Jarbas de Holanda
Jornalista
Da proclamação das grandes metas para a política externa – a admissão do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e a conclusão da Rodada Doha da OMC (em nome da qual foram bloqueadas as negociações para a ALCA e para um acordo com a União Européia) – até as ações de patrocínio da entrada da Venezuela de Hugo Chávez no Mercosul, o convite ao iraniano Ahmadinejad para visitar Brasília e o abrigo em nossa embaixada de Honduras de Manuel Zelaya (no coroamento da operação chavista de seu regresso clandestino ao país), o Itamaraty configura-se desde 2003 como uma das áreas importantes dos dois governos de Lula com maior afinidade ideológica esquerdista, temperada pelo personalismo pragmático do presidente. Sob o comando, desde o início, da dupla Celso Amorim/Samuel Pinheiro Guimarães (recentemente aposentado e feito ministro de Assuntos Estratégicos), depois reforçada pelo assessor especial da presidência, Marco Aurélio Garcia, e depurada da presença em funções significativas de diplomatas independentes como Roberto Abdenur, substituído na embaixada de
Washington.
Esses ingredientes (a afinidade e o tempero) - que explicam a persistência obsessiva na retórica das duas grandes metas, apesar do fracasso delas, e a prática das ações acima referidas, bem como de outras igualmente indefensáveis, como as de omissão diante das violências dos governos da Bolívia e do Equador contra empresas brasileiras, inclusive a estatal Petrobras – tiveram, porém, seus efeitos externos reduzidos ou diluídos e em boa medida compensados por dois relevantes fatores positivos: o realismo de Lula na manutenção da política macroeconômica recebida do antecessor FHC e, com base nisso, o reconhecimento da confiabilidade de seu governo pelos países desenvolvidos. Reconhecimento que seria fortalecido pela contraposição estabelecida entre o Brasil do pragmático Lula e o radicalismo anticapitalista de Chávez e seus aliados “bolivarianos”. E que é acentuado no cenário pós-crise, sobretudo nos EUA, em que megainvestidores buscam oportunidades de negócios em nações emergentes, entre as quais se destaca a nossa. Tratada em recente reportagem de capa da revista The Economist como um “paraíso”
para investimentos em infraestrutura (inclusive no pré-sal) e em outros negócios de vulto. Cabendo lembrar também a qualificação de Lula como “o cara”, feita por Barack Obama num encontro internacional logo após assumir a presidência
dos EUA.
A tais ganhos de nossa imagem externa se somam agora os da escolha do Rio de Janeiro, pelo COI, como sede das Olimpíadas de 2016 (dois anos após a realização no Brasil da Copa da FIFA). Escolha que o Itamaraty tratou de capitalizar,
embora tenha apenas acompanhado o trabalho decisivo desenvolvido pelo COB, pelos governos fluminense e carioca e por grupos empresariais.
Mas esse conjunto de bons dividendos nos planos econômico e do esporte, ao invés de trabalhados pelo Itamaraty para reforço das condições favoráveis ao Brasil no cenário internacional, são apequenados e comprometidos pelo empenho de sua direção em vincular o país a figuras e movimentos extremistas e pela busca, a qualquer preço, de protagonismo externo para Lula. A pretensão de que o presidente cumpra
um papel de mediador entre o governo de Barack Obama e o de Ahmadinejad (envolvido num programa nuclear destinado a incendiar o Oriente Médio e se possível a Europa) é exemplar dessa busca ilusória e prejudicial ao Brasil. Na verdade,
tal pretensão é utilizada como justificativa do convite do iraniano. Outro exemplo de insensatez, de forte teor esquerdista, foi o da conversão de nossa embaixada em Tegucigalpa em palanque de Zelaya, que constituiu grosseira intervenção na
política interna de Honduras e anulou a possibilidade de que o Brasil pudesse ter qualquer papel na negociação da crise no país, assumido depois pela diplomacia norte-americana na perspectiva de solução por meio das eleições a se realizarem
no próximo dia 29.
Avaliando a atual política externa, numa entrevista ao Estadão do último domingo, o embaixador Rubens Ricupero denuncia a “partidarização petista” da cúpula do Itamaraty. Ele destaca duas manifestações dessa partidarização: “a insistência do governo em receber o presidente do Irã” e “a opção do posicionamento contra Bogotá, em vez de atuar como um moderador na polêmica gerada pelo acordo militar firmado entre a Colômbia e o governo norte-americano”.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
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