sábado, 21 de fevereiro de 2009

No mais

Coluna Ancelmo Gois
DEU EM O GLOBO

A atitude do governo Lula diante da crise nas empresas brasileiras, que, após a marolinha, demitem em massa, lembra muito uma máxima de Neném Prancha, filósofo do futebol.

Para o Planalto, quando o país crescia, o mérito era do governo. Agora que o desemprego chega, a culpa é das empresas.

Aliás...

Isto remete a um técnico citado por Neném Prancha, que dizia a seus jogadores:

- Eu ganhei, nós empatamos, vocês perderam.

A face da demagogia

Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Em reunião de família, com poucos convidados, o acaso colocou-me numa roda de conversa de jovens, vários iniciando o duro ofício de ensinar em colégios particulares para os ginasianos que se preparam para o vestibular nas faculdades.

Uma moça elegante derivou a conversa para o tema que incendiou o debate. Professora de várias matérias, como química, botânica, ciência, biologia e física, em meia dúzia de colégios particulares, recebe por aula a fortuna que varia entre 10 e 12 reais. Em alguns anos de batente, só uma vez conseguiu a proeza de abocanhar o máximo que bate no prêmio lotérico de R$ 300. Sim, senhores: R$ 300 no mês sortudo, sem feriados nem dias santos.

O máximo que a professora conseguiu alcançar perde de longe para o salário mínimo do Rio de Janeiro, reajustado para R$ 512,67, e mesmo para o mais modesto mínimo federal, fixado em R$ 465. A conversa não parou ai. Estávamos ainda distante do fundo do fosso. A professora ressalvou que não tinha a quem se queixar e ainda podia dar-se por feliz em ocupar o piso mais alto na categoria dos esquecidos pela demagogia perversa. R$ 12 por aula era quase uma generosidade de donas de escolas. Pois, mesmo no espaço urbano de Jacarepaguá, não um mas vários colégios remuneram a aula em qualquer nível com R$ 8, Exatamente, oito reais. Para juntar R$ 80, sem gastar um centavo, são 10 horas de aula.

No embalo, o jovem atleta de ombros largos e braços musculosos aproveitou a pausa para entrar na cadência das confissões. Professor de educação física, diplomado por faculdade particular das mais conceituadas e de mais altas mensalidades, dá aulas de remo e natação em clubes famosos da Zona Sul e ganha por hora/aula os mesmos R$ 8 da tabela de fome dos cursos e colégios da Zona Oeste. No seu caso, o expediente entra pela noite, passa das 23h.

Como mora longe e ainda não conseguiu comprar o carro das suas prioridades, bate o ponto em casa depois da meia-noite, tira uma soneca e refaz o percurso – pois nadadores e remadores também acordam com as galinhas.

Não tenho informações do outro lado do muro. Mas posso especular sobre a choradeira de proprietários e diretores de faculdades e colégios fora da área nobre e endinheirada da Zona Sul e das mansões e arranha-céus de São Conrado e da Barra da Tijuca. Francamente, estamos diante de uma situação insustentável e que nada justifica. O problema é nacional, ainda que as soluções possam ser municipais. Se no Rio, ex-capital do país e antiga Cidade Maravilhosa, professores com diplomas universitários sobrevivem com proventos mensais muito abaixo do salário mínimo, não é necessário buscar outras causas e explicações para o descalabro do ensino, em diferentes níveis, do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Mais do que a denúncia da confessada ignorância e do pasmo diante da evidência de mais uma geração perdida, tento provocar o debate. Como assistente, espero acompanhar as desculpas federais, estaduais e municipais para o criminoso alheamento diante do escândalo que certamente tem solução.

E a ocasião é oportuna. O governo entrou no clima de campanha eleitoral e resolveu abrir o cofre. Os milhares de prefeitos convocados para compor o auditório para ouvir e aplaudir os exaltados improvisos do presidente Lula e conhecer a sua candidata, a ministra Dilma Rousseff, à sucessão de 2010, cumpriram o seu papel. E choraram as mágoas no circuito de conversas com os ministros disponíveis. Certamente perderam a oportunidade de ouro de colocar no mutirão de boa vontade do governo atrás dos votos, o quadro vergonhoso, obsceno do salário dos professores das escolas públicas e particulares em todo o Brasil. Se o governo deve dar o exemplo, é também ele quem pode abrir o debate e bancar a solução.

Na minha memória de veterano cato o exemplo da Universidade do Professor, criada por Jayme Lerner quando governador do Paraná. Aproveitando as ruínas de uma antiga construção, montou uma vila, com casas, auditórios, refeitório, sala de música, biblioteca, onde durante anos as professoras primárias do estado passavam uma semana por ano num mergulho cultural com palestras, debates, concertos de música.

A Universidade fechou. Dispenso as explicações. Fico com a lembrança das professoras com olhos arregalados de emoção e que entre lágrimas confessavam nunca ter ouvido um concerto de música ao vivo.

Projeto de ''janela da infidelidade'' fere Constituição, afirma Temer

Eugênia Lopes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ele questiona proposta enviada pelo governo na reforma política e alega necessidade de emenda constitucional

Única proposta da reforma política enviada pelo Palácio do Planalto ao Congresso no início de fevereiro com chances de ser aprovada este ano, o projeto de lei que abre uma "janela" de um mês para que os parlamentares troquem de partido sem serem punidos com a perda de mandato é inconstitucional. A opinião é do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), ao avaliar que a chamada "janela da infidelidade" só poderá ser instituída com a aprovação de uma emenda à Constituição.

O projeto que flexibiliza a fidelidade partidária, imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2007, é uma das propostas que integram a reforma política entregues a Temer e ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). "Essa janela só poder ser tratada por mudança na Constituição", diz Temer.

Em sua avaliação, a decisão do Supremo sobre fidelidade partidária foi calcada na interpretação de artigos constitucionais. "Daí acho mais prudente que essa mudança seja feita por emenda constitucional."

Em 2007, o Supremo decidiu que os mandatos de parlamentares pertencem aos partidos que os elegeram. Por isso, pelas novas regras, quem mudar de partido sem um motivo justo, na avaliação da Justiça, perde o mandato.

Diante dessa realidade, parlamentares insatisfeitos com os seus partidos fazem um movimento para criar novas legendas, como forma de fugir da perda de mandato. A hipótese é de que a migração partidária, nesses casos, não desrespeitaria a legislação.

Na tentativa de viabilizar uma nova legenda, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) protocolou consulta no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para saber se, nos casos de criação de partido, o parlamentar leva junto para a nova sigla o tempo proporcional de televisão.

ELEIÇÃO DE 2010

Enquanto não há decisão da Justiça Eleitoral, as propostas que criam brechas para que os detentores de mandato eletivo possam mudar de partido sem perder o cargo proliferam no Congresso. Na Câmara existem cerca de duas dezenas de projetos e emendas constitucionais sobre o tema.

Uma das que mais agradam aos parlamentares é a do deputado Flávio Dino (PC do B-MA). A sua emenda à Constituição permite a troca de partido, sem perda de mandato, no mês de setembro do ano anterior ao das eleições. Para valer nas eleições de 2010, essa alteração teria de ser aprovada na Câmara e também no Senado até o fim de agosto deste ano.

Para não melindrar os deputados, o presidente da Câmara decidiu que todas as propostas do Executivo de reforma política serão apensadas a projetos em tramitação na Casa. Ele sugere, ainda, que as novas regras só comecem a valer para as eleições gerais de 2014.

"Vamos ver se dá para votar até maio do ano que vem", afirma o presidente da Câmara. A exceção é a "janela da infidelidade", única proposta que deverá ser votada a toque de caixa pelos parlamentares.

Temer pretende fechar a pauta de votação dos projetos de reforma política em comum acordo com os líderes partidários. "Mas mesmo as propostas mais polêmicas serão levadas à votação do plenário", garante.

OPINIÃO CLARA

Para o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, um dos idealizados da reforma política, o principal mérito do conjunto de propostas é que, pela primeira vez, o governo deixa clara a sua opinião sobre o assunto.

Defensor da flexibilização das regras de fidelidade partidária, Abramovay argumenta que não existe hoje em nenhum país uma regra tão "estrita" como a brasileira. "O que nós estamos propondo é que só pode mudar de partido para se candidatar por outro partido", explica o secretário, que não vê inconstitucionalidade no projeto de lei enviado pelo governo.

A menina dos olhos do Palácio do Planalto, porém, não é a "janela da infidelidade", mas as propostas que tratam da instituição do voto para eleger vereadores e deputados estaduais e federais em uma lista previamente definida pelos partidos com os nomes dos candidatos e o financiamento público das campanhas eleitorais.

Ambos são considerados os projetos mais polêmicos da reforma política. "A ideia é fortalecer os partidos políticos", resume Abramovay.

"O voto em lista dá mais transparência ao debate político", argumenta ele.

Crise derruba arrecadação federal e reduz superávit

Ribamar Oliveira e Sérgio Gobetti
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A crise econômica fez a arrecadação federal cair 8,7% em janeiro, descontada a inflação, e derrubou o superávit primário para R$ 4,3 bilhões. Em janeiro de 2008, o superávit tinha sido de R$ 15,4 bilhões. As despesas do Tesouro cresceram. A Petrobrás teve influência na queda de arrecadação. Deixou de pagar R$ 1,161 bilhão para compensar impostos que tinha pago a mais em outubro.

Arrecadação tem queda real de 8,7% e reduz superávit primário a R$ 4,3 bi

Resultado de janeiro mostra impacto da crise, e aumento da despesa do Tesouro indica mudança na política fiscal

A crise econômica fez a arrecadação do governo federal cair 8,7% em janeiro, em termos reais (descontada a inflação), e derrubou o superávit primário de R$ 15,4 bilhões registrado no mesmo mês do ano passado para R$ 4,3 bilhões, segundo números divulgados ontem pelo governo. Mesmo com a queda da receita, as despesas do Tesouro cresceram muito, indicando que uma política fiscal anticíclica está sendo executada.

Considerando apenas a receita de impostos e taxas, a queda foi de 7,26% em relação a janeiro do ano passado.

Os relatórios oficiais mostram que quase todos os tributos federais sofreram com a crise, do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que despencou 21,6% em termos reais, à Contribuição de Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que caiu 15,1%. As maiores quedas ocorreram nos itens que tiveram desonerações anunciadas pelo governo com o objetivo de tentar atenuar a desaceleração econômica.

A arrecadação de IPI de automóveis, por exemplo, foi praticamente nula em janeiro, rendendo apenas R$ 34 milhões, ante R$ 378 milhões do mesmo mês de 2008.

O Imposto de Renda Retido na Fonte, como o pago pelos assalariados, foi um dos poucos que apresentou variação positiva, de 28,6% em termos reais entre janeiro de 2008 e janeiro de 2009, indicando que a massa salarial ainda não foi atingida pela crise.

O coordenador geral de Estudo, Previsão e Análise da Receita Federal, Marcelo Lettieri, admitiu que a crise teve impacto na arrecadação de janeiro, mas disse que outros fatores conjunturais explicam melhor o que aconteceu.

Ele citou a compensação, em janeiro, de tributos pagos pela Petrobrás em outubro, em montante superior a R$ 1 bilhão. Além disso, em janeiro de 2008, o governo ainda contou com R$ 926 milhões da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que foi extinta. Lettieri disse que a tendência nesta área só ficará clara ao final do primeiro trimestre.

Mas não foi apenas a queda de receita levou o governo central a apresentar um superávit primário menor no início deste ano. Enquanto a arrecadação da União foi, em valores reais, R$ 5,9 bilhões menor do que em 2008, as despesas totais cresceram R$ 6,6 bilhões.

Em termos reais, os gastos do governo cresceram 15,9%, com destaque para a despesas de pessoal (23,1%), de seguro-desemprego (24,2%) e gastos de custeio (26,0%).

O secretário do Tesouro, Arno Augustin, tentou minimizar o peso da crise, atribuindo as diferenças nos resultados fiscais de 2008 e 2009 a "atipicidades importantes", tanto do lado das receitas quanto das despesas. "Nos gastos, tivemos R$ 8,3 bilhões de pagamentos de sentenças judiciais em janeiro, contra R$ 5,8 bilhões no ano passado", disse.

Mesmo excluindo as sentenças do cálculo, entretanto, o crescimento do gasto permanece em nível elevado, de 12,7%, superior aos 9% registrados em igual período do ano passado.

"O governo está trabalhando com uma programação fiscal anticíclica", afirmou Augustin, referindo-se a estratégia de usar as desonerações tributárias e a expansão dos gastos públicos como forma de estimular a atividade econômica.

Janeiro cruel na economia

Cássia Almeida
DEU EM O GLOBO

Emprego, arrecadação, superávit e contas externas: tudo piorou no mês

O número de desempregados no país cresceu 20,6% em janeiro, fazendo a taxa de desocupação subir de 6,8% em dezembro para 8,2% no mês passado, classificado pelo IBGE como um "janeiro cruel". Só nas seis regiões metropolitanas, há 1,8 milhão de pessoas sem trabalho. A situação é pior em São Paulo. Mas janeiro teve mais. A desaceleração da economia fez com que a arrecadação de impostos federais caísse 7,2%. O déficit maior da Previdência também foi decisivo para derrubar o resultado das contas públicas - o superávit primário despencou 72% em janeiro. Além disso, o investimento estrangeiro direto no Brasil desabou de US$4,8 bilhões em janeiro de 2008 para US$1,930 bilhão.

Um mês para esquecer

Número de desempregados cresceu 20% em janeiro, maior alta desde 2002

Mais desempregados, menos arrecadação de impostos, superávit fiscal menor e investimentos estrangeiros em baixa. Esse conjunto de indicadores negativos marcou o primeiro mês de 2009, refletindo a crise econômica mundial. A taxa de desemprego no mês passado, que costuma subir em relação a dezembro, teve um salto único desde o início da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, em 2002: subiu de 6,8% em dezembro para 8,2% em janeiro nas seis regiões metropolitanas. O número de desempregados subiu 20,6%, no maior aumento já registrado na pesquisa na passagem de dezembro para janeiro. Em 2008, a taxa ficara em 8%. O rendimento permanece em alta: 2,2% frente a dezembro e de 5,9% na comparação com janeiro de 2008, auxiliado pela inflação em baixa.

- Essa subida foi recorde. Quando a economia vai bem, parte dos temporários contratados para o Natal é absorvida. Quando a economia está estável, saem os temporários. Quando o cenário é desfavorável, saem os temporários e parte dos efetivos, como está acontecendo agora. Foi um janeiro cruel para o mercado de trabalho - afirmou Cimar Azeredo, gerente da pesquisa do IBGE.
Nem mesmo no período de estagnação de 2003, quando a taxa de desemprego estava em torno de 11%, houve alta tão forte na população de desempregados, que somavam 1,890 milhão de pessoas em janeiro. E São Paulo foi a região que apresentou o maior avanço: 32,6%.

- É a região que está sentindo mais os efeitos da crise. Há grandes empresas vinculadas ao setor exportador e a cadeia automotiva. A crise chegou ao mercado de trabalho no momento que tradicionalmente se corta empregos temporários - afirmou Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese.

Com uma opinião diversa, o economista Lauro Ramos, especialista em mercado de trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vê poucos sinais de crise.

- Não vejo crise nas regiões metropolitanas. Não há como comparar com dezembro, que foi o melhor da história da pesquisa. Frente a janeiro de 2008, a ligeira alta reflete a maior procura por trabalho. Não houve corte de vagas. A ocupação frente a janeiro do ano passado cresceu 1,9%. Há nuvens no céu, mas elas ainda não se aproximaram das metrópoles.

Construção civil foi a que mais demitiu

Frente a dezembro, porém, há uma coleção de número negativos recordes. O emprego com carteira assinada caiu 1,3%, no maior corte para janeiro desde 2003. A construção civil foi o setor que mais demitiu: 74.534 trabalhadores:

- Os dados sinalizam, sim, um problema relevante no mercado de trabalho. Foi um janeiro com menos emprego com carteira assinada, construção civil e comércio dispensando forte - disse Azeredo.

O professor da PUC José Marcio Camargo diz que os resultados já eram esperados diante dos números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que mostraram destruição de 40,8 mil vagas no mês:

- O desemprego deve subir no primeiro semestre, com a taxa mês a mês maior que no ano passado.

A arrecadação do PIS/Pasep, que alimenta o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) caiu 9,35% em janeiro, sobre o mesmo mês de 2008. Trata-se de redução duas vezes maior do que a verificada em dezembro, quando a receita foi 4,22% inferior à do mesmo mês em 2007. Pelos últimos cálculos do Conselho do FAT, o primeiro déficit do ocorrerá em 2010 e chegaria a R$497 milhões. Com isso, pode ser comprometida uma das principais fontes de recursos do BNDES e para o pagamento do seguro-desemprego. Na noite de ontem, o Ministério do Trabalho afirmou que em 2008 cresceu a arrecadação do FAT em relação à despesas, o que atenuou o déficit. O ministério não comentou o relatório.

Colaborou Gustavo Paul

Redução de salário

Almir Pazzianotto Pinto
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A atual crise, que contamina o mercado de trabalho, é real, extensa, profunda e de duração imprevisível. Como de hábito, as maiores vítimas serão os trabalhadores.

A lei não recusa ao empregador permissão para despedir, salvo nas raras hipóteses de estabilidade temporária. Não obstante a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) cuidar apenas de demissões individuais, são possíveis as de natureza coletiva, postas em prática quando as empresas passam a experimentar dificuldades de sobrevivência.

Mesmo quando respeitam as exigências legais e arcam com os pesados ônus das demissões sem justa causa, os empregadores sentem-se inseguros ao dispensar um ou muitos empregados. A fragilidade da quitação, mais a isenção de custas processuais, a criatividade de experientes advogados e o esticado prazo prescricional de dois anos são fatores estimulantes ao ajuizamento de reclamações trabalhistas, com pretensões justas ou divorciadas da verdade.

Mesmo em épocas de prosperidade, quando é forte o mercado de trabalho, alguma rotatividade ocorre. A experiência demonstra a impossibilidade de grandes empresas conservarem a mão de obra fixa e estável diante de situações imprevisíveis que acabam por determinar o desligamento de alguém, não raro por iniciativa do dispensado.

Em períodos críticos o problema se avoluma e coloca o empresário, após a concessão de férias coletivas ou a suspensão temporária de parte das atividades, diante de um terrível dilema: demitir em massa ou reduzir a jornada, com a correspondente amputação de salários.

Problemas e riscos das demissões são conhecidos. Não há muito mais o que fazer além de contabilizar os direitos devidos, preencher minucioso recibo de quitação, oferecer vários benefícios adicionais, submeter o documento à homologação do sindicato ou do órgão local do Ministério do Trabalho e preparar o espírito para eventual surpresa desagradável.

Dúvidas e dificuldades surgem quando se passa à hipótese de negociação em torno da redução de horário e de salário. São figuras xifópagas e indissociáveis. Reduzir horário sem afetar salário importa em concessão de aumento real, sob circunstâncias impossíveis. Reduzir salário com a manutenção da carga horária nenhum trabalhador admitiria.

A Constituição prescreve a "irredutibilidade do salário, salvo o disposto em acordo ou convenção coletiva" (artigo 7º, VI). Trata-se de válvula de segurança introduzida pelo legislador no mercado de trabalho para evitar demissões coletivas.

Para redução de horário não há teto nem piso. Será o que melhor convier à empresa. E quanto à redução do salário? A resposta pode estar, como me parece que está, na Lei nº 4.923/67. O fato de ter origem no regime militar, ou no governo do presidente Castelo Branco, não lhe diminui os méritos, pois do mesmo período são a Lei 5.107, que instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e outras legislações que prestam bons serviços.

Segundo o disposto pelo artigo 2º, a empresa que, "em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias de trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa de seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução de salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário mínimo regional".

Diante do que o texto contém de mais essencial, duas dúvidas provavelmente ocorrem: como demonstrar conjuntura econômica desfavorável e se persiste o máximo de 25%.

Julgo supérfluo exigir que a realização de tais acordos ou convenções se submeta "à prévia e inequívoca comprovação documental (insuficiência econômica, financeira e patrimonial, que inviabilize a manutenção dos postos de trabalho) às entidades sindicais, por parte das empresas interessadas, dando conta de sua situação econômica emergencial", como quer a Procuradoria Regional do Trabalho. A empresa propõe e se justifica, e o sindicato crê ou não na verdade dos fatos. Ao não acreditar, assume o risco de demissões em massa.

Admitido o corte, qual a porcentagem máxima? A Lei 4.923 estabelece 25%. O empresário que, a pretexto do silêncio do dispositivo constitucional, tentar redução mais elevada, encontrará invencível oposição dos trabalhadores, além de revelar à opinião pública que perdeu o sentido ético e ignora os limites da razoabilidade.

Ademais disso, independentemente de se saber se a norma legal está ou não em vigor, negociações sobre redução de jornada e de salários devem obedecer às regras da CLT, do capítulo que trata de acordos e convenções coletivas. São obrigatórias, portanto, a convocação de assembleia-geral dos interessados, existência de quórum comprovado por assinaturas do livro de presença e redação de ata contendo tudo quanto foi deliberado. O acordo, afinal, não pertence à diretoria sindical, mas aos trabalhadores, pois é sobre eles que recairão os prejuízos salariais.

Mesmo preenchidos os requisitos mínimos da lei, acordo coletivo para subtrair salários sempre encerra alto grau de risco. Logo, que se respeite a lei em todos os detalhes, ainda que alguns juristas coloquem dúvidas sobre sua aplicabilidade. Ou o atual Congresso Nacional teria a ousadia de determinar desconto acima de 25%?

Almir Pazzianotto Pinto é ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho

Trivial variado

Panorama Econômico :: Mirian Leitão
DEU EM O GLOBO


As demissões que pararam ontem São José dos Campos não vão entrar nos dados do desemprego do IBGE, que não pesquisa as cidades médias para onde foram muitas indústrias nos últimos anos. O desemprego vai crescer. Na contramão do pessimismo, o economista Gustavo Franco acha que as empresas exageraram no corte da produção. Ele acha que os juros deveriam cair para um dígito.

- Não temos a maior inflação do mundo, não precisamos ter a maior taxa de juros do mundo - me disse ele, no programa Espaço Aberto, da Globonews.

Franco tem uma visão bem mais benigna da situação brasileira. Avalia que a crise chegou ao Brasil de forma tão abrupta que a primeira reação das empresas foi cortar muito a produção.

- A produção teve uma volatilidade própria de ações em bolsas de valores, com quedas de 50% num mês. É como aqueles furacões anunciados para chegar: todo mundo fala dele, as pessoas morrem do coração antes de o furacão chegar. No primeiro momento, todo mundo reagiu de forma exagerada. Agora vem a fase de acomodação. Afinal, houve a crise, a maxidesvalorização, tudo que nos lembra outros momentos. Mas agora é vida que segue. O primeiro semestre continuará ruim, mas o segundo será bom.

O problema é atravessar ainda este ambiente de dificuldades e de más notícias. O corte na Embraer era previsível, depois das notícias de cancelamentos de encomendas, mas é doloroso de qualquer forma.

Esta semana trouxe muitas notícias ruins em desemprego. A primeira queda de empregos formais num mês de janeiro desde o terrível janeiro de 1999, da crise cambial; o desemprego medido pelo IBGE deu um salto de 6,8% para 8,2% de dezembro para janeiro, e o salto foi maior em São Paulo, onde chegou a 9,4%. Em épocas assim fica mais evidente como o desemprego é mal medido no Brasil: o IBGE só pesquisa seis regiões metropolitanas. O que acontece de bom ou ruim em outras capitais ou cidades médias não está na PME.

O economista José Márcio Camargo, ouvido por Alvaro Gribel, aqui do blog, disse que em dezembro as empresas demitiram pelo choque da chegada da crise, e em janeiro demitiram por acharem que a produção ficará num nível menor.

A economia sentiu o baque em todas as áreas. Conversei com o consultor Paulo Fernando Fleury, do Ilos (Instituto de Logística e Supply Chain). Ele acaba de comparar alguns indicadores que mostram um retrato curioso. A venda de caminhões caiu abruptamente, mas em outros indicadores, como tráfego de caminhões pesados ou consumo de diesel, a queda foi menor.

- É assim nas crises. Há um impacto forte, mas depois ela se espalha e alguns setores super-reagem às notícias da crise. No caso dos caminhões, havia fila de espera e de repente a venda de caminhões novos caiu 50% em dois meses. Foram vendidos 12,5 mil em outubro e apenas 6,1 mil em dezembro - disse Fleury.

O movimento de veículos pesados caiu nos últimos três meses, mas quedas mais fracas, de 0,8%, 2% e 3,7%, em relação ao mês anterior. Já a queda do diesel foi de 13% em novembro.

- Tudo mostra uma atividade em queda, mas em alguns setores isso é sentido mais fortemente. Caindo a venda de caminhões, inúmeros fornecedores vão reagir também e a crise vai em cadeia - contou Fleury.

Ontem, a Saab, da General Motors, entrou em concordata na Europa. A boa notícia é que a Scania não é ligada à Saab e foi comprada pela Volkswagen, que tem 68% do capital votante, 37,7% do capital total. No Brasil, a Scania representa 20% do nosso mercado.

Os mercados ficaram nervosos o dia inteiro ontem: notícias dos bancos, das mineradoras e das automobilísticas mostraram que apesar da esperança, como disse Gustavo Franco, de que o segundo semestre seja melhor, duro está sendo passar esta fase de volatilidade.

Enquanto não se encaminhar a solução dos bancos americanos, tudo continuará volátil. Nós sabemos o quanto uma crise bancária é perturbadora. Franco lembrou um dado.

- O primeiro momento da crise bancária foi a intervenção no Banespa, no fim de dezembro de 1994. A crise durou anos. Aquele era o primeiro jogo de uma longa temporada, que acabou com 90 bancos fechados, vendidos, federalizados ou com intervenção. Isso num universo de 300 bancos.

Ele recordou o que o Gustavo Loyola me disse também esta semana. Nos EUA eles não têm uma lei que havia no Brasil: que transforma os acionistas em responsáveis. Aqui, os controladores tiveram seus bens indisponíveis. Lá não há essa lei, o que torna mais difícil para Barack Obama a construção de uma engenharia que resolva o problema.

Enquanto os bancos americanos continuarem em crise, essa incerteza vai persistir. Mas o Brasil, na opinião de Gustavo Franco, tem bons fundamentos para atravessar este momento. Na administração da crise o Banco Central operou bem, segundo ele, mas a venda de dólares no mercado interno poderia ter sido maior, para evitar uma desvalorização tão alta que assustou as empresas num primeiro momento. Ele acha que há espaço para queda da taxa de juros.

- Não há razão para que o Brasil não tenha juros de um dígito.

O retrovisor embaçado

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, em artigo para esta Folha, publicado no domingo: "A crise vai ficando para trás, sendo vista apenas pelo retrovisor do mercado".

Da vida real, apenas quatro dias depois: o Brasil perdeu 101.748 vagas com carteira assinada em janeiro, no pior resultado para esse mês em dez anos. Da vida real, cinco dias depois: em apenas um mês, foram contabilizados mais 323 mil desempregados nas seis principais regiões metropolitanas do país, contabiliza o IBGE.

Do gerente da pesquisa IBGE, Cimar Azeredo: "Nem na época da recessão de 2003 houve um aumento no número de desocupados dessa magnitude. Foi um janeiro diferente, mais cruel, sem dúvida". Como é que alguém pode confiar na palavra de uma autoridade se os fatos a desmentem tão cruelmente dias depois?

Se Lupi fosse economista, ainda vá lá. Economistas habituaram-se a chutar números impunemente, tanto que já reapareceram os "palpiteiros" depois de um curtíssimo período em que ficaram como cachorro que caiu do caminhão de mudança em razão da crise.

Palpiteiros, otimistas como Lupi, ou profetas do apocalipse não têm base para o que estão dizendo, porque ninguém sabe direito o que está acontecendo nas entranhas do sistema financeiro nem, por extensão, os desdobramentos que a crise terá. Mas é forçoso admitir que a tribo dos catastrofistas tem tido muito mais motivos para anabolizar suas certezas, porque há muito mais más notícias.

Vide o caso Embraer: 90% de suas encomendas vêm do exterior. Crise no mundo, crise nas encomendas, mas demissões, acima de tudo, no Brasil, país em que está a maior parte da produção.

Será que o ministro Lupi teria coragem de ir à Embraer para contar aos demitidos que a crise está sendo vista apenas pelo retrovisor?