quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Miriam Leitão :: Líderes em ação

DEU EM O GLOBO

A Conferência do Clima ainda pode ser salva. Os chefes de Estado atuaram ontem intensamente nos bastidores. A negociação para salvar a COP-15 ocorre em vários teatros. Na área técnica, houve impasses. O presidente da Conferência, primeiroministro dinamarquês, tentou arrancar apoio para seu novo documento.
Os chefes de Estado começaram a falar de dinheiro.

O dinheiro não apareceu ainda na mesa, mas já se vislumbra seu contorno. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, convocou uma coletiva junto com o presidente da Etiópia, que representa a União Africana. E os dois, Europa e África, representaram um dueto.
Barroso disse que apoiava a proposta da Etiópia de financiamento.

Por trás desse fato muita coisa tinha acontecido. O presidente Nicolas Sarkozy, o primeiro-ministro Gordon Brown e a chanceler Angela Merkel estão negociando, em contatos frequentes, o tamanho da ajuda europeia ao fundo de combate às mudanças climáticas. Mas queriam ter certeza de que a proposta seria bem aceita pelos africanos. Houve negociações prévias, e dessas conversas saiu a proposta que foi defendida pelo presidente da União Africana e primeiro-ministro da Etiópia, Meles Zenawi, no discurso que fez no plenário ontem à tarde. Recapitulando: a proposta saiu da Europa, foi anunciada pela África como sendo dela, e foi apoiada depois publicamente pelos europeus. E por que essa circunavegação da Terra? Porque a Europa não quer dizer quanto quer gastar antes de saber qual é o tamanho do cheque do presidente Barack Obama; mas ao mesmo tempo queria conter o clima de deterioração das expectativas que estava se espalhando.

A proposta feita por Zenawi em plenário é de que a África aceita o fundo de curto prazo, de US$ 10 bilhões por ano em três anos, desde que 40% disso sejam dos africanos. No financiamento de longo prazo, a proposta é de US$ 50 bilhões por ano até 2015, e US$ 100 bilhões por ano depois de 2020. A África quer 50% do dinheiro.

O que não foi dito é que os líderes europeus estão negociando entre eles que o bloco colocaria 30% desse total. Que o fundo será constituído por oito mecanismos diferentes de financiamento, a maior parte de fundos públicos, uma parte de mercado. O primeiro-ministro Gordon Brown conversou com o presidente Lula sobre isso. A ideia é atrair para a proposta os países latino-americanos.

Quem atua no convencimento dos países hispanoamericanos é a Espanha. A ministra-chefe da delegação espanhola chamou os representantes de todo o grupo para conversar.

Os Estados Unidos, enquanto isso, assumiram o papel de vilão sem disfarces.

Na negociação que varou a noite, até a manhã de ontem, foi com surpresa que os outros negociadores viram tudo retroceder. Todd Stern, o chefe da negociação, avisou que não aceitava mais que houvesse aqueles colchetes com as opções de metas de cortes de emissão dos países ricos.

A mais baixa meta que estava no texto, há vários dias, era de 25% em relação a 1990, mais alta do que a que está sendo neste momento votada no Senado americano.

Os Estados Unidos concordaram durante dias. De repente, Stern quis que fossem retirados os números dos colchetes e trocados pela letra xis. Os números em colchetes são opções a serem oferecidas aos chefes de Estado. Já quando entra a letra X fica claro que o impasse é total. Outros países pediram para tirar tudo do qual haviam discordado, e trocado pela letra X .

De manhã, a delegação americana anunciou que a secretária de Estado, Hilary Clinton, estava embarcando para Copenhague. A informação é de que o presidente Obama só virá na certeza do sucesso. O custo político de Obama não vir será imenso.

O Japão anunciou, de surpresa, no fim do dia, que vai depositar um terço do dinheiro previsto para o fundo de curto prazo. A informação chegou laconicamente em forma de um release distribuído na sala de imprensa. O primeiro-ministro, Yukio Hatoyama, propõe depositar US$ 11 bilhões no fundo, que em três anos terá US$ 30 bi. Como a Europa já anunciou também um terço desse fundo, ficou faltando quem? Os Estados Unidos. Eles terão que mostrar seu cheque. Os americanos tiveram uma ação deletéria bem na reta final.

O país de Obama tinha uma dívida e prometia pagar. Enquanto a Europa já tem metas, os Estados Unidos, por não terem entrado em Kioto, estão dez anos atrasados.

Por outro lado, os grandes países emergentes terão que ceder também: em metas e em contribuições ao fundo.

Com esses movimentos coreografados ontem, os países ricos estão saindo da situação de afundadores da COP, que tinham assumido nos últimos dias. Com a aliança EuropaAacute;frica ficou claro, mais uma vez, as várias divisões que têm os países em desenvolvimento.

Nessa coleção de dias decisivos, hoje será mais um deles. Copenhague vai além da Dinamarca. A reunião de alguns chefes de Estado já começou em contatos bilaterais ou em reuniões virtuais.

Há ainda posições enigmáticas, impasses, conflitos e ameaças. As negociações continuam acontecendo.

Não há mais noites na Dinamarca.

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