segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Política externa vai ocupar espaço inédito na campanha presidencial

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Raymundo Costa, de Brasília

A política externa brasileira deve ter um espaço inédito assegurado na campanha presidencial de 2010, tanto por causa da projeção internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como pelos resultados e trapalhadas que proporcionou nos últimos oito anos anos.

Lula é sucesso por onde passa, e isso será explorado pelos arquitetos da candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Roussef. O tucano José Serra espera por isso, mas desconfia se o conteúdo da política externa venha a ser um tema central ou mesmo capaz de influir na eleição.

O professor de relações internacionais e cientista político da Universidade de Brasília (UnB), David Fleischer, acredita que isso ocorreu nas últimas eleições por uma espécie de acordo tácito entre os candidatos.

"Na campanha presidencial americana eles reservam um dos debates para a política externa", diz Fleischer. "Mas aqui geralmente os candidatos, por comum acordo, evitam falar porque acham que não rende votos". Isso pode mudar em 2010, na visão do professor da UnB.

Nas contas de Fleischer, contabilizadas antes da viagem de Lula a Copenhague para a conferência do clima, o presidente esteve fora do país, este ano, um total de 90 dias. Nessas incursões, Lula teve ampla cobertura de mídia, especialmente dos telejornais. E é provável que isso em parte tenha contribuído para sua elevada aprovação nas pesquisas.

De certa forma, Dilma já incorporou a política externa à sua agenda de campanha, como demonstram duas viagens recentes da ministra: a Copenhague, para a conferência do clima, e a Alemanha, quanto a qual tratou, com jornalistas brasileiros, do espinhoso tema Honduras.

Em alta velocidade, a bordo do trem-bala (que os alemães, aliás, estão interessados em vender ao país), foi Dilma quem sinalizou o recuo da posição do Brasil em relação a uma das mais polêmicas ações da política externa brasileira: a ingerência explícita em assuntos internos de outro país.

A defesa de Manoel Zelaya e a condenação dos "golpistas" alçados ao poder, em Tegucigalpa, representou uma guinada na condução dos negócios exteriores. Pelo menos desde o governo de Ernesto Geisel, o penúltimo presidente do ciclo dos generais, as palavras mágicas no Itamaraty eram não ingerência e respeito à autodeterminação dos povos.

Lula mudou o eixo da política externa, e os petistas têm bons motivos para usá-la como estandarte na eleição. Mas como acontece com todas as mudanças, elas também forneceram munição para a oposição estocar e usar durante a campanha eleitoral.

O Brasil se tornou um protagonista internacional, mas também colecionou fracassos, como as frustradas tentativas para eleger brasileiros ou aliados para a direção de organismos internacionais como a OMC, o BID, o Tribunal Internacional de Haia (na Holanda) e a Unesco - neste caso, ignorando a candidatura viável de dois brasileiros para fazer um gesto político ao Egito.

Esse ativismo também rendeu rendimentos elevados em outras ocasiões, caso, por exemplo, das articulações no G-20 que antecederam a reunião de Cancún, no México, da OMC e serviram para alterar substancialmente a política da Organização Mundial do Comércio. Por tabela ganhou também destaque para as negociações no sistema financeiro internacional.

Outra grande mudança ocorreu na política do BNDES, que passou a emprestar dinheiro para investimentos em países vizinhos. Nunca antes na história, parafraseando o presidente Lula, o país tinha feito isso. É algo comum às nações do hemisfério Norte, mas não do lado de cá da linha do Equador.

Em tese, os empréstimos ajudariam a reforçar a política externa. Na prática, oferecem à oposição o argumento segundo o qual o governo é leniente com a vizinhança - nas principais disputas pela direção de organismos internacionais em que se envolveu o Brasil ficou isolado entre os latino-americanos, caso claro da eleição para a OMC.

Ponto positivo para o PT na campanha é o papel do Banco Central na crise americana. "Isso vai ser uma fala forte do ano que vem: nossa política macroeconômica, BC, nossos bancos muito bem controlados, não estavam ao bel-prazer como estavam os dos EUA. A Dilma vai bater forte nisso", diz Fleischer.

Para o secretário de Assuntos Internacionais do PT, Pedro Pomar, a política externa teve enorme visibilidade já em 2006. Ele não dá a menor importância ao fato de o tema ter merecido pouco mais de 32 linhas no programa de governo petista.

"Fiz parte da comissão de programa (de governo do PT) e todos os temas foram "enxutos"; e, pelo contrário, onde havia maior consenso interno sobre o que dizer, se podia ser mais econômico", testemunha Pomar.

Segundo Pomar, o destaque à política externa tanto em 2006 como em 2010 se dá por vários motivos, "o principal dos quais é acaciano: há uma enorme divergência sobre a política externa, entre nós e os tucanos", diz. "Houvesse identidade, não haveria polêmica".

Pomar considera que "o fato de Lula ter projeção internacional e os acertos da política externa" não são a causa do debate que está, na realidade, na "existência de divergências".

O secretário de Assuntos Internacionais do PT foge um pouco à regra quando é analisado o papel de Lula e a importância que o país ganhou no cenário internacional. "Ela resulta da política", diz.
"O estilo pessoal do presidente é um fator complementar, mas este estilo (sem a política) não teria o mesmo efeito".

Integrante maior da Articulação de Esquerda, uma das tendências do PT, é interessante ouvir Pomar num momento de transição quando o partido espera, no próximo governo, influir mais do que nos oito anos de mandato de Lula:

"A política tem impacto por ela mesma, bem como pela conjuntura internacional, de crise, instabilidade e transição. Neste contexto, de declínio da hegemonia dos EUA, todos os países que podem ocupar um espaço maior na cena estão chamando a atenção do mundo."

É lugar comum na Esplanada dos Ministérios que as origens e o carisma de Lula contribuíram muito para sua projeção internacional, mas que isso não teria bastado não fosse o reconhecimento externo de políticas públicas como o ataque à desigualdade social. "O destaque internacional do governo Lula está relacionado a um mix (política externa, política interna e estilo pessoal), mas nesse mix o fundamental é a política externa em si", afirma Pomar.

Do ponto de vista de hoje, é provável que Dilma leve vantagem na comparação, como quer fazer o presidente Lula, entre os dois governos - petista e tucano - nas eleições de 2010. Em condições normais de pressão e temperatura, Lula chegará à eleição com reservas externas altas (mais de US$ 200 bilhões), enquanto Fernando Henrique Cardoso, por causa de uma sucessão de crises externas, viu as reservas evaporarem. Em janeiro de 1999, primeiro ano do seu segundo mandato, o presidente foi obrigado a deixar o câmbio flutuar.

Lula aproveitou a bonança mundial, talvez nem tanto quanto deveria, segundo a oposição do PSDB ao PPS, passando pelo Democratas. FHC passou pelas crises russa, mexicana e asiática que bateram forte e forçaram o presidente tucano a ir duas vezes a recorrer ao Fundo Monetário Internacional. Lula emprestou dinheiro ao FMI.

Um gesto demagogo, como denuncia a oposição, mas de apelo eleitoral. Pode se repetir o que ocorreu em 2006 quando o candidato Geraldo Alckmin foi acusado de pretender vender o Banco do Brasil e a Caixa sem nunca ter efetivamente declarado essa intenção, ao menos de público. FHC costuma dizer que se o BC tivesse autonomia, em 1999, em vez da diretoria do banco ele é quem teria sido demitido.

Serra é econômico quando se refere à política externa. Considera o chanceler Celso Amorim um diplomata competente, que atua no limite" e com o qual se entendeu muito bem quando estava no governo federal, no Ministério da Saúde. Ainda sem ter confirmado sua candidatura pelo PSDB, o governador de São Paulo também pouco ou quase nada fala sobre sua eventual política externa. Quem conversa com o tucano paulista com alguma regularidade espera dele uma forte atuação, de início, em relação ao comércio exterior.

Já a ministra Dilma não esconde a admiração que tem pelo desempenho do presidente Lula na política externa.

"A relação das lideranças internacionais com o presidente é impressionante", disse a ministra, numa recente conversa com o Valor. "Um país só é respeitado se se respeita. Se não tivéssemos reduzido as desigualdades a gente tinha o respeito internacional".

Dilma também acha, como Pomar, que a projeção internacional do país não ocorre "pelos belos olhos do presidente", diz. "É também - o presidente tem essa capacidade de gerar simpatia e ter essa relação. Mas é também pelo fato de que eles respeitam. Nós não somos tratados como pop-star, somos tratados como um governo", afirmava então a ministra em referência ao tratamento dispensado a Lula na Alemanha, no início do mês.

Fosse só por isso - acredita Dilma - "a gente não era respeitado. Ele foi capaz de pegar um país, que estava com a reserva lá embaixo, com uma inflação não sei das quantas, totalmente desequilibrado, com a metade da torcida contra dizendo que ele ia fazer governo ruim, não ia dar certo, ia tudo para o beleléu". E no entanto "é um governo bem sucedido economicamente, um governo que passou dificuldades", dizia. "Agora falam que é sorte. Como sorte? Me conta como a gente pegou a maior crise pelos cornos - como diz a Conceição Tavares - e saiu dela"?

Em resumo, num eventual governo Dilma a expressão "continuidade" também dará o tom da candidatura da ministra no que se refere à política externa.

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