quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Ainda os símbolos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


WASHINGTON. Num dia repleto de simbolismos como o da posse de Barack Obama na Presidência dos Estados Unidos, nada mais exemplar da mudança de rumo do poder do que o ex-vice-presidente Dick Cheney, momentaneamente de cadeira de rodas, vítima de um acidente caseiro, ser comparado ao Dr. Fantástico. Ninguém se lembrou de compará-lo ao ex-presidente Franklin Roosevelt, cuja memória vem sendo evocada desde que a crise econômica mostrou toda a sua profundidade. Nos dois casos, a cadeira de rodas é apenas um acessório acrescido à imagem dos personagens, não determinante de suas ações. Roosevelt foi um grande presidente, talvez o maior da História, pelas decisões que tomou em momento de grave crise econômica e conflito mundial.

Ser comparado ao personagem de Peter Sellers no formidável "Dr. Fantástico" ("Dr. Strangelove"), o filme dirigido por Stanley Kubrick que é uma das mais ácidas e divertidas críticas à Guerra Fria, tem um significado político óbvio, mas não gratuito.

O Dr. Fantástico do filme é um cientista nazista que se torna o conselheiro do presidente americano. Preso a uma cadeira de rodas, Dr. Fantástico não consegue controlar seus instintos e faz involuntariamente a saudação nazista para o presidente dos EUA, e defende um ataque nuclear contra a União Soviética.

Qual um doentio Dr. Fantástico saído das telas para a realidade, Cheney foi o cérebro por trás da política americana após 11 de setembro, especialmente a invasão do Iraque sob o pretexto de acabar com armas de destruição em massa que nunca existiram.

Na esteira da guerra, Dick Cheney levou a empresa em que trabalhava, a Haliburton, a participar da reconstrução do país, com obras milionárias sem licitação.

Adepto da política de ataques preventivos adotada pelos Estados Unidos, o vice-presidente Dick Cheney é o mentor de toda a política de segurança nacional que levou o governo Bush a claramente ultrapassar os limites da legalidade no combate ao terrorismo, e saiu do governo defendendo as posições mais polêmicas, como as técnicas de afogamento adotadas nos interrogatórios das prisões de Abu-Grahbi e Guantánamo.

Documento de uma comissão do Senado americano divulgado durante a campanha presidencial traz acusações frontais de que o desrespeito à Convenção de Genebra foi aprovado pelo presidente George W. Bush, e a autorização para que técnicas de afogamento fossem usadas nas prisões partiram diretamente do ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld, em ambos os casos com o vice Dick Cheney manobrando por trás da cena.

Uma das questões mais emblemáticas da mudança de comando no governo dos Estados Unidos, o fechamento da prisão de Guantánamo e o fim da tortura como método oficial de interrogatório a presos da guerra ao terror tornaram-se pontos centrais da discussão política nos Estados Unidos, e um dos primeiros atos do novo presidente foi sustar processos contra os presos políticos na guerra contra o terror em Guantánamo, que será desmobilizada em breve.

Dick Cheney, antes de deixar o poder, defendeu, em um programa de televisão, a tortura como maneira eficiente e rápida na luta contra o terrorismo, alegando que se tratavam de técnicas duras, mas necessárias.

Já o presidente Bush alega em sua defesa que o fato de não ter havido mais nenhum ataque terrorista ao território americano desde 2001 é a prova de que o país está mais seguro, e que a política antiterror de seu governo está correta.

De corpo presente, George W. Bush ouviu uma contestação firme aos principais eixos de sua política antiterror, inclusive a recusa de Obama de trocar os valores democráticos como o respeito aos direitos humanos pela segurança nacional, como se fossem excludentes entre si.

E Dick Cheney, que aconselhara em uma entrevista o presidente eleito a não se precipitar em relação a questões de segurança nacional antes de ser informado de todas as circunstâncias, sugerindo que havia informações secretas que justificariam atitudes mais drásticas do governo Bush, teve que ouvir a reafirmação de todos os princípios morais que nortearão a política americana, tanto para dentro quanto para o mundo.

Nada indica que a nova administração colocará no banco dos réus alguma cabeça coroada da gestão Bush. Mas a defesa de valores morais em contraposição a uma época de pragmatismos e isolacionismos, em que os Estados Unidos experimentaram a decadência de sua liderança mundial antes mesmo que a economia se revelasse tão combalida, é uma mudança de atitude que, é possível prever-se, será disseminada pela sociedade.

Desmobilizada pelo choque dos atentados terroristas, a sociedade americana custou a se dar conta de que o lado negro do poder da maior potência do mundo se aproveitou dessa apatia para prevalecer. A pretexto de defender o país, toda uma estrutura jurídica autoritária foi montada, relegando os melhores valores da sociedade americana a plano secundário.

Esse sistema começa agora a ser desmontado, para dar lugar aos valores tradicionais de justiça e igualdade. A quarentena de dois anos para os que trabalharem em seu governo, e o congelamento de salários dos principais assessores, são medidas simbólicas, mas concretas.

Para os que não acreditam que o presidente Barack Obama agirá como o candidato Barack Obama prometeu, ele mandou um recado forte no seu discurso de posse: "O que os cínicos não entendem é que o chão que eles pisam não é mais o mesmo".

Monumento à obsolescência

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

De volta à planície depois do discurso de posse de Barack Obama celebrando a tolerância, a coragem, a honestidade, a lealdade e o patriotismo entre outros valores caros à humanidade, Brasília nos oferta a volta de Renan Calheiros à cena, por intermédio do ex-presidente (da República, do Senado, da Arena, do PDS) José Sarney.

É de se perguntar: é tudo o que o Parlamento tem a oferecer ao cidadão brasileiro? Duas décadas e tanto de democracia plena e consolidada, inserção do Brasil na economia global, quebra de monopólios, ampliação do acesso a bens e serviços, formação de uma sociedade mais crítica, provas institucionais vencidas com louvor, nada parece afetar a firmeza do anacronismo na política.

Aquela velha esperteza do vai não vai, do dito pelo não dito, do jogo de simulações, ainda é saudada como demonstração de grande habilidade, digna de louvor e reconhecimento, quando se trata, na realidade, de um legítimo monumento à obsolescência.

O problema não é a pessoa do senador José Sarney, mas o uso que ele aceita que se faça da figura de um ex-presidente da República de reconhecido valor pelo papel exercido na transição democrática, com dotes de moderação e equilíbrio que já prestaram bons serviços ao País.

Não é admissível que agora se ponha a serviço de um senador envolvido em denúncias graves, obrigado por causa delas a renunciar ao mandato de presidente do Senado e salvo da cassação por conta da indulgência de seus pares e pelo que há de mais arcaico na política brasileira: a conjugação do fisiologismo com o corporativismo.

O senador Sarney desponta - faltando mais de 10 dias para a eleição - como o favorito. É bem possível que venha a se eleger porque conta com a maioria dos votos de seu partido, o PMDB, e até agora com a reverência de boa parte da oposição, DEM e PSDB.

Nem tucanos nem democratas ignoram os fatos subjacentes à alegação formal de que, sendo a maior bancada, o PMDB tem todo o direito de reivindicar a presidência da Casa.

Sabem muito bem que o jogo se dá em torno de uma disputa de hegemonia dentro do PMDB entre o grupo que durante o primeiro mandato de Lula prevaleceu na condução dos negócios governamentais do partido sob o comando de Renan e Sarney e a ala que aderiu na reeleição, sob a liderança de Michel Temer e Geddel Vieira Lima.

Ambos os lados lutam pelo lugar de interlocutor privilegiado deste e do próximo governo. PSDB e DEM confrontaram Renan Calheiros e o exortaram a deixar a presidência do Senado, imagina-se que convencidos da veracidade das denúncias que o atingiam.

Como ficam diante da sociedade emprestando os respectivos apoios à volta do canto da antiga musa? Darão o dito pelo não dito? Dirão que não sabiam dos detalhes? Alegarão que a História absolveu Renan Calheiros? Neste caso, ficam devendo desculpas ao senador por tudo o que disseram dele naqueles terríveis meses de 2007, da denúncia até a renúncia.

Oficialmente, justificam que não é politicamente interessante para a oposição dar ao PT a presidência do Senado em período pré-sucessão. Paralelamente apostam no rompimento da aliança PT-PMDB, se incentivarem o apoio a Sarney contra o petista Tião Viana, pondo em risco a eleição do presidente do PMDB, Michel Temer, para a presidência da Câmara.

Estrategistas de fancaria. Ou dissimulados, porque ainda que o mundo se acabe, o PMDB não romperá com o governo faltando dois anos, cinco ministérios, presidências e diretorias de estatais para terminar o mandato de Lula.

Reserva técnica

Pelo balanço que exibiu a carruagem, o presidente do Senado, Garibaldi Alves, jamais foi de fato candidato à reeleição.

Esteve para a candidatura de José Sarney mais ou menos como a ministra Dilma Rousseff está para o campo governista na sucessão de 2010.

Em domicílio

Consta que o governador Aécio Neves ficou aborrecido com o governador José Serra por causa da nomeação do ex-governador Geraldo Alckmin, agora secretário estadual de Desenvolvimento.

A razão, segundo as versões correntes, residiria na frustração da expectativa de Aécio de ter em Alckmin um arrimo na luta interna pela legenda do PSDB à Presidência da República.

Mas a razão - no sentido de racionalidade - não sustenta a possibilidade de Aécio de fato esperar que Alckmin possa apoiar um candidato de Minas em detrimento de um nome paulista.

O mesmo compromisso com o eleitor de origem que faz Aécio se apresentar como candidato levaria Alckmin necessariamente a ficar, no máximo, neutro. A menos que estivesse pensando em mudar de domicílio eleitoral.

Só que o primeiro a saber disso é o próprio Aécio Neves, cujos aliados, ao transmitir a insatisfação do governador com a cooptação de Alckmin, devem estar querendo passar outra mensagem. Por ora indecifrável.

A bola agora está com os bancos

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Corte da Selic de ontem só não foi maior que os dos anos de crise, tumulto e juros em Júpiter, como em 1999 e 2003

EM TERMOS proporcionais, preto no branco, em outras sete ocasiões o Banco Central já reduzira com mais rapidez a taxa "básica" de juros. Mas tal coisa ocorrera nos tumultos de 1999 e 2003. O país vivia a ressaca de maxidesvalorizações e a anemia provocada por fugas de capital e contas públicas e externas escangalhadas. De resto, o crescimento era não apenas baixo mas parecia cronicamente inviável.

Naqueles anos, a Selic caía das alturas de, no mínimo, 19% (num dos cortes, em 1999, caiu de 39,5% para 34%). Considerado o contexto de modo mais qualitativo, digamos, pode-se considerar que o Banco Central realizou ontem o maior talho na taxa de juros nesta década de regime de metas de inflação, baixando a meta da Selic para 12,75% ao ano.

Muita gente dirá que, com uma taxa de 13,75% ao ano e risco de recessão à vista, o Copom cortou gordura ou vento (e com má vontade, pois o placar foi de cinco votos pelo corte de um ponto contra três diretores que pediam apenas 0,75). No mercado futuro de juros, o contrato para fevereiro de 2009 (referente pois a janeiro) fechou ontem a 12,81%; o de março, a 12,77%. Isto é, deu de barato, de graça, a Selic a 12,75%. O BC, pois, estaria só pegando uma onda que está baixando muito rápido.

Um advogado do diabo poderia dizer, no entanto, que o futuro a Deus pertence, que o BC ainda corre algum risco (do ponto de vista dele), pois o tumulto econômico é geral e global e ninguém de boa-fé dirá com certeza e responsabilidade o que vai acontecer com dólar, contas externas, contas públicas etc. É verdade que, em caso de revertério, o BC tem a opção de dar um tempo nos cortes e "discutir a relação"; se não tivesse cortado agora, poderia ter ajudado a provocar prejuízos irremediáveis.

Isto posto, o fato é que a taxa real de juros "básicos" na praça deve cair agora para a casa dos 5%, patamar nunca dantes navegado, e pode cair mais. Ainda assim, a reação dos bancos é uma incógnita. Desde outubro, os bancos elevaram escandalosamente juros e "spreads" (a diferença entre o custo pelo qual captam dinheiro e a taxa pela qual emprestam, vide gráfico). Desde novembro, a taxa real de juros cai rápido no mercado. Chegamos ao ponto mesmo de Henrique Meirelles espinafrar os bancos por causa disso.

Porém, apesar da gorda folga dos "spreads" e das margens brutas de lucro, o custo de captação não é tudo para os bancos. A queda certa de lucros nas empresas e o risco de alta da inadimplência são fatores que serão levados em conta na revisão dos juros. Mas um exagero ganancioso fará os bancos darem um tiro no pé.

Os diretores do BC tiraram um bode incômodo da sala (da sala deles em especial). Rolaram a bola política para bancos e governo até que (e se) a recessão piore e os juros caiam mais na praça.
O resto do governo perde temporariamente um escudo político. Em tese, terá de mostrar mais serviço "anticíclico". Mas, se gastar demais, vai solapar essa oportunidade única de contribuir para um corte histórico na Selic. Melhor do que colocar um esparadrapo popular na crise é preparar o país para uma retomada forte, com juros baixos e contas públicas em ordem.

Ministro critica Bolsa Família

Bernardo Mello Franco
DEU EM O GLOBO

Porta de saída deve beneficiar quem é quase classe média, e não mais pobres, diz Mangabeira

Às vésperas de embarcar numa caravana pelo Nordeste, o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, disse ontem que a região vive um vazio intelectual e precisa ser libertada do que chamou de "ilusão do pobrismo". Com ideias que exigiriam mudanças em vários ministérios, Mangabeira concentrou as críticas nos programas criados pelo governo para oferecer uma porta de saída aos beneficiários do Bolsa Família. Defendeu que, em vez de privilegiar os mais pobres, esses programas sejam direcionados aos que já estão próximos de se integrar à classe média.

Apesar de o Bolsa Família ser ligado ao Ministério do Desenvolvimento Social, comandado pelo ministro Patrus Ananias, Mangabeira disse que já começou a estudar um novo modelo de capacitação profissional para quem recebe o benefício. Em entrevista ao GLOBO, ele afirmou que o programa é importante, mas que precisa remodelar a oferta de formação profissional para reduzir o número de dependentes. Mangabeira quer aproveitar a viagem para empunhar uma bandeira controversa: que o governo passe a privilegiar quem já está empregado, e não a camada mais pobre da população. Para ele, os programas de capacitação não servem a quem vive na miséria:

- O ponto nevrálgico é escolher corretamente o alvo. Muitas vezes tenta-se abordar o núcleo duro da pobreza com programas capacitadores, e aí não funciona. Populações mais miseráveis são cercadas por um conjunto de inibições, até de ordem cultural, que dificulta o êxito desses programas.

Ao defender a tese, Mangabeira esboçou a criação de uma nova categoria sociológica, que batizou de "batalhadores". O grupo estaria situado "entre os mais pobres e a pequena burguesia empreendedora", com papel "decisivo e desconhecido" no país:

- São trabalhadores saídos do mesmo meio pobre, mas que têm dois ou três empregos. Eles já demonstraram ser resgatáveis, porque já começaram a se resgatar.

"O Nordeste é a nossa China"

O roteiro da viagem de Mangabeira, que começa amanhã, inclui ainda propostas para setores como desenvolvimento, agricultura e educação. O ministro revelou que sonha com uma grande campanha de mídia para "trazer o Nordeste ao centro da agenda brasileira":

- Vejo o Nordeste não como uma região atrasada que precise de políticas compensatórias, mas um terreno vanguardista para redefinir nosso padrão de desenvolvimento. O Nordeste é nossa China. Será no mau sentido se for apenas manancial de trabalho barato, e no bom sentido se for uma fábrica de engenho e inovação.

Neto do ex-governador baiano Otavio Mangabeira, primeiro presidente da antiga UDN, ele elogiou um rival do antepassado ao dizer que o Nordeste não tem projeto próprio desde o governo do trabalhista João Goulart:

- O problema é que faltam ideias. Há um vazio intelectual. O Nordeste não tem projeto forte desde a época de Celso Furtado e João Goulart. Esse vazio é preenchido por duas ilusões. A do pobrismo, de que basta aliviar a pobreza com ações sociais, e a do sãopaulismo, o fascínio por grandes indústrias, refinarias e siderúrgicas.

Mangabeira também atacou a legislação de licenciamento ambiental, que, segundo ele, concentra poder demais nas mãos do Ibama:

- O direito ambiental brasileiro é uma caixa-preta de discricionarismo. A lei delega o poder a um pequeno elenco de déspotas administrativos que agem sem critério. Cada licenciamento de rodovia ou usina é um sufoco, um jogo casuístico de pressões e negociações. Isso não é conveniente nem sábio. É uma imprudência.

O ministro Patrus Ananias não quis comentar as declarações de Mangabeira. O do Meio Ambiente, Carlos Minc, evitou polemizar, mas alfinetou:

- A legislação ambiental brasileira é muito criticada por quem não quer restrição ambiental nenhuma.

Juros, enfim, caem

Patrícia Duarte
DEU EM O GLOBO

BC faz corte mais agressivo e reduz taxa básica em 1 ponto percentual, para 12,75% ao ano

Diante da forte desaceleração da atividade econômica, o Comitê de Política Monetária (Copom) surpreendeu boa parte do mercado ao se mostrar menos conservador que o usual e reduziu ontem a taxa básica de juros do país em um ponto percentual, para 12,75% ao ano. A decisão, no entanto, não foi unânime, mostrando que há divergências sobre o rumo da economia. Desde dezembro de 2003, a autoridade monetária não era tão agressiva ao baixar a Selic. Na época, o Copom cortou a taxa de 17,5% para 16,5%. A decisão de ontem agradou sobretudo ao setor produtivo, que vê agora maior possibilidade de uma retomada mais rápida da economia.

- Havia espaço para um movimento forte de redução, de um ponto percentual. A atividade econômica caiu muito, não há pressão inflacionária, e muitos países já reduziram seus juros. O Brasil não podia perder mais tempo - afirmou o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto.

Numa reunião de duas horas e meia, o Copom também indicou que o processo de corte dos juros pode ser mais intenso, porém mais curto. Em comunicado, informou que "inicia um processo de flexibilização da política monetária realizando de imediato parte relevante do movimento da taxa básica de juros, sem prejuízo para o cumprimento da meta de inflação".

Em abril de 2008, o Banco Central (BC) usara a mesma estratégia ao anunciar a alta da Selic de 11,25% para 11,75%, com medo de a inflação sair do controle com a demanda aquecida. Agora, o cenário é o oposto, por causa da crise global. Um dos principais sinais foi a atividade da indústria em dezembro, que recuou cerca de 5%. No mesmo mês, houve perda recorde de empregos formais, com mais de 650 mil demissões. Além disso, o BC entende que o risco de a desvalorização cambial - que ultrapassou 30% desde setembro - contaminar os preços é menor agora por causa da expectativa de queda da inflação. Para o economista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, o BC está preocupado com o ritmo da atividade:

- As projeções de inflação para este ano estão dentro da meta e, para 2010, já no centro (4,5% pelo IPCA).

Analista: dólar ainda é risco à inflação

A decisão de cortar a Selic, que não se via desde setembro de 2007, veio dividida. Cinco diretores optaram pela redução de um ponto, e três, de apenas 0,75 ponto. Para especialistas, isso mostra que o atual diretor de Politica Econômica, Mário Mesquita, perdeu força. Conhecido por seu perfil conservador, é ele que monta os cenários macroeconômicos que dão suporte às decisões do Copom.

- A decisão de hoje (ontem) mostra que a política do Mesquita está enfraquecida - afirmou um economista que tem acesso ao diretor.

Na avaliação do mercado, o próprio presidente do BC, Henrique Meirelles, vem dando sinais de estar mais preocupado com a atividade econômica e, com isso, discordando de Mesquita. Sem contar a pressão do governo para um corte maior. Por enquanto, o BC calcula que o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá 3,2% este ano, acima dos 2% esperados pelo mercado.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse estar satisfeito:

- As taxas de juros continuam elevadas. Não falo da Selic, mas do custo financeiro em geral. O governo vai continuar com medidas para reduzir esse custo, porque isso estimula investimentos. Investimento é emprego, e temos de cuidar do emprego.

Parte do mercado apostava em um corte menor, entre 0,5 e 0,75 ponto - como o economista-chefe do banco Santander, Alexandre Schwartsman, para quem o dólar em alta ainda ameaça a inflação. Segundo ele, o câmbio demora de quatro a seis meses para se refletir nos índices de inflação, o que deve ser visto já a partir de fevereiro.

Alvo permanente de críticas no setor empresarial, o Copom foi elogiado. O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, viu mudança na política monetária:

- Isso não é ruim. Esperamos, entretanto, que essa queda seja o início de um rápido processo capaz de tornar os juros no Brasil equivalentes aos praticados em todo o mundo.

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, o principal efeito será mudar o ambiente negativo dos últimos meses.

- Foi um passo importantíssimo para mudar esse clima de catastrofismo - afirmou.

COLABORARAM Ronaldo D"Ercole e Henrique Gomes Batista

Bancos reduzem juros de linhas de crédito, mas repasse não será integral

Bruno Villas Bôas e Regina Alvarez
DEU EM O GLOBO

Redução será proporcional ao corte da Selic apenas nas taxas máximas

RIO e BRASÍLIA. Embalados pela decisão do Copom, os bancos informaram ontem que pretendem repassar a redução da taxa básica de juros (Selic) para suas operações de crédito a pessoas física e jurídica. Mas nem todas as linhas foram citadas e o repasse integral vai ocorrer apenas sobre as taxas máximas praticadas. O Bradesco informou que vai repassar o corte hoje. O Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF), na sexta-feira. Já Itaú e Unibanco na segunda, dia 26. O Santander e Banco Real apenas em 2 de fevereiro, uma segunda-feira.

No Bradesco, os juros máximos do cheque especial para pessoas físicas caem de 8,64% para 8,56% ao mês. No crédito pessoal, passam de 5,99% para 5,91% mensais. Para as empresas, a linha de capital de giro também foi reduzida: ficou a partir de 2,68% ao mês, ante uma mínima de 2,76% anterior.

Já o Itaú informou que os juros para pessoa física serão reduzidos de 7,09% para 7,01% ao mês no crediário automático e de 8,95% para 8,87% mensais no cheque especial. No caso das empresas, a taxa pré-aprovada de capital de giro passa de 7,09% para 7,01% e do cheque especial, de 8,95% a 8,87%.

O Unibanco também vai reduzir os juros, mas não informou as novas taxas. No Santander e Real, os juros do crédito pessoal caem de 6,69% para 6,36% ao mês e do cheque especial, de 9,85% para 9,70%.

Redução será pequena para o consumidor, diz Anefac

No caso do BB, a maior queda aconteceu no Crédito Direto ao Consumidor (CDC), para a linha BB Crédito, de 3,19% para 2,62% ao mês. No cheque especial, a taxa máxima caiu de 7,99% para 7,91% ao mês e a taxa mínima, de 1,42% para 1,34%. A taxa mínima mensal do cartão de crédito foi reduzida de 3,79% para 3,71%. Já a Caixa, na segunda redução de juros em janeiro, reduzirá a taxa de 11 linhas de empréstimo para pessoa física e jurídica, entre as quais consignado, crédito pessoal, CDC e cheque especial.

Mas simulações da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) mostram que o efeito será pequeno ao consumidor. No crediário de lojas, uma geladeira com preço de R$1.500 à vista, em 12 vezes, passa a ter parcelas mensais de R$181,08, redução de apenas R$0,79 ao mês. No cheque especial, o uso de mil reais por 20 dias fica apenas R$0,53 mais barato.

Efeito no PIB só deve vir no fim do ano

Cássia Almeida
DEU EM O GLOBO


Para economistas, redução de juro não terá benefício direto sobre emprego

Professor da PUC especialista em inflação, o economista Luiz Roberto Cunha é pessimista sobre os efeitos do corte da Taxa Selic, promovido ontem pelo Comitê de Política Monetário (Copom), na atividade econômica e, consequentemente, na geração de empregos. Para ele, o desenrolar da crise internacional é que ditará o movimento da economia brasileira nos próximos meses. Mesma opinião tem o diretor da Nossa Caixa Joaquim Elói Cirne de Toledo, mas com uma dose de otimismo maior. Para ele, o corte pode trazer benefícios para o investimento das empresas e das famílias, no último caso no financiamento habitacional e de veículos, mas somente no fim do ano ou início de 2010:

-Não há efeito direto no aumento da demanda interna. Os juros subiram de abril a setembro de 2008 e a atividade econômica manteve-se em alta com criação recorde de vagas - afirmou Cirne de Toledo.

Os dois economistas esperam que o afrouxamento da política monetária leve a taxa básica de juros, a Selic, para 10,75% ao ano, com mais dois cortes de dois pontos. E a inflação, sempre o foco do Comitê de Política Monetária, deixou de preocupar.

- O determinante agora para os juros é o nível de atividade. Houve uma queda tão intensa nos preços industriais que, mesmo o aumento do transporte urbano e dos reajustes já contratados em 2009, as expectativas para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, que oriente o sistema de metas de inflação do governo) este ano convergem para a meta de 4,5%, mesmo sem contar com a queda esperada no preço da gasolina - afirmou Cunha.

O professor da PUC lembra que as análises tradicionais na economia ficaram comprometidas diante do tamanho e da duração da crise.

- As surpresas são sempre desagradáveis. Se houve destravamento do crédito, os efeitos dos juros menores devem aparecer na economia dentro de seis ou nove meses. E há o efeito psicológico nas expectativas dos agentes.

Para Cirne de Toledo, o primeiro impacto será financeiro dentro das empresas que terão custo menor para se financiar. E o investimento também deve reagir só no ano que vem:

- Mesmo assim, o que ditará o ritmo da economia brasileira será o comportamento da crise internacional. A flexibilização da política monetária só terminaria em fim de abril, quase no meio do ano. Com a defasagem esperada, o impacto, se vier, só no ano que vem.

Para animar a economia, Cirne de Toledo aponta o investimento público em infraestrutura como mais relevante do que a queda de juros.

Cunha, da PUC, lembra que o fantasma da crise ainda ronda fortemente o sistema financeiro americano, inglês e japonês:

- Fica difícil fazer previsões nesse cenário.

Dia de manifestações pelo país

DEU EM O GLOBO

Centrais sindicais pediam corte de 2 pontos nos juros

BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO. Na expectativa pelo resultado da reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), centrais sindicais fizeram várias manifestações pelo país pedindo um corte de dois pontos percentuais nos juros. Em Brasília, o protesto reuniu cerca de cem pessoas pela manhã, em frente à sede do Banco Central (BC), em Brasília. No Rio, apesar da chuva intensa, um grupo de sindicalistas também reclamou das demissões nas empresas, causadas pela crise, e pediu a redução da Selic. Os manifestantes distribuíram panfletos na Central do Brasil, na Praça XV e no Terminal Rodoviário de Niterói. Segundo Marco Antônio Lagos, um dos diretores da Força Sindical no estado, participaram do protesto entre 3 mil e 4 mil pessoas:

- Não podemos deixar que os trabalhadores paguem a conta da crise. As manifestações servem para conscientizar as pessoas de que precisamos lutar por nossos direitos.

Em São Paulo, 1,2 mil trabalhadores foram à Avenida Paulista pedir a redução de dois pontos nos juros e contra o spread bancário (diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa cobrada dos clientes).


De revolucionários a barnabés

Raul Jungmann
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve o mérito de colocar a reforma agrária na ordem do dia no governo Fernando Henrique Cardoso e o demérito de retirá-la no governo Lula.

FHC prometeu e assentou 600 mil famílias e distribuiu 22 milhões de hectares de terra; criou o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Banco da Terra e o Programa Nacional de Fortalecimento de Agricultura Familiar (Pronaf), o maior programa de alívio da pobreza rural; realizou a mais extensa mudança na legislação fundiária desde o Estatuto da Terra, de 1964. Além disso, instituiu o rito sumário nas desapropriações, reformou o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e editou uma Lei de Terras, ferindo de morte o latifúndio, e cassou o registro administrativo de todos os grandes latifúndios do País (cerca de 93 milhões de hectares).

Ao final dos seis anos em que estive à frente do MDA, os superintendentes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nos Estados eram nomeado apenas por mérito. E todos na estrutura tinham de abrir mão de seu sigilo fiscal e bancário ao assumirem cargos de chefia. Era proibida a nomeação de parentes.

Nenhum massacre de sem-terra tornou a ocorrer após Eldorado dos Carajás, de tristíssima memória. Nenhum escândalo de desapropriação fraudulenta de terras ou corrupção pipocou. As invasões de propriedades foram caindo até alcançarem o seu mais baixo nível em décadas - resultado, em parte, da edição da medida provisória (MP) das invasões de terra, que determinava a retirada do Programa de Reforma Agrária, por dois anos, de qualquer área invadida.

E o governo Lula, o que fez e faz?

Antes de Lula chegar ao poder, li uma entrevista em que ele garantia que, se eleito, "faria a reforma agrária de uma canetada só". Sorri e tive raiva, ao mesmo tempo, por causa da evidente demagogia. Até hoje a reforma agrária do sr. Lula tem seguido, em linhas gerais, a do governo FHC - embora menor, menos criativa e menos republicana. Não se mudou uma vírgula na legislação agrária herdada, acidamente criticada pelo PT e por seu braço no Movimento dos Sem-Terra durante anos a fio. Tampouco houve alteração no MDA e no Incra. Onde se deu alguma mudança foi para pior. Todos os cargos comissionados do Ministério e do Incra, sem exceção, voltaram a ser preenchidos por indicação política dos movimentos sociais ou partidos da base do governo. Acabou a exigência de se abrir mão do sigilo bancário e fiscal para ocupar chefias.

Os números de assentamentos e de hectares de terra distribuídos são claramente inferiores, ainda que o volume permaneça razoável. Já os conflitos e assassinatos por causa da terra explodiram no início do atual governo, fruto da expectativa (frustrada) da reforma de uma canetada só. Em seguida, estabilizaram-se em patamares mais baixos, sem chegar, entretanto, ao nível dos anos finais do governo FHC. O Banco da Terra, que motivara uma enorme campanha de desqualificação por parte do MST, foi rebatizado de "Crédito Fundiário". No Nordeste, berço das Ligas Camponesas e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), programa de assentamentos resultante da transposição do Rio São Francisco não será implantado - ao menos no atual governo.

A MP das invasões não foi revogada, mas também não é cumprida. Sempre haverá algum governista a bradar que os recursos destinados à reforma agrária são maiores no governo Lula. Claro. O País cresceu, a arrecadação de impostos e o orçamento global, idem. E há ainda a questão da produtividade da terra. O governo Lula assumiu compromisso com o MST de rever os índices que medem a produtividade agrária, de modo a ampliar o estoque de áreas improdutivas. É risível! Sabíamos, por experiência própria, que o empresariado rural vai à guerra antes de admitir tal mudança, a qual incendiaria, de verdade, o País. Resultado: mais uma promessa que não deu em nada.

E o que faz o MST diante desse quadro?

Perdeu o rumo, o prumo e a razão de ser: derrotar e, se possível, derrubar o governo Fernando Henrique. Isso é cristalino quando se comparam os dois governos e a atuação do movimento. Fosse a reforma agrária razão de ser real do MST, seu desempenho no governo Lula seria mais agressivo que no de FHC. Haveria mais pressões. Mas ocorre justamente o contrário. Por quê?

Este governo é do MST, que o ajudou a "chegar lá". Ainda que verbalize, aqui e acolá, contrariedades e críticas periódicas ao Programa de Reforma Agrária, tudo é muito bem comportado e dentro de limites traçados no Planalto pelo ministro Luiz Dulci. Sabem os sem-terra que a alternativa real a Lula é o PSDB, pois eles não têm alternativa política ao que "está aí".

Em segundo lugar, o governo fez do MST um movimento governista por meio de ampla cooptação, via aparelhamento do Incra e suas superintendências e do MDA. De quebra, abriu como nunca as burras do Tesouro ao movimento, por intermédio de praticamente todos os seus Ministérios, autarquias e estatais. Resultado: grande parte das lideranças intermediárias e superiores do MST foi cooptada. Tem cargo comissionado, virou chapa-branca, aburguesou-se...

Por fim, os programas sociais de transferência de renda, do tipo Bolsa-Família, criados no governo anterior e ampliados no atual, têm o condão de secar as fontes de recrutamento do MST. Moral da história e ironia do destino: o presidente que ia fazer a reforma agrária de uma canetada só não a fez, nem com todo o estoque de tinta do Palácio do Planalto. Tem tudo para passar à história como o verdugo, ainda que não intencional, do MST.

Já João Pedro Stédile, quem diria, de incendiário e revolucionário no governo FHC virou barnabé no governo do camarada Lula.

Raul Jungmann, deputado federal (PPS-PE), foi ministro do Desenvolvimento Agrário no governo FHC

Lula chama ex-prefeitos para ajudar a viabilizar Dilma

Raymundo Costa, de Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a chamar petistas para ajudar na formatação da candidatura e na campanha da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a presidente da República, nas eleições de 2010. Na noite de terça-feira, Lula tratou da candidatura Dilma com dois ex-prefeitos do PT vitoriosos nas eleições nas capitais que governavam - João Paulo, do Recife (PE), e Fernando Pimentel, de Belo Horizonte (MG) - e Marta Suplicy, que disputou e perdeu a Prefeitura de São Paulo.

Dos três, pelo menos um deve se tornar ministro de Lula: Fernando Pimentel. O presidente está atrás de um cargo para o ex-prefeito de Belo Horizonte que não atrapalhe o trabalho que Pimentel passará a fazer em apoio à candidatura de Dilma, sua amiga e companheira de luta armada nos chamados anos de chumbo. Neste caso, Lula pode contornar um ministério tradicional, onde a burocracia ocupa muito tempo do ministro, e optar pela presidência do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).

Mas não há nada decidido, nem Lula tem demonstrado muita disposição em mexer no ministério. De qualquer forma, ele só pretende tratar desse assunto após as eleições para as presidências da Câmara e do Senado, marcadas para 2 de fevereiro. É agenda praticamente inevitável até porque os próprios partidos estão interessados em rever e discutir com Lula sua participação no governo federal. O PMDB, por exemplo, só considera seus dois dos seis ministros filiados ao partido: Geddel Vieira Lima (Integração Nacional) e Edison Lobão (Minas e Energia), que faz parte da cota de Sarney no governo.

O presidente fará outras reuniões com os petistas. Na noite de terça-feira ele primeiro conversou com Marta, Pimentel e João Paulo. Depois teve um encontro a sós com Pimentel. Na conversa com os três, segundo apurou o Valor, o presidente se estendeu na discussão sobre o formato mais adequado para a candidatura Dilma. Disse que o nome da ministra estava consolidado e que contava com a colaboração dos três na empreitada.

Na percepção de alguns presentes, Lula demonstrou especial consideração com Marta Suplicy, o que foi considerado normal, pois a ex-prefeita é atualmente o principal nome do PT de São Paulo e lidera um grupo forte no PT paulista que ainda fala na possibilidade de ela vir a ser a candidata do partido ao lugar de Lula. Lula disse que ela vai ter um papel muito importante na campanha de Dilma Rousseff, mas não disse qual. Outras fontes ligadas ao presidente disseram que dificilmente Marta voltará ao ministério - ela saiu para disputar a Prefeitura de São Paulo sem nenhum compromisso de Lula com uma eventual volta da ex-ministra (Turismo) a Brasília.

Lula está preocupado com a armação dos palanques regionais de Dilma Rousseff. Um dos problemas à vista é Pernambuco, onde João Paulo deixou a Prefeitura do Recife muito bem avaliado, elegeu o sucessor e se tornou a principal alternativa do partido para o governo do Estado. Ocorre que o governador Eduardo Campos (PSB), um dos mais próximos aliados de Lula, é candidato à reeleição. Uma das possibilidades em discussão é João Paulo se candidatar a uma das duas vagas que serão disputadas para o Senado.

O próprio João Paulo, segundo interlocutores do presidente da República, tem repetido que não será problema para uma composição da base do governo em Pernambuco. "Sou um soldado do presidente" é a frase recorrente do ex-prefeito, segundo esses interlocutores. O Senado viria ao encontro de um projeto que integrantes da base aliada asseguram ter ouvido de Lula: o presidente quer eleger 27 senadores, em 2010 (um em cada Estado e no Distrito Federal), e assim evitar que Dilma tenha os mesmos problemas que ele teve com aquela Casa, onde sofreu suas principais derrotas no governo.

O presidente também disse aos três ex-prefeitos que vai lançar um pacote de investimentos assim que a Fifa definir quais serão as capitais que vão sediar a Copa do Mundo de 2014. Ele espera contar, nesse plano, com a experiência de cada um deles na administração das cidades.

Um bode expiatório conveniente à Itália

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A história que resultou na condenação de Cesare Battisti à prisão perpétua pela justiça italiana em 1993 poderia ser o roteiro de um de seus romances policiais, se não tivesse transformado o próprio escritor num cavaleiro errante. Pelos fatos que levaram à sua condenação, o ministro da Justiça, Tarso Genro, certamente não cometeu nenhuma heresia ao conceder a Battisti o status de refugiado político. "Um dos fundamentos muito próximos do diferimento do refúgio político é de que se o condenado teve direito à defesa. O Estado italiano alega que sim. Na avaliação que nós fizemos do processo, ele não teve direito à ampla defesa", afirmou o ministro, justificando a sua decisão.

A autobiografia de Battisti, "Minha fuga sem fim", traz fatos em favor da convicção do ministro. Se o escritor for extraditado para a Itália, cumprirá prisão perpétua sem ter passado por um tribunal e pagará por quatro assassinatos que o bom senso não permite que sejam relacionados a ele. Nunca esteve num tribunal para defender-se dessas acusações - e, de volta à Itália, não será ouvido por nenhum juiz. A condenação foi feita com base na acusação de um ex-militante da mesma organização, um "arrependido" que negociou anos a menos na sua pena (muitos anos, aliás) em troca de incriminar outras pessoas. Não foi apresentada nenhuma prova, testemunha ou um único indício. Dois dos homicídios foram cometidos no mesmo 16 de fevereiro de 1979, a 500 km de distância um do outro. O outro foi o de um comandante de uma prisão, em junho de 1978. E, por fim, teria assassinado o policial Andrea Campagna, acusado de torturas. Nesse último caso, a testemunha ocular descreveu o agressor como um barbudo louro, medindo 1,90 m. Battisti é moreno e tem 1,70 m. Foram encontradas armas no apartamento onde o escritor vivia com outros italianos clandestinos, mas a própria polícia constatou que elas nunca haviam sido disparadas.

Segundo o livro de Battisti, a organização da qual fazia parte, o grupo dos PAC (Proletários Armados para o Comunismo), organizara-se no período de crítica ao stalinismo, era totalmente descentralizado e nada impedia que um punhado deles, em determinada região do país, fizesse ações e se assumisse como parte do grupo. Seria difícil, assim, que todos os que militavam nos grupos dispersos pela Itália se conhecessem.

Após maio de 1978, quando as Brigadas Vermelhas executaram Aldo Moro - relata - as organizações de esquerda (em geral) se apavoraram e mergulharam na discussão sobre a continuidade da luta armada. Os PAC refluíram para um princípio que já era um pé fora da luta armada (até então, diz Battisti, pelo menos no grupo que militava, as ações se resumiram a "apropriações" para manter os clandestinos; somente os quatro assassinatos que lhe foram imputados pela Justiça italiana foram atribuídos aos PAC). Mas, excessivamente descentralizado, um dos núcleos do grupo reivindicou o assassinato do comandante da prisão, no verão de 1978. Foi quando Battisti rompeu com o grupo. "Juntamente com parte dos militantes de primeira hora, naquele momento decidi virar a página e renunciar definitivamente à luta armada", diz, no livro. Isso quer dizer que, quando ocorreram os outros três assassinatos dos quais é acusado, ele sequer era militante do PAC.

O escritor foi preso na violenta repressão que sucedeu a morte do democrata-cristão Aldo Moro. No processo criminal, ninguém atribuiu a ele qualquer relação com a morte do comandante da prisão. Foi testemunha, todavia, de métodos pouco convencionais de interrogatório. Foi dessa época também a lei de delação premiada, que fez proliferar "arrependidos". Battisti conseguiu fugir com a ajuda daquele que, "arrependido" no futuro, jogaria sobre ele todas as culpas. Era Pietro Mutti.

Fora da prisão, Battisti recusou a proposta de aliança feita por Mutti, que comandava um tanto de jovens num grupo chamado Colp, que não se sabe o que significa. Mutti foi detido em 1982 - Battisti já estava longe, em Paris, depois de uma passagem pelo México. Nos "tribunais de exceção" italianos criados à época por leis especiais, Mutti, ameaçado de prisão perpétua, foi farto em acusar ex-companheiros de crimes. Especialmente Battisti. O escritor beneficiado pelo ministro Tarso Genro também foi acusado por outros integrantes do PAC, de tal forma que, de todos os envolvidos com o grupo, apenas ele foi condenado à prisão perpétua. Foram tantas as contradições resultantes desse jogo de se safar jogando a culpa no outro que o próprio tribunal de Milão, em decreto de 31 de março de 1993, reconheceu: "Esse arrependido (Mutti) é afeito a "jogos de prestidigitação" entre seus diferentes cúmplices, como quando introduz Battisti no assalto de Viale Fulvio Testi a fim de salvar Falcone, ou Battisti e Sebastiano Masala no lugar de Bitti e Marco Masala no assalto ao arsenal Tuttosport, ou ainda Lavazza ou Bergamin no lugar de Marco Masala nos dois assaltos veroneses" - segundo trecho citado pela escritora Fred Vargas no posfácio do livro.

Diante de tantas contradições e de tantos fatos mal explicados, inclusive um asilo revogado na França (depois de um atuante trabalho de lobby italiano), fica a dúvida de por que interessa tanto ao governo italiano coroar Cesare Battisti como o bode expiatório de um período negro na Itália, onde não apenas a luta armada enevoou o país, mas as instituições se ajustaram a uma guerra contra o terror usando métodos pouco afeitos à ordem democrática. Talvez reconhecer erros no processo que levou à condenação de Battisti tenha o poder de expor a falta de legitimidade de ações policiais e judiciais desse período difícil da Itália.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

A recomposição de Alckmin com Serra e suas duas implicações em 2010

Jarbas de Holanda

Avaliação praticamente consensual da imprensa: a surpreendente incorporação de Geraldo Alckmin ao governo do estado de São Paulo, com a função de secretário de Desenvolvimento, fortalece a pré-candidatura de José Serra à presidência da República, removendo a ameaça de divisão do PSDB paulista e, assim, reforçando o favoritismo dele na disputa com o mineiro Aécio Neves pela indicação do partido do candidato nacional em 2010. Articulada provavelmente pelo ex-presidente FHC, a abertura de expressivo espaço político-administrativo ao ex-governador e candidato derrotado à prefeitura paulistana serve também como contraponto à imagem de Serra como duro ou vingativo na luta partidária interna, configurando – ao contrário – uma ação conciliadora e agregadora. O próprio Aécio Neves – cuja pré-candidatura tucana se enfraquece com a recomposição Serra/Alckmin – reagiu habilmente ao golpe, apressando-se em elogiá-la: “Ganham o governo e o estado de São Paulo, que passará a ter um colaborador de altíssimo nível”.

Outro dividendo dessa recomposição (e da presença de Alckmin no governo do estado, “no qual controlará projetos importantes, com investimentos previstos para este ano que se aproximam de R$ 2 bilhões”, conforme destaque da reportagem da Folha de S. Paulo) é que ele, assim, fortalece sua assumida pré-candidatura ao Palácio dos Bandeirantes, podendo reorientar o que parecia constituir o propósito do governador José Serra de caminhar para uma aliança com o PMDB e o DEM em torno da indicação para o cargo do seu vice Aloysio Nunes Ferreira.

E a campanha presidencial de Serra contaria, desse modo, com trunfos poderosos em São Paulo: uma dobradinha com o “candidato natural” do partido ao governo do estado e uma coligação com o PMDB e o DEM para a disputa dos dois postos de senadores paulistas a serem eleitos. Mas a construção de um esquema político-eleitoral de tal latitude depende, ainda, das reações ao projeto de Alckmin por parte dos peemedebistas e democratas, bem como entre os próprios tucanos serristas.

“O caso Battisti passado a limpo”

Do Estado de S. Paulo de 20/1/2009, coluna Direto da Fonte, de Sonia Racy:

“É bem mais duro do que se imagina o texto da carta mandada pelo presidente italiano Giorgio Napolitano ao presidente Lula. A avaliação é do especialista Walter Maierovich, que diz ter recebido telefonema de uma alta figura daquele País, interessado em entender "de onde saiu" a decisão brasileira de dar refúgio a Cesare Battisti. Para a coluna, Maierovich ressaltou aspectos do caso pouco esclarecidos até agora do caso. Alguns deles:

A comparação do caso Battisti com o de Salvatore Cacciola, feita por Tarso Genro, não faz sentido. Cacciola tem cidadania italiana e, por lei, a Itália jamais extradita seus cidadãos.

A França nunca deu refúgio a Battisti. Ele apenas contou com a boa-vontade do governo Mitterrand para "ir ficando" no País. E fugiu para o Brasil quando a Justiça francesa, já no governo Jacques Chirac, aceitou o pedido da Itália para extraditá-lo.

O Tribunal Internacional Europeu, em Estrasburgo, rejeitou seu pedido de proteção, entendendo que era criminoso comum.

Os quatro assassinatos foram praticados em um país democrático, onde inúmeros partidos atuavam, havia eleições livres, parlamento funcionando e nenhuma ditadura ou lei de exceção.
Todos os outros 8 ou 10 extremistas do grupo de Battisti, detidos e condenados, já cumpriram pena e estão em liberdade.Maierovich acusa Tarso de "contar as histórias pela metade" e de ter destratado não só a Justiça da Itália como a da França. E ironizou: "Ele teria dificuldades de passar em um exame da OAB".