segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Os liberais e a fragilidade do capitalismo

Antônio Inácio Andrioli
DEU NA REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO N° 91

Com a crise do mercado financeiro, surpreendentemente, economistas e jornalistas liberais passaram a defender a interferência do Estado na economia capitalista. Contraditoriamente ao seu discurso clássico, marcado pela apologia do livre mercado como único regulador da economia, os liberais defendem a ajuda financeira do Estado aos bancos e empresas em estado falimentar. Teriam os liberais revisto suas teorias, analisado seus equívocos e modificado suas posições? Trata-se de uma crise do capitalismo ou do liberalismo?

Até bem pouco tempo, sequer a palavra “capitalismo” era mencionada no discurso político dominante no mundo. Parecia que estávamos vivendo em uma sociedade em que a desigualdade, a pobreza, a exclusão social e a destruição ambiental, quando consideradas, eram geralmente analisadas como sendo decorrentes da ação de indivíduos, sem que uma lógica estrutural conduzisse os seres humanos a agir de determinada forma. Inclusive, em tempos de crise, muitos intelectuais continuam moralizando a economia, procurando os culpados: os assim considerados “maus capitalistas”, “maus banqueiros” e “maus investidores”.

Mesmo com uma vasta disponibilidade de indícios empíricos e de acúmulo teórico de análise crítica das forças destrutivas do capitalismo, o discurso hegemônico continuava confundindo as causas com soluções. Por exemplo, diante das constatações de que o livre mercado era responsável pela generalização da crise capitalista em nível mundial, as soluções apontadas sugeriam a ampliação do livre mercado, a privatização e a interferência cada vez menor do Estado na economia.

Com o aprofundamento da crise e a perspectiva de uma depressão econômica em nível internacional, agora os liberais utilizam uma tática ideológica antiga: a naturalização da economia. Na Idade Média, por exemplo, os senhores feudais, reis, nobres e demais privilegiados podiam contar com a crença divina para justificar a situação social gerada pelo modo de produção hegemônico. Atualmente, os liberais, confrontados com a negação empírica das suas teorias, tentam difundir um inexorável determinismo natural combinado com doses de cetiscismo para explicar seu fracasso teórico. O discurso dominante tende a considerar que compreender a economia mundial, na complexidade como ela se desenvolveu contemporaneamente, seria uma tarefa impossível. Ou seja, a humanidade teria avançado muito em termos de ciências naturais, de entendimento da astronomia, da física, da química e da biologia, mas não teria condições de compreender os fenômenos econômicos em nível internacional.

A tentativa de difundir uma noção de incompreensibilidade da economia mundial, assim como a tentativa de naturalizar os fenômenos econômicos, demonstra a perplexidade dos liberais com os atuais acontecimentos. O comportamento não é novo: ao invés de assumir que a “mão invisível do mercado” não funciona, contraditoriamente, se nega o próprio discurso, afirmando a necessidade de ação emergencial do Estado. Isto é, a negação hipócrita procura minimizar o fato da atual retórica estar revelando o fracasso prático da sua teoria.

Curiosamente, entretanto, a atual crise econômica internacional não é a primeira da história e podemos verificar enormes paralelos com as crises anteriores, tanto no processo gerador da crise como na tentativa de sua explicação. A primeira crise econômica mundial iniciou no dia 09 de maio de 1873 em Viena, atingiu Nova Yorque em seguida e, posteriormente, Hamburgo, ampliando-se para os principais mercados capitalistas daquela época. Se seguiram 5 anos de profunda depressão econômica. A segunda crise econômica mundial, a mais conhecida, iniciou no dia 24 de outubro de 1929 e encerrou somente com o final da segunda Guerra Mundial, com a vitória dos Estados Unidos e seu domínio sobre o mercado mundial. Assim como em outros tempos, a maior economia mundial passou a ser a maior potência militar, impondo seus interesses, sua ideologia e sua linguagem de forma hegemônica sobre os demais países.

O atual domínio estadounidense sobre o mundo se justifica principalmente pelo seu poder militar (especialmente através das armas nucleares) e a instituição do dólar como moeda-padrão para a economia mundial. O longo período de hegemonia dos EUA é marcado por guerras e destruição. O keynesianismo e a construção do Estado de bem-estar social contribuíram para estabelecer ciclos de crescimento econômico num nível nunca antes visto na história da humanidade. Isso serviu para evitar o surgimento de um contra-poder, iminente com a existência de um bloco não-capitalista (soviético e chinês), resultante de revoluções sociais no mesmo período. Mesmo assim, a economia mundial ameaçava entrar em crise nos anos 1980.

Com o desmoronamento da União Soviética e a queda do Muro de Berlim (1989-1990), cerca de 2 bilhões de pessoas, que há mais de 50 anos estavam fora do alcance do capitalismo, dispondo de ¼ dos recursos mundiais, passaram a integrar o mercado capitalista, permitindo um novo ciclo de expansão, caracterizado como globalização econômica. Esse ciclo de acumulação está chegando ao seu final, deixando, mais uma vez, explícitas duas características fundamentais do capitalismo como modo de produção: a instabilidade e a insustentabilidade.

A economia capitalista é marcada por crises contínuas, umas menores e outras de caráter mundial. Em tese, portanto, podemos afirmar que não existe capitalismo sem crise econômica. As crises cíclicas de superprodução são intrínsecas a esse modo de produção, caracterizado pela separação entre capital e trabalho. O crescente investimento em capital constante (prédios máquinas, tecnologia, etc.), desproporcional ao investimento em capital variável (trabalho vivo), conduz a uma tendencial queda da taxa de lucros, pois somente o trabalho gera o valor e a mais valia (fruto da exploração do tempo de trabalho). Diante disso, os liberais procuram uma saída de sobrevivência ideológica, pois não querem assumir que Marx tinha razão.

Os capitalistas, confrontados com essa fatalidade, há muito tempo conhecida, tendem a investir em outros setores da economia quando determinados investimentos passam a ser considerados menos lucrativos. Assim, muitos investidores deixaram de investir na produção, passando a alocar dinheiro no mercado imobiliário, em bolsas de valores e em bancos. Contudo, “dinheiro não gera dinheiro”. Para que o dinheiro possa valorizar é necessário que ele seja investido na produção, de forma que seja possível se apropriar do excedente de valor gerado pelo trabalho. Por isso, as consequências negativas sobre o capital produtivo são enormes, pois para suportar a carga do pagamento de juros e satisfazer a expectativa dos acionistas, as indústrias, por exemplo, são obrigadas a aumentar a mais-valia (a exploração do trabalho), através de maiores jornadas de trabalho e menores salários. O efeito final, entretanto, somente reforça o problema da crise de superprodução: os menores salários e o desemprego diminuem o poder de compra, desaquecendo a economia como um todo e estimulando os acionistas a investir em outros setores. A crise gira em círculo e o espiral depressivo somente tende a aumentar.

A expectativa de valorizar dinheiro através do mercado financeiro e imobiliário é comparável a um jogo de cassino, onde apenas alguns se apropriam de vantagens a curto prazo, resultantes das perdas de outros. Com a ampliação do mercado financeiro e a mundialização do capital, foi generalizada em nível internacional uma espécie de cassino mundial, embora mantendo o maior fluxo de capital entre os países capitalistas mais ricos. Para que o mercado mundial de capitais pudesse crescer em tamanha proporção, decisões políticas foram necessárias para permitir equiparações e garantias mínimas aos investidores. A expectativa era estimular o crescimento da economia através do fluxo de investimentos que, segundo a crença dos liberais, seria regulado pela “mão invisível do mercado”.

Atualmente estamos diante de mais um fracasso histórico do liberalismo. Nunca o mercado havia sido tão liberalizado e em escala internacional. As expectativas dos liberais foram frustradas porque suas teorias partem de uma ilusão central: a idéia de que o mercado seria uma força autoreguladora e que, em função da concorrência, os recursos econômicos seriam alocados da melhor maneira possível. Essa idealização do mercado como mecanismo regulador segue uma lógica de pensamento que corrobora a circulação e o aquecimento da especulação nas bolsas de valores.

Na realidade, entretanto, o mercado funciona com base nas relações socias entre seres humanos que trocam produtos. O mercado é regulado pela oferta e pela procura de mercadorias, uma relação meramente quantitativa, que cumpre uma função de mediação. Mas, assim como a mercadoria pode operar como fetiche, o processo de troca de mercadorias produz e necessita de ilusões para continuar funcionando. Na lógica do mercado, os vendedores pressupõem que compradores pagam, em forma de dinheiro (uma mercadoria comum que serve para trocar mercadorias), e os compradores pagam porque internalizaram a idéia da troca. Com base na mesma idéia, credores e devedores negociam, acionistas e investidores aplicam dinheiro (mesmo quando este continua nos bancos, sendo apenas uma expectativa, uma virtualidade, pois trata-se de cifras, de transações bancárias sem o uso de moeda-papel, de documentos que geram expectativa de pagamento).

Quando a virtualidade do mercado idealizado foi confrontada com uma crescente impossibilidade real de pagamento (por parte do assim chamado capitalismo real, dependente da produção), as expectativas dos “apostadores” se reduziram a riscos. O problema maior, para além das expectativas de ganho frustradas (como eram virtuais não poderiam ser caracterizadas como perdas, pois se baseavam meramente em apostas) dos assim chamados investidores, é a incidência negativa do crédito sobre a produção capitalista, gerando endividamento, falências e uma depressão econômica real. Contudo, a origem do problema continua na produção capitalista, tendencialmente geradora de crises de superprodução. A crise financeira é sua decorência e apenas agrava a crise do capitalismo “real”, surgindo em escala global quando a maioria dos economistas liberais a menosprezava como distante, localizada e passageira, ignorando seu potencial destrutivo.

As soluções apresentadas para sair da crise confirmam o caráter ideológico do liberalismo. A atitude de negação do próprio discurso em favor do livre mercado e a proposta de “ajuda econômica” por parte do Estado demonstram claramente o equívoco da concepção do mercado como alocador de recursos: o mercado é um instrumento de poder que opera no sentido da concentração de recursos econômicos, tendo como maiores consequências negativas o desperdício (destruição do meio ambiente) e a exclusão social (radicalização da desigualdade).

A força política da idéia de mercado se manifesta na aceitação da premissa proposta: a necessidade de ajudar o capitalismo a sair da crise. Em outras palavras, os prejuízos são socializados (na forma de subsídios, ajuda financeira, isenção de impostos) e os benefícios privatizados (os jogadores que perderam no cassino, utilizando dinheiro de outros, recebem uma nova chance de jogar, novamente com o dinheiro alheio). O Estado se endivida para ajudar os responsáveis pela crise com dinheiro público e, com isso, continua reduzindo investimentos em programas sociais e em projetos de infra-estrutura. E, enquanto isso, a concentração de renda e de capital continua.

É claro que, diante das evidências do fracasso e da fragilidade do capitalismo, o Estado poderia estatizar os bancos endividados, estabelecer regras para evitar crises futuras e controlar o fluxo de capitais. Mas, pelo contrário, a solução apresentada pelos liberais consiste em solicitar a ajuda do Estado para ajudar o sistema a sair da crise e depois deixar o mercado como regulador até que uma próxima crise se instaure. Essa é a função do liberalismo, como teoria legitimadora do modo de produção capitalista, conduzindo à aceitação das suas propostas por parte da maioria da sociedade, que arca com o ônus da crise gerada em função da concentração do capital. A evidência da fragilidade do capitalismo e do fracasso teórico do liberalismo, entretanto, não conduzem, automaticamente, à sua superação, pois os interesses que os fundamentam são mais importantes e se situam acima dos argumentos. Mesmo assumindo a contradição no seu discurso, os liberais não extraem dela todas as conseqüências, porque o interesse maior permanece na continuidade da produção capitalista, a razão da existência do liberalismo como teoria. O “rei está nú”, mas a crença ilusória no Deus que o instituiu continua lhe servindo de vestimenta.

Samuel Huntington

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


S Samuel P. Huntington morreu na véspera do Natal. Tendo adquirido notoriedade no Brasil por seus contatos com o governo a propósito da "descompressão" do regime de 1964, Huntington, com quem tive contato pessoal como estudante anos atrás, foi, dentre os grandes nomes da ciência política contemporânea, talvez o mais propenso a iconoclastias e mesmo a posições antipáticas ou politicamente "incorretas". Ditada pelo compromisso tanto com o rigor profissional quanto com valores políticos, em que a identificação com o Partido Democrata (e a forte oposição à intervenção no Iraque, por exemplo) se mesclava com certo conservadorismo realista, essa propensão o manteve em evidência e o expôs a críticas azedas ao longo de sua carreira acadêmica.

Uma das contribuições importantes do realismo de Huntington ocorreu, ainda na década de 1960, nas discussões sobre desenvolvimento político. Seu trabalho substituiu a mera ênfase corrente na democracia pela atenção dada ao "grau" de governo (ele seria um dos responsáveis, um pouco mais tarde, pela introdução da questão da "governabilidade" das democracias) e à capacidade que os sistemas políticos revelem de construir e operar instituições fortes e estáveis - o que não é sinônimo de instituições não-democráticas, apesar de embutir alguma tolerância com o autoritarismo, incluindo a reavaliação em termos favoráveis da União Soviética, que era então anátema para a ciência política academicamente dominante. De toda forma, o contraste decisivo seria o que opõe sistemas "institucionalizados" ou "cívicos" a sistemas "pretorianos", onde a fragilidade institucional induz cada foco particular de interesses a valer-se na arena política dos recursos de qualquer natureza que tenha à mão, resultando no fatal protagonismo dos militares.

Há inconsistências, que levaram a claros erros de avaliação em casos concretos (destaque-se o caso do Paquistão, com Ayub Khan erigido em grande legislador pouco antes de o país se ver reduzido ao caos). Há também a discutível visão da condição pretoriana como uma espécie de pântano em que se chapinha sem rumo e sem saída. Mas a perspectiva tem o mérito de apontar para uma sociologia das instituições políticas cujo horizonte é o equilíbrio necessário entre a autonomia perante o jogo cotidiano dos interesses, de um lado, e, de outro, a sensibilidade e a adaptabilidade perante a multiplicidade de interesses ou de "forças sociais", em particular os novos interesses a emergirem em qualquer momento dado. E esse equilíbrio envolve um outro, entre ação intencional e enraizamento cultural e valorativo: "a cultura importa" é o título de um volume organizado por ele já em 2001.

Justamente o impacto da cultura e dos valores foi o foco polêmico de suas intervenções mais recentes. Temos a tese do "choque das civilizações", marcado pelo confronto entre o Ocidente e, em especial, o mundo islâmico, com os muitos comentários negativos que suscitou - sem deixar de suscitar igualmente, porém, retratações importantes, como a de Fouad Ajami no New York Times em janeiro de 2008, recuando da crítica a Huntington a respeito e dando-lhe razão. Temos ainda as denúncias sobre o perigo que a intensa imigração mexicana, e latino-americana em geral, representaria para os Estados Unidos. Em entrevista de 2004 ao mesmo jornal a propósito do volume dedicado ao tema ("Who Are We?"), Huntington ilustra numa pílula a disposição de dizer verdades desagradáveis que lhe marcou a carreira. Diante da observação da entrevistadora de que o livro endossava os valores anglo-protestantes, sua resposta é mais ou menos a seguinte: "Os Estados Unidos seriam o país que foram e ainda são hoje se, nos séculos 17 e 18, em vez de sermos colonizados por protestantes ingleses, nossos colonizadores tivessem sido católicos franceses, espanhóis ou portugueses? A resposta é não. Seríamos um Quebec, um México, um Brasil." O artigo e o volume sobre o choque das civilizações contêm uma definição de "Ocidente" que dele exclui a América Latina, com implicações intrigantes sobre onde situar apropriadamente Espanha e Portugal. A resposta de 2004 insinua o deslocamento da própria França, e dos países católicos em geral, para uma espécie de Ocidente de segunda.

Huntington sustenta na entrevista que sua posição não é contrária à imigração, mas pela assimilação plena dos imigrantes (e lembra que sua mulher é filha de um imigrante armênio). A questão de interesse que a resposta citada suscita é a de se deve ser lida como apontando um mero fato ou se haveria razões para tomar a sério a insinuação que indico, em que um estilo de vida baseado na ética do tabalho, racionalizador e economicamente dinâmico desqualifica um outro passível de ser mistificado em termos de relaxamento, desfrute e "ócio criativo": se este último se associa com desigualdade, elitismo e pobreza, não há como deixar de buscar dose importante dos ingredientes do primeiro.

Mas há matizes. A corrida presidencial do ano passado mostrou com clareza as duas faces da vida política dos Estados Unidos, e seria difícil pretender ligar, sem mais, as raízes anglo-saxônias com a face melhor. A vitória de Obama sem dúvida envolve um importante elemento positivo de mudança cultural. E mesmo se Obama (que Huntington, já doente, com certeza apoiou) pode ou deve reclamar a reafirmação de elementos igualmente importantes do legado que recebeu das tradições do país, essa mudança cultural tem claro substrato na transformação demográfica, de que a imigração é parte destacada: o país melhora não com a assimilação irrestrita dos imigrantes, mas com a mudança que a imigração há muito ajuda a produzir.

Seja como for, viva Huntington, que pensou e defendeu abertamente as posições a que a reflexão o levou.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

PSDB e DEM já montam palanques para 2010

Marcelo de Moraes, BRASÍLIA
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em fevereiro, legendas farão encontro para discutir chapas regionais que sustentarão aliança nacional

Para os partidos de oposição, a largada para a campanha eleitoral de 2010 começa no mês que vem. Dirigentes do PSDB, DEM e PPS se reunirão em fevereiro, em Brasília, para discutir a montagem dos palanques estaduais comuns aos três partidos, o que sustentará a próxima campanha presidencial apoiada pelo grupo encabeçado provavelmente pelo governador paulista, o tucano José Serra. A ideia é solucionar divergências regionais o mais rapidamente possível e limpar o terreno para a candidatura ao Planalto.

O problema é que já existem pelo menos dois cenários complicados para o grupo administrar. Na Bahia, o PSDB sondou o ex-governador Paulo Souto, do DEM, para ser o candidato tucano à sucessão do governador petista Jaques Wagner. E no Rio Grande do Sul, a governadora tucana Yeda Crusius não tem mais relações políticas com o vice-governador Paulo Feijó (DEM), que faz oposição sistemática ao governo, desde sua posse, por divergência em relação a medidas administrativas tomadas.

No caso da Bahia, o DEM não aceita o assédio do PSDB sobre Paulo Souto. Seus dirigentes acham que uma eventual desfiliação do ex-governador para fortalecer um partido parceiro no projeto nacional criaria uma aresta política grave na relação entre o DEM e os tucanos.

“A ideia é formar uma aliança nacional que ajude os três partidos nas eleições de 2010. Não é uma corrida para ver qual partido chega na frente. Então, não adianta o PSDB quebrar o DEM na Bahia para se dar bem. Paulo Souto é o nosso candidato ao governo e a eleição baiana é um alvo estratégico muito importante para o DEM. Não vamos aceitar que o PSDB tente resolver seus problemas políticos na Bahia criando uma situação difícil para nosso partido”, afirma o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ).

Na sua avaliação, a manutenção da boa relação também garante um esforço extra do partido para tentar reaproximar o diretório gaúcho do governo de Yeda Crusius. “Nosso primeiro movimento é para reaproximar politicamente os dois grupos. Se isso vai resultar numa candidatura convergente mais adiante, é um segundo passo. E a ideia é começar as conversas nesse sentido”, diz o dirigente do DEM.

CRISEApesar desses problemas, Maia avalia que o caminho de acerto entre os três partidos em torno de uma candidatura nacional comum já está mais do que pavimentado. “Seja em torno de José Serra ou de Aécio Neves, os três partidos certamente caminharão juntos na sucessão presidencial. E a convergência na formação dos palanques regionais é uma sinalização importante porque mostra que é uma aliança política plural.”

“Todos ganham com esse movimento. Ganham o PSDB e seu candidato, porque terá os melhores palanques regionais possíveis. Ganham DEM e PPS, que não terão o candidato à Presidência, mas reforçarão suas candidaturas regionais e participarão do projeto de poder nacional, em caso de vitória”, acrescenta Maia.

A reunião de fevereiro também servirá para que os partidos afinem o discurso contra o governo federal em relação à crise, que deve ser a agenda dominante.

Guerra quer evitar erro de 2006

Christiane Samarco, BRASÍLIA
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Naquele ano, faltaram palanques regionais a Alckmin

A antecipação da negociação em torno dos palanques de PSDB, DEM e PPS é para evitar que em 2010 se repitam situações como as que teve de enfrentar o tucano Geraldo Alckmin, na campanha de 2006, contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Não queremos chegar à situação de o candidato a presidente não poder sequer visitar determinados Estados por conta dos conflitos entre aliados, como ocorreu no passado recente”, lembrou o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).

Ele se referia à falta de um bom palanque para a campanha presidencial de Alckmin em Estados como Rio de Janeiro, Tocantins, Amazonas e Bahia, em que os aliados viviam às turras. Dois anos atrás, o PSDB baiano juntou-se ao PT do governador Jaques Wagner e derrotou Paulo Souto, que dividia o palanque com Alckmin.

A base inicial, formada por PSDB, DEM e PPS, também quer ampliar o arco de alianças, e, sempre que possível, a orientação é para que se dê prioridade ao PMDB. Na avaliação da direção tucana, as construções políticas locais serão favorecidas pela boa perspectiva da candidatura nacional do partido. A aposta geral é que, com presidenciáveis como os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, ficará mais fácil agregar aliados aos palanques estaduais do PSDB.

Em Sergipe, o partido não só espera novas adesões, como se empenha em reduzir a distância entre tucanos e o grupo do ex-governador do DEM João Alves. No Rio Grande do Norte, o PSDB só não apoiou a candidata vitoriosa à Prefeitura de Natal, Micarla Souza, por conta das dificuldades locais com o líder do DEM no Senado, José Agripino, que apadrinhou a candidatura, e da aliança local com o PSB da governadora Vilma Faria. O resultado, além da derrota na capital, foi o enfraquecimento do PSDB no interior.

Diante de resultados como esse, Guerra propõe que a prioridade, neste primeiro semestre de 2009, seja pacificar a base. “Vamos trabalhar para harmonizar os partidos para que nosso candidato a presidente não fique com o apoio das cúpulas e sem solidariedade das bases partidárias”, afirmou Guerra, ao dizer qual é a agenda prioritária da reunião de fevereiro próximo. No Rio de Janeiro, o roteiro é “dar consistência” à aliança com o PPS e o PV, que teve 50% dos votos na capital.


O Brasil em busca de um porviroscópio

Marco Antonio Rocha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Vai ser melhor ou vai ser pior?

Vai ser bom ou vai ser ruim?

Principalmente hoje, que é quando 2009 de fato começa - depois das comilanças, bebelanças e festanças da passagem -, essas indagações estarão na cabeça de muitos. Claro que se referem ao ano presente, em comparação com o transposto.

Pode ser até que o Brasil inteiro esteja, hoje, em busca do porviroscópio - um acelerador do tempo - inventado pelo professor Benson (personagem de Monteiro Lobato) para divisar o futuro, possivelmente mais útil hoje do que quando foi escrito O Tempo Artificial.

Todavia, duas visões de futuro se podem ter mesmo sem o aparelho do sábio lobatiano: não há nenhuma possibilidade de um 2009 melhor do que 2008, do ponto de vista da economia. Haverá pessoas, empresas e países que terão um ano melhor, mesmo com a crise, pois sempre há quem lucre com uma boa crise. Aliás, parece certo que é exatamente nelas que as fortunas mudam de mãos. Mas, no geral, o ano não será melhor. Até porque 2008 foi muito acima da média. Então, até sem crise, dificilmente 2009 seria melhor.

A segunda visão garantida é que 2009 será um ano de excepcional desafio - para o mundo e para o Brasil. Desafio que tem um enunciado direto: evitar que a recessão econômica, já iniciada, ganhe alento e se prolongue por muito mais do que apenas um ano.

Esse não é um desafio para amadores. Nem para bons improvisadores.

O presidente Lula é amador em economia, mas excelente improvisador em política. Não se sabe se esta combinação é a mais adequada para enfrentar o desafio que agora se apresenta. Foi boa para lidar com o desafio da sucessão de Fernando Henrique Cardoso.

Ciente de que era amador em economia, Lula achou melhor deixar tudo mais ou menos como estava nessa área - e viu que isso era bom, pois colheu bons frutos da boa semeadura anterior, inclusive em termos de popularidade política. Neste terreno, da política, excelente improvisador que é, não apenas transformou a oposição em ninho de baratas tontas, que até agora não encontram nenhuma boa estratégia para enfrentá-lo, como se desviou com maestria dos torpedos do mensalão, passou ao largo das armações desastrosas de companheiros “aloprados”, deixou na poeira da estrada a esquerda mais radical do seu próprio partido - que até mudou de partido - e quebrou as pernas de um “capitão do time” que pretendia desbancá-lo e assumir a liderança dentro do partido: Dirceu, O Pensador!

Em suma, nem fogo inimigo, nem fogo amigo perfuraram, até hoje, a couraça do “metamorfose ambulante”, como ele mesmo já se definiu.

Mas o tiroteio de que escapou era disparado por pessoas, ou grupos de pessoas.

O desafio deste ano não é de pessoas, nem de grupo de pessoas, é da conjuntura, um inimigo difuso. Na verdade, nem é tiroteio, é ameaça de incêndio. Como foi, até certo ponto, no começo do seu mandato, quando empresários, nacionais e estrangeiros, vaticinavam medidas tresloucadas do novo presidente. Logo, porém, ele provou que não estava ali para experimentos heterodoxos. E, graças à sua boa estrela, a isso vieram se somar os bons ventos da economia internacional.

O ventos de agora são outros, muito desfavoráveis. Não só para Lula. Ele pode ter o consolo de pensar que Barak Obama estará mergulhado numa conjuntura ainda mais desfavorável. E está, mas apenas com a vantagem de não ter de pensar desde já na sucessão. Este é o principal problema de Lula, politicamente falando - pensar na sucessão. Que essa crise econômica internacional vai dar uma travada na economia brasileira, mesmo ele - otimista, mas não tolo -, no íntimo, já sabe. O que ele não sabe é se essa travada vai ser prolongada e duradoura o bastante para solapar a sua popularidade a ponto de prejudicar seus planos sucessórios.

Vejamos. São dois anos: 2009 e 2010. Muitos economistas veem boas coisas para Lula no porviroscópio. Dizem que o Brasil, bem preparado que está, não sentirá muito a crise; e que no segundo semestre deste ano ela já terá sido superada. Se estiverem certos, o desgaste da popularidade do presidente não será nada grave, pode nem acontecer, e ele terá tranquilidade para continuar empurrando, rumo às eleições de 2010, esse vagão de carga que escolheu (será?) para sua sucessão.

No entanto, essa crise começou de maneira tão furtiva e tem deixado os governos tão confusos que outros economistas a estimam muito mais duradoura do que apenas seis meses, e bem mais perturbadora para o emprego e a renda das famílias. Nesse caso, a popularidade do presidente pode se desgastar mais e mais depressa, e seu vagão descarrilar.

Mas essas são as incertezas vindas de fora.

Aqui dentro, a margem de manobra do governo é mais estreita e se resume à velha alternativa: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. As dificuldades de crédito podem ser episódicas, mas a falta de horizontes é que trava os investimentos das empresas. Para animá-las o governo aumenta gastos e diminui impostos, o que pode criar um buraco nas contas fiscais, além do que já desponta nas transações correntes do balanço de pagamentos - e que exigiria contrair a demanda doméstica, com risco de desemprego, em vista das dificuldades para exportar e para captar recursos externos.

Se a economia crescer menos, mas a inflação não aumentar, até que dá para ir levando o barco só com marolinha. Mas, como alertavam em artigo do jornal Valor os professores Pastore e Cristina Pinotti, para o real não sofrer maiores quedas e a inflação não disparar o governo deveria “evitar o crescimento do seu consumo e do consumo das famílias”.

Só que isso é péssima notícia para os interesses eleitorais do presidente e da sua candidata.

*Marco Antonio Rocha é jornalista.

Entre um ano e outro

Paulo Brossard
DEU NO ZERO HORA (RS)


Como é sabido, em 2007 o governo pretendeu prorrogar, mais uma vez, o chamado imposto do cheque, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que, criada para uma emergência no setor da saúde, preparava-se para transformar-se em definitiva. Para isso, recorreu a todos os expedientes. A sociedade, no entanto, entrou a reagir contra a burla de converter em permanente um tributo denominado transitório, e que servia para todos os fins, embora devesse suprir as deficiências dos serviços da saúde, como advertiu o ministro Jatene, que por este motivo deixou o ministério que honrava. E o Congresso rejeitou a prorrogação. O mínimo que se disse então foi que a administração iria parar, embora se soubesse que apenas o crescimento normal da arrecadação cobriria largamente a redução consequente à extinção do tributo. E começou a difundir que elevaria outros tributos para recuperar a perda sofrida.

Ocorre que o governo também desejava prorrogar a DRU – Desvinculação da Receita da União, para que pudesse manejar livremente 20% da Receita Federal, o que importava em alterar as verbas orçamentárias. Resultou daí um pacto publicamente celebrado entre governo e oposição. Com a anuência expressa do presidente da República, o Ministério da Fazenda assentou que não seriam majorados outros tributos, enquanto a oposição se comprometia a aprovar a prorrogação da DRU, que foi aprovada. Foi isto nos últimos dias de dezembro de 2007. Pois, nos primeiros dias de janeiro de 2008, o Executivo dava o dito por não dito e majorou tributos. Tudo isso ocorreu sem que houvesse pelo menos uma modesta plástica facial... E o ministro da Fazenda, dando mostras da facúndia de seu engenho, não corou ao participar que o presidente se comprometera em não majorar tributos nos dias finais de 2007, mas não se comprometera a fazê-lo em 2008! Como previsto, a arrecadação federal superou largamente o que deixara de ser cobrado a título de CPMF. Praticado por um particular, como seria chamado esse ato? Você compraria dele um carro usado? Cometido por altas autoridades, como se denomina?

Por que estou a ocupar-me de fato quase esquecido? Por algumas razões, inclusive por estar olvidado. Com efeito, é tamanha a massa de acontecimentos que dia a dia envolve a vida das pessoas para, no dia imediato, ceder lugar a outra onda, que também vai durar um dia, que, por mais grave sejam os fatos registrados, eles são rapidamente esquecidos. Ocorre que il y a de fagots et fagots como o que lembrei a mostrar a depressão moral que se alastra e a insensibilidade social que se expande. Ora, quando homens públicos celebram um acordo público e solene e no dia seguinte o desconsideram pura e simplesmente e ainda se referem a ele com o escárnio, estão a indicar que são capazes de qualquer coisa, como se fosse coisa de somenos.

Um homem público, seja ele qual for, não pode proceder como se a noção de honra não fosse inerente à própria função. De outro lado, as pessoas relacionadas com a função pública devem ser honradas e presumidamente o são. A menos que o exercício da função pública, qualquer que ela seja, se tenha desquitado a noção de honra. Mas, em sendo assim, que se pode esperar dessa função que é inseparável da coletividade e do Estado e que se pode esperar do Estado e da sociedade? Daí por que, em meio a todas as fragilidades humanas e sociais, há regras, singelas, mas nem por isso disponíveis e indiferentes ao presente e ao futuro da comunidade nacional. Também por isso entendi lembrar um fato quase esquecido, entre um ano que se apaga e outro que nasce.

*Jurista, ministro aposentado do STF