sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Luiz Carlos Mendonça:: Economia brasileira: riscos para 2010

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O que pode estragar esse cenário de forte crescimento? Certamente, erros de política econômica pelo governo

Que diferença entre as expectativas que temos hoje para a economia e o mesmo sentimento nos últimos dias de 2008. "Água para o vinho", para usar uma expressão popular que se perdeu no tempo.

Um ano atrás, vivia-se a sensação de que a economia mundial mergulhava em um vazio assustador após a quebra do banco Lehman Brothers. Profetas do Apocalipse ocupavam as paginas principais dos maiores jornais do mundo com profecias aterradoras. Os terríveis dias, meses e anos da Depressão dos anos 30 do século passado eram lembrados na mídia diariamente.
No Brasil, esses mesmos receios eram divididos por empresários, jornalistas, banqueiros e trabalhadores. Sabemos hoje que apenas os consumidores, principalmente os de renda mais baixa, não foram dominados por esse baixo astral em dimensão global. As estatísticas sobre o consumo nos piores dias da crise são claras nesse sentido.

Mas, em uma sociedade moderna, é a sua superestrutura que formata o comportamento da mídia. E a mídia adora explorar um momento de pânico coletivo para aumentar a demanda por seus serviços. Por isso, o sentimento de desespero no Brasil parecia ser geral, quando se lia os principais jornais e revistas.

Durante os primeiros três meses de 2009, o cenário econômico continuou a se deteriorar. A esperança trazida por um novo presidente na maior economia do mundo e epicentro da crise durou poucas semanas. As Bolsas de Valores, termômetro eficiente do sentimento coletivo, chegaram, no mundo todo, ao fundo do poço nas primeiras semanas de março. O índice S&P da Bolsa de Nova York chegou a 666,80 nesses dias -que os investidores certamente gostariam de esquecer. Uma queda de mais de 55 % em relação ao que prevalecia ao se encerrar 2007.

Mas as ações decisivas de governos e bancos centrais -seguindo as lições da Grande Depressão- conseguiram reverter, pouco a pouco, essa sensação de vazio. O pânico foi cedendo lugar a um pessimismo mais racional, o que permitiu que parte do mundo chamado emergente voltasse a crescer de forma sustentada. Com isso chegamos, neste final de ano, a um cenário mais construtivo para 2010 em um grupo importante de economias. O Brasil, junto com a China, é um dos exemplos mais representativos desse universo. Como o comportamento do consumidor brasileiro fugiu à regra geral do pânico, a normalização das expectativas ocorreu de forma mais rápida e consistente entre nós.

Alguns indicadores econômicos já estão em níveis superiores ao que prevalecia antes de setembro do ano passado. O número de empregados com carteira assinada, a massa de salários e mesmo o volume de crédito ao consumo são alguns exemplos relevantes dessa realidade extraordinária.

Como resultado, o crescimento a taxas bastante elevadas deve voltar em 2010. Como resposta ao vigor dos gastos dos brasileiros, os empresários certamente retomarão os investimentos em setores ligados à dinâmica interna. Apenas nos setores mais voltados à exportação de bens industriais deve permanecer uma atividade menos intensa.

O que pode estragar esse cenário de forte crescimento nos próximos anos? Certamente, erros de política econômica por parte do governo. Em recente entrevista, o ministro da Fazenda nos dá uma boa pista sobre a elevada probabilidade de isso ocorrer. Suas palavras foram de "hubris" pura. Ou, como diz minha neta Gabriela: "Ele está se achando..."

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

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