sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Alberto Carlos Almeida:: A estratégia da oposição em 2010

DEU NO VALOR ECONÔMICO

No dia 3, uma quinta-feira, mais uma vez o caos se instaurou no trânsito de São Paulo. Foi por causa de muita chuva. Formou-se um engarrafamento de mais de 200 quilômetros. Eu provavelmente percorri uns 25 desses 200. Isso me tomou 2 horas e 15 minutos. Era início da noite e no rádio do táxi, além das músicas, tive a chance de ouvir a propaganda partidária do PSDB e do PT. No PSDB falaram José Serra, Aécio Neves e o presidente do partido, Sérgio Guerra. As falas foram otimistas e propositivas, foram evitadas críticas frontais ao governo Lula.

Serra e Aécio enfatizaram que são realizadores. Mostraram muito do que fizeram e vêm fazendo à frente de seus respectivos governos.

O programa do PT foi mais conflituoso. Compararam-se as realizações do PT com as do PSDB. O locutor dizia que o PT quebrou tabus, que no passado havia o tabu de que o Brasil não pagaria a dívida externa e o PT pagou; que havia o tabu de que aumento de salário mínimo gerava inflação, o PT fez vários aumentos reais e não houve aumento de custo de vida. O esforço da propaganda do PT foi de comparação insistente com o PSDB, mostrando sempre, como é praxe em propagandas dessa natureza, que o PT e os seus são melhores do que o PSDB.

Os leitores de jornais já sabem que o governo adotará, na campanha de 2010, a estratégia de comparar o que foi feito durante o governo Fernando Henrique com o governo Lula. Ademais, há sinais claros de que o governo tentará também levar o debate eleitoral para um plebiscito de aprovação do que Lula vem fazendo. Algo como: quem aprova o governo que dê continuidade a ele votando em Dilma, quem não gosta do governo pode votar nos demais candidatos. Como a soma de ótimo e bom do governo gravita entre 65 e 70%, uma grande conversão dessa aprovação em votos levaria Dilma à vitória.

Do lado da oposição, para esses mesmos leitores, depreende-se que sua estratégia é de comparação de biografias. Em 13 de outubro, o marqueteiro de Serra, Luiz González, em entrevista ao Valor, disse justamente isso. Serra e Aécio têm biografias densas e consistentes. Dilma era a regra-três da regra-três. O nome dela só passou a ser considerado depois do naufrágio de José Dirceu e de Palocci. Dilma nunca disputou uma eleição, Dilma foi guerrilheira, Dilma não veio de baixo e por aí vai.

Com a comparação o eleitorado veria que personalidade, que pessoa é melhor para governar o Brasil. Como o nosso voto é na pessoa, como o país é personalista, então a comparação de biografias daria a qualquer candidato do PSDB uma vantagem folgada sobre Dilma.

Qualquer decisão acerca da adoção desta ou daquela estratégia de campanha depende de como se analisa a disputa eleitoral. Análises diferentes levam a estratégias diferentes. Se alguém acredita que ao atacar o governo a avaliação dele piora, então haverá a tendência de criticar as (não) realizações do governo. Se, como eu, você acredita que o ataque ao adversário não leva à piora de sua avaliação, então adotará uma estratégia que se adaptará à boa avaliação do governo Lula.
Assim, considero que há alguns pressupostos muito importantes que devem ser levados em conta antes de se tomar a decisão sobre a estratégia de comunicação da campanha de 2010.

O primeiro deles, já mencionado acima, é a impossibilidade de desconstruir, como os políticos gostam de falar, a imagem de um governo simplesmente por meio da crítica. Fernando Henrique desfrutou de uma excelente avaliação de governo durante todo o seu primeiro mandato. No mesmo período o PT só fez criticar o governo: atacou as relações do Brasil com o FMI, disse que o Plano Real era o Plano Cruzado dos ricos, promoveu um plebiscito para defender não pagar a dívida externa, votou sempre contra o governo na Câmara e no Senado, etc. O que tudo isso influenciou na avaliação do governo? Nada.

A popularidade de Fernando Henrique caiu de forma significativa duas vezes, uma por causa da desvalorização do real, a partir de janeiro de 1999, e outra logo após o apagão. Em suma, eis o primeiro pressuposto baseado em dados: a popularidade de um governo não depende das críticas da oposição, mas de fatos políticos efetivos que resultam em sua melhora ou piora. Lula passou todo este ano com a soma de ótimo e bom gravitando em torno de 65%. Assim, a tendência, na ausência de um fato político relevante, como uma crise de desemprego ou um escândalo semelhante ao mensalão, é que a eleição ocorra com o governo tendo esse mesmo nível de popularidade.

O segundo pressuposto é que podemos dividir o eleitorado em três grandes grupos: aqueles que sempre votam em candidatos do PT, aqueles que sempre votam em candidatos do PSDB e aqueles que mudam de voto em razão da conjuntura. Se Lula fosse candidato em 2010, ele teria uma votação estrondosa. Todavia, uma determinada proporção do eleitorado acabaria votando no candidato de oposição. Esse contingente varia entre 25 e 30%. Ou seja, Lula pode ser o máximo, pode ser um semideus, a economia pode estar superaquecida, a pessoa pode estar comprando mais e muito satisfeita com a vida, mas mesmo assim ela não vota em Lula, não vota em candidatos do PT.

É assim em qualquer país. Obama venceu McCain com uma vantagem de aproximadamente sete pontos porcentuais no voto popular. Foi uma vantagem pequena, um resultado muito apertado.
Por que isso aconteceu se a crise era muito aguda naquele momento? Porque há eleitores que jamais votaram e nunca votarão em um candidato democrata. O mesmo vale para o voto em um candidato republicano. O mesmo vale para votar no PT e no PSDB. Isso significa que uma estratégia de comunicação de sucesso tem que ser dirigida para o eleitor que muda de voto.
Atualmente, o eleitor que muda de voto tem uma avaliação positiva do governo federal.

O terceiro pressuposto, também baseado em dados e em estudos empíricos, diz respeito ao perfil do eleitor que vota em Lula e o eleitor que rejeita o PT e tudo a ele associado e sempre vota contra Lula. O eleitor de Lula é majoritariamente de classe baixa, quanto mais pobre uma pessoa é, maiores as chances de ela gostar de Lula. Por outro lado, o eleitor dos candidatos do PSDB é mais de classe média. Não deve ser entendido aqui como classe média quem mora na zona sul do Rio ou nos Jardins em São Paulo. Isso é classe alta. A classe média tem um rendimento familiar mensal de aproximadamente R$ 1.200,00. Assim, quando se sobe na pirâmide social brasileira, aumenta-se a chance de se votar em Serra ou Aécio. Quando se desce na mesma pirâmide, aumenta-se a chance de se votar em Lula e no PT.

Fundamentado nesses pressupostos eu diria que a estratégia mais eficiente da oposição não é a pura e simples comparação de biografias. A estratégia mais eficiente teria que adotar as seguintes linhas mestras:

1) Assim como ocorreu no programa de rádio que menciono no primeiro parágrafo, não atacar Lula nem seu governo. Seria preciso ir além, dar um passo mais ousado: propor dar continuidade ao que foi feito no governo Lula e é muito aprovado pelo eleitorado. Seria preciso se apresentar como o mais qualificado para dar continuidade ao que foi feito de bom durante o período Lula. Lula não fez isso em 1994. Pelo contrário, atacou duramente uma coisa muito aprovada pelo eleitorado, o Plano Real. Fazendo isso, ele facilitou sobremaneira a tarefa do governo na campanha eleitoral. Aproximar-se de um governo bem avaliado é estrategicamente equivalente a afastar-se de um governo mal avaliado, justamente o que fez a campanha de Serra em 2002, ao dar no "Programa do Jô" e no "Jornal Nacional" nota 7,5 ao governo Fernando Henrique;

2) Mostrar que Lula é Lula e Dilma é Dilma, que são dois entes inteiramente diferentes e por isso Dilma não tem condições de dar continuidade ao que Lula fez. Lula é simpático, Dilma é antipática; Lula veio de baixo, enquanto Dilma era guerrilheira; Lula é do Nordeste, Dilma é gaúcha, e assim por diante. Entre os dois há mais contrastes do que similitudes. É nesse contexto específico que entra a comparação entre biografias. As biografias do PSDB são todas melhores do que a biografia de Dilma para dar continuidade às coisas boas feitas no governo Lula;

3) Criticar Lula quanto a uma característica importante que todo político tem que ter e Lula não tem. Lula não sabe escolher seus auxiliares: veja-se José Dirceu e o mensalão, Palocci e o caseiro e tantos outros que deixaram o barco petista porque não eram realmente qualificados para o que estavam fazendo. Dilma é mais um desses casos. Dilma é resultado deste defeito de Lula: ele não sabe escolher seus principais auxiliares;

4) Por fim, o quarto elemento central da estratégia visa a embaralhar um pouco as cartas entre os pobres e a classe baixa. Lula é mais do que Getúlio entre os pobres, Lula é o pai dos pobres, o rei dos pobres, a mãe dos pobres, o deus dos pobres. Lula nada de braçada entre os pobres, sem nenhuma oposição realmente efetiva. É preciso diminuir a influência de Lula entre esse eleitorado por meio de propostas. Propostas que também serão uma espécie de crítica a Lula e seu governo. A crítica que considero ser a mais surpreendente e a mais efetiva: Lula ficou oito anos na Presidência e nunca liderou o país para reduzir os impostos que incidem sobre o consumo, em particular sobre os alimentos. Essa proposta lança dúvidas sobre o compromisso de Lula para com os pobres. Essa proposta mobiliza e agrada ao eleitorado. Essa proposta, se posta em prática, aumentaria de imediato o consumo do eleitorado.

Há certa incredulidade, da parte de alguns políticos da oposição, em relação à efetividade do tema dos impostos. Não há um tema novo para 2010, um tema novo relacionado ao consumo, que é o que realmente decide uma eleição presidencial. Em 1994 e 1998, o Plano Real e a redução da inflação, com o consequente aumento do consumo, foram os temas da eleição. Em 2002, o tema foi o desemprego e os efeitos negativos que teve sobre a renda.

Em 2006, o tema foi o Bolsa Família. E agora, qual será o tema?

Se a oposição ousar, poderá pôr na ordem do dia a redução dos impostos sobre o consumo.

Em 2008, segundo os dados do Ipea, quem ganha até dois salários mínimos foi atingido por uma carga tributária de 53,9%. Porém, quem ganha mais de 30 salários mínimos teve uma carga de apenas 29%. É muita injustiça. A nossa estrutura tributária, única no mundo e de inspiração escravista, que Lula não modificou uma vírgula sequer, produz pobreza e desigualdade. Lula e o PT admiram o sistema francês e gostam de controlar recursos, daí a obsessão pelo aumento da carga tributária. A oposição apenas precisa ousar para modificar de fato a face do debate público no Brasil. Menos impostos e mais consumo, já!

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" (Record

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