sábado, 28 de fevereiro de 2009

O castelo, os príncipes e o rei nu

Marco Aurélio Nogueira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dizem que no Brasil tudo começa depois do carnaval. A convicção é em muitos aspectos verdadeira, mas não se aplica ao ano político, que costuma dar o ar da graça bem antes disso, se é que calendários políticos conheçam férias e interrupções.

2009 começou com a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado e, quase ao mesmo tempo, com a descoberta do castelo construído pelo deputado Edmar Moreira. Nada deveria chamar muito a atenção, não estivesse o deputado ocupando a segunda vice-presidência da Câmara (cargo que incluía a função de corregedor) e não tivesse "esquecido" de declarar o bem, avaliado em mais ou menos R$ 50 milhões. Com a agravante, como logo se soube, de que o castelo havia sido planejado para servir de cassino, num país em que o jogo é ilegal. A cereja do bolo coube ao STF, que revelou a existência de um inquérito para apurar a apropriação indébita, pelo deputado, de contribuições ao INSS. Os desdobramentos do caso são conhecidos, não há necessidade de voltar a eles.

Também seria normal a recondução do deputado Michel Temer e do senador José Sarney à direção do Congresso Nacional, não fossem os parlamentares vinculados ao mesmo partido e não fosse esse partido um operador político inteiramente dedicado a seus próprios interesses, sem ideias consistentes ou laços substantivos com qualquer força viva da Nação. Partido que inscreveu seu nome na história por ter conduzido, com realismo e inteligência, a luta pela redemocratização do País, hoje o PMDB é uma sombra de seu passado, ainda que continue ativíssimo. Faltam-lhe clareza programática e projeto nacional, sobram-lhe vínculos regionais e apetite por cargos. Passou a expressar o "atraso" político brasileiro, mas, curiosamente, ajuda a que se afirme "a tradição do público na sociedade", como observou o cientista político Luiz Werneck Vianna (Estado, 15/2). Faz isso, porém, por via eminentemente fisiológica, acabando por transferir ao sistema uma pesada carga de fatores degenerativos. Para ser contido precisa ser incorporado ao jogo político, mas ao sê-lo rebaixa a qualidade do jogo. Tê-lo na condução do Congresso funciona assim de modo paradoxal: amarra o partido à democracia e à institucionalidade política, ao mesmo tempo que o reforça como estrutura predatória.

Também anterior ao carnaval foi a entrevista do senador Jarbas Vasconcelos, que não poupou palavras para detonar seu partido, que estaria hoje definido por uma estrutura "coronelística" dedicada a explorar o governo e corroída pela negociata política. O tom foi de desgosto e decepção, mas o discurso foi calculado. Dize-me com quem andas e direi quem és pareceu ser o recado ao Planalto, à direção do PMDB e a todos os que flertam com o partido. Política pura, com muita dissimulação, drama e jogos de cena. O estrondo só não foi maior porque o PMDB engoliu em seco, fez-se de morto e esfriou o fato.

O período foi pródigo na reiteração de duas tendências da política brasileira recente. Lula deu prosseguimento ampliado ao estilo que lhe tem concedido altos índices de aprovação popular, que atingiram agora impressionantes 84%. O Encontro Nacional de Novos Prefeitos, por ele patrocinado, foi uma festa política, mas não um desfile carnavalesco. Serviu de palco para a campanha presidencial de 2010, que, a esta altura, já se tornou fato consumado. Mas também conteve um elemento de vida institucional e governo: nas palavras do cientista político Fábio Wanderley Reis (Estado, Aliás, 15/2), "a aproximação do governo federal com o municipal cria uma estrutura de Estado mais equilibrada" e reproduz a forma brasileira de fazer política.

A oposição não perdoou o que considerou uma antecipação da campanha presidencial. Foi, no entanto, bisonha e ineficiente na operação, reiterando a desgraça maior de sua fase atual. Exigir que um governante deixe de fazer política e de buscar extrair vantagens eleitorais de seus atos é tão sem sentido quanto achar que uma oposição de verdade deva atuar em tempo integral para demolir a situação. A denúncia foi somente uma demonstração adicional de medo e preocupação com os movimentos de Lula, quem sabe um reflexo da necessidade que têm os oposicionistas de ganhar tempo para arrumar a própria casa. Além do mais, veio embrulhada em paradoxos e contradições, como bem lembrou o professor Fábio Wanderley Reis: ganhou luz pela boca do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no mesmo momento em que convocava o PSDB para entrar firme na disputa.

Juntando-se os fios, o período pré-carnavalesco serviu de espelho para que mirássemos a real situação da política nacional. Refletiram-se nele diversos traços da nossa dificuldade de ingressar num ciclo virtuoso de vida democrática, reformismo e reorganização social. A persistência do flerte que o Congresso mantém com a desmoralização pública de sua imagem e de suas funções reflete um processo impulsionado pelo esforço compulsivo de políticos e partidos para maximizar interesses de curto prazo. A popularização banalizada da Presidência ganha embalo na figura carismática de Lula. O não-aparecimento de lideranças de novo tipo expressa a falta de uma oposição democrática suficientemente lúcida, unida e corajosa para abrir mão de ganhos imediatos e se apresentar como opção para a sociedade.

O ano começou dando transparência a uma situação cortada por dilemas, paradoxos e interrogações, em que não há nenhum príncipe (o estadista) ao estilo de Maquiavel e desapareceram os príncipes modernos de que falava Antonio Gramsci, os partidos políticos, dedicados a organizar ideias e interesses em torno de um projeto de sociedade.

Nunca o rei esteve tão nu.

Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp, é autor dos livros Em Defesa da Política (Senac, 2001) e Um Estado para a Sociedade Civil (Cortez, 2004)

Tudo pelo 'social'

EDITORIAL
DEU EM O GLOBO

Não é pequena a herança de mazelas deixadas por qualquer ditadura. A depender da duração do regime de exceção, os quadros políticos não são renovados, e por isso cai a qualidade da representação na volta à democracia. Quanto mais longa a ditadura, pior. A repressão política e a ausência de um estado de direito democrático deixam marcas difíceis de cicatrizar no retorno às liberdades e na reconquista dos direitos civis. No caso brasileiro, várias das distorções existentes na Constituição de 88 derivam dessa herança: leniência no tratamento da criminalidade e excessiva liberalidade nas regras de funcionamento de partidos, entre tantos aleijões.

Além disso, a sociedade saiu de 21 anos de regime fechado tolerante com tudo aquilo que leve o adjetivo "social". Em nome do "social" relaxa-se diante da favelização, da desordem urbana generalizada, de homicídios, de agressões a preceitos constitucionais no atacado e no varejo.

Uma explicação pode estar no fato de que embriões desses tais movimentos enfrentaram a violência de Estado ao lado de várias outras tendências políticas e ideológicas, fizeram parte da ampla aliança de resistência à ditadura. Mas, passados 23 anos de estabilidade democrática, já é mais do que tempo de se entender que não se consolidará a democracia se o império da lei, o estado de direito não for preservado, sem concessões. Também é evidente que tendências políticas que enfrentaram a ditadura defendiam a democracia apenas como tática. Queriam - e alguns ainda querem - executar um projeto autoritário, só que com eles no poder. Nem todo "social" é a favor das liberdades democráticas. Em última análise, sequer levará o bem-estar às massas.

Já passou da hora de agentes públicos deixarem de ser tíbios diante das ilegalidades cometidas sob o guarda-chuva do "social". Esta postura, observada também no governo FH, mas que chega ao ápice intolerável na era Lula, solapa as instituições democráticas. Particularmente, é grave ameaça quando se aproxima um período eleitoral em que há a possibilidade de grupos que drenam recursos públicos para projetos ideológicos específicos serem retirados do poder pelo voto, dentro das normas usuais numa democracia. Pavimenta-se o terreno para tentações de sabotagem às práticas eleitorais saudáveis.

Este é o pano de fundo da correta iniciativa do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, de alertar para a ilegalidade na atuação de organizações de sem-terra - MST à frente - e, em específico, na transferência de recursos públicos para esses grupos, que vivem na semiclandestinidade e atuam ao arrepio da lei, com a conivência de agentes públicos.

Como noticiou O GLOBO ontem, nos últimos sete anos - inclui, portanto, a gestão FH - foram dados a essas organizações R$49,4 milhões em verbas oficiais. Claro que parte substancial desse dinheiro do contribuinte financiou ilegalidades. As mais recentes: quatro assassinatos em Pernambuco e uma onda de invasões no interior de São Paulo, fatos que motivaram o presidente do STF a se pronunciar.

É imperioso que a Justiça, o Ministério Público, o Poder Legislativo, o Executivo e a própria sociedade façam uma reflexão séria sobre os riscos criados por esta subjugação da Lei a interesses desestabilizadores que atuam contra a democracia valendo-se do quadro social do país.

Barbárie Consentida

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, foi apenas mais explícito e retumbante devido ao peso do posto.

No conteúdo, suas declarações logo após o assassinato de quatro seguranças de fazenda em Pernambuco seguiram a linha dos inúmeros alertas feitos a propósito da série de ilegalidades consentidas cometidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e denominações adjacentes.

O governo Luiz Inácio da Silva ignorou solenemente todos os avisos de que dia menos dia se veria na contingência de pagar o preço da leniência, seja pelo imperativo de usar a força do Estado para coibir os crimes ou pela constrangedora constatação de que o Estado é cúmplice de criminosos.

Pois eis que o presidente da Corte Suprema do País afirma que o governo acoberta os atos ilegais do MST e o Palácio do Planalto não tem como se defender. Presidente da República, ministro do Desenvolvimento Agrário e demais autoridades da área saíram pela tangente: silenciosos, usaram versões de assessoria para classificar de "descabida" a atitude do magistrado por falar "fora dos autos".

Ora, a que autos se referem? Nessa altura, os únicos condizentes com a situação seriam os autos de um bom processo cobrando a responsabilidade do poder público por reiterada infração às leis em vigor no País.

Não fossem o Ministério Público, o Congresso Nacional e os partidos tão suaves diante da acintosa decisão do Executivo de dar aos sem-terra salvo-conduto para transgredir, o presidente do STF poderia falar "dentro" dos autos.

Não havendo processo, faz a sua parte assim mesmo e se manifesta contra agressões à propriedade privada, ao patrimônio público, à pesquisa científica, aos direitos e garantias individuais, às regras de convivência coletiva e, agora, à vida humana.

Começaram invadindo terras improdutivas, em seguida invadiram as produtivas, prosseguiram ocupando prédios públicos, destruindo laboratórios de pesquisa, promovendo a baderna nas dependências do Poder Legislativo, numa escalada de vandalismo cuja culminância foi o assassinato dos quatro seguranças em Pernambuco.

Em contrapartida já foram recebidos com honras de Estado no Palácio do Planalto, ganharam o controle do Incra, continuam a ser sustentados por verbas oficiais, tiveram o apoio do Ministério da Previdência Social para requerer aposentadoria rural e, façam quaisquer barbaridades, do governo federal ouvem no máximo reprimendas paternais.

Tudo em nome do "respeito" aos movimentos sociais, em flagrante desrespeito aos genuínos movimentos sociais. Todos restritos, como os demais setores da sociedade, aos limites legais.

Desde o começo do governo, o presidente Lula fez uma clara opção: entre a lei e o MST, escolheu o lado dos sem-terra.

A matriz da tolerância revelou-se já no início do ano de 2003 quando o então ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, avisava que não cumpriria a medida provisória do governo anterior, proibindo repasses de verbas e excluindo do programa de reforma agrária entidades e pessoas envolvidas em invasões.

Para Rossetto aquela era a expressão do "autoritarismo de Estado" ao qual o PT não se associaria porque, de acordo com a nova concepção, qualquer legislação punitiva representava a criminalização dos movimentos sociais.

À falta de força política e de argumentos aceitáveis para derrubar a lei - por meio de outra medida provisória, por exemplo -, o governo escolheu simplesmente ignorá-la.

E as outras instituições simplesmente aceitaram essa lógica de um grupo que chega ao poder e resolve unilateralmente cumprir ou descumprir a legislação de acordo com suas convicções.

Louvem-se as posições dos presidentes da Câmara e do Senado, que se manifestaram em acordo ao presidente do STF. Apropriada, também, a constatação do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, a respeito do destino reservado a homicidas, "a cadeia".

Agora, cumpre lembrar a incoerência dos três que apoiam um governo insensível ao princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei.

O presidente do Senado, José Sarney, não faz coro às críticas palacianas ao comportamento do presidente do Supremo. Aponta que Gilmar Mendes defende o Estado de Direito e as liberdades públicas.

Fala do respeito aos direitos alheios, bem como o presidente da Câmara, Michel Temer, enxerga nas ações do MST violação constitucional.

Esquecem, propositadamente, de estabelecer a relação de causa e efeito entre o recrudescimento gradativo da ousadia dessas hordas e a indulgência com que são tratadas recebendo, por omissão, licença para invadir, destruir, barbarizar e agora também para matar.

Não caberia ao chefe da nação nem a ninguém além da Justiça a iniciativa ou o ato de punição.

A condenação moral, contudo, baliza valores no presidencialismo forte do Brasil. Feito quase imperial na era Lula, na prática, quando o Poder Executivo cala o resto consente.

CPT critica e ruralistas dão apoio a Mendes

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O discurso do presidente do Supremo, Gilmar Mendes, contra supostos atos ilegais do MST e financiamento público obtido pelo movimento foi criticado pelo advogado José Batista Afonso, da Comissão Pastoral da Terra. Para ele, há um "caráter mais político que jurídico".

"É estranho que não se ouça palavras sobre impunidade no campo, concentração da terra, necessidade da reforma agrária ou contra proprietários que fizeram grilagem", disse.

Já o presidente da Associação Comercial de São Paulo, Alencar Burti, enviou ontem carta de apoio a Mendes, na qual chamou de "excrescência" o financiamento do MST. Segundo Burti, a posição do presidente do STF é "oportuna manifestação contra o repasse de verba pública para financiar movimentos sociais que atuam em constante desrespeito ao Estado de Direito".

O promotor gaúcho Gilberto Thums, responsável por uma ação civil pública para declarar o MST ilegal, tem opinião parecida. "O que o ministro quer é: quem pratica atos ilegais não pode receber apoio do poder público."

Para Zander Navarro, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, iniciativas políticas dos movimentos sociais fazem parte do jogo democrático. "O caminho mais correto, democrático e que poderia realmente aprimorar as instituições e práticas políticas seria sugerir que o Executivo passe a liberar recursos somente com uma contrapartida real de total transparência."

A coordenadora nacional do MST Marina dos Santos disse que Mendes parece um "cabo eleitoral" do governador José Serra (PSDB-SP) e que o presidente do STF deveria usar o mesmo discurso para, entre outras coisas, explicar a soltura do banqueiro Daniel Dantas.

"As declarações [de Mendes] são carregadas de preconceito de classe, claramente ideológicas. O senhor Gilmar Mendes está agindo como o líder da direita no país." O STF não comentou as declarações.

Em nota, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) afirmou que Mendes "cumpre com rigor e responsabilidade institucional seu papel de guardião da Constituição e do Estado de Direito". Também em nota, o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, que reúne entidades como MST, Contag e CPT, disse que as declarações do presidente do STF são "carregadas de preconceito e rancor".

MST: Dilma e ministro defendem repasses

Evandro Éboli e Juraci Perboni
DEU EM O GLOBO


Os ministros Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) e Dilma Rousseff (Casa Civil) defenderam a legalidade dos repasses para entidades ligadas a movimentos que invadem terras, como o MST, o que é proibido por lei. Cassel chegou a dizer que é impossível associar as entidades com o MST, apesar de elas serem as pessoas jurídicas do movimento.

E não dão declarações para condenar assassinato de seguranças por líderes dos sem-terra

Dois dias depois das declarações do presidente do STF, Gilmar Mendes, reafirmando ser ilegal o repasse de verbas públicas a movimentos que invadem terras, como o MST, o governo federal saiu ontem em defesa da legalidade dessa transferência de recursos. Em Florianópolis, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse que o governo cumpre a legislação. Em Porto Alegre, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, também disse que não há irregularidades e chegou a alegar que é impossível associar as entidades beneficiadas com recursos públicos a movimentos sociais como o MST. Segundo ele, essas vinculações são suposições.

Nenhum dos ministros deu uma palavra sequer para condenar atos criminosos em Pernambuco, onde líderes do MST mataram quatro seguranças de fazendas. Em nota, o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse apenas que a apuração dos crimes cabe às polícias estaduais. "Do ponto de vista do Ministério, temos consciência de que essas violações de propriedade privada são questões de ordem pública, de responsabilidade dos estados, da polícia estadual e da Justiça estadual".

- Não operamos com nenhuma ilegalidade - disse Dilma. - E, para que alguma coisa se caracterize como ilegalidade ou legalidade, ou há uma prova real ou um julgamento.

Segundo Dilma, o governo não vai polemizar com o presidente do STF:

- Essa é a característica do Executivo. Não tem que gostar ou não gostar da lei. Tem que cumprir. Nós não temos manifestação a fazer. Respeitamos a declaração do presidente do Supremo, mas o governo cumpre a lei. Quando avaliarmos que alguma coisa está ilegal, não vamos fazer. Enquanto estivermos legais, estamos fazendo.

Cassel disse desconhecer as ligações entre entidades beneficiadas pelo governo e o MST, que, no entanto, são conhecidas por todos da área:

- Não passamos nenhum centavo para o MST. O que existe são suposições de que possa haver cooperativas, empresas ou ONGs que tenham vínculos com o MST.

O ministro disse que seria ilegal suspender o repasse para uma entidade pelo fato de ela ter simpatizantes de movimentos sociais.

- Não posso, por lei, discriminar uma entidade porque ela tem simpatizantes do movimento A ou B, do partido político ou de alguma religião. Quando uma entidade presta serviço ao governo, é porque tem CNPJ e cumpre as exigências legais.

Advogado-geral acusa Serra para defender Lula e Dilma

Felipe Recondo
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

AGU alega, no TSE, que governador também se reuniu com prefeitos

Para defender o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a Advocacia-Geral da União (AGU) resolveu atacar o governador de São Paulo, José Serra (PSDB). No documento que encaminhou ontem ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para contestar a acusação de que Lula e Dilma aproveitaram o Encontro Nacional de Prefeitos e Prefeitas em Brasília, nos dias 10 e 11, para fazer campanha eleitoral antecipada, a AGU afirmou que Serra se reuniu, por duas vezes, com prefeitos de cidades paulistas.

Na semana passada, o DEM e o PSDB protocolaram no TSE representação contra o presidente e a ministra, acusando-os de usar o encontro para promover a pré-candidatura da ministra da Casa Civil à Presidência. Os dois foram notificados na quinta-feira. Na defesa elaborada pela AGU e entregue ao TSE, o governo afirmou que os prefeitos do PSDB e do DEM também participaram do evento. O governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), acompanhou Lula na solenidade de abertura do encontro.

"Como se não bastasse, neste início de mandato dos novos gestores municipais, conforme reportagens jornalísticas, o governador de São Paulo, destaca-se, do PSDB, também realizou encontro de prefeitos, só que não apenas um, mas dois", enfatizou a AGU, no documento.

Os advogados argumentaram que Lula e Dilma não podem ser acusados de fazer campanha antecipada, porque o presidente não pode disputar o terceiro mandato e a ministra não foi lançada. "A ministra-chefe da Casa Civil nem mesmo é pré-candidata a qualquer cargo eletivo. Aliás, as convenções partidárias para escolha dos candidatos somente ocorrerão em junho de 2010", afirmou a AGU.

Os advogados pedem que a representação seja arquivada sem a necessidade de julgamento do mérito. O caso é relatado pelo ministro do TSE Arnaldo Versiani. Até agora, não há previsão para o julgamento.

DESCABIDA
Em Florianópolis, onde participou ontem de uma inauguração ao lado de Lula, Dilma disse ser "totalmente descabida" a ação de opositores. "A avaliação que o governo faz é de absoluto descabimento e que se trata de ação política, tendo em vista uma tentativa de bloquear ou de interditar o governo", afirmou. "Avaliamos que a ausência de projetos de governo da oposição faz com que tente impedir que o governo governe."

Segundo ela, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Bolsa-Família e a entrega de mais 100 escolas técnicas incomoda a oposição. "Nós até entendemos que isso incomode, mas não achamos que é do jogo político interditar a ação governamental." Questionada sobre as viagens ao lado de Lula, ela não titubeou: "Vou continuar viajando, é da minha função viajar."

''Reunião do governador foi de trabalho'', reage Guerra

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente do PSDB rebate argumento da AGU e vê diferença entre reuniões políticas e administrativas

O PSDB reagiu ontem aos argumentos do advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, que citou eventos promovidos por tucanos para defender a ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao encontro nacional de prefeitos, em fevereiro.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), afirmou haver uma "diferença" entre as reuniões de caráter político e os encontros verdadeiramente administrativos. "A reunião do governador (de São Paulo, José Serra) não foi política, mas uma reunião de trabalho com seus secretários e prefeitos", rebateu Guerra. Na defesa de Lula e da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Toffoli falou em "não apenas um, mas dois" encontros de prefeitos dos quais Serra teria participado.

Em janeiro, o governador anunciou um plano de recuperação de estradas vicinais em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes. Na ocasião, estiveram presentes prefeitos de cidades do interior paulista que serão beneficiadas pelo projeto. Mais recentemente, há cerca de 15 dias, o governador encontrou-se com alguns prefeitos num auditório na capital paulista, desta vez para tratar de parcerias com o governo do Estado na área da saúde. Para Guerra, "há uma grande diferença entre esse tipo de reunião administrativa e a de caráter político e eleitoral, que o governo federal tem realizado no País inteiro."

Toffoli chama de "contradição" o fato de os tucanos acusarem Lula de usar o encontro para promoção eleitoral - no caso, de Dilma - já que também realizaram grupos de trabalho com novos prefeitos.

Para o presidente do PSDB estadual, deputado Mendes Thame, o argumento colocado pelo advogado-geral da União é vazio. "Aqui em São Paulo não participaram prefeitos de outros Estados, mas apenas os beneficiados com o programa (de estradas vicinais), inclusive prefeitos do PT", declarou.

Tucanos questionam ainda o fato de o advogado-geral da União, que já foi advogado eleitoral do PT, fazer a defesa do presidente da República neste caso. Na avaliação deles, trata-se de uma acusação que não envolve especificamente a instituição Presidência, mas, sim, Lula, que deveria se defender com um advogado próprio.

O Palácio dos Bandeirantes informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não iria se manifestar sobre o assunto, uma vez que não se trata de questão de governo. Serra está em viagem fora do País.

Ousadia de Obama

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Já começou a guerra no Congresso americano contra as mudanças que o governo Barack Obama incluiu no Orçamento. Há, na reordenação de despesas, propostas inovadoras e mudanças radicais de rumo. Mas as críticas começaram e os lobistas iniciaram sua pressão. Disposto a não deixar um dia sem novidade, Obama anunciou ontem a retirada das tropas do Iraque.

Ele tinha avisado que subiria o imposto dos ricos e dos derivados de petróleo. E fez isso. É a revogação da renúncia fiscal promovida por George W. Bush. A boa notícia para nós, do corte do subsídio agrícola, já está mobilizando a bancada ruralista de lá. Em compensação, os defensores da energia solar e de vento se armam em defesa dos fortes investimentos no setor. Mas a ousadia maior do Orçamento é em relação à mudança climática.

Na verdade, é uma aposta. Obama incluiu receitas que terá com um novo sistema de limite de emissão de carbono e com a cobrança de quem emitir acima daquele limite. Há várias propostas sobre isso tramitando no Congresso americano. O que Obama fez foi apostar que o sistema será criado, e que uma lei será aprovada por deputados e senadores. E já cria despesas com base no que arrecadará. Assim, ele consegue mais aliados para uma causa revolucionária: incluir os Estados Unidos dentro do clube dos países que, por lei, impõem um teto declinante às emissões dos gases de efeito estufa; e muda radicalmente a posição americana em relação ao aquecimento global. O que parecia tão distante na era Bush está agora escrito na proposta de Orçamento. Será fácil? Certamente não, mas uma das delícias da democracia é ver o voto mudando as escolhas feitas por um país.

As ousadias de Obama têm contas a acertar com a realidade fiscal. Difícil conciliação, aliás. O déficit é gigantesco, como se viu, e a dólares de hoje pode-se concluir que é equivalente ao PIB somado de um Brasil e duas Argentinas. Em percentual do PIB deles, passa de 12%. Mais do que o déficit, o que impressiona um defensor da austeridade como o "Wall Street Journal" é o salto nas despesas. O jornal alerta que elas pulam de 21% para 27% do PIB.

Claro, houve uma crise econômica, um colapso bancário e um estouro de bolha imobiliária herdados do governo anterior. Isso, sim, uma real herança maldita! O problema é que o governo, no documento que enviou ao Congresso, projeta que o país, neste ano, vai ter uma queda do PIB de 1,2%, mas que em 2010 vai crescer 3,2% e daí para diante 4%. E se não for assim tão fácil? Ontem mesmo, apareceu o terrível número do PIB do último trimestre de 2008: 6,2% de queda. Se o país não se recuperar tão rápido, a previsão de que o déficit voltará a 3,5% do PIB em 2012 não se realiza.

As contas só fecham se a economia retomar o crescimento. Para que a economia retome o crescimento, é preciso remover uma pedra no meio do caminho: o colapso bancário. Ontem, novo choque de realidade foi dado logo cedo, quando o governo oficialmente virou o maior acionista do Citibank, com 36% do capital votante, e as ações despencaram instantaneamente, chegando a uma queda de 42%. Há uma pedra no meio do caminho de Barack Obama, diria o nosso poeta, e é daquelas imensas pedreiras.

Ontem mesmo, Obama anunciou seu plano de retirada das tropas do Iraque. Ele projetou um declínio importante dos gastos de defesa, mas, evidentemente, a retirada de tropas custa dinheiro. Aliás, será, do ponto de vista logístico e de segurança, um desafio. Mas o que houve nas últimas horas foi o gigante americano fazendo uma movimentação dramática: de reduzir a ênfase no orçamento militar, para aumentar os gastos com saúde, novas energias, educação.

É previsível que haja em torno desse Orçamento a mais ferrenha batalha que se viu em tempos recentes. Ele mexeu com interesses demais. Os republicanos, que sustentaram governos que produziram déficits fiscais, já estão falando no déficit como se fossem puros fiscalistas. As críticas terão apoio de quem vai pagar mais imposto, das empresas que terão suas emissões de carbono taxadas e dos sinceramente convencidos de que a equação fiscal de Obama se equilibra em base frágil.

Não há ilusão: o que sairá será diferente do que foi proposto, mas o envio da peça orçamentária foi precedido por aquele discurso do presidente no Congresso, na última terça-feira, em que ele explicou as opções que fez. O roteiro do documento é claro, por isso foi fácil entender as decisões. Lá também há despesas obrigatórias, mas elas ocupam espaço menor do Orçamento. Lá há também emendas. Mas os temas que estão dominando o debate são as escolhas das políticas públicas.

No Brasil, o Orçamento é engessado, escrito de forma incompreensível, a barganha das emendas apaga o debate sério das políticas públicas e, no fim, ele nem é cumprido, porque as despesas são contingenciadas e os gastos decididos na boca do caixa, por critérios muitas vezes obscuros. Um Orçamento que reflita a vontade do eleitor, que seja entendido, e cumprido, é uma das bases da democracia. Afinal, para isso se organizou o Estado: para que ele recolhesse os impostos e os redistribuísse segundo a vontade do cidadão.

Clima de mudança

Paul Krugman
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Eleições têm consequências. O novo orçamento do presidente Obama representa enorme ruptura, não apenas com as políticas dos últimos oito anos, mas com as tendências políticas dos últimos 30 anos. Se ele pode conseguir qualquer coisa como o plano anunciado na quinta-feira no Congresso, vai pôr os EUA em um novo caminho.

O orçamento vai, entre outras coisas, vir como um grande alívio para os democratas que estavam começando a se sentir um pouco deprimidos. A lei de estímulo que passou no Congresso pode ter sido muito fraca e concentrada em reduções de impostos.

A recusa do governo em ser duro com os bancos pode ser profundamente decepcionante, mas temores de que Obama sacrificaria prioridades progressivas em seus planos orçamentários e se satisfaria ao lidar com o sistema fiscal foram banidas agora.

Para isso, o orçamento aloca US$ 634 bilhões na próxima década para reforma da saúde. Não é suficiente pagar cobertura universal, mas é um começo impressionante. E Obama planeja pagar pela reforma da saúde, não apenas com impostos maiores para os mais ricos, mas dando um basta na terrível privatização da Medicare, eliminando excesso de pagamentos para empresas de seguro.

Em outra frente, também é animador ver que o orçamento prevê US$ 645 bilhões em receitas a partir da venda de permissões de emissões. Depois de anos de negação e adiamentos por seu antecessor, o governo Obama mostra que está pronto para assumir mudanças climáticas.

E essas novas prioridades estão num documento cuja clareza e plausibilidade parecem quase incríveis para aqueles de nós que crescem acostumados a ler orçamentos da era Bush, que insultavam nossa inteligência em cada página. Esse é o tipo de orçamento em que podemos acreditar.

Muitos vão perguntar se Obama pode, na verdade, conseguir reduzir o déficit como promete. Ele conseguirá reduzir o déficit de US$ 1,75 trilhões este ano para menos de um terço em 2013? Sim, ele pode.

Agora, o déficit é enorme graças a fatores temporários (pelo menos esperamos que sejam temporários): uma desaceleração econômica violenta está reduzindo as receitas e grandes quantias precisam ser alocadas tanto para estímulo fiscal quanto para socorros financeiros.

Mas se e quando a crise passar, o panorama do orçamento deve melhorar bastante. Não esqueça que de 2005 a 2007, ou seja, nos três anos antes da crise, o déficit federal ficou, em média, US$ 243 bilhões por ano. Durante esses anos, as receitas foram infladas, até certo ponto, pela bolha imobiliária. Mas também é verdade que estávamos gastando mais de US$ 100 bilhões por ano no Iraque.

Então, se Obama sair do Iraque (sem nos atolar num pântano afegão igualmente caro) e conseguir uma recuperação econômica sólida, baixar o déficit para cerca de US$ 500 bilhões até 2013 não deve ser tão difícil. Mas o déficit não vai aumentar com os juros sobre a dívida nos próximos anos? Não tanto quanto você deve achar. Taxas de juros sobre dívida do governo de longo prazo são menos de 4%, então até um trilhão de dólares de dívida adicional acrescenta menos de US$ 40 bilhões por ano para futuros déficits. E esses gastos com juros estão totalmente refletidos nos documentos do orçamento.

Então, temos boas prioridades e projeções plausíveis. Do que não dá para gostar nesse orçamento? Basicamente, o cenário em longo prazo continua preocupante. De acordo com as projeções orçamentárias do governo Obama, a proporção da dívida federal em relação ao PIB, medida amplamente usada para indicar a posição financeira do governo, vai subir nos próximos anos, depois mais ou menos estabilizar.

Mas essa estabilidade será alcançada numa proporção de dívida em relação ao PIB de cerca de 60%. Isso não seria um nível de endividamento extremamente alto para padrões internacionais, mas seria o maior que os EUA vivenciaram desde os anos imediatamente posteriores à segunda guerra mundial.

E nos deixaria com espaço bastante reduzido para manobra se outra crise vier. Além disso, o orçamento de Obama nos fala dos próximos 10 anos. É um avanço em relação aos orçamentos da era Bush, que faziam projeções apenas para cinco anos à frente. Mas os problemas fiscais realmente grandes se escondem além do horizonte orçamentário: mais cedo ou mais tarde teremos de conter as forças que aumentem os gastos em longo prazo – acima de tudo, o custo muito alto da saúde.

E mesmo que a reforma do sistema de saúde fundamental controle os gastos, eu, pelo menos, acho difícil ver como o governo federal pode atender as obrigações de longo prazo sem aumentos de alguns impostos na classe média. Seja lá o que os políticos digam agora, há provavelmente impostos maiores no futuro.

Mas não culpo Obama por deixar algumas grandes perguntas sem respostas nesse orçamento. Ele está fazendo o que pode por enquanto. E esse orçamento parece muito bom.

AS DORES DOS HOMENS (Poesia)

Graziela Melo

As dores
Dos homens
Que passam

Nunca sabemos
Quais são

Entre sorrisos
E afagos

Às vezes
Um aperto
De mão

Escondem
Tristezas
Profundas

No fundo
Do coração

Saudades
De mortos
Queridos

Ou mesmo
De vivos
Distantes

Ou ainda
Daqueles
Instantes

Mais felizes
Que ficaram
Para trás

Que se foram
Para sempre

E não retornam
Jamais!!!


Rio de Janeiro, 27/2/2009