segunda-feira, 9 de março de 2009

Por um novo reformismo


Giuseppe Vacca

Giuseppe Vacca, um dos mais lúcidos intelectuais da esquerda democrática, estará no Rio de Janeiro, no dia 18 de março, para uma palestra-debate e o lançamento de seu livro Por um novo reformismo.

Formado na cultura política de Gramsci, Togliatti e Berlinguer, e presidente da Fundação Instituto Gramsci (Roma), Guiseppe Vacca é pensador preocupado em atualizar essa tradição, renovando-a em contato com os desafios do tempo presente.

Uma lição de pensamento longe de qualquer dogmatismo, aberto a irredutível pluralidade de ideais e valores do mundo em que vivemos.

A orelha do livro é escrita por Armênio Guedes, ex-dirigente do PCB.

A tradução foi realizada por Luiz Sérgio Henriques, editor do sitio eletrônico Gramsci e o Brasil


Dia 18 (quarta-feira) às 18 horas
Instituto Italiano di Cultura
Sala Itália – 4º andar
Av. Pres. Antonio Carlos, 40
Castelo – Centro – Rio de Janeiro

Na seqüência, leia um trecho do livro:


A contradição política que mencionei também tinha uma raiz teórica, que remete ao tema das relações entre socialismo e democracia. A relação entre democracia e socialismo foi definida conceitualmente na “Declaração programática” do VIII Congresso (1956). A escolha da Constituição italiana como “programa fundamental” era justificada pela convicção de que ela favorecia “a organização da classe operária em classe dirigente”.

Parece-me que, nessa formulação, escondia-se uma possível confusão entre governo e Estado. Malgrado a enorme distância que já separava a visão política do PCI da “ditadura do proletariado”, essa fórmula também autorizava de algum modo uma visão instrumental da democracia.


Posta a democracia política como forma do Estado, os programas e a ação dos partidos democráticos não podem exorbitar os limites da função de governo. Podem, certamente, alcançar a esfera do Estado e também se propor mudar o ordenamento constitucional, mas não sua forma democrática. Por outro lado, os programas e a ação do PCI sempre operaram dentro desses limites. Mas permaneceu a convicção de que, para realizar completamente seu programa, exigia-se, precisamente, “a organização da classe operária em classe dirigente”. Sobreviveu, assim, uma visão do programa reformador centrada na idéia da classe operária como classe geral, e isso deixava entrever que se pretendia mudar a forma do Estado democrático.


Tanto a visão do socialismo como socialização integral dos meios de produção e de troca, quanto a idéia-guia da classe operária como classe geral destoam dos recursos e vínculos da democracia política como ordenamento do Estado. Para o Estado democrático, não existem “classes gerais”, ou então todas o são, na medida em que contribuíram para constituí-lo e respeitam suas regras. A democracia, pois, constitui um regime no qual todas as classes e grupos sociais só são reconhecidos nas formas de subjetividade previstas pela lei fundamental: partidos, sindicatos, movimentos coletivos, grupos de interesse. A democracia política pressupõe a redução das classes e dos grupos sociais a uma insuperável parcialidade, bem como a neutralização do interesse de classe e de grupo, na medida em que este é, por definição, particularista. Não pode haver relação linear, na democracia, entre os interesses de classe e as orientações que se pretende fazer valer na arena política. A idéia da classe operária como classe geral, reformulada nos anos setenta em termos de “centralidade operária”, constituiu, pois, um limite na concepção política do PCI (um limite de sociologismo). Nela se abrigavam as razões de uma assimetria residual em relação ao regime democrático, um obstáculo à completa distinção entre Estado e governo, um elemento de continuidade com sua origem terceiro-internacionalista, sob outros aspectos inteiramente superada.


Giuseppe Vacca. Por um novo reformismo. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. Trecho extraído das páginas 61 e 62. O livro já pode ser adquirido escrevendo para fundacao@fundacaoastrojildo.org.br

A mutilação do Estado brasileiro

José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

O discurso que o Senador Jarbas Vasconcelos fez nesta semana no Senado pode soar como o réquiem da Nova República, aquela assim batizada por Tancredo Neves. República que nasceu mutilada porque filha de desvios históricos que se confirmaram numa composição política inevitável, mas traiçoeira, justamente com forças que deram sustentação política ao regime autoritário. A massa do povo brasileiro, que nas ruas pleiteou o restabelecimento de eleições diretas para a Presidência da República, não foi suficiente nem convincente para que o Congresso Nacional fizesse a reforma democrática e decisiva. Na recusa das diretas, falou a perversa e oculta alma que há no Parlamento, a dos políticos que representam um Brasil que teimamos ignorar, em que o povo vota em José e elege João, como lembrou o senador.

Os muitos políticos que representam o Brasil civilizado, o Brasil que anseia por liberdade, justiça, igualdade social e política, democracia, tiveram que contornar a fortaleza do atraso político e jogar o jogo da transição para a democracia no terreno dos inimigos crônicos da democracia. Para fazer esse jogo, tiveram que se compor com os cúmplices do regime de exceção que, percebendo a mudança inevitável, acharam prudente mudar de lado sem se render. Sem eles a transição tardaria. São os mesmos que estão no cenário das denúncias corajosas do senador pernambucano. Falou-se que, aqui, a composição política era o nosso Pacto de Moncloa. Não era. Na Espanha, tratava-se de superar as profundas rupturas de uma guerra civil e de uma ditadura. Aqui se tratava de adesismo e fisiologismo.

Tanto em sua entrevista à revista Veja, quanto em seu discurso no Senado, no dia 3 de março, o Senador Jarbas Vasconcelos retornou a essa característica enferma da política brasileira, quando disse: “O exercício da política não pode ser transformado em um balcão de negócios.” E quando agregou, mais adiante: “O Parlamento não pode continuar sendo um mero atravessador de verbas públicas, com emendas liberadas às vésperas das votações que interessam ao Governo.” Uma desfiguração da política com a introdução do negocismo como pressuposto lógico das relações políticas.

A Constituinte, que teve condições de por fim à duplicidade do Estado brasileiro, híbrido na combinação de dominação patrimonial e dominação racional-legal, na definição de Max Weber, não compreendeu nem problematizou essas contradições nem atuou no sentido de superá-las. Houve, sem dúvida, aquelas figuras exemplares da civilização política gestada no combate à ditadura militar que se empenharam no sentido de modernizar a estrutura do Estado, a forma de atuação política e a própria concepção de representação política. Mas a suposição de um Pacto de Moncloa à brasileira acabou se tornando um pacto de intocabilidade com os agentes da cultura do parasitismo político e do escambo a que o senador, no fundo, se refere. As oposições à ditadura equivocaram-se ao suporem-se esquerda e erraram os que nelas desdenharam o fisiologismo e imaginaram que imporiam sua hegemonia politicamente purificadora no bloco democrático.

A facção petista esmerou-se nos enganos do voluntarismo político, desdenhando a força dos ex-aliados da ditadura, agora infiltrados nas novas forças de renovação política do país, o que ficou claro nas críticas e nos questionamentos que fez à estratégia do PSDB, na sua aliança com o atual DEM, para viabilizar a conquista do governo e as inovações que propunha. O PT chamou a isso de direita, que não era, e proclamou-se de esquerda, o que tampouco tem sido. No poder, o PT rendeu-se a alianças com todos os que verbalmente combatera, muito mais à direita do que fora a opção do PSDB. Tornou-se, por isso, refém dos partidos fisiológicos, envolveu-se em escândalos, sucumbiu às imensas limitações de tratos políticos redutivos da competência para governar, converteu-se num governo residual do poder expandido dos setores arcaicos da política brasileira. O Senador Jarbas Vasconcelos ao definir o governo Lula como governo medíocre, cuja mediocridade contamina vários setores do país, sumarizou o drama que nos alcança e cuja continuidade nos ameaça. Observou, com razão, que “o Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo”, o que sugere o governo como agente ativo de reoligarquização do Brasil.

O termo “corrupção” designa apenas um componente dessa desfiguração na nossa representação política e se limita ao que é ilegal. Deixa de lado o que é legal, mas que é também corrupção, já que abrange práticas relativas ao âmbito da moral. Tampouco parece correta a suposição de que estamos num processo de decadência política. Estamos, na verdade, em face de uma congênita estrutura deformada do Estado. A crueza de seus antagonismos anteriores e de suas incongruências nunca é colocada diante dos olhos e da consciência dos eleitores para que decidam se querem viver sob o jugo da política de cabresto ou sob o primado da democracia representativa. Essa é, na verdade, uma luta inglória.

A substância doentia do que o Senador Jarbas Vasconcelos denunciou manifestou-se em vários episódios no correr destes dias. Na apoteose ao funcionário demitido do Senado por não ter declarado ao fisco residência milionária, louvado como se fosse um herói do Parlamento; na transferência clientelística de verbas do governo para o MST por vias transversas; na querela do Fundo de Previdência Real Grandeza; na derrota da muitas vezes intolerante senadora Ideli Salvatti na indicação para uma comissão do Senado pelo mesmo grupo que é alvo da entrevista e do discurso do senador pernambucano. E, no fim, o afastamento de Jarbas Vasconcelos da Comissão de Constituição e Justiça como vingança por suas posições pela retidão no Legislativo. Esse cenário sugere que as oposições, nas próximas eleições, mais do que colher votos e um mandato, colham o clamor de uma revolução política que nos devolva o amor próprio há muito banalizado pelo triunfo das nulidades.

*José de Souza Martins, Sociólogo, Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, é autor de Retratos do Silêncio, Coleção “Artistas da USP”, Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008; Sociologia da Fotografia e da Imagem (Editora Contexto, 2008); A Sociabilidade do Homem Simples (2ª edição revista e ampliada, Contexto, 2008); A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34, 2008.

Entre a promessa e a realidade

Marco Aurélio Nogueira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO/ CULTURA

Fausto Castilho reflete sobre os dilemas da universidade, ajudando a descortinar possibilidades futuras

O que esperar da universidade no século 21? Que contribuição poderá dar a este século que se anuncia sob a égide da ciência, da racionalidade técnica e de categóricas exigências educacionais?

Nascida como ideia nos primórdios da era moderna, vinda das entranhas da Idade Média, a universidade só ganhou corpo e conceito claro - como instituição de pesquisa e estudo, não só de ensino - no decorrer do século 19, fase demarcada pelo celebérrimo Memorando de Guilherme de Humbold, que é de 1808-1809. Desde então, esteve sempre no centro das atenções e das controvérsias.

Disseminou-se pelo mundo, mas não de modo imediato e nem segundo um único modelo. No Brasil, por exemplo, chegou com atraso, como reflexo da condição colonial e dos vínculos culturais fortíssimos que o País mantinha com a Península Ibérica, região onde a prevalência da Igreja e da escolástica dificultou a recepção da cultura científica. A universidade moderna encontraria, por aqui, um "complexo de determinações de longo prazo" que decretariam sua "multissecular inexistência" - processo que só conheceria reversão nos anos 30 do século passado, com a criação da Universidade de São Paulo.

Este o principal eixo argumentativo do belo livro recém-lançado de Fausto Castilho, emérito da Unicamp, ex-professor de filosofia na USP e na Unesp, ativo participante da formulação do plano geral da Unicamp e da organização de sua área de humanidades, entre 1967 e 1972. Estruturado como um diálogo conduzido pelo também filósofo Alexandre Guimarães de Soares, o livro é mais que uma análise das origens desta que forma, com a USP e a Unesp, o miolo do sistema universitário brasileiro. Trata-se sobretudo de uma erudita e instigante reflexão sobre os dilemas da universidade no Brasil, os obstáculos que se antepuseram à sua evolução, os líderes que lutaram por sua criação, entre os quais Fernando de Azevedo, Arthur Neiva, Júlio de Mesquita Filho e Darcy Ribeiro. Precisamente por isso, ajuda-nos a descortinar o estado atual e as possibilidades futuras da instituição.

Há nele um segundo eixo argumentativo: os projetos com que a ideia ganhou materialidade entre nós - a começar do da USP, mas também o da UnB e o da Unicamp - sempre contiveram rigor, desprendimento cívico e compromissos consistentes, mas acabaram por ser travados quando levados à prática. A dura realidade dos fatos conspiraria contra a ideia, e um permanente descompasso apareceria entre "o momento da concepção e o momento da implementação". O argumento encontra apoio no famoso discurso que Júlio de Mesquita Filho proferiu na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em março de 1958, quando constatou a existência de "desvios metodológicos que alteraram fundamentalmente os objetivos que os fundadores tinham em vista".

Põe-se assim um problema: teriam sido os projetos "excessivos" para as condições nacionais? Ou teria havido falta de clareza e de vontade política?

Para os pais fundadores e para Fausto Castilho, algumas cláusulas pétreas compõem o conceito de universidade moderna. Primeiro, ela deve ser "integral, isto é, situar-se no topo do sistema educacional, tendo como base todo o conjunto das escolas de nível inferior". Também precisa ser uma "instituição de estudo que, antes do mais, faça pesquisa sobre a totalidade dos conhecimentos humanos e não se limite à qualificação profissional". Além disso, deve constituir "um organismo centrado", cujas partes componentes precisam estar dispostas "em torno da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, lugar de cultivo de todas as disciplinas básicas". Seus docentes, por isso, devem ser também pesquisadores, cientistas, criadores de conhecimento, mais que professores ou difusores de saber.

Tal concepção foi recebida, ao longo do tempo, com entusiasmo mas também com ceticismo, como se faltasse confiança no país ou houvesse adesão a um enfoque imediatista, técnico e profissionalizante, que muitos achavam mais condizente com as necessidades do desenvolvimento. Ênfase em demasia será dada aos arremedos de universidade construídos durante o século 19: as escolas superiores isoladas, profissionais, concentradas no ensino, que cobrarão um preço para ingressar na nova estrutura acadêmica. Antes de tudo, estas escolas não aceitarão nem a precedência, nem a função científica integradora da Faculdade de Filosofia. Serão assim mesmo incorporadas, numa espécie de concessão que terminaria por modelar a "concepção brasileira de ensino superior", que permaneceria atrelada a uma visão não universitária, ao menos em um primeiro momento.

Com o passar do tempo, as coisas se complicaram. E em vez de corrigidas, as falhas e concessões se aprofundaram, vis-à-vis as novas circunstâncias sociais do país. O ensinismo, o profissionismo e o isolacionismo - marcas de uma concepção de educação superior que prescinde da universidade - seriam turbinados pela "avassaladora privatização das escolas" e pela pressão social por ensino superior. O próprio aparelho educacional terminaria por ser "politicamente depredado". É onde nos encontramos hoje.

Fausto Castilho sabe que muito se construiu ao longo do tempo. Sua postura recusa o ceticismo. Ele observa a história, esmiúça conceitos e busca deixar um registro pessoal de sua experiência na fundação da Unicamp. Oferece-nos um parâmetro para que se aborde a questão com os olhos para frente.

A ideia de "universidade ampla", apoiada na reorganização dos três graus educacionais como um processo único, foi a maior promessa dos projetos de construção universitária no Brasil. Não é por acaso que o livro termina com sua celebração. Em que pesem os obstáculos, ela continua a ter "uma atualidade gritante".

Mas ideias não se convertem em fatos materiais sem dor e sofrimento, assim como sem sujeitos que briguem por elas. Valem também pelo que prometem. Não seria acaso oportuno, pergunta-nos Fausto Castilho, retomar o exame do modelo educacional na perspectiva da "universidade ampla"? É uma pergunta contundente, e ao propô-la seu livro ganha uma luminosidade adicional.

Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política da Unesp

Os excomungados

Cláudio Gonçalves Couto
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O noticiário da semana que passou ficou marcado pela polêmica travada em torno do aborto legal dos fetos gêmeos de uma menina de apenas nove anos de idade, sistematicamente violentada pelo padrasto, que acabou por engravidá-la. O evento, por si só, já seria suficiente para suscitar a atenção da opinião pública e do público em geral, tendo em vista o horror que justamente provocam na sociedade violências física e moral do tipo a que foi submetida essa criança. Ademais, a solução do aborto, embora legal, aparece como também socialmente controversa em virtude das convicções e dúvidas que muitos alimentam em torno dela em decorrência de suas crenças religiosas, científicas ou simplesmente humanitárias.

O ápice da polêmica, contudo, deveu-se às declarações do arcebispo de Olinda e Recife, D. José Cardoso Sobrinho. O religioso veio a público dar conta de que seriam excomungados não só todos os membros da equipe médica envolvida com o procedimento abortivo, mas também a mãe da criança - que se recusou a ouvi-lo, apesar das tentativas que fez de contatá-la para convencê-la de que sua filha deveria levar a gravidez até o fim, a despeito dos riscos que tal opção comportava. No entendimento da Igreja, os riscos da sobrevivência da menina não justificariam o aborto.

Mas que significado tem a excomunhão? Ao excomungar os profissionais de saúde e a mãe da criança, a Igreja Católica colocou-os para fora de sua coletividade. A razão para isto foi o desrespeito por parte dessas pessoas, supostamente católicas, a algumas de suas normas fundamentais. Da mesma forma que partidos expulsam de suas fileiras correligionários infiéis que tomam posicionamentos públicos inconsistentes com as diretrizes da legenda, igrejas defenestram seguidores que não se mostraram suficientemente fiéis. Cada organização procura assegurar a disciplina de seus componentes lançando mão dos recursos que tem à mão. E uma vez que as normas da Igreja são claras a este respeito, estipulando a sanção terrena do expurgo para determinadas transgressões, dentre as quais figura todo e qualquer aborto, não teríamos por que nos surpreender com a medida anunciada pelo arcebispo. Ela é consistente com posições que a Igreja Católica vem enfaticamente defendendo nos últimos anos.

O estupor social diante da excomunhão, contudo, é causado por dois fatores. Em primeiro lugar, porque o posicionamento de boa parte da sociedade sobre um caso como este dista bastante daquele da Igreja. Para parte considerável da opinião pública e do público em geral (assim como para a lei brasileira), justifica-se o aborto em alguns casos, dentre eles o da gravidez provocada por violência sexual. O fato de se tratar de uma criança de menos de 10 anos apenas reforça esta percepção. Por isto, a posição inflexível da Igreja é notada por muitos como uma insensatez obscurantista, um sinal de draconiana insensibilidade diante do sofrimento da criança e das consequências que não somente a violência sofrida até aqui lhe causou, mas que poderia ainda lhe provocar a continuidade da gestação. Noutros termos, o primeiro problema é a distância entre o que pensa a Igreja e o que pensa considerável contingente da sociedade contemporânea.

O segundo fator é a percepção que tem a sociedade do estigma de quem carrega a pecha de "excomungado". Em entrevista à "Folha de S. Paulo" de sábado, o arcebispo indicou que o delito cometido pela equipe médica e pela mãe da criança é, segundo as normas da Igreja, pior do que aquilo que fez o padrasto da vítima: estuprá-la. Ou seja, se merece se tornar um excomungado quem pratica - aos olhos da Igreja - um crime maior do que matar e estuprar crianças, entende-se que os excomungados devem ser gente realmente detestável, pior do que os pedófilos e assassinos. Não é à toa que o termo "excomungado" tornou-se um xingamento comum na linguagem popular, disparado contra aqueles que nada valem. Assim, quando um representante da Igreja anuncia a excomunhão de pessoas que - aos olhos de grande parte da sociedade - fizeram o certo, e ainda defende que o "crime" do aborto é pior do que o estupro de uma criança por um familiar, pode-se imaginar a indignação que causa. Vale dizer que a própria CNBB procurou depois esclarecer que a excomunhão foi automática, tendo D. José Cardoso apenas comunicado o ocorrido.

O irônico desta história é que a excomunhão num caso como este pode simplesmente ser inócua.

A razão é que alguns dos excomungados talvez sequer sejam mais membros da comunhão da qual se procura exclui-los. Segundo o Censo de 2000, 73,5% dos brasileiros eram católicos. Hoje este número deve ser ainda menor, tendo em vista o crescimento das igrejas evangélicas e dos brasileiros sem religião, sempre em sacrifício do número de católicos - segundo o Censo, estes eram 83,5% em 1991, indicando declínio de seguidores da ordem de 10% em menos de 10 anos.

Além disto, muitos dos autoproclamados católicos brasileiros são na realidade fiéis ao estilo do presidente Lula, amargamente criticado pelo arcebispo pernambucano. Como Lula, eles não consideram que a Igreja esteja sempre certa, optam por seguir um modo de vida pouco afeito ao que preconizam as normas católicas (sem que se sintam culpados por isto) e não são praticantes. Em suas vidas a religião é muito mais um espaço de eventual refúgio emocional e lócus para o cumprimento de convenções sociais (como o batismo e o casamento), do que uma rígida referência para a ação e o julgamento moral. Não é à toa que nos jornais desta semana podiam-se ler cartas de indignados leitores que se declaravam católicos e, ao mesmo tempo, condenavam veementemente a posição da Igreja. Esta deve seguir sendo a tônica reinante.

Outros eram ainda mais assertivos: afirmavam que, em virtude do posicionamento oficial da Igreja, optavam por abandoná-la. Noutras palavras, promoviam a voluntária auto-excomunhão.

Em resumo, a excomunhão não deve ser motivo de estranhamento por parte daqueles que divergem das posições da Igreja. O problema, na realidade, não está aí. Está, isto sim, na distância entre o que prega a Igreja e o que acredita boa parte da sociedade - em particular, muitos de seus presumidos seguidores. Portanto, o número de excomungados deve continuar aumentando - em muitos casos, por conta própria.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da PUC-SP e da FGV-SP. O titular da coluna, Fábio Wanderley Reis, está em férias

Os Donos da Salada

Fernando de Barros e Silva
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Aclamado como novo "gerente do PAC" pelos seus correligionários do PTB, o senador Fernando Collor, eleito presidente da cobiçada Comissão de Infraestrutura, assume, enfim, papel de destaque no consórcio lulista de poder, conduzido ao novo cargo pelas mãos hábeis do PMDB de José Sarney, auxiliado pelas reinações de Renanzinho, o senador Calheiros.

O inventor de Miriam Cordeiro, o "caçador de marajás", aquele cujos métodos e slogan de campanha já anunciavam a delinquência e o desmanche do Estado que viriam a seguir, torna-se, 20 anos depois, linha auxiliar do PT e da candidatura Dilma Rousseff. A unir as duas pontas -Lula e Collor- estão os indefectíveis bigodes de Sarney, o presidente da Arena, o antigo inimigo comum, o "mais corrupto" dos governos, conforme berravam colloridos e petistas nos idos de 89.

O que mudou? Collor? Lula? O Brasil? Ou ninguém? A resposta passa pela capacidade das oligarquias, que a figura de Sarney ilustra tão bem, de permanecer no poder desde os tempos da lamparina. Em outras palavras: podemos continuar a dividir o mundo entre esquerda e direita, mas o nexo decisivo da política brasileira não está aí.

O que explica as alianças esdrúxulas, as clivagens frouxas, a dinâmica tortuosa, a vocação acomodatícia e o eterno faz-de-conta do jogo do poder entre nós é o velho, porém tão atual, patrimonialismo -a apropriação privada da República. O "homem cordial" de Sérgio Buarque ainda é o nosso tipo ideal.

Esquerda e direita, no Brasil, se se confundem na boca do caixa, no assédio aos cofres públicos mais ou menos ostensivo, da pilhagem descarada do Estado à simples boquinha hoje capaz de calar a disposição crítica de tantos radicais de ocasião (ou que antes viviam sem ela).

A seu modo, Lula intui tudo isso quando pede ao PT que faça do episódio Collor "uma boa salada". O prato é conhecido. Nosso "chef" de São Bernardo apenas acrescentou à velha receita caseira o tempero sindical e chamou à mesa a burguesia do capital alheio.

Oposição quer explicações sobre voos de Dilma

Cristiane Jungblut
DEU EM O GLOBO


Líderes pretendem descobrir se ministra aproveitou visitas a obras do PAC para participar de encontros políticos

BRASÍLIA. A oposição quer explicações sobre os voos feitos pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para visitar 43 obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Preocupados com um eventual abuso, líderes alertam para os custos elevados das viagens. O presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), disse que vai apresentar requerimento exigindo explicações sobre os voos oficiais e se a ministra aproveitou as viagens para participar de encontros políticos. O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), disse que o governo está gastando demais com viagens num momento de crise.

Diante do levantamento do GLOBO de que em um ano a ministra fez pelo menos 30 viagens para promover 43 obras do PAC, Rodrigo Maia disse que é preciso cruzar agendas e saber se a ministra também está participando de eventos eleitorais.

- Vou apresentar requerimento para saber quem está pagando as viagens e se ela está usando os voos só para agenda oficial ou se há agenda política - disse Rodrigo Maia, para quem as viagens oficiais podem não ser ilegais, mas estão sendo usadas para fins políticos.

- Cada momento deve servir como mais uma informação para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgar nossa consulta (sobre a participação da ministra em encontro de prefeitos) e quais os limites necessários para que o dinheiro público não seja instrumento de pré-campanha. A campanha eleitoral foi antecipada.

Já o líder José Aníbal disse que o PAC está parado, com execução dos recursos do Orçamento Geral da União de 0,6% em 2009 e que as viagens servem apenas para a ministra se tornar conhecida. Segundo o governo, 45% das obras do PAC ficam prontas entre 2009 e 2010.

- Há intenção de fazer campanha, porque o PAC está parado. Em vez de mãe do PAC, ela vai acabar como madrasta do PAC. É toda uma estrutura (para viagens) que não é barata.

Para o governo e o PT, a ministra está cumprindo suas funções como gestora do PAC. O partido considera natural que ela participe de uma agenda política depois dos compromissos oficiais. No último dia 2, em Campinas (SP), Dilma participou de encontro com prefeitos da região, visitou obra relacionada ao PAC e, à noite, teve encontro com 500 petistas. Segundo o presidente do PT, Ricardo Berzoini (PT-SP), isso não fere a legislação. Outro argumento é o de que os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) estão em pré-campanha pelo país, pelo PSDB.
- Então a ministra não pode encontrar as pessoas? Dilma está cumprindo sua obrigação como ministra. A campanha vai começar no ano que vem, e aí eles vão ver o que é campanha. Imagina se o Serra vai a Minas e não se reúne com as pessoas - alfinetou o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP).

- Ela (Dilma) tem que trabalhar! A campanha é daqui a dois anos, ela já não vai mais trabalhar (a partir de agora)? - indagou o ministro das Relações Institucionais, José Múcio.

Juristas ouvidos pelo GLOBO afirmam que o calendário eleitoral começa em julho de 2010 - quando têm início as restrições - e que é preciso analisar caso a caso para saber se uma viagem teve como propósito maior a agenda oficial ou a política.

Crimes cometidos por sem-terra continuam à espera de julgamento

Felipe Recondo
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Lentidão do Judiciário deixa sem solução casos de assassinato, lesão corporal e destruição de propriedade

Estão à espera da Justiça os processos mais polêmicos contra integrantes de movimentos de trabalhadores sem-terra acusados de crimes, como assassinatos, destruição de propriedade, formação de quadrilha, porte de arma e lesão corporal. Os casos emblemáticos de invasões violentas praticadas por integrantes de grupos como Movimento dos Sem-Terra (MST), Via Campesina e Movimentos pela Libertação dos Sem-Terra (MLST) caminham a passos lentos no Judiciário.

As críticas que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, fez ao governo por repassar verbas públicas ao MST e ao Ministério Público por supostamente não coibir as irregularidades podem, portanto, estender-se à própria Justiça.

Um dos casos mais graves envolvendo o MST, o assassinato do policial militar de Pernambuco Luiz Pereira da Silva, em 2005, permanece à espera de julgamento pelo Judiciário do Estado - o Ministério Público denunciou os suspeitos por homicídio triplamente qualificado. O processo seria julgado em Quipapá (PE), local onde o crime foi cometido, mas o júri decidiu remetê-lo para a capital Recife (PE) em dezembro do ano passado. Na semana passada, o processo ainda aguardava a distribuição no Fórum da capital pernambucana.

INVASÃO

Outro caso antigo que está longe de ser julgado é a invasão e depredação da Câmara dos Deputados, liderada em 2006 por integrantes do MLST. O MP denunciou mais de 100 envolvidos no episódio - entre eles o ex-secretário de Mobilização do PT Bruno Maranhão - por lesões corporais, crimes contra o patrimônio e formação de quadrilha. O processo tramita na 10ª Vara Federal em Brasília desde então e ainda está distante de um veredicto.

No Rio Grande do Sul, a destruição do viveiro da empresa Aracruz Celulose levou o MP a denunciar 36 dos envolvidos por dano qualificado, furto qualificado, formação de quadrilha, sequestro, cárcere privado e lavagem de dinheiro. Também nesse caso, a justiça ainda precisa decidir se condena ou não os denunciados.

De acordo com um dos advogados que defende integrantes do MST, Juvelino Strozake, de 1995 para cá, 650 processos penais foram abertos pelo País contra sem-terra. Desse total, afirma o advogado, em 95% dos casos eles são absolvidos. "Os casos mais emblemáticos foram o de José Rainha, acusado de participar de um homicídio no Espírito Santo. Foi absolvido", exemplifica.

José Rainha Júnior foi acusado da morte de um fazendeiro e de um policial em 1989, na cidade de Pedro Canário, no Espírito Santo. O líder sem-terra foi condenado inicialmente a mais de 26 anos de prisão. Ele recorreu da decisão, pediu a mudança do local de julgamento e acabou absolvido.

Um dos poucos casos em que já houve condenação de integrantes do MST foi o assassinato do policial Valdeci Lopes, em Porto Alegre, ocorrido na década de 90. Quatro militantes do MST foram condenados pelo assassinato, cumpriram a pena imposta pela Justiça e já estão em liberdade.

DO OUTRO LADO

Os processos em que seguranças de fazenda ou policiais são acusados da morte de sem-terra têm, geralmente, o mesmo destino: ficam por anos parados na Justiça. "Em todos os casos de mortes de trabalhadores os mandantes e executores estão em liberdade", disse o advogado do MST.

O processo contra os responsáveis pelo massacre de Eldorado do Carajás (PA), em que 19 integrantes do MST foram mortos em 2006, ainda corre na Justiça. Dois comandantes dos batalhões, o Coronel Mario Colares Pontoja e o Capitão Jose Maria Pereira de Oliveira, foram condenados. Porém, estão em liberdade à espera do julgamento de seus recursos.

A demora no julgamento de todos esses processos levou o ministro Gilmar Mendes, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a recomendar que os tribunais brasileiros priorizem o julgamento de ações que envolvam conflitos fundiários. "Na verdade, temos de sempre eleger prioridades", justificou Mendes, também presidente do Supremo Tribunal Federal. "Esta é uma questão que está se acumulando, que está se adensando, e que muitas vezes gera, maximiza conflitos. Daí a necessidade de que nós tomemos essas iniciativas", concluiu o ministro.

Meta tucana é lançar um único candidato por Estado, seja ele do PSDB, DEM ou PPS

Da Sucursal de Brasília
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Se em 2006 a falta de palanques tucanos dificultou a campanha de Geraldo Alckmin à Presidência, para 2010, a sigla já se movimenta para consolidar apoios e evitar a dispersão entre partidos coligados e diretórios regionais.

A meta do PSDB é lançar um único candidato por Estado, seja ele tucano, do DEM ou do PPS. O ideal seria atrair também o PMDB. Porém, a prioridade ainda é evitar constrangimentos, como o que aconteceu em 2006, quando o PSDB baiano se juntou ao PT do hoje governador Jaques Wagner e derrotou Paulo Souto (DEM), que dividia palanque com Alckmin.

O Rio de Janeiro é outro exemplo apontado como "perigoso" para os tucanos. O atual prefeito do Rio e que fazia parte da tropa de choque do partido, Eduardo Paes, migrou para o PMDB antes de se eleger. A alternativa do PSDB no Estado é tentar viabilizar um acordo com o deputado Fernando Gabeira (PV), que foi derrotado na eleição de 2008, apesar de ele não ser garantia de palanque ao candidato tucano, qualquer que seja o escolhido.

Outro exemplo de preocupação é com o Espírito Santo. Lá, o PSDB apoia o governador Paulo Hartung (PMDB), mas pensa em lançar o deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB) para sua sucessão. "Sabemos da dificuldade [de eleger Lucas], mas não queremos depender só do governador, devido à proximidade dele [Hartung] com Lula", diz Castro.

Do outro lado -de locais com candidatos naturais- está, por exemplo, o Paraná. No Estado, a preocupação é evitar um racha no partido com duas pré-candidaturas, a do senador Álvaro Dias e a do prefeito de Curitiba, Beto Richa.

O partido pode se considerar tranquilo com relação aos palanques em Alagoas, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Roraima, São Paulo e Santa Catarina. O Paraná, apesar da duplicidade de candidatos, também tem cenário positivo para o partido.

Obama começou bem

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


O novo Orçamento dos EUA prevê elevação de impostos para os ricos e reduz tributos para o resto da população

DESDE O outubro negro de 2008, todas as notícias econômicas são de uma crise que se espalha, mas as piores continuam a vir dos Estados Unidos. Não é surpreendente porque foi esse país que mergulhou mais fundo no neoliberalismo e na financeirização -as duas distorções mortais de um capitalismo que podia ser mais civilizado, um capitalismo que, nos 30 anos após a Segunda Guerra Mundial, sob a liderança desse mesmo país, havia demonstrado ser compatível com estabilidade, crescimento, desconcentração da renda. Talvez por isso na semana passada minha mulher, Vera, lendo mais uma má notícia, comentou: "É triste ver os Estados Unidos, um país que já contribuiu tanto para o progresso da humanidade, encontrar-se em situação tão difícil".

Não importa saber agora por que ocorreu essa reversão do destino, quais foram os erros cometidos, mas reconhecer quão importante são os Estados Unidos para a ciência, para a cultura e para a economia do mundo e torcer por seu povo. Mais especificamente, torcer por seu novo presidente. Creio que hoje esse é um sentimento universal que não decorre de eventual generosidade das pessoas, mas do fato de que um governo mais democrático, mais competente e mais bem-sucedido nos Estados Unidos beneficiará todo o mundo. Por isso, estamos acompanhando os passos de Barack Obama. E, por isso, eu me alegro ao verificar que ele está começando bem seu governo.

Sei bem que essa é uma avaliação subjetiva que pouco vale, mas já existem fatos concretos. O primeiro foi o grande pacote fiscal de US$ 780 bilhões que ele já logrou aprovar no Congresso.

Dessa forma, reconheceu sem hesitar que neste momento o estímulo fiscal é a prioridade. É verdade que os republicanos lograram prejudicar a política ao substituir o aumento de gastos direcionados para um aumento das isenções de impostos que beneficiam os ricos. Mas em compensação o presidente logrou incluir em seu pacote fiscal o perdão parcial das dívidas hipotecárias que deram origem à crise -uma medida que ataca a origem mais direta da crise.

A grande virada de política econômica deste início de governo, porém, foi a proposta de Orçamento. Depois de quase 30 anos de neoliberalismo, de reduzir sistematicamente os impostos dos ricos e de caminhar na direção de uma taxa única de Imposto de Renda, vimos agora uma guinada decisiva na direção oposta. Conforme informou David Leonhardt, do "New York Times", o novo Orçamento prevê forte elevação dos impostos sobre os ricos, para além do patamar para o qual Bill Clinton os elevara, enquanto reduz os tributos sobre o resto da população para menos do que estavam sob Clinton e George W. Bush. Propôs cerca de US$ 100 bilhões por ano de aumento dos impostos sobre os ricos -em sua maioria adiados até 2011, quando se presume que a recessão terá terminado- e US$ 50 bilhões por ano em cortes líquidos para os não-ricos. Além disso, o Orçamento é um caminho na direção de mudanças amplas na política de saúde, de educação e de proteção do ambiente. Dessa forma, Obama está sendo fiel a seus compromissos de campanha e dando esperança para o mundo.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Ronaldo Fenômeno e a literatura fantástica

Juca Kfouri
Comentário para o jornal da CBN

Gabriel García Márquez, em sua infinita criatividade, nem em seu extraordinário "Cem anos de solidão" foi capaz de imaginar situações como as vividas por dois brasileiros.

Por mais que o Brasil não tenha nenhum escritor que se inscreva no topo da literatura fantástica latino-americana, o país é pródigo em ser mais fantástico que a literatura.

Que outro país, por exemplo, tem um episódio como o de Tancredo Neves, o presidente que foi sem jamais ter sido?

E que outro país tem um ídolo como Ronaldo.

Depois de ter desafiado a realidade duas vezes, eis que ontem ele foi personagem de acontecimentos que beiram não só o fantástico, mas como, também, o surreal.

Entrou em campo num jogo aparentemente perdido para mudá-lo da água para o vinho, em apenas 31 minutos e cinco participações impressionantes.

Sofreu uma falta clara não marcada na entrada da área, deu um drible desconcertante num adversário, mandou um balaço no travessão do Palmeiras, deu um passe da linha de fundo para quase o empate corintiano, e, para coroar, marcou de cabeça, nos acréscimos o gol da vitória, da sua vitória.

O que será daqui para frente ao futuro pertence.

Mas o que já aconteceu em Presidente Prudente é suficiente para dizer que ele não é desse mundo.

Porque ninguém como Ronaldo tem sido capaz de fazer o real parecer um sonho ou fazer de um sonho realidade.

Como a morte de Tancredo Neves, a vida de Ronaldo confunde o que é verossímil com o inverossímil.

Amanhã, quando alguém contá-la, se não estiver muito bem documentada, haverá quem diga que é exagero.

Ainda bem que a vida dele em campo está toda gravada.