às mudanças climáticas:

- A presença de Obama em Copenhague vai forçar os líderes a emitirem um documento final, ou seja, teremos um comprometimento político. Isso ainda não é o ideal, mas é um avanço. O sucesso mesmo seria os países assinarem um documento formalizando a redução obrigatória das emissões. Mas isso é praticamente impossível sem que o Congresso americano aprove a proposta do país de redução. Por enquanto, temos uma proposta do Executivo, mas sabemos que o Congresso dos EUA tem muito força.

Carlos Nobre também acha que a decisão é positiva mas não é favor nenhum:

- O anúncio americano foi positivo, mas Obama não fez mais do que sua obrigação como líder. Ele exerceu a liderança que o mundo e o próprio EUA esperavam dele com sua eleição. De qualquer forma, sua presença em Copenhague garante que teremos um grande momento, que o mundo não vê há décadas, porque todos os principais líderes mundiais estarão presentes na reunião. Espero que Copenhague acabe com um acordo formal pela redução das emissões.

O Brasil acertou o passo com o futuro também na undécima hora e depois de uma grande briga interna, que deixou suas marcas nas contradições das políticas e na fragilidade dos números. O impulso maior veio do calendário eleitoral e do eco do discurso da pré-candidata do Partido Verde. A senadora Marina Silva, que entende dos processos de avanço numa sociedade democrática, credita a mudança do governo a toda a pressão que a sociedade tem feito através das ONGs, cientistas, empresários, setores do Congresso.

O governo parecia surdo a tudo isso até outro dia mesmo. Ainda hoje, quando aprova o aumento da energia suja em nossa matriz energética e quando aceita fazer concessões à parte atrasada do ruralismo, mostra que não entendeu a natureza do século XXI. Mas pelo menos a biruta do governo já sabe a direção do vento.

O Ministério da Ciência e Tecnologia tem sido muito criticado, aqui mesmo nesta coluna, por não ter divulgado o inventário de emissões presentes do Brasil. O ministro Sérgio Rezende foi convidado a prestar esclarecimentos na Comissão de Meio Ambiente do Senado. Ele me mandou um e-mail reclamando das críticas e me encaminhou os números divulgados esta semana sobre a evolução das emissões dos gases de efeito estufa até 2005. O último inventário era de 1994, os dados do ministério, apresentados como preliminares, trazem a evolução de 1990 a 2005. Antes disso, o ministro Carlos Minc comandou um esforço para ter alguma estimativa, mas os dados, dizem todos os especialistas no tema, são ainda frágeis, por não haver inventário definitivo e por não se conhecerem as projeções feitas pelo governo.

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