segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

História requentada

Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A falta de modéstia presidencial valeu como sinal para que as rãs do brejo em que se transformou a coalizão de partidos ao redor de Lula começassem a coaxar e inaugurassem o coro em favor do terceiro mandato. Para se apresentar de peito aberto, como o melhor presidente que a República conheceu por via eleitoral, era preciso apenas estar convencido. Lula sempre esteve e não esconde o bom juízo que faz a seu próprio respeito. Não havia tempo a perder numa questão que requer atenção e cuidado nos quatro anos do mandato, e se decide mesmo nas urnas.

As rãs não cessavam de insistir, dentro e fora do Congresso, em mais um mandato para Lula, e tanto azucrinaram a paciência alheia que levaram o presidente a recolher o assunto ao depósito das falsas soluções para calar a suspeita generalizada que o comprometia perante a História (do Brasil). Já começava a tresandar aquela conversa de reforma constitucional fora de hora, quando o presidente desautorizou a campanha e deu como garantia (sem pedir troco) a palavra de que não era e não seria candidato em hipótese alguma. A postura tão taxativa foi contraproducente, pois sempre há mais de uma hipótese para se mudar o curso da Constituição e contornar as urnas. Se era assim antes, ficou muito mais depois que Lula declarou a crise internacional uma tempestade nacional em copo d"água, da qual (a tempestade, claro) vive a oposição para não morrer de sede.

O terceiro mandato passou a ser para a imagem de Lula, enfunada pelas pesquisas, o mesmo que a renúncia foi para Jânio Quadros desde a prefeitura de São Paulo. Lado a lado o tempo todo. Lula e o terceiro mandato tornaram-se também inseparáveis em qualquer raciocínio político em torno de 2010. Da própria extroversão o presidente se ocupa diariamente. Mas, assim como não era possível considerar Jânio sem incluir o risco de renúncia em algum ponto do percurso, ninguém entendeu o alto investimento de Lula apenas para passar o tempo, considerando-se a versatilidade de que ele é capaz e a natureza do nosso arraigado presidencialismo.

Lula teve discernimento para fazer uma curva, sair pela tangente e ver a candidatura Dilma Rousseff com olhos de eleitor. Por aí fica esperando a hora de trocar de roupa e de papel. Fez da ministra a candidata do peito e do PAC, com tratamento preferencial, enquanto as rãs queremistas faziam a zorra para o assunto não esfriar. Adiantou-se ao PT, que ficou chupando pirulito no recreio, e às manobras do PMDB, que é bom garfo, tem olho gordo e peso parlamentar respeitável. Quer conferir se a sua preferência pela ministra-chefe da Casa Civil pegará de muda e garantirá votos suficientes. O enxoval da candidata foi o pré-sal, que faz a parte que lhe compete. Mas, de modo geral, todos se preparam mesmo é para o imprevisível.

De fora para dentro, o Brasil se posta como ilha incólume aos maus ventos e aberto aos bons pressentimentos. De dentro para dentro, Lula fatura o otimismo do fim de ano sem baixar os juros e a guarda. De dentro para fora, o Brasil não é o roto entre esfarrapados, mas um país com capital político da classe média que se expande e chega ao consumo. Já se foi o tempo em que crises políticos eram patrocinadas pela oposição. Governos sempre têm a faca e o queijo à mão. E nada mais indicado do que a via pré-eleitoral para se apresentar uma crise daquelas cuja razão fundamental fica nos escombros da Constituição soterrada. Lembremo-nos de 1937, mas sem esquecer 1930, a única revolução com saldo. A História não é repetente, mas os políticos são reincidentes. Depois de cem anos sem reeleição, tudo indica que esse equívoco veio, a pretexto de ajudar a democracia, para ficar. Cada presidente que se reelege ressalva que, em princípio, é contra o segundo mandato. Aceita pelo bem de todos e a felicidade geral que, esta sim, também quer ficar. Lula ressalva que não aceita em hipótese alguma o terceiro mandato.

Um passo adiante. O terceiro mandato começou a zumbir antes que a candidatura Dilma Rousseff levantasse vôo, e tem, este ano, 12 meses para fazer ruído, enquanto ­ como diria o Pacheco (do Eça) ­ Lula faz História.

PSDB consulta TSE sobre prévias para decidir entre Serra e Aécio

Luiz Orlando Carneiro
DEU NA GAZETA MERCANTIL


O PSDB formalizou, em novembro, consulta ao Tribunal Superior Eleitoral com oito perguntas sobre a possibilidade da realização de prévias - abertas até a eleitores não filiados ao partido, com propaganda intrapartidária permitida - para a escolha do seu candidato à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no ano que vem.

O secretário-geral do PSDB, deputado federal Rodrigo de Castro (MG), responsável pela elaboração de regras para uma eventual prévia entre os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves - semelhante, guardadas as devidas proporções, às eleições primárias norte-americanas - disse aguardar "com ansiedade" as respostas do TSE à consulta, que tem como relator sorteado o ministro Felix Fischer, um dos dois integrantes do Superior Tribunal de Justiça com assento na Corte eleitoral.

Cauteloso, o presidente do TSE, ministro Ayres Britto, afirmou a este jornal que "as prévias fazem parte do aperfeiçoamento democrático". Mas acrescenta, com sinceridade: "Precisamos, contudo, fazer um rastreamento legislativo para ver se não há nenhuma norma que dificulte esse tipo de votação. Ainda não fiz esse rastreamento. Pode ser que, aqui e ali, esbarremos em algum obstáculo tópico, pontual".

Questão interna

Especialistas em direito eleitoral, os advogados Fernando Neves e Walter Costa Porto, ex-ministros do TSE, acham que - apesar de o assunto ser "interna corporis" (questão interna partidária), não regulamentado na vasta legislação eleitoral - seria conveniente para os tucanos que o tribunal respondesse à consulta, "por prudência".

A Executiva do PSDB já decidiu pela realização das prévias, caso não haja consenso em torno da indicação à convenção de um único candidato para disputar a eleição presidencial de 2010 - lembra o deputado Rodrigo de Castro. "Como hoje temos dois postulantes (José Serra e Aécio Neves), trabalhamos com um cenário de realização de prévias, antes da convenção. Mas, apesar de prevista no estatuto do partido, a matéria nunca foi regulamentada. É por isso que refizemos, no fim do ano, a consulta que já havia sido encaminhada ao TSE em junho, mas que foi arquivada pelo ministro Eros Grau, por que tribunal não responde a consultas quando iniciado o processo eleitoral (na época, o das eleições municipais)."

De acordo com a Lei Eleitoral vigente, a escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações, em convenções, devem ser feitas de 10 a 30 de junho do ano eleitoral. O prazo para o registro das candidaturas termina às 19h do dia 5 de julho.

O Estatuto do PSDB prevê (artigo 151) que o Diretório Nacional pode aprovar proposta da Comissão Executiva para a realização de "eleições prévias" destinadas à escolha de candidatos a cargos eletivos majoritários, "sempre que houver mais de um candidato disputando a indicação do partido". Os vencedores nas prévias (no caso, os candidatos à Presidência e à Vice-Presidência da República) "terão seus nomes homologados nas convenções convocadas para esse fim".

Dúvidas

Antes de programar as prévias do próximo ano - que o secretário-geral do PSDB considera praticamente certas - o partido dos presidenciáveis José Serra e Aécio Neves, governadores de São Paulo e Minas Gerais, respectivamente, quer resposta do Tribunal Superior Eleitoral para várias dúvidas: A partir de que data é permitida a realização de prévias partidárias; se - excluídas as possibilidades de propaganda por rádio, televisão e "out-door" (Lei Eleitoral) - pode a propaganda intra-partidária ser realizada com o uso de página na internet, mensagens eletrônicas, faixas, panfletos e matérias pagas na mídia.

Outras dúvidas dos tucanos são relativas à participação, nas prévias, de não filiados ao PSDB, bem como se o partido pode utilizar verbas do Fundo Partidário para os gastos com a propaganda intra-partidária. O partido também perguntou o TSE se é possível a recepção de doações de pessoas físicas ou jurídicas para o financiamento das campanhas dos pré-candidatos, não só pelo partido, como também pelos postulantes; e se a Justiça eleitoral pode fornecer urnas eletrônicas para a realização das prévias eleitorais.A Executiva Nacional do PSDB já definiu que a "abertura da agenda do partido para a eleição presidencial" será em março, quando será promovida, em Brasília, um encontro nacional com líderes do DEM e do PPS, legendas que devem formar a base da aliança oposicionista na eleição para a sucessão de Lula.

Nova voz em torno de Gaza

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Menos mal que, no quadro de extrema feiúra do conflito armado entre Israel e Hamas, tenhamos também ações como a do grupo "Other Voice", em que cidadãos sem conexões político-partidárias de Sderot e outras comunidades israelenses em torno de Gaza, justamente o alvo mais freqüente dos foguetes, se articulam com palestinos de Gaza para clamar pelo fim da violência que atinge a todos e por soluções criativas nesse sentido por parte das lideranças regionais e mundiais. É evidente o caráter extraordinário de iniciativas como essa, que têm de vencer as disposições etnocêntricas "naturais" que o longuíssimo conflito no Oriente Médio agudiza de forma singular. Todos vemos o apego rígido a posições simpáticas ou hostis à ação de Israel nas colunas da imprensa e nos blogs da internet, embora tenhamos também esforços louváveis de avaliação isenta. De todo modo, mesmo no plano modesto de minhas relações pessoais, confesso-me surpreendido pela naturalidade com que as afinidades e simpatias de amigos intelectualmente sofisticados (e distantes, por exemplo, de reles confusões como a que torna o radicalismo islâmico merecedor do apoio de gente "de esquerda") levam à prevalência da identificação pronta com um dos lados e dificultam a sensibilidade às eventuais razões do outro lado.

Mencionei, na semana passada, o infantilismo moral que tende a caracterizar as relações entre grupos étnicos e nacionais distintos. É conhecido o trabalho de Jean Piaget sobre temas correlatos, em que desenvolvimento intelectual e desenvolvimento moral não são senão duas faces da mesma moeda. Pois o desenvolvimento intelectual se caracteriza pela crescente capacidade de superar o egocentrismo próprio da infância e das fases iniciais do processo, de "descentrar-se" e adotar o ponto de vista dos outros - o que é condição para que se viabilizem as "operações" da razão sobre um objeto passível de ser manipulado, num mundo que deixa de ser a mera extensão ilusória do eu infantil justamente pelo reconhecimento da "objetividade" trazida pelos múltiplos pontos de vista.

Naturalmente, podemos ter "egocentrismo" em escalas mais amplas: o etnocentrismo, na designação genérica usual, ou o "sociocentrismo", na linguagem do próprio Piaget. Como lembrei aqui há tempos, citando Pizzorno e Leopardi, o egoísmo, ou o "amor próprio", pode dilatar grandemente o seu objeto, vindo a referir-se a "minha" família, "minha" tribo, "minha" cidade, "meu" país - e o esforço intelectual de reflexão "descentrada" exige a difícil transposição dessas diversas barreiras de identificação sociocêntrica que tendem a apresentar-se como pontos de referência, para o indivíduo, do comportamento virtuoso, patriótico e altruísta.

Do ponto de vista político, a grande dificuldade é que, se o ideal democrático remete, em última análise, à autonomia e à capacidade de descentração do cidadão em relação à coletividade, a organização coletiva não pode abrir mão de conter ou limitar a autonomia individual, ou o simples egoísmo da afirmação exacerbada da autonomia, e de cobrar identificação e lealdade. No nível dos estados nacionais, foi possível expandir os vínculos primordiais de vizinhança (eventualmente parentesco) rumo a um sentimento mais abrangente de comunidade que serve de base ao sentimento pessoal de identidade e promove o patriotismo. Mesmo nesse nível, porém, o problema, na perspectiva da democracia, é que a promoção dessas disposições propícias tende a valer-se justamente da contraposição a outras coletividades do mesmo tipo e periga resultar na pressão indevida ao conformismo e na demanda de lealdade que toma a forma incondicional e quem sabe autoritária. E o desafio é o de equilibrar o componente generoso das virtudes patrióticas com a virtude cívica por excelência da tolerância pluralista.

Mas no plano internacional a tarefa é muito mais difícil. Pois ela envolve construir pluralismo e tolerância justamente nesse contexto não só carente, por definição, de um substrato comunitário, mas constituído por comunidades diversas que com freqüência ao menos em parte se definem pela hostilidade recíproca e em que o sentido da identidade pessoal, para muita gente, tende a nutrir-se dessa hostilidade.

Na história recente, contudo, dispomos pelo menos do grande exemplo positivo da União Européia, erguida penosamente, mas com êxito inegável, sobre a herança de conflitos que se repetiram por longo tempo e em que se construíam e reforçavam identidades antagônicas. Depois, não obstante o que possa parecer respaldar a idéia de um "choque de civilizações" à maneira de Huntington, temos também um mundo que se torna gradualmente multipolar e talvez venha a abrir espaço para influências que ajudem a encaminhar as coisas no rumo de algum tipo de federalismo de grande alcance, em que as tradicionais identidades étnico-nacionais deixem de estar tão pesadamente em jogo. Sem falar, especificamente quanto ao Oriente Médio, do que apontava há alguns dias Barry Rubin aqui mesmo no Valor ("Os Verdadeiros Inimigos do Hamas"): a coexistência problemática do etnocentrismo radical islâmico com variados nacionalismos árabes.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

O Copom e a história

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A próxima reunião do Copom deve ser colocada com destaque na história da experiência brasileira com o sistema de metas de inflação. A influência da decisão a ser tomada vai extrapolar sua dimensão meramente conjuntural e será marco importante no longo processo de consolidação da moderna gestão monetária no Brasil.

A implantação do sistema de metas em 1999 foi marcada por uma necessidade emergencial, decorrente do colapso do sistema de taxa de câmbio administrada. A mudança da política cambial se deu em meio a uma intensa crise de confiança e que levou o Brasil a perder cerca US$ 40 bilhões das reservas internacionais em apenas cinco meses. A forte desvalorização cambial nos primeiros meses após a flutuação do real trazia o risco de perda de controle da inflação, a maior conquista do Plano Real.

Era preciso encontrar, com urgência, uma nova âncora nominal para a economia, tarefa complexa em um país com baixo grau de credibilidade em termos de gestão monetária independente. A explicitação de uma meta de inflação como pilar de uma nova política econômica foi um passo ousado por parte do governo. Dez anos depois o sucesso é claro e hoje poucos se dão conta do enorme desafio que foi sua implantação.

Quero destacar que a transição para o regime de metas deveria ter sido feita após um debate interno intenso, mas isto não foi possível em função da urgência daquele momento. Estabilizar a economia e impedir a volta da inflação era a tarefa primordial da equipe econômica. Nos anos seguintes, o BC foi obrigado a operar a política monetária em um ambiente econômico ainda marcado pela fragilidade externa, pelo risco de choques cambiais abruptos e, dado o perfil de endividamento público, por recorrentes dúvidas a respeito da solvência do governo.

Em conseqüência, o mandato definido para o BC foi centrado quase exclusivamente na busca da estabilidade de preços, com alta tolerância dos custos para a atividade econômica. No jargão dos economistas, a função de reação do BC era totalmente dominada pelo desvio da inflação (ou pela perspectiva de que ele viesse a ocorrer) em relação à meta. Este mandato único, naturalmente, gera a necessidade de se vender uma imagem extremamente conservadora de sua política, seguindo de perto o modelo do Banco Central Europeu.

O sucesso da operação do sistema de metas até hoje no Brasil acabou por colocar este pecado original (a circunstância de crise em que se deu sua implantação) no esquecimento da maioria dos analistas e da opinião pública. Esta marca da experiência brasileira precisa ser resgatada hoje para que se possa entender a importância que dou à próxima reunião do Copom.

A partir de 2006, com o incrível fortalecimento de nossa situação externa, vivemos um ciclo virtuoso de crescimento. O risco de ruptura externa foi bastante reduzido e, com ele, a principal causa dos choques inflacionários vividos pelo Brasil nas décadas anteriores. No novo contexto, a dinâmica da inflação passou a depender diretamente do ritmo de crescimento da demanda interna, como o próprio BC tem destacado nos últimos anos. Isto é importante, pois coloca em debate não o mandato do BC, mas os parâmetros que balizam a gestão dos juros. Explico-me.

Operando em um ambiente de forte expansão de gastos do governo, coube ao BC desde fins de 2007 a tarefa árdua de modular a atividade econômica via taxas de juros mais elevadas. Sua tarefa ficou ainda mais difícil em função da rápida expansão do crédito doméstico. Sabemos hoje que, sem o impacto da crise econômica externa a partir de setembro passado, a tarefa do BC teria sido ainda mais complexa para manter a inflação ancorada no centro da meta. Talvez a intensidade do aumento de juros nestas circunstâncias fosse o dobro do imaginado pelo mercado, colocando a taxa Selic em até 17% no que poderia ser o final de seu movimento de alta.

Mas o cenário que vivemos hoje é totalmente diferente do que prevalecia há poucos meses. No último trimestre de 2008, a economia brasileira sofreu um processo de descontinuidade. Este fenômeno, pouco frequente em economias de mercado, cria um cenário muito complexo para a autoridade monetária. Questões novas aparecem, obrigando o BC a uma mudança na forma de encarar os desafios da política monetária nestas novas condições. Certamente será preciso que o Copom incorpore em suas previsões uma mudança intensa do ritmo da atividade econômica e o aparecimento de uma capacidade ociosa importante na economia, inclusive no mercado de trabalho.

Outro fator a ser considerado é que a desvalorização brusca de nossa moeda não decorre de uma questão específica brasileira, mas de um processo global de valorização do dólar, desaquecimento da economia mundial e forte queda dos preços das commodities. A dinâmica do repasse da desvalorização cambial aos preços internos tem outra natureza, portanto. O comportamento dos preços no atacado nos últimos meses é uma prova inconteste disto. Aqui também temos a dificuldade representada pelo aparecimento do novo na análise econômica de curto prazo do Copom.

A reação inicial de muitos analistas foi de buscar no passado as lições para avaliar o impacto da desvalorização do real sobre a inflação. Muitos recomendaram uma elevação ainda maior dos juros para enfrentá-lo, apesar dos claros sinais de desaceleração da atividade. Sempre defendi uma atitude mais aberta em relação a esta questão, pois quando se conjugava o menor valor do real com os novos preços internacionais chegava-se claramente a um cenário benigno para os preços em reais.

Os fatores acima mostram que o processo de determinação da inflação no Brasil mudou em relação ao vigente quando da implantação do regime de metas. Hoje a importância das variáveis domésticas passou a ser dominante e o processo de inflação no Brasil parece ser menos sujeito a descontinuidades.

Portanto, parece-me correto aumentar o peso dado à atividade econômica no processo de decisão da taxa de juros, o que espero que o BC comece a fazer na próxima quarta-feira, com uma redução de pelo menos 0,75% na taxa de juros. Esta decisão será muito importante para aumentar a credibilidade do sistema de metas de inflação junto à sociedade.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

Cenário do mercado trabalho brasileiro é similar ao dos EUA

Viviane Monteiro
DEU NA GAZETA MERCANTIL

A turbulência observada no mercado de trabalho nacional já é idêntica a dos Estados Unidos. O que muda é a intensidade das demissões que acontecem no Brasil e nos Estados Unidos (EUA), origem da crise. Essa é a avaliação do Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Roberto Gonzalez, em entrevista à Gazeta Mercantil. Nos Estados Unidos, entre novembro e dezembro as demissões já atingem 1,108 milhão. Enquanto no Brasil esse número pode representar mais da metade, aproximadamente 650 mil cortes em igual período, caso o Ministério do Emprego e Trabalho confirme nesta segunda-feira demissões em dezembro em cerca de 600 mil. Esse número foi confirmado na última quinta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O especialista do IPEA prevê resultado negativo do emprego em janeiro, e já vê uma reversão na tendência de queda da taxa de desemprego em 2009. A curva de desemprego no Brasil começou a declinar a partir de 2005. "Há uma tendência de aumento do desemprego no País, mas não temos idéia de quão forte será esse aumento". Conforme o especialista do IPEA, diante de tal turbulência, muitos trabalhadores com contratos temporários não devem ser efetivados neste início de ano, o que deve gerar saldo de emprego negativo.

Caso se confirme a projeção do especialista do órgão, vinculado ao Ministério do Planejamento, esse seria o primeiro mês do ano negativo desde janeiro de 1999. O professor do departamento da Universidade de Brasília (UnB), Jorge Pinho, confirma que a tendência é de alta da taxa de desemprego no Brasil este ano. Ele prevê que a taxa voltará aos patamares de 2002, e atingirá 10% de desemprego, o que pode representar algo em torno de 2,3 milhões pessoas desempregadas nas regiões metropolitanas pesquisadas em 2009. Em novembro, a taxa ficou em 7,6%, segundo o último dado da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE. Existem economistas que acreditam que a taxa poderá atingir até 13%, até então o pico, observado em abril de 2004.

O cenário é preocupante, explica Gonzalez, porque a expectativa é de que a produção industrial "não cresça", diante da redução do índice de confiança do consumidor na economia e redução do consumo. Dessa forma, as empresas começam a demitir e isso pode agravar ainda mais o efeito da crise no Brasil. Ainda assim, diz, só será possível saber o verdadeiro impacto da crise com o passar do tempo, quando novos dados forem divulgados.

Os dirigentes do IPEA apresentarão amanhã o estudo "Crise econômica internacional e possíveis repercussões: primeiras análises". Segundo o IPEA, serão analisadas "as manifestações e as reações governamentais à crise econômica internacional, bem como suas possíveis repercussões no Brasil".

A crise financeira mundial freou o mercado de trabalho no Brasil a partir de outubro de 2008, quando a criação de empregos desacelerou de 205,2 mil vagas em setembro para 61,4 mil em outubro. O cenário se agravou e em novembro, as demissões superaram em 40,8 mil as contratações, segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). As demissões sazonais de fim de ano em 2008 foram ampliadas pelo impacto da crise. Em dezembro, a previsão é de que as demissões dobrem a média mensal histórica de 300 mil e cheguem a algo em torno de 600 mil.

Políticas de investimento

Para tentar reverter esta tendência, o professor da UNB diz que o governo deverá tomar as medidas necessárias, ou seja, adotar políticas de investimento pesado em setores geradores de emprego, como infra-estrutura e construção civil. A expectativa é que o presidente Lula deve anuncie novas medidas de socorro à economia brasileira esta semana.

Sem querer fazer estimativas sobre a evolução da taxa de desemprego este ano, o especialista do IPEA, Gonzalez disse que as demissões estão mais avançadas nos Estados Unidos, em relação ao Brasil, porque "lá a crise bateu primeiro" no mercado doméstico. Dessa forma, a turbulência impactou mais cedo o consumo e o mercado de trabalho dos Estados Unidos. Já no Brasil, explica Gonzalez, o efeito da crise veio posteriormente e, primeiro, entrou "por outros canais": pela falta de crédito e baixa liquidez do sistema financeiro.

Até outubro de 2008, o ministro do Trabalho Carlos Lupi, mantinha a previsão de fechar 2008 com mais de 2 milhões de novas vagas formais. A expectativa não se sustentou e o ministro passou a reduzir as previsões para algo acima de 1,8 milhão. Para 2009, o ministro prevê 1,5 milhão de novas vagas.

Centrais querem plano contra demissões

Isabel Sobral, BRASÍLIA
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Sindicalistas se reúnem hoje com Lula para exigir medidas do governo

Após uma semana de ânimos exaltados entre empresários e trabalhadores por causa de vários anúncios de demissões, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta hoje às suas origens de negociador para ouvir os representantes das seis principais centrais sindicais do País. No topo da lista de pedidos ao presidente está um dos raros pontos em comum com empresários: a redução imediata da taxa de juros básica (Selic) pelo Banco Central. O Comitê de Política Monetária (Copom) decidirá na quarta-feira a nova Selic que, hoje, está em 13,75% ao ano.

“Como esta semana tem reunião do Copom, será muito importante reforçar a luta pela bandeira da queda rápida dos juros”, diz o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique Silva.

A União Geral dos Trabalhadores (UGT), que quer um corte de pelo menos dois pontos porcentuais no juro, promete levar para a frente da sede do BC, em São Paulo, pelo menos cinco mil trabalhadores. “A redução dos juros é um clamor nacional”, afirma Ricardo Patah, presidente da UGT.

Na defesa da manutenção do nível de empregos com carteira assinada pelas empresas, os sindicalistas apresentarão a Lula argumentos e exemplos de setores econômicos que, na avaliação das centrais, não têm motivos financeiros para demitir. Entre os mais lembrados pelos sindicalistas está o setor bancário que, segundo o presidente da CUT, acumulou grandes lucros nos últimos anos e agora deveria manter o quadro de empregados “como ação de responsabilidade social”.

As críticas dos sindicalistas aos bancos aumentaram com o anúncio, na sexta-feira, de que o Santander - que comprou o ABN Amro Real em 2007 - demitiu entre 400 e 500 bancários. A informação foi do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, e a direção do banco não se pronunciou.

“O impacto da crise tem de ser analisado caso a caso, setor a setor, porque há muita chantagem nessas propostas de redução de direitos trabalhistas”, declara o presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Antonio Neto. “Não podemos fazer acordos por atacado”, completa.

Propostas de acordos trabalhistas, com redução de jornadas e salários, suspensão temporária de contratos de trabalho e dispensas de empregados dominam o cenário neste início de 2009. As centrais rejeitam redução de direitos, mas vários sindicatos em todo o País já negociam acordos desse tipo diretamente com as empresas.

Para o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras (CTB), Wagner Gomes, nesse ambiente de crise “há muitos espertos” entre alguns setores empresariais que se aproveitam para reduzir salários dos empregados. “E isso é um tiro no pé, porque com menos renda, há menos consumo, menos produção e menos crescimento econômico.”

Na última semana, as centrais decidiram reagir às demissões com protestos, mobilizações e greves de advertência. Na conversa com Lula, os sindicalistas vão exigir ações que estanquem as demissões, como a ideia de vincular a concessão de benefícios tributários e de créditos em bancos oficiais à manutenção de empregos. A sugestão é apoiada pelo ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, mas ainda não há decisão de governo quanto a isso.

A pauta das centrais ainda inclui a redução do superávit primário, que é a economia de dinheiro do orçamento que o governo faz todos os meses para abater juros da dívida pública, como fonte de recursos para investimentos. Para apoiar os trabalhadores que já perderam o emprego, as centrais defendem ampliação das parcelas do seguro-desemprego, que hoje variam entre três a cinco.

Da vitória à posse, economia degringolou

Fernando Canzian
EM WASHINGTON
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SOB NOVA DIREÇÃO / TEMPOS DIFÍCEIS

Presidente assume diante da mais grave e intricada crise da atual geração e diz que situação vai piorar antes de melhorar

Desemprego é o maior em 16 anos; bolha imobiliária deixou 2 milhões sem casa, e rombo em bancos pode chegar a US$ 2 trilhões

Só na semana passada, e em apenas três empresas, a economia norte-americana perdeu o equivalente a quase 10% de todas as vagas de trabalho decepadas em dezembro. No último mês de 2008, o desemprego nos EUA saltou para 7,2%, o maior percentual em 16 anos.General Eletric, Hertz e a Circuit City, gigante de eletrônicos que entrou em concordata em novembro e que agora quebrou de vez, anunciaram cortes de quase 50 mil pessoas entre a quinta e a sexta-feira.

Foi um início tenebroso para 2009 e para o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, que assume a Casa Branca amanhã. Entre a vitória de novembro e agora, infelizmente a economia americana só piorou.

"Mesmo com as medidas que vamos tomar, as coisas primeiro vão ficar piores antes de começarem a melhorar. Quero que todos sejam realistas em relação a isso", afirmou Obama antes de embarcar em uma viagem simbólica de trem para Washington no fim de semana.Milhares de empresas nos EUA estão sofrendo as consequências da mais grave e intrincada crise da atual geração. Uma crise na principal turbina da maior economia do mundo: o crédito ao consumo.

Nos últimos cinco anos, os EUA cresceram com força, sustentados por uma forte e irresponsável expansão do crédito. Ele foi largamente concedido a bons e maus pagadores, mas sem que os bancos exigissem garantias reais suficientes de quem tomava os empréstimos.Nesse período, os bancos ampliaram o endividamento dos americanos para algo equivalente a cerca de 150% do PIB (Produto Interno Bruto), ou mais de US$ 20 trilhões. Como comparação, o crédito no Brasil representa 40% do PIB.

Essa "bolha" de crédito estourou inicialmente no setor imobiliário, fazendo o valor das casas despencar juntamente com o poder de saldar as dívidas de quem as estava comprando. Quase 6 milhões de famílias perderam seus imóveis no país nos últimos três anos.

Com o aprofundamento da crise imobiliária no ano passado, 2009 começa com várias outras "bolhas" explodindo. Nos setores de crédito para veículos, nos cartões de crédito e nas lojas que financiam seus produtos aos consumidores.

Com essa avalanche de não-pagamentos de dívidas, reforçada por uma perda superior a 40% no dinheiro que os americanos tinham nas Bolsas, a inadimplência explodiu, abrindo imensos rombos nos bancos.

Tapando buracos

O governo de George W. Bush tentou tapar vários desses buracos arrancando uma linha oficial de US$ 350 bilhões do Congresso. Até agora, 257 bancos em 42 Estados receberam quase US$ 200 bilhões em injeções de dinheiro público. Cerca de 60% do dinheiro foi para sete gigantes, como Citigroup e Bank of America.

Não deu para o começo, e os bancos continuam ampliando seus rombos, que podem chegar a US$ 2 trilhões, o dobro do reconhecido até aqui. Só o Citigroup, um dos mais afetados por dívidas, já reconheceu perdas de US$ 90 bilhões.

Isso só reforça o ciclo vicioso dessa crise: os bancos deixaram de emprestar, as pessoas pararam de gastar e as empresas vendem menos. Com isso, passaram a demitir, levando as pessoas a gastar cada vez menos e a ter problemas para consumir e pagar dívidas -aumentando os rombos nos bancos.

"O que temos hoje é uma economia e um setor financeiro em deterioração se alimentando mutuamente e de maneira negativa", afirma Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional). "Isso pode ter um gosto amargo, mas será necessário colocar ainda mais dinheiro [público] nos bancos."

Esse parece ser exatamente o novo passo de Obama. Enquanto na semana passada a liderança de seu partido, o Democrata, vazou detalhes de um plano de US$ 825 bilhões aspirando manter e criar até 4 milhões de empregos, sua equipe financeira começou a alinhavar algo completamente inusitado: a criação de um banco estatal que poderá absorver todas as dívidas problemáticas dos bancos.

A expectativa é que, limpando as carteiras desses bancos das dívidas "tóxicas", eles voltem a emprestar dinheiro a empresas e consumidores, oxigenando a economia.

A conta desse trilionário socorro ao setor financeiro e do pacote de US$ 825 bilhões virá de uma ampliação do déficit público dos EUA. Antes das novas medidas, ele já estava projetado para atingir US$ 1,2 trilhão (ou 8,2% do PIB), o maior desde a Segunda Guerra.Um dos principais assessores de Obama, o ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers, afirmou recentemente que "nessa crise, fazer pouco representa um risco muito maior do que fazer demais".

Como reconhece Obama, a crise parece estar muito mais perto do começo do que do fim. Mas a grande dúvida é se mesmo "demais" será o suficiente.

Queda do consumo pode tirar R$ 200 bi da economia este ano

Sergio Lamucci, de São Paulo
DEU EM VALOR ECONÔMICO

A perda de fôlego do consumo e do investimento em 2009 deve provocar uma queda abrupta na contribuição da demanda doméstica para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Se no ano passado a combinação do consumo das famílias, consumo do governo, investimento e variação de estoques colaborou com quase 8 pontos percentuais para a expansão de cerca de 5,5% da economia, neste ano o número pode cair para o intervalo de 1 a 2 pontos, segundo os analistas mais pessimistas. As previsões para o PIB variam bastante, de um crescimento zero a um avanço próximo a 3%. O governo tem 4% como meta.

Como contrapartida da forte desaceleração da demanda interna, as importações de bens e serviços deverão sofrer um forte abalo, passando de uma alta na casa de 20% no ano passado para o terreno negativo em 2009. Nesse cenário, o setor externo poderá ter contribuição neutra ou levemente positiva para o PIB, o que não ocorre desde 2005 - no ano passado, ele "tirou" de 2,2 a 2,5 pontos do crescimento, de acordo com as estimativas. Isso vai ocorrer não por causa de um cenário favorável para as vendas externas, mas devido à expectativa de um recuo das importações.

Com a contração do crédito, a queda da confiança de empresários e trabalhadores e a perspectiva de piora do mercado de trabalho, uma forte desaceleração da demanda interna neste ano é inevitável, segundo o economista Júlio Callegari, do JP Morgan. Ele estima que a contribuição da demanda doméstica para o PIB ficará em 1,1 ponto percentual em 2009, muito abaixo dos 7,7 pontos esperados para 2008. A projeção de 1,1 ponto significa que uma riqueza de cerca de R$ 200 bilhões deixará de ser gerada em 2009, quando se compara à que seria criada se houvesse uma repetição da colaboração de 7,7 pontos do ano passado, calcula Callegari. "Essa forte desaceleração da demanda interna deverá refletir melhor a "sensação térmica" da atividade econômica do que os próprios números do PIB", afirma ele, que projeta crescimento do PIB de 5,5% em 2008, e 1,5% em 2009.

Para Callegari, o consumo das famílias deve desacelerar de 6,2% em 2008 para 2% neste ano. Um dos grandes problemas é que o impacto da crise global sobre o emprego foi muito abrupto. As demissões já começaram e tendem a aumentar nos próximos meses, diz ele. Condições ruins do mercado de trabalho, somadas à cautela dos bancos na hora de conceder crédito, prenunciam um quadro pouco animador para o consumo das famílias, como lembra o economista Juan Jensen, da Tendências Consultoria Integrada. Ele projeta um crescimento para o consumo das famílias de 2,1% neste ano. A estimativa para o PIB é de uma alta de 2,6%, número em revisão, provavelmente para a casa de 2%.

A formação bruta de capital fixo (FBCF, que mede o investimento na construção civil e em máquinas e equipamentos) deve sofrer uma desaceleração ainda mais significativa. A economista Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados, acredita que a taxa de expansão do investimento vai cair de 16,2% em 2008 para 3% em 2009. A contração do crédito e as perspectivas de esfriamento da demanda reduzem o apetite das empresas por investir. Callegari é mais pessimista, acreditando que a FBCF ficará estável em 2009.

Destacando o impacto negativo da crise sobre o mercado de trabalho, Thaís projeta um crescimento do PIB de 1,5% em 2009, número idêntico ao de Callegari. A diferença é que, para ela, a expansão se deverá integralmente à demanda doméstica - o setor externo, para Thaís, terá contribuição zero para o crescimento neste ano, enquanto Callegari acredita que haverá colaboração positiva de 0,4 ponto. Jensen estima que a a diferença entre exportações e importações entrará com 0,1 ponto.

De 2006 a 2008, a contribuição do setor externo para o PIB foi negativa porque as importações cresceram a um volume bem superior ao das importações. Para o ano passado, por exemplo, a estimativa do JP Morgan é de que o volume de compras externas de bens e serviços tenha crescido 18%. No caso das exportações, a aposta é de queda de 1%. Com isso, o setor externo "tirou" 2,2 pontos percentuais do PIB em 2008, estima Callegari. Nas contas da Tendências, o número ficou negativo em 2,5 pontos.

Para 2009, porém, o quadro vai mudar, por conta do impacto da desaceleração da demanda interna sobre as importações. Com menos consumo e menos investimento, deverá haver uma queda das compras de bens e serviços neste ano. Para Callegari, o volume importado vai cair 2,4% em 2009. Jensen acredita que o tombo pode ser até maior, atingindo 5%.

As perspectivas para as exportações, por sua vez, não são positivas, mesmo com a forte desvalorização do câmbio. Com a economia global em recessão, a demanda por produtos brasileiros não será expressiva. Callegari ainda conta com uma alta do volume exportado de 1,2%, um resultado um pouco melhor do que o recuo de 1% esperado para 2008. Jensen é mais pessimista, projetando tombo de 4% das vendas externas. Por preverem que as exportações terão um desempenho um pouco melhor - ou menos pior - que o das importações, esses analistas esperam uma a contribuição neutra ou ligeiramente positiva do setor externo para o crescimento.

Mas há quem veja um cenário diferente, como o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, que prevê expansão da economia de 2,9% neste ano. Para Borges, a demanda doméstica ainda vai colaborar com 3,9 pontos percentuais para o crescimento do PIB, uma desaceleração expressiva em relação ao ano passado, mas bem acima do projetado por Callegari, por exemplo.

A diferença se deve principalmente à visão de Borges de que o consumo das famílias não vai perder tanto fôlego - ele projeta uma alta de 4,5% para 2009, mais do que o dobro do esperado pelo JP Morgan e pela Tendências. Borges cita vários fatores para justificar sua previsão mais otimista. Ele lembra, em primeiro lugar, que o reajuste médio real do salário mínimo em 2009 será de 6,6%, "o dobro dos 3,3% de 2008". "Combinado a uma inflação de alimentos bem menos pressionada neste ano, isso deverá dar um gás para o consumo básico nas classes de renda mais baixa."

Borges ressalta ainda que a política fiscal deverá ser mais expansionista - o superávit primário, por exemplo, deverá cair de 4,2% do PIB em 2008 para 3,3% do PIB em 2009. "Nossas estimativas mostram que a cada 1 ponto percentual de redução do superávit primário incrementa o crescimento do consumo em 0,5 ponto ao longo de um ano."

Ele cita ainda o fato de que os juros reais de mercado (comparando a taxa privada de um ano com a inflação projetada em 12 meses) está em 6,5%, bem mais baixa do que os 9% a 9,5% registrados entre agosto e meados de novembro. A queda da taxa, que baliza o custo do dinheiro, pode impulsionar a atividade e o consumo, com alguma defasagem. Por fim, prevê que o dólar, hoje na casa de R$ 2,40, cairá para R$ 2,10 no fim do ano. Isso implica o barateamento de vários bens comercializáveis internacionalmente (influenciados diretamente pelo câmbio), como eletroeletrônicos e os produtos de informática. Ele estima que cada 1% de redução da taxa de câmbio gera estímulo de 0,2 ponto percentual no consumo das famílias.

Como espera que a demanda interna, especialmente o consumo, tenha um resultado ainda razoável em 2009, Borges projeta um encolhimento de apenas 0,6% nas importações de bens e serviços. Como acredita que as exportações vão cair 8,2% - um tombo bem maior que o das importações -, o setor externo ainda vai contribuir negativamente para o crescimento, "tirando" 1,1 ponto da expansão do PIB em 2009.

Sindicatos pretendem articular ações contra demissões na Vale em 30 países

Vera Saavedra Durão, do Rio
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Dirigentes de sindicatos de trabalhadores da Vale, que somam 24 em todo o país, se reuniram com José Drummond, da CUT Multi, um braço da Central Única dos Trabalhadores que promove a criação de redes internacionais de trabalhadores de multinacionais brasileiras. A idéia é articular um movimento que congregue todos os trabalhadores da mineradora no Brasil e nos 30 países onde ela atua contra novas demissões e em defesa dos direitos trabalhistas de seus 60 mil empregados.

A reunião ocorreu após dois dias de reunião dos sindicalistas, na quinta e sexta-feira da semana passada. A agenda de trabalho desses líderes sindicais inclui uma mobilização de funcionários nacionais e internacionais da Vale no dia 11 de fevereiro, em frente à sede da mineradora no Rio, para protestar contra as demissões e contra a flexibilização das leis trabalhistas defendida pelo presidente executivo da companhia, Roger Agnelli, informou Paulo Soares, do Metal Base, sindicato que congrega 4 mil mineiros da região de Itabira e outros municípios onde a Vale tem minas, em Minas Gerais.

Hoje, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e governadores dos Estados e prefeitos dos quase 500 municípios onde a Vale atua devem receber uma carta dos empregados da companhia convocando-os a lutar contra o desemprego. "A Vale já demitiu 15 mil trabalhadores terceirizados ligados diretamente à produção de minério e mais de 2 mil diretos. Não acreditamos nos números da Vale. Nós fizemos as contas dos desempregados e conhecemos bem esses números, pois somos nós que homologamos as demissões", disse Soares, vinculado ao PSTU, uma dissidência à esquerda do PT.

A mensagem que os trabalhadores pretendem passar às autoridades é que os problemas da Vale são como uma questão de Estado, pois ela é a maior empresa privada nacional, que dizia estar pronta para enfrentar a crise e foi uma das primeiras a demitir. "Não vamos aceitar flexibilizar nossos direitos. Como pode a Vale falar em flexibilizar nossos direitos se ela vai encerrar 2008 com um lucro de no mínimo R$ 24 bilhões?", indaga Soares.

Outra preocupação dos empregados da Vale é com o pagamento da Parcela de Lucros e resultados (PLR), que deve ser feito em 15 de fevereiro. Pelo acordo feito entre a companhia e os trabalhadores, com vigência de um ano, os empregados deveriam receber um PLR de 4,7 salários. Ou seja, se o empregado ganha R$ 1 mil, ele recebe R$ 4.700 de PLR. "Estamos sujeitos a receber menos que isso. A Vale está querendo pagar um PLR de 1,5 a 2,0 e no máximo 2,5 salários. Logo no ano que ela terá novamente lucro recorde, sem falar no caixa da empresa de US$ 15 bilhões. Isso vai criar mais uma briga com a gente", disse o sindicalista.

Soares (suplente) e João Batista Cavalieri (titular), duas lideranças dos trabalhadores da Vale que ocupam a 11ª cadeira do conselho de administração da mineradora, estão marcando uma reunião com os principais acionistas da Vale, a Previ, fundação dos funcionários do Banco do Brasil que controla a Valepar e o BNDES, para falar sobre a atitude "negativa" da Vale em relação a seus empregados, apesar de receber recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Segundo Soares, a folha de pagamento da Vale soma R$ 1,2 bilhão no mundo inteiro, um valor mínimo em relação ao que a companhia lucra.

Os diretores de Recursos Humanos da Vale, como a diretora-executiva Carla Grasso, Marcos Dalposo, e Roberto Ruy, da área internacional de RH da empresa, não compareceram à reunião dos trabalhadores. "Estamos tentando marcar um encontro com eles. Tiramos um documento desta reunião e queremos conversar. A empresa está calada e só tem desmentido o que a gente fala. Divulgou que vai criar 10 mil empregos até 2011. Nunca vi falar em criar 10 mil empregos com 5.050 trabalhadores em férias coletivas. A Vale está preparando uma nova leva para entrar em férias coletivas e fala em criar novos empregos. Queremos saber é do presente. Não somos culpados pela crise e não queremos ser bodes expiatórios. Vamos nos defender", disse Soares.