quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Lula diz que não lê jornal nem revista e critica mídia

Clarissa Oliveira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em entrevista, ele diz por que evita noticiário: ‘Tenho problema de azia’

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva revelou que não faz parte de sua rotina ler jornais ou revistas, nem acompanhar o noticiário de sites e blogs na internet. Em entrevista à revista Piauí, o presidente justificou sua aversão à prática: “Porque tenho problema de azia.”

“A imprensa brasileira tem um comportamento histórico em relação a mim”, disse o presidente. Destacou, porém, que sua chegada ao Palácio do Planalto é “produto direto da liberdade de imprensa”.

Lula disse ainda não se preocupar com a forma como é retratado, por confiar na “inteligência de quem assina uma revista ou um jornal, de quem vê televisão e escuta rádio”.

Para o presidente, os cidadãos têm hoje maior capacidade de interpretar os fatos. O motivo, segundo ele, é o avanço tecnológico, que trouxe mais pluralidade de fontes de informação. “Não tem mais apenas a informação de tal revista ou de tal jornal”, disse, citando a existência de inúmeros sites noticiosos na internet e “300 blogs com comentários diferentes”. “Isso democratiza a imprensa, aumenta a capacidade do cidadão em interpretar o que lê.”

Apesar de não ter o hábito de acompanhar o noticiário com frequência, Lula se considera bem informado. “Um homem que conversa com o tanto de pessoas que eu converso por dia deve ter uns 30 jornais na cabeça todo santo dia”, explicou, acrescentando que é avisado pelo ministro Franklin Martins (Comunicação Social) ou por Clara Ant, sua assessora especial, “quando sai alguma coisa importante”.

O presidente se mantém distante de jornais e revistas mesmo quando dispõe de tempo livre. “Recomendaria a qualquer presidente que se afaste dos políticos e da imprensa nos fins de semana”, afirmou.
MEU COMENTÁRIO:
Coisa horrível! Nem necessita comentários.

Mentes opacas

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Congresso nem reabriu os trabalhos e já está cheio de ideias. Algumas até mereceriam comparação com fabulações produzidas em cérebros rudimentares, não fosse o risco de se entrar no perigoso terreno da injustiça. Para com os irracionais de nascença.

Não bastasse a ausência do item recuperação moral do Legislativo na agenda do debate sobre a eleição nas novas presidências da Câmara e do Senado, diante do quadro de autodesmoralização galopante aos parlamentares só ocorre abrir combate contra o Poder Judiciário.

Grosso modo, as propostas visam a retirar prerrogativas do Supremo Tribunal Federal e fixar mandato para o posto de ministro, hoje assegurado até a aposentadoria aos 70 anos de idade.

No detalhe, fala-se em garantir agilidade a julgamento de processos eleitorais, em modificar as regras de acesso ao cargo de juiz, em criar punições a procuradores que divulgarem denúncias infundadas, uma série de providências que à primeira vista parecem muito bem-intencionadas.

À segunda, entretanto, revelam-se o que realmente são: uma tentativa de vingança contra o chamado ativismo dos magistrados. O Congresso faz parecido quando se sente muito criticado e ameaça endurecer a lei de imprensa. Para intimidar, nada mais.

Sob a alegação de impedir a usurpação de poderes, o Legislativo se propõe a interferir diretamente no processo judicial, inclusive determinando o tempo de julgamento de uma ação; oito meses da primeira à última instância, no caso de crimes eleitorais.

Uma barbaridade que equivaleria ao Judiciário determinar ao Legislativo quanto tempo uma proposta deve tramitar - da apresentação à votação no plenário - na Câmara e do Senado.

Não que o Poder Legislativo não possa - aliás, deve - corrigir distorções, interferir quando necessário sem que isso signifique extrapolação. Assim faz o Judiciário.

Mas o propósito aqui não é aprimorar processo nenhum, é retomar a situação anterior à qual o deputado Flávio Dino define como a de “um tribunal historicamente mais técnico que político”.

De maneira oblíqua, o deputado fala de episódios de omissão travestidos de respeito à independência dos Poderes - uma condição realmente bastante mais confortável que a fustigação permanente por parte do Judiciário, provocada não apenas pelo perfil dos magistrados, mas, sobretudo, pelo fato de o Legislativo abrir mão de suas prerrogativas de uma maneira tão leviana quanto preocupante.

O elenco de exemplos é farto e amplamente citado. Mas um pouco lembrado é o dos processos contra parlamentares. Critica-se o Judiciário pela ausência de punições a autoridades com foro privilegiado, mas hoje ao menos são abertos inquéritos e vários se transformam em processos.

Quando (até 2001) a Justiça dependia de autorização do Legislativo, na quase totalidade dos casos nem se iniciavam ações. O Congresso simplesmente não autorizava e ponto final.

Esse tipo de situação pode ser melhor para os parlamentares individualmente, mas é ruim para a instituição e bem pior para a República.

Fala-se do perigo de concentração de poder. Um sofisma, pois se todos os Poderes atuarem à altura do que lhes confere (e obriga) a Constituição não há ultrapassagem de limites. Há, sim, o cumprimento correto, e natural, do conceito de equivalência entre eles.

A ofensiva do Legislativo contra o Judiciário é uma típica tentativa de criar um caso onde não existem desavenças nem deformação institucional alguma. Trata-se apenas da defesa unilateral do retrocesso em causa própria.

Acesa a chama

Ao que parece o deputado Aldo Rebelo se candidata a presidente da Câmara por motivos assemelhados aos que o levaram a se candidatar a prefeito de São Paulo, no ano passado, até tornar-se vice de Marta Suplicy.

No início de 2008, o deputado do PC do B justificou sua candidatura a prefeito dizendo que “a esquerda” não tinha muito mais o que fazer na base de apoio a Lula depois que o presidente optou por uma aliança preferencial com o PMDB, a “centro-direita” no jargão vigente.

Quando os pemedebistas aderiram ao prefeito Gilberto Kassab, Aldo - muitíssimo a contragosto, diga-se - foi convencido a fazer o caminho de volta e ficou com o PT, sabendo que seu grupo acabaria engolido e continuaria sendo tratado como prata da casa, fava contada.

Se o critério agora for o mesmo adotado na época, a candidatura de Aldo Rebelo à presidência da Câmara tem a finalidade de preservar espaços dos pequenos, tradicionais, mas não necessariamente eternos aliados do PT.

Quanto ao desfecho, pode haver dois: se a disputa no Senado provocar um rompimento entre PT e PMDB, Rebelo será chamado a reforçar a tropa petista; na hipótese mais provável do entendimento entre os dois principais parceiros da coligação, fica mantida a candidatura.

A esperança das utopias

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


No curto período de três meses, o mundo virou de pernas para o ar. Houve uma derrocada da concepção que entendia a globalização como fusão da desregulamentação do mercado com o fim da história e das ideologias, sob tutela de uma superpotência

Neste ano que ainda não começou — à espera da posse do presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama —, como disse domingo passado, aposto na esperança das utopias. Sem voluntarismo. Elas são como a alavanca de Arquimedes: podem mover o mundo. A utopia da paz no Oriente Médio, por exemplo, com a convivência entre Israel e um novo Estado palestino, ambos com sede em Jerusalém, até para facilitar o diálogo e a cooperação entre os dois governos.
A guerra

Do que dependeria a paz no Oriente Médio? Segundo minha cara amiga Dina Lida Kinoshita, que tem sobrenome japonês mas é judia, como os filhos de olhos rasgados, depende muito mais da força da política internacional do que da política da força. No sábado passado, 150 mil israelenses foram às ruas protestar contra a guerra. Milhares de jovens judeus estão presos por se recusarem a prestar serviço militar. Não é pouco para um país de 6 milhões de habitantes, dos quais a metade é árabe. “Não há outro caminho para a paz no Oriente que não seja a aplicação da decisão da ONU de novembro de 1947 pela partilha da Palestina e criação de dois Estados: o Estado de Israel e um Estado Palestino. O primeiro foi criado em maio de 1948; o outro, até hoje, não saiu do papel”, sustenta Dina, doutora em física teórica e professora da USP.

Em 1967, na Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou as Colinas do Golan (que pertenciam à Síria), Jerusalém Oriental, a Cisjordânia, Gaza e o Sinai. Ainda nos anos 80, devolveu o Sinai ao Egito e selou a paz com esse país. Mas a direita nacionalista e os fundamentalistas religiosos de Israel não permitem a solução de ‘paz por terra’. Os fundamentalistas palestinos do Hamas, da Jihad e do Hizbolah, bem como os países árabes que os financiam, não querem reconhecer o Estado de Israel. “Devemos lutar por dois Estados para dois povos com fronteiras seguras. Devemos lutar por uma solução pacífica e negociada através do diálogo para que os palestinos tenham o seu Estado nos territórios ocupados desde 1967 e o Estado de Israel seja reconhecido por árabes e palestinos. A história vem mostrando que a via militar não resolve mais os conflitos que surgem no mundo. O Hamas tem utilizado população civil palestina como ‘escudo’ para lançar mísseis e atingir alvos civis em território israelense. A resposta violenta do Estado de Israel só faz aumentar a espiral de violência. Mas há o ‘campo da paz’ na região tanto entre árabes e palestinos como em Israel. E é neles que devemos apostar”, argumenta Dina, veterana militante do movimento “Paz Agora”, com sua utopia.

O cenário

No curto período de três meses, o mundo virou de pernas para o ar. Houve uma derrocada da concepção que entendia a globalização como a fusão da desregulamentação do mercado com o fim da história e das ideologias, sob tutela de uma superpotência responsável pela segurança do mundo. Tudo foi por terra com a crise global. Há um novo cenário mundial. Seu desenvolvimento ainda está agrilhoado ao passado, como no Oriente Médio, mas dá sinais de que pode se libertar. A melhor maneira de compreendê-lo é aprender com a História. A nova liderança europeia, seja ela conservadora ou social-democrata, conhece as nefastas consequências das grandes crises de 1872 e 1929, que resultaram na proliferação de regimes nacionalistas e autoritários e em duas guerras mundiais.

O colapso do unilateralismo hegemonista de Bush e da desregulamentação do mercado financeiro cria condições para uma certa “governança mundial” baseada no multilateralismo.

Quem protagoniza essa possibilidade é a Comunidade Europeia, com um olho no Atlântico e outro no Mediterrâneo. Quais são os problemas com os quais o mundo globalizado se depara?

Primeiro, a necessidade de reduzir as desigualdades e resguardar os direitos humanos.

Segundo, respeitar a democracia, a liberdade e o papel civilizatório das grandes correntes religiosas.

Terceiro, reorientar a economia mundial de modo a enfrentar o problema ambiental e superar o padrão energético imposto pela utilização do carbono.

A eleição de Obama pelos norte-americanos, saudada em todo o mundo, foi o sinal de que a nova ordem mundial pode emergir.

A senha cifrada para a ditadura

Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A didática e tradicional Hoje na história do Jornal do Brasil de terça-feira, dia 6, fustiga a memória do repórter com a lembrança de mais um aniversário da vitória esmagadora do presidencialismo no antecipado plebiscito de 6 de janeiro de 1963, que devolveu ao presidente João Goulart o mandato que caiu em suas mãos, como um presente dos deuses, com a renúncia do destrambelhado Jânio Quadros.

Ora, para quem acompanhou todo o episódio desde as suas origens, a derrota do parlamentarismo, articulada às pressas, para evitar o risco iminente de um confronto que racharia as Forças Armadas, é mais um elo na sucessão de erros primários, alguns com as marcas indeléveis da traição e que levou em linha direta aos 20 anos, 11 meses e 15 dias da ditadura militar que deixou poucas e renitentes saudades.

O fio da meada começa a ser desenrolado com a eleição a vice da chapa do marechal Teixeira Lott, de Jango Goulart, quando a Constituição permitia o voto em separado.

Mas, é claro que não se arma uma tão extravagante combinação, como casamento com os casais de noivos trocados no altar, sem uma articulação tecida com os fios da traição. No caso, em dose dupla. O movimento do Jan-Jan ­ Jânio e Jango ­ foi montado às escancaras pelo deputado paulista Castilho Cabral, ex-ademarista que se transferiu com armas e bagagem para onde piscava a luz do sucesso com o fenômeno do maníaco da renúncia.

A casa do deputado Castilho Cabral transformou-se em escritório do movimento da dupla traição do Jan-Jan, distribuindo farto material de propaganda às equipes recrutadas para o serviço.

Ora, Jango Goulart foi o nome indicado pelo então po- deroso PTB de Getúlio Vargas para vice do candidato do governo, Marechal Teixeira Lott. E Jânio Quadros, depois de três ameaças de renúncia à candidatura, foi consagrado em entusiástica convenção da UDN, realizada no Palácio Tiradentes, onde funcionava a Câmara dos Deputados, como o candidato da oposição udenista, derrotando o presidente do partido, senador Juracy Magalhães.

Nos alinhavos para indicar o candidato à vice, os muitos capítulos da comédia de pastelão. O candidato da UDN, o ex-governador de Sergipe Leandro Maciel foi recusado por Jânio, depois de duas renúncias. A UDN apelou para o senador Milton Campos, ex-governador de Minas e das melhores figuras que conheci na vida, de impecável postura ética e extrema modéstia.

Cobri quase toda a campanha de Jânio como repórter do Estadão. E testemunhei a costura da traição e o contraste abismal entre a duplicidade do candidato a presidente e a retidão de Milton Campos.

Depois de um giro de uma semana, o próximo roteiro começava pelo Rio Grande do Sul. Assisti a breve conversa entre os candidatos. Milton Campos tomou a iniciativa de comunicar a Jânio que não o acompanharia no giro gaúcho. E deu as suas razões: a sua candidatura não tinha a menor importância. Fundamental era a eleição de Jânio, que deveria aproveitar a oportunidade para articular o apoio de Jango e do deputado Fernando Ferrari, candidato avulso.

As urnas deram a consagradora vitória de Jânio, com Jango como vice, derrotando Milton Campos.

A renúncia de Jânio com sete meses de mandato, numa cada vez mais clara tentativa de manobra para voltar nos braços do povo, com amplos poderes, foi uma traição longamente preparada.

E, por pouco, a previsível resistência militar, com o racha no Rio Grande do Sul, liderado pela rebeldia do governador Leonel Brizola, não termina no primeiro confronto entre as Forças Armadas.

A posse de Jango é a saída penosamente articulada pelas lideranças parlamentares, com o parlamentarismo híbrido que protegia o presidente com o escudo do primeiro-ministro. Jango não sossegou enquanto não antecipou o plebiscito para derrubar o parlamentarismo e disputar com o cunhado Brizola a liderança das reformas de base.

E que analisada meio século depois, só confirma a evidência de que a jogada bisonha funcionou como a senha para os quase 21 anos da ditadura militar.

"Viver de província"

Marco Antonio Villa
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Apesar do grande progresso econômico e de concentrar parte expressiva do PIB, o interior continua marcado pelo provincianismo

NO FINAL do Império, em meio às turbulências políticas, Júlio Ribeiro -escritor, gramático e polemista republicano- cunhou a expressão "viver de província", nas suas "Cartas Sertanejas". Era uma definição sarcástica do pobre cotidiano político-cultural do interior de São Paulo. Depois de 120 anos, pouco mudou:

apesar do grande progresso econômico e de concentrar parte expressiva do PIB brasileiro, o interior continua marcado pelo provincianismo.

A inexpressividade política do interior é suprapartidária. Vez ou outra algum grupo tenta ter espaço regional, mas acaba fracassando. O último foi a conhecida "República de Ribeirão Preto", expressão cunhada para designar os aliados do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, em Brasília.

Porém, a denúncia de uso pouco ortodoxo de uma mansão, na capital federal, levou ao naufrágio do grupo, mesmo com a eleição de Palocci para deputado federal. E o interior, para o bem ou para o mal, continuou sem liderança expressiva.

A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) poderia ser um palco para o aparecimento de lideranças interioranas. Contudo, das suas atividades pouco ou nada se sabe. Muitos nem sequer imaginam onde, na capital paulista, se localiza o prédio de um dos Poderes do Estado.

Dos seus 94 deputados, mesmo os que acompanham a política regional sabem, se tanto, o nome de meia dúzia. O noticiário político prioriza o Congresso Nacional. A Alesp é solenemente ignorada: só é notícia quando ocorre denúncia de um suposto escândalo administrativo.

Outra possibilidade seria a ação de alguma administração municipal que se notabilizasse pela inovação. Mas, dos mais de 600 municípios interioranos, quais poderiam ser destacados pela originalidade administrativa?

A política estadual concentra-se na capital e, no máximo, na Grande São Paulo. Os líderes partidários que têm presença nacional também atuam nessa região. O interior é marcado pelo situacionismo, pela política do "sim, senhor". Os prefeitos mudam de partido acompanhando a base política do governador. Não têm opinião formada. E os deputados são cobrados pelos seus eleitores para trazer recursos para suas bases, e o preço é sempre apoiar o governo.

No campo cultural, apesar do grande número de faculdades e universidades instaladas no interior, não houve mudança. O conservadorismo local venceu a potencialidade transformadora da universidade.

Eventualmente professores universitários passaram a participar da política local, mas sempre buscando alguma forma de composição política com os poderosos locais. E, quando necessário, os conservadores utilizaram-se da violência para expulsar os professores indesejáveis, como em São José do Rio Preto, logo após o golpe de 1964, na faculdade local e que hoje é parte da Unesp.

Há uma valorização absoluta do dinheiro e um desprezo pela cultura.

Em muitas cidades há mais joalherias que livrarias. As políticas culturais são fadadas ao fracasso. O poder público -tal qual a maioria dos eleitores- não tem interesse nas atividades culturais: elas não dão voto e, por vezes, dão problemas.

Em Araraquara, depois do espetáculo "Mistérios Gozosos", de Oswald de Andrade, José Celso Martinez Corrêa e grupo foram processados, acusados de "vilipendiar atos e objetos de culto religiosos". O processo foi movido por araraquarenses incomodados "moralmente" com o trabalho de Zé Celso.

Uma "atividade cultural" muito conhecido no interior, espécie de marca regional, é o massacre anual de animais conhecido como Festa do Peão Boiadeiro, em Barretos. Como tudo que é ruim, prolifera rapidamente: os rodeios espalharam-se pelo Estado.

No Vale do Paraíba, criaram até um rodeio para Cristo, que, certamente, deixaria o Nazareno horrorizado.

A maioria dos jornais é subsidiada pelo poder público ou por algum potentado local. O nível das publicações é rasteiro. O espaço da coluna social é várias vezes superior ao destinado a temas políticos.

Quando surge uma imprensa independente, os jornalistas passam imediatamente a ser perseguidos e ameaçados. Basta recordar, entre tantos outros exemplos, dos tristes episódios de Marília, que envolveram um conhecido político local e o ataque criminoso às instalações do "Diário".

Júlio Ribeiro morreu em 1890, aos 45 anos. Viu muito pouco do Brasil com que sonhou: sem escravos e republicano. Mas o interior não mudou: tal qual no final do século 19, continua impressionando pelo dinamismo econômico e pelo provincianismo.

MARCO ANTONIO VILLA, 52, é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outras obras, de "Vida e Morte no Sertão - História das Secas no Nordeste nos Séculos 19 e 20" (Ática).

Crítica aos ardis anunciados

José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Dois recentes institutos da democracia brasileira serão postos em xeque em 2009: a eleição em dois turnos e a reeleição.

A primeira o será pela jurisprudência, a ser fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando, findo o recesso, em fevereiro, reabrir os trabalhos com o julgamento do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, que produzirá efeitos sobre processos similares contra seus colegas do Maranhão, Jackson Lago, e de Santa Catarina, Luiz Henrique. Se Cássio for cassado (e isso sinalizar solução idêntica para os outros dois), a legislação eleitoral indica que seu sucessor será o segundo colocado na disputa - no caso paraibano, o senador José Maranhão. Tudo parece muito simples, porque a tradição eleitoral brasileira sempre foi a da disputa num turno só e isso permite a substituição do primeiro pelo segundo, deste pelo terceiro e daí em diante. Só que no segundo turno o eleitor toma uma decisão definitiva e, aí, não é o caso de falar em segundo colocado, mas em derrotado. Ou seja, o eleitor escolheu entre um e outro e a posse do preterido por interferência judicial implica contrariar a vontade popular expressa nas urnas. Não podendo ser empossado o vice, também réu no mesmo processo eleitoral, evidencia-se uma lacuna a ser preenchida pelo Poder Judiciário na interpretação de uma lei incompleta. Que fazer? Entregar o cargo ao presidente da Assembleia? Convocar eleições para o cumprimento da metade do mandato até as eleições seguintes? Isso não foi previsto pelo legislador apressado na hora de criar uma norma que revolucionou a escolha do mandatário pelo voto direto - norma, aliás, aprovada na prática. Cabe repensar o sistema eleitoral preenchendo esta lacuna para evitar que o STF tenha de optar entre a impunidade eventual e o intolerável menosprezo à manifestação majoritária do eleitorado.

Menos sutil e muito mais grave é a discussão no Congresso do projeto que acaba com a reeleição e estica os mandatos executivos de quatro para cinco anos. O golpe de aumentar o mandato é vil e acintoso, mas não é inédito. O Congresso já o aplicou no governo Castelo Branco, o primeiro da ditadura militar, que foi justificada como uma necessária intervenção para evitar uma quebra de regras democráticas por uma eventual República sindicalista e terminou por nos impingir dois decênios de arbítrio. E também já foi adotado a pretexto de reorganizar o calendário eleitoral.

A justificativa que se dá ao golpe agora é de um cinismo vil: trata-se de uma tentativa de “reparar o erro cometido pelo Congresso ao se deixar comprar para aceitar a proposta continuísta do ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso”. Se já é um absurdo sem conta tentar reparar um erro cometendo outro, mais absurdo isso se torna pelo fato de se basear em acusações não comprovadas e agressões à lógica dos fatos. Não há provas de que Fernando Henrique tenha comprado a reeleição e, se provas houvesse, seria o caso de levá-las à Justiça e o ex-presidente e os parlamentares que ele tivesse comprado, ao banco dos réus, passíveis de duras penas. Em vez disso, vem-se com essa conversa de enganar trouxa para atender aos interesses dos poderosos do momento, com a cumplicidade de próceres da oposição, também tentados pela possibilidade de tirar proveito na tramoia.

Tramoia, sim! É até admissível discutir a sutileza do argumento, antes exposto, sobre a interferência eventualmente descabida da Justiça ao alterar a vontade popular empossando um candidato derrotado para punir o vencedor, condenando por extensão o eleitor que o escolheu. Mas a extinção do instituto da reeleição será resultado de um golpe sórdido das elites dirigentes da política nacional contra a cidadania sem voz. O fato de Lula, do PT, ter sido reeleito presidente, apesar de sempre haver discordado da reeleição, e de seus correligionários denunciarem com estardalhaço e poucas provas a compra dos votos dos parlamentares que a aprovaram é a evidência mais cabal de que - fosse qual fosse seu vício de origem - a oportunidade de repetir o governo que aprova e derrotar o governante que reprova tem sido usada com sabedoria pelo cidadão. O exemplo de Lula é o mais forte, mas não é único: as últimas eleições municipais são riquíssimas em comprovações de que a possibilidade de manter um bom mandatário tem sido bem aproveitada pelos eleitores brasileiros. O caso de São Paulo é exemplar: o paulistano optou entre dois gestores cujas obras já haviam sido por eles conhecidas e vivenciadas. Ou seja: a democracia deve mesmo ser definida como o menos pior dos sistemas políticos escolhidos pelo homem para governar suas comunidades. E pode ser aperfeiçoada.

Não é de todo descabida, ainda, a hipótese de uma mão-de-gato repousar sob as almofadas destes ardis anunciados contra a democracia para tornar viável a terceira reeleição consecutiva de Lula - por cavilosa omissão. Os políticos empregam seu engenho e arte para manter o poder com mais empenho e zelo até do que para chegar a ele. Não faltam astúcia e vontade a Lula e a seus companheiros de gestão e, se há um momento favorável para legislar em proveito próprio, é este em que o prestígio popular do chefe do governo bate recordes no País - a ponto de chamar a atenção do mundo, como demonstra sua colocação, inédita para brasileiros, entre os homens mais influentes do planeta, conforme a revista americana Newsweek. A entrevista do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) atribuindo à vontade do povo a proposta de ruptura constitucional é mais uma demonstração da necessidade de desarmar as arapucas com que tentam transformar a democracia, árdua conquista de todos nós, em pretexto para permanência no poder de um grupinho cujas ambições não têm limites.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Momento indefinido na aliança lulista

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem passado a seus interlocutores políticos dois sinais sobre o que lhe vai à mente com relação à sucessão presidencial, neste momento. O primeiro é que a candidatura da ministra Dilma Rousseff à sua sucessão é para valer e já segue uma estratégia de marketing adequadamente preparada para uma candidatura com as características da indicada para a chefe da Casa Civil. O segundo, e sobre esse tem sido mais direto, é que, no primeiro turno, quer os aliados todos juntos.

Lula disse a pelo menos dois partidos da base parlamentar que lhe dá apoio que, ao contrário do que defendem alguns cientistas políticos e teóricos da política em geral, o bloco de apoio ao seu governo não pode estar dividido na primeira etapa da disputa.

Um dos interlocutores do presidente neste assunto foi o senador do Distrito Federal, Cristovam Buarque. Cristovam disse a ele que pensava ser candidato a presidente, de novo, se o PDT, seu partido, quisesse. O senador teria reconhecido ao presidente que não chegaria a dois dígitos na preferência do eleitorado, mas, com certeza, admitiu, passaria dos 2,5% que computou em campanha anterior. Com esta adesão, poderia deixar sua marca no país. Uma marca que ainda sonha deixar e é a mesma cuja difusão iniciou em todas as disputas de que participou: a de defender uma mudança de rumos do país pela Educação.

Na conversa com o presidente, o senador lembrou, a propósito da crise mundial que atingiu o Brasil, que mais do que correr para, com uma pá, tapar buracos, com políticas de emergência de cuja eficácia não se tem certeza, o governo deveria usar uma bússola, para mudar de rumos.

Diante da insistência na tese de que, eleitoralmente, convém apresentar mais de um candidato entre os aliados, para pelo menos garantir a participação de um deles no segundo turno, Lula voltou a defender a união em torno de apenas um, já na primeira etapa, mas sem detalhar muito suas razões.

O princípio que o presidente Lula prefere adotar neste momento já foi transmitido ao ex-ministro e deputado Ciro Gomes, outro potencial candidato à sua sucessão, também do bloquinho de esquerda da base governista, candidato do PSB a presidente da República. E está sendo colocado em prática também na sucessão das presidências da Câmara e do Senado, em que Lula está convocando os partidos aliados a apoiarem um só candidato, e também aí está minando as pretensões do bloquinho.

O que intriga os partidos aliados em que há candidatos naturais e competitivos à sucessão de Lula, é a razão que estaria motivando o presidente a fazer a opção por uma única candidatura do grupo já no primeiro turno.

Uma hipótese de explicação seria o temor de que a candidata do PT, Dilma Rousseff, ou outro, caso a aposta definida hoje não prevaleça em 2010, não chegue ao segundo turno. Mas este seria, segundo os contrários à idéia, um temor infundado, dada a sólida plataforma de lançamento em preparação há dois anos.

Analistas de grupos favoráveis à tese da união no primeiro turno, porém, crêem que a precaução é necessária. Cristóvam, pelo PDT, não representaria perigo para a candidatura do PT, mas Ciro, com certeza, levaria risco à empreitada. Ciro Gomes poderia chegar ao segundo turno na frente da candidata in pectore.

E nos sinais que vem emitindo, o presidente não considera, também, os presidenciáveis do bloquinho nas suas conjecturas sobre a candidatura a vice na chapa do PT. O vice de Dilma seria da aliança governistas, mas, para o presidente, viria do PMDB.

Os partidos do bloquinho ainda não aderiram oficialmente à estratégia que o presidente Lula vem expondo, mas estão topando conversar. Até porque, como fato consumado, há neste momento a candidatura da ministra Dilma. A função de vice nesta chapa, acreditam, ainda é negociável. Como também o lançamento de outras candidaturas.

Escândalo Soberano

Nenhum contrabando do recesso em qualquer fim de ano foi mais feio, até hoje, do que o promovido pelo governo com o fundo soberano. Neste assunto, a Presidência, que editou nova medida provisória para anular a lei aprovada pelo Congresso e a publicou, para entrar em vigor, no mesmo Diário Oficial que apresentou a lei sancionada, foi campeã na desmoralização do Congresso, no desprezo às instituições e no desrespeito ao público que reconhece os diferentes poderes da República.

Num misto de arrogância e desfaçatez, o governo praticou mais um abuso da utilização de medida provisória, como sempre argumentando com razões políticas e fugindo do conteúdo do seu gesto. Quem se opõe ao seu ato de vontade, diz, está contra o país. E saiu do episódio com a cara de quem levou uma vantagem que lhe era devida. A legislação que logrou a seu favor com a nova MP é ainda mais proveitosa do que a original enviada ao Congresso.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

No sétimo dia

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Hoje é o sétimo dia e o ano já está lotado de eventos, alguns trágicos. O ataque de Israel aos palestinos está virando bumerangue político. A disputa comercial entre Rússia e Ucrânia ameaça o gás da Europa. O presidente eleito Barack Obama já governa a economia e já é cobrado na política externa. Aqui, a produção industrial mergulhou. O grupo Iochpe demitiu mais de mil pessoas.

A Iochpe-Maxion confirmou ontem que já fez demissões significativas, cerca de 1.100, e que todos os funcionários da linha de produção de vagões estão em férias coletivas até o dia 15 de janeiro. O motivo é a crise que afeta o setor siderúrgico. Segundo o diretor financeiro e de relações com investidores da empresa, Oscar Becker, em 2009 a situação será muito ruim, com uma queda estimada na produção de 60%. A Iochpe-Maxion produz vagões comerciais do Brasil e seus principais clientes são a Vale e as empresas de siderurgia, que, como dissemos ontem aqui, na coluna, estão enfrentando queda forte de produção.

- Tudo neste ano de 2009 vai depender das negociações da Vale com a China. A partir da renegociação das siderúrgicas, principalmente com a China, é que vamos ter um mercado mais claro. E só devemos começar a nos projetar no meio deste ano. Até lá, só enxergamos o túnel, sem nenhuma luz no fim dele - contou Becker.

Já se sabia que o ano seria difícil e essa primeira semana confirma isso. A produção industrial em novembro, divulgada ontem pelo IBGE, foi do tamanho que antecipamos aqui na coluna: 5,2%. O número de outubro foi revisto e, por isso, a queda em dois meses foi de 7,8%: uma queda do mesmo tamanho da que aconteceu em nove meses no ano de 2003.

A queda da produção foi abrupta. A diminuição da produção de bens de consumo duráveis foi de 20%; a do setor de bens de capital foi de 4%. Isso significa que até o investimento está encolhendo. A Associação dos Exportadores Brasileiros (AEB) está prevendo uma queda de 17% nas exportações este ano.

Outros números virão. Eles vão confirmar que o PIB mergulhou no último trimestre do ano passado. O cenário continuará negativo neste começo de 2009. Na tradicional caminhada de picos e vales da economia, agora é a hora do vale. É um momento de extremo perigo, porque, apavorado, o governo pode tomar decisões que comprometam definitivamente o equilíbrio fiscal para enfrentar uma crise que será temporária.

Nos dias 20 e 21 deste mês, o Copom vai se reunir, e o mais sensato é que aprove um corte de juros de pelo menos meio ponto percentual. Um cortezinho de 0,25 ponto percentual será um erro. A economia está parando bruscamente, e os juros precisam cair. Se eles não caírem, será imperícia. As empresas estão com estoques e terão que reduzir os preços para se livrar deles (confira no gráfico abaixo o aumento do número de empresas registrando estoques excessivos). A alta do dólar está sendo neutralizada pela queda de preços das commodities. Tudo isso cria um cenário inflacionário que permite a queda dos juros.

Na área internacional estão ocorrendo misturas explosivas, de crises políticas com crises econômicas. A Europa, já em recessão, agora enfrenta a ameaça de desabastecimento de gás, porque o combustível que vem da Rússia, pela Ucrânia, está sendo cortado pela Rússia. As empresas de gás da França e da Itália já estavam, ontem, reportando quedas de abastecimento de 70% a 90%, apesar de ainda garantirem o fornecimento aos seus clientes.

A economia internacional depende do sucesso do pacote que o presidente Barack Obama está começando a divulgar mesmo antes de tomar posse. Ele já é também cobrado pelo silêncio em relação à crise no Oriente Médio. O cerceamento de Israel ao trabalho da imprensa está mudando o tom da cobertura da grande imprensa americana, que no passado sempre foi pró-Israel. Nesse contexto, o silêncio de Obama fica ainda mais eloquente. Entre os vários problemas que essa guerra provoca está, também, o de tirar a atenção exclusiva que o novo governo americano deveria dedicar à questão econômica.

Na guerra brasileira, que se trava nas rodovias, morreram quase tantos brasileiros quanto no ataque de Israel à Faixa de Gaza. Se a conta for bem feita, empata. É que a estatística registra apenas os que morrem na estrada, e não os que morrem nos hospitais em decorrência dos acidentes. É um número tão chocante e revoltante quanto os produzidos pela guerra. Mas o Brasil se acostumou com eles. Nossas baixas na guerra das estradas há muito tempo são comparáveis às de um país em guerra.

Foi pesada esta primeira semana do ano. Ainda bem que 2009 tem mais 51 semanas para se recuperar.

Missão (quase) impossível

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. O presidente eleito, Barack Obama, está claramente com dificuldades para assumir uma posição diante da invasão israelense na Faixa de Gaza. Foi mais fácil semanas atrás, quando ocorreram os ataques terroristas em Mumbai. Naquela ocasião, não funcionou a tese de que o país tem que ter "um presidente de cada vez", e Obama se posicionou claramente contra o ataque terrorista. No início da crise econômica, mesmo ainda candidato a presidente, ele não se recusou a defender posições, e, principalmente depois de eleito, diante da gravidade da situação, assumiu a decisão de agir durante o vácuo de poder na transição do governo decadente de Bush para responder à ansiedade da sociedade americana por acenos para um futuro melhor.

A tese do "um governo de cada vez" só serve mesmo para evitar armadilhas antecipadas, como agora com a crise em Gaza, claramente armada por Israel para obrigar a futura administração americana a se posicionar sobre o Hamas.

A dificuldade de Obama é de prática, porque na teoria tanto ele quanto a futura secretária de Estado, Hillary Clinton, já se posicionaram claramente durante a campanha eleitoral. E suas posições são bastante semelhantes entre si e à política externa dos Estados Unidos: apoiam Israel e não aceitam o Hamas, que classificam de terrorista, como interlocutores.

Diferença fundamental é que o futuro governo dos Estados Unidos voltará à política dos anos 90 da administração de Bill Clinton, a favor de um Estado palestino. O fato de que o estabelecimento de um Estado palestino seja a chave para uma negociação de paz na região muda substancialmente a maneira de negociar.

A questão básica que se coloca para muitos: o Hamas, independentemente de sua natureza, é um grupo capaz de negociar ou seu objetivo é, pura e simplesmente, destruir Israel? O Hamas está comprometido com a causa palestina ou é uma subsidiária de Teerã?

O presidente eleito, Barack Obama, prometeu durante a campanha "eliminar" a ameaça representada pelo Irã a Israel, durante um discurso em Washington na AIPAC, a principal associação de defesa dos interesses israelenses nos Estados Unidos. Segundo ele, "não há ameaça maior para Israel e para a paz e a estabilidade na região que o Irã".

Já Hillary Clinton, quando senadora e candidata, sempre se posicionou a favor de Israel, que considera "um amigo e um aliado, que defende nossos valores", e chegou a ameaçar "destruir" o Irã caso ele lance um ataque nuclear contra Israel.

Caberá a ela, como secretária de Estado, mostrar-se uma interlocutora confiável para os palestinos, e para isso ela conta não apenas com um histórico de tentativas no governo Bill Clinton, como com alguns assessores importantes da futura Casa Branca que tiveram papel relevante no acordo de Oslo, por exemplo.

O futuro chefe de gabinete de Obama na Casa Branca, Rahm Emanuel, foi conselheiro de Clinton de 1993 a 1998 e tem muita ligação com Hillary, com quem trabalhou na tentativa de implantar um sistema de saúde universal no país. Por sua ligação com Israel, teve participação ativa na assinatura do acordo entre a Organização para Libertação da Palestina (OLP) e Israel em 1993, entre Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, nos jardins da Casa Branca.

Quase deixou de ser confiável devido a uma declaração de seu pai ao jornal israelense Maariv, quando foi escolhido por Obama: "Obviamente ele influenciará o presidente a ser pró-Israel. Por que não? Ele não é um árabe, é? Ele não vai para a Casa Branca para limpar o chão", declarou Benjamim Emanuel, fazendo com que seu filho telefonasse para Mary Rose Oakar, presidenta do Comitê Árabe-Americano de Antidiscriminação para desculpar-se.

Pelo chamado "acordo de Oslo", Israel concordava em transferir gradualmente partes dos territórios ocupados para a OLP, que em contrapartida desistia oficialmente do objetivo de acabar com o Estado judeu.

O ex-presidente Bill Clinton, em diversas ocasiões desde que deixou a Casa Branca, acusa a "liderança fraca" de Arafat por ter perdido "o melhor acordo de paz jamais conseguido" com a recusa da proposta do então primeiro-ministro Ehud Barak, em 2000, que incluía a devolução de grande parte dos chamados territórios ocupados e até mesmo chegava a um acordo com relação a Jerusalém, que teria uma parte árabe autônoma.

Clinton contou certa vez que o que inviabilizou politicamente o acordo foi a exigência de Arafat ao "direito de retorno" dos refugiados palestinos, muitos devido a guerras tão longínquas quanto a de 1948, coisa que todos sabiam que seria uma condição inaceitável para Israel.

Por isso, quando Arafat lhe telefonou para se despedir dele, na saída da Casa Branca, e lhe disse que ele era "um grande homem", Clinton respondeu: "Eu sou mesmo um fracasso colossal, e você é o culpado".

Como Clinton advertiu Arafat na ocasião, a recusa dos palestinos abriu caminho à radicalização de ambos os lados: o líder da direita, Ariel Sharon, visita a Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém Oriental, provocando a segunda intifada.

Hoje, o mesmo Ehud Barak é o ministro da Defesa de Israel que comanda o ataque ao Hamas na Faixa de Gaza, e o futuro governo de Barack Obama terá pela frente uma tarefa na política externa das mais delicadas, quase impossível: retomar o caminho da negociação política para conseguir o que parecia próximo em 2000, o estabelecimento de um Estado palestino convivendo com Israel.

Num momento em que os extremismos estão fortalecidos, Israel perde o apoio internacional, e o Hamas é uma força política e militar que se sobrepõe à autoridade palestina.