quarta-feira, 15 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“Não sofremos de cretinismo parlamentar, porém há alguns que sofrem do cretinismo antiparlaementar. Consideramos o parlamento como uma instituição essencial da vida política italiana, não só hoje, mas, também, na fase de transição ao socialismo e no curso de sua construção.”

(Enrico Berlinguer, ex-secretário do Partido Comunista Italiano, no artigo “Reflexiones sobre Itália despues de los hechos de Chile” – do livro “El compromiso histórico, pág. 273 – Editorial Grijalbo, Barcelona , 1978)

Limites

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Sei que o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) não teve a intenção de levantar o debate sobre o fechamento do Congresso, mas, ao contrário, destacar o prejuízo que tal medida acarretaria à democracia, mesmo que aprovada por um plebiscito.

Sua infelicidade ao abordar tal tema delicado foi provocada pelo anseio de defender a instituição da qual faz parte, e a democracia pela qual luta, preocupado com as denúncias seguidas.

Parece até brincadeira, mas a cada dia aparece um caso mais esdrúxulo de uso do dinheiro público por nossos congressistas.

Agora é o deputado F á b i o F a r i a ( P M N R N ) , que, de acordo com o site Congresso em Foco, usou sua cota de passagens de avião para bancar a viagem de atores que foram participar do carnaval for a d e é p o c a e m N a t a l , além de pagar sete viagens para a ex-namoradora, a apresentadora de TV Adriane Galisteu, e a mãe dela, Emma Galisteu, entre 2007 e 2008, inclusive para Miami.

Faria admitiu corrigir algumas “falhas burocráticas”, e restituiu o valor das passagens dos artistas, mas alegou que, na ocasião, Adriane Galisteu era sua companheira, e por isso tinha direito às passagens.

Os casos se sucedem sem que se discuta o cerne da questão, que é a noção de limites para o uso de verba pública. Para início de conversa, o orçamento deveria ser feito de acordo com os gastos, e não os gastos de acordo com o orçamento.

O teto da verba orçamentária a que a Câmara e o Senado têm direito não deveria ser utilizado se não houvesse necessidade. Em ano de orçamento gordo, quando a economia cresce, a verba cresce também, provocando gastos desnecessários, que depois têm que ser mantidos, como as diversas “diretorias” ou “conselhos”.

O presidente da Câmara, deputado Michel Temer, por exemplo, acha que a questão deve ser resolvida “pelo juízo” de cada deputado, a mesma posição que a Mesa do Senado tomou quando os desmandos de lá foram denunciados.

A primeira questão deveria ser definir claramente que a cota não pertence a nenhum deputado ou senador, mas ao Senado e à Câmara, que têm obrigação de zelar pelo seu gasto.

Ao contrário do que suas excelências dizem, essas questões não deveriam ficar a juízo dos parlamentares, mas, sim, serem regidas por regras claras para evitar esses mal-entendidos que, invariavelmente, afetam os cofres públicos.

Não há notícias de que deputado ou senador tenha se enganado contra seus próprios bolsos. E são raros e honrosos os casos dos que não se utilizam da tal verba indenizatória, cujo gasto também é suscetível a interpretações duvidosas. O mais grave é que a perda da noção do que é certo ou errado atinge parlamentares sérios, sem distinção de partidos ou estados.

Se houvesse um limite formal para a utilização de passagens aéreas ou do telefone celular, o que hoje é visto como privilégio poderia ser facilmente entendido como um instrumento de trabalho, tanto quanto o computador que os congressistas utilizam.

Qualquer empresa privada dá um limite para o uso de telefone celular, além do qual o empregado é responsável. Por que deputados e senadores têm que ter acesso ilimitado o c e l u l a r p a g o p e l o C o ngresso? Com um gasto médio de R$ 6 mil por mês, uma exorbitância facilmente comprovável pela comparação com os valores gastos por executivos de empresas privadas, senadores estão claramente abusando de suas prerrogativas.

Por que deputados e senadores têm que ter o tíquete mais caro que existe na praça, em vez de Câmara e Senado negociarem preços mais baixos com as companhias aéreas, como faz qualquer empresa privada, usando como pressão o enorme movimento que normalmente têm? Da mesma maneira, as passagens de avião deveriam ser de uso restrito do parlamentar, e talvez extensivas à família direta, isto é, mulher ou marido e filhos (não estou certo onde deveria ser feito o corte do direito) e, se não utilizadas, deveriam ser devolvidas ao Congresso, e não dadas a parentes, amigos, correligionários ou até mesmo jornalistas.

Não acho, por exemplo, que haja algum abuso em ter um plano de saúde para deputados e senadores e suas famílias que cubra todos os custos de um tratamento ou internação, desde que fique claro que a negociação com o plano de saúde obedeceu a critérios rigorosos e a uma licitação pública.

O que tem que haver é um critério rígido para que o plano não seja usado fora dos padrões normais de empresas ou outras instituições.

Acho também que os salários de deputados e senadores não são abusivos, pelo contrário, mas a verba indenizatória foi uma manobra para aumentá-los que acabou trazendo mais problemas que soluções.

Esses R$ 15 mil mensais, que hoje os deputados e senadores recebem sem pagamento de imposto, deveriam simplesmente ser incorporados aos salários, mesmo que fosse preciso aumentar mais os salários para compensar o imposto que passaria a ser pago. A regra deveria ser cada parlamentar receber um salário mensal compatível com suas responsabilidades, com o menor número possível de penduricalhos.

Essas medidas são de difícil adoção, é certo, mas obedecem ao bom senso comum, e esbarram no espírito corporativista dos integrantes do Congresso, que veem nas críticas aos abusos uma orquestração “da mídia” contra a instituição do Congresso.

Fingem não ver que o que denigre a imagem de políticos diante da opinião pública é a série de usos abusivos do dinheiro público, e não a sua revelação.

Abandonado na pista

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Juntem-se as provas de que a Operação Satiagraha produziu estoque de material paralelo à investigação sobre o banqueiro Daniel Dantas; acrescente-se a elas a confirmação do delegado Protógenes Queiroz de que agiu para atender a interesse da Presidência da República; a esses dois fatos adicione-se a recusa do ex-chefe da Abin Paulo Lacerda de voltar à CPI dos Grampos para explicar os detalhes obscuros da operação.

Não é necessário expertise de estrategista, basta somar e aplicar rudimentos da lógica mais elementar para perceber nitidamente a existência de uma situação no aparelho de Estado, no mínimo, mal contada e, no limite, altamente suspeita.

O delegado Protógenes, verdade seja dita, não é hoje o personagem mais digno de fé da República, dada a quantidade e variedade das idas e vindas nas versões por ele apresentadas sobre sua atuação como chefe da Operação Satiagraha.

Se visto como louco ou incapaz, mentiroso ou vingativo, candidato a salvador da pátria ou oportunista explorador da utopia alheia, suas palavras, isoladamente, não seriam dignas de crédito.

O problema é que o que o delegado Protógenes diz em boa medida encontra sustentação nos indícios recolhidos pela Polícia Federal na investigação sobre a atuação dele à frente de uma operação montada para capturar um banqueiro acusado de usar métodos empresariais escusos e que acabou relevando a manipulação oficiosa do aparato oficial de segurança. Ainda não se sabe exatamente por ordem de quem e para atingir quais objetivos.

Fato é que um delegado recebeu salvo-conduto para agir livremente ao arrepio da hierarquia, teve à disposição recursos abundantes, contratou agentes no submundo da arapongagem originária do antigo SNI, arquivou em casa material recolhido em escutas ilegais sobre pessoas que nada tem a ver com o objeto do inquérito em si, distribui ilegalmente senhas de acesso a equipamentos de uso restrito e, de repente, esse mesmo delegado passa a ser tratado como fosse uma deformação nascida e criada por geração espontânea, sob a qual ninguém tem responsabilidade, cujos métodos heterodoxos e atitudes fundamentalistas são condenadas.

Não obstante inverossímil, essa versão da história tem sido tacitamente aceita. De um lado por aqueles com dificuldade de raciocinar sem o maniqueísta instrumento da divisão entre o bem e o mal - Protógenes como a encarnação do santo guerreiro e Daniel Dantas no papel de dragão da maldade. De outro, pelos que deixaram o delegado "abandonado na pista" quando as coisas começaram a dar errado.

Mal comparando, como os militares encarregados de explodir a bomba no Riocentro depois de o artefato explodir no colo deles.

Até o depoimento do delegado semana passada na CPI, a história pôde vingar. Protógenes calou sobre qualquer coisa que pudesse incriminá-lo, não confirmou nem desmentiu depoimentos anteriores.

Mais eis que ontem o repórter Vasconcelo Quadros publica no Jornal do Brasil uma entrevista do delegado em que ele retoma primeira versão contada ao Ministério Público do Distrito Federal, segundo a qual atuou em "missão presidencial" sob a coordenação direta do então diretor-geral da Polícia Federal e depois chefe da Agência Brasileira de Inteligência, Paulo Lacerda.

Para demonstrar a veracidade do que diz, convida o público a "prestar atenção na estrutura que colocaram à minha disposição".

E reforça: "Por que me dariam essa estrutura se não houvesse interesse do governo? O que não consigo entender é por que as coisas mudaram de uma hora para outra. As investigações voltaram-se contra o investigador."

Reclamou de ter sido deixado "sozinho" e queixou-se da mudança de atitude de Paulo Lacerda. Antes, o recebia sempre para orientar sobre o andamento da investigação. Depois que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, denunciou ter sido grampeado ilegalmente e estar sendo alvo de tentativa de constrangimento moral, Lacerda foi exonerado, promovido a adido policial na embaixada brasileira em Lisboa e afastou-se de Protógenes.

"Ele me recebeu por apenas 15 minutos e fez questão de encerrar logo a conversa", contou o delegado ao JB.

Por que externar a mágoa depois de ter calado na CPI? Policial experiente, bem-sucedido em várias operações contra criminosos de colarinho-branco, sabe, sim, por que as "investigações se voltaram contra o investigador".

Porque ele cometeu ilegalidades e quem deixou que fossem cometidas não queria se associar ao executor das ações subterrâneas na hora da adversidade.

Há, portanto, um dilema posto: ou bem o delegado Protógenes mente e delira e, sendo assim, não cabe no figurino de salvador do Brasil ou sabe o que diz.

Nessa hipótese, está dizendo ao País que o Estado dá guarida a grupos que atuam ao arrepio dos controles sociais e institucionais, em nome de fins incertos, mediante meios que não se justificam, pondo em risco a democracia e fazendo letra morta de profissões de fé de intenções republicanas.

Estado de conflagração

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O ministro Luiz Dulci, secretário geral da Presidência da República, único sobrevivente do núcleo de comando do país que está no poder desde o início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contesta informação aqui publicada sobre ter o presidente, finalmente, pacificado o PT de Minas Gerais, assolado por sectarismo, desde sempre, e radical divisão interna, desde as eleições para a escolha do prefeito da capital no ano passado. Nesta disputa, a mais recente, os ministros Dulci e Patrus Ananias, do governo federal, divergiram do então prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, que levou o partido a integrar a chapa encabeçada pelo candidato vencedor, Márcio Lacerda, do PSB, aliado nacional e estadual do PT.

Como o governador Aécio Neves (PSDB), embora impedido de formalizar a coligação, apoiava Lacerda, Dulci e Patrus mantiveram a dissidência das decisões em Minas e travaram uma disputa particular com Pimentel, na cidade e na direção do PT. Perderam, Pimentel conduziu a campanha municipal ao lado de Aécio, em favor de Lacerda, e, terminado seu mandato, foi o primeiro a ser chamado pelo presidente Lula a Brasília para integrar o grupo de formulação de estratégias para a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República.

A radicalização volta à tona porque tanto Patrus como Pimentel são potenciais candidatos a ser o candidato do PT ao governo do Estado. A informação corrente na assessoria do presidente Lula é que ele já teria enquadrado Dulci, argumentando que ministro do governo não pode se entregar à campanha fratricida como se entregaram, tanto ele quanto Patrus, durante as eleições municipais. Desta vez, a prejudicada poderá ser a candidata à sua sucessão, Dilma Rousseff.

Luiz Dulci descrê da informação e combate a avaliação. Diz que não foi enquadrado, continua a apoiar Patrus Ananias para o governo do Estado, e sua posição sobre o que o PT deve fazer em Minas não mudou. Admite, porém, que o presidente Lula quer o diálogo, a unidade, mas não disse que a unidade "deve ser com fulano ou beltrano".

Para o secretário-geral da Presidência, é possível chegar a uma "posição unitária", mas há ainda muito a caminhar até lá: se houver prévia no PT, será no ano que vem; antes, tem a eleição para a presidência do partido (está correndo praticamente sozinho, sem concorrente, o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho), e, por fim, "a opinião do presidente Lula conta muito, e até agora não o vi se manifestar". Ao contrário de outras autoridades que também privam da proximidade com Lula.

Dulci informa que na campanha do ano passado visitou 53 cidades de Minas e este ano tem ido também participar de encontros com o PT: "Já me reuni com mais de 200 companheiros, presidentes de diretórios, prefeitos, deputados estaduais, deputados federais, lideranças do partido, e só reforcei minha convicção de que o Patrus é o que mais une os diferentes setores do PT e, sobretudo, o que mais une os partidos da base do presidente Lula em Minas Gerais.

Neste caso da base, assegura Luiz Dulci, Patrus é "o único que pode unir". Os partidos lulistas não seguiriam Fernando Pimentel, segundo o ministro, por causa da experiência que tiveram, tanto o PMDB, como o PRB e o PCdoB, na disputa pela prefeitura, quando acabaram lançando outros candidatos.

Mas como haverá esta união dos aliados em torno do PT se, por exemplo, Hélio Costa, do PMDB, está em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para o governo de Minas e o PT não cogita apoiá-lo? O ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência ainda não sabe, mas acha que a candidatura do PMDB não é líquida e certa como se imagina, apesar da vantagem. "Não sei se Hélio Costa vai se candidatar. Ele já esteve na frente outras vezes e não se candidatou.

Sobre o PSB, partido da base de Lula que fez o contestado prefeito de Belo Horizonte em 2008, Dulci desdenha.

Acha que, em Minas, o PSB é ligado a Aécio, e "ninguém acha que o PSB está governando a prefeitura de Belo Horizonte; não sei nem se tem algum secretário do PSB; sei que tem pessoas ligadas ao prefeito, ligadas ao ex-prefeito (PT) e ao governador de Estado".

Acredita o ministro da Presidência que Patrus também ainda vai crescer nas pesquisas quando voltar a dedicar-se à campanha no Estado. Como também crê que crescerá o apoio a Antonio Anastasia, vice-governador por enquanto apontado como provável candidato de Aécio à sua sucessão. Este crescimento se dará tirando votos de outros candidatos, mas "não de Patrus", diz Dulci. A seu ver, o quadro em Minas é muito preliminar, "tem muito recall".

Entre as incertezas admite que se Hélio Costa for candidato, o PT terá que fazer uma aliança sem o PMDB. Aceita também que, sendo Patrus o candidato a governador, Fernando Pimentel queira ser candidato a senador. Opção em que concorreria com Aécio a uma das duas vagas para o Senado pois, na previsão do ministro, este é um caminho natural para o governador de Minas.

"Não há nenhum Estado com uma situação tão indefinida quanto Minas", testemunha. E com uma divisão interna, dentro da mesma facção partidária, o antigo campo majoritário, tão radicalizada.

Berlinda

O Ministério da Fazenda está dividido sobre o que fazer com o superávit primário das contas públicas neste ano de crise. O secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, defende a redução da meta de 3,8% para 3,3% do PIB (com a inclusão do PPI, o que na prática significa fazer um superávit de 2,8%). Barbosa sugere também o anúncio imediato da mudança, que precisa ser feita por meio de um instrumento legal. Já o ministro Guido Mantega defende a manutenção da meta já definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano passado. Nesta hipótese, se a realidade mostrar que é impossível cumpri-la, o governo faria a mudança mais adiante. O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, é mais radical. Se depender dele, a meta não muda um milímetro.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

OS ÚLTIMOS RAIOS

Graziela Melo

Às vezes,
À hora do
Sol poente

Como uma
Alma doente,

Sinto
Uma certa
Euforia...

E como se
Fosse
Aquele,
O ultimo dia,

Corro,
A ver
Os raios
Que seriam

Os derradeiros...

Os momentos
Verdadeiros
Da beleza
Já tardia

De um
Sol,
Em
Agonia!!!


Rio de Janeiro,12/07/2006

Para Aécio, Lula fez pouco caso da crise

César Felício, de Belo Horizonte
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), que tenta viabilizar sua candidatura presidencial dentro do partido, adotou ontem um discurso de tom nacional ao abrir um seminário sobre economia, que reuniu o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Aécio criticou indiretamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao afirmar que demorou-se em perceber " a diferença entre uma marola e um tsunami". No fim do ano passado, Lula disse que a crise, se chegasse ao Brasil, chegaria como uma "marolinha".
"Quando acordamos, um milhão de empregos haviam desaparecido", disse o tucano.

"Temos o dever de fazer uma reforma tributária completa, profunda e definitiva", disse Aécio, pregando ainda uma revisão constitucional para "repensar o pacto federativo", diminuindo a concentração de impostos e decisões nas mãos do governo central. "Devemos considerar um profundo processo de descentralização e racionalização dos gastos, com o controle de gestão do qual Minas está na vanguarda. Esta grandiosa tarefa não pode ser realizada sob a égide da crise.
Esta é a tarefa de fundo para o país que queremos", afirmou Aécio. Ao longo de seus dois mandatos, a equipe econômica de Aécio implantou uma política de controle da gestão por meio do estabelecimento de metas de desempenho, em um processo gerenciado pelo hoje vice-governador Antonio Anastasia. "Gastamos demais com os governos e quase sempre não há recursos suficientes para os investimentos, esses que justamente fazem a roda da economia rolar", disse Aécio.

Aécio procurou descaracterizar o período de Lula na Presidência como uma era de grande crescimento. Segundo o governador, o Brasil alcançou um patamar inédito em reservas internacionais: "Lamento que não tenhamos aproveitado este ciclo de prosperidade para as reformas estruturantes. Crescemos menos que a média dos emergentes. Fomos colhidos pela crise no ápice de uma retomada. Enquanto as despesas de custeio cresceram 74% em seis anos, o crescimento do PIB foi de 28%. Se conseguimos arrecadar mais e melhor, patinamos nos investimentos, que não alcançam nem 1% do nosso PIB. Aqueles que agora estão curso, como os previstos no PAC, precisam ganhar agilidade e realismo. E este patamar só pode ser alcançado se tivermos coragem de descentralizar e compartilhar a gestão com Estados e municípios."

Aécio só abandonou o tom nacional para fazer duas reivindicações: alterar o pagamento da dívida federalizada de Minas com a União, fazendo com que parte dos 13% da receita corrente líquida que o Estado compromete revertesse em investimentos em infraestrutura geridos pelo próprio governo estadual e revogar uma resolução do Conselho Monetário Nacional que impede a aplicação de fundos em desembolsos do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. Ao discursar, o presidente do BC limitou-se a dizer que os pedidos de Minas seriam levados "à instância adequada".

O evento de ontem foi organizado pelo próprio governo mineiro, pela Assembleia Legislativa, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e o jornal "Estado de Minas". Todas estas instituições e a empresa são geridas por aliados abertos de Aécio: o deputado estadual Alberto Pinto Coelho (PP) e os empresários Robson de Andrade e Álvaro Teixeira da Costa.

Lula agora diz que não há por que apertar cinto

Dimitri do Valle
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Há oito dias presidente havia dito o oposto a prefeitos; para petista, a imprensa brasileira é "pessimista"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que os prefeitos que sofreram perdas com os repasses do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) não têm motivo para "apertar o cinto". Há uma semana, em Minas Gerais, Lula havia dito o oposto a uma plateia de prefeitos: "Todos nós vamos ter de apertar o cinto".

Lula fez a nova declaração no Paraná, ao comentar rumores de que prefeitos acharam insuficiente o repasse emergencial de R$ 1 bilhão pelo governo federal para tentar compensar a queda de arrecadação.

"Você toma um remédio de cada vez. Não há razão para o prefeito apertar o cinto, não. Veja, o ano passado foi um ano primoroso de FPM. E nós, num momento de crise, estamos garantindo que nenhum prefeito vá receber menos do que recebeu no ano passado", disse Lula em entrevista, após participar de evento comemorativo dos 110 anos da empresa de papel e celulose Klabin, em Telêmaco Borba (237 km de Curitiba).

Ele afirmou que o repasse, que chegou a cerca de R$ 50 bilhões em 2008, era "uma conquista extraordinária" pelo fato de ter sido o maior repasse do governo aos municípios. "Pergunte a qualquer prefeito se nos últimos dez anos eles receberam a quantidade de recursos dos últimos cinco anos."

Lula disse que, se a queda na arrecadação persistir, os prefeitos continuarão a ser atendidos.
"Iremos fazer a reposição mês a mês porque não queremos que o governo esteja bem e os prefeitos estejam mal."

O oposto do que Lula disse ontem, sobre os prefeitos não terem motivo para apertar o cinto, foi dito por ele há oito dias, em evento em Minas Gerais. Na ocasião, ele declarou, a uma plateia que incluía prefeitos, que "todos vamos ter de apertar o cinto, mas nenhum vai morrer na seca, como muitos municípios já morreram".

Sobre a crise, Lula disse ontem, em discurso, que "50% do resultado da crise é um pouco de pânico que tomou conta da sociedade". "Precisamos fazer a sociedade acreditar que pode comprar aquilo que é essencial sem precisar se endividar."

Ele voltou a criticar a imprensa brasileira, dizendo que suas abordagens são "pessimistas", em comparação com a visão da mídia estrangeira. "Uma [imprensa estrangeira] está vendendo otimismo sobre o nosso país e a outra [brasileira] está vendendo pessimismo."

No entanto, disse ele, "possivelmente nenhuma esteja totalmente certa ou totalmente errada". Lula afirmou que não lê jornais pela manhã. "Não me peçam para fazer [ler jornal] porque senão a azia explode."

Em 10 de fevereiro, em evento com prefeitos, ele já havia criticado a imprensa e dito que o povo não era "marionete". No dia seguinte, negou que estivesse bravo com a mídia, que, segundo ele, escreve "verdades".

A democracia hoje

André Hees
DEU EM A GAZETA (ES)

Dois cientistas políticos, um norte-americano e um alemão, escreveram um ensaio interessante para a nova edição da revista "Foreign Affairs" (março e abril de 2009), em que sustentam que as sociedades só se tornam democráticas sob determinadas condições culturais. Mas o desenvolvimento econômico tende a moldar essas condições, e a democracia está se consolidando no mundo como o melhor regime para as sociedades industriais, apesar do retrocesso verificado em alguns países e das críticas de alguns observadores, céticos quanto ao futuro das liberdades civis no mundo atual.

Ronald Inglehart é professor de Ciência Política da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e Chirstian Welzel é professor da Jacobs University Bremen, da Alemanha. Em artigo com o título "Como o Desenvolvimento Leva à Democracia", eles sustentam que a modernização sempre abre caminhos para que a sociedade construa as suas instituições democráticas, considerando a história e a cultura características de cada nação - modernização é entendida aí como uma série de mudanças sociais ligadas à industrialização.

"Uma vez que o processo é deslanchado, ele tende a influenciar todos os aspectos da vida, trazendo qualificação e especialização profissional, urbanização, elevação do nível educacional, aumento da expectativa de vida e crescimento econômico. Esse processo, por sua vez, estabelece um ciclo virtuoso, com a transformação da vida social e das instituições políticas, com a participação das massas na política. E, no longo prazo, isso torna mais provável o surgimento de instituições políticas democráticas", afirmam os autores.

O que mostra a história? Com a derrocada do comunismo, diversos países no mundo inteiro fizeram a transição de regimes autoritários para a democracia, principalmente entre os anos de 1985 e 1995. Isso aconteceu tanto no bloco soviético como na América Latina, incluindo o Brasil.

Mais recentemente, porém, houve retrocessos em diversos países, como Rússia, Venezuela, Filipinas e Nigéria. Também fracassou a tentativa do Governo Bush de implantar a democracia no Iraque e no Afeganistão - a intervenção americana, nesses casos, só mergulhou as nações no caos.

Esses acontecimentos, somados à retomada de poder militar e influência política da Rússia e da China, no cenário internacional, têm levado muitos observadores a afirmar que a democracia teria atingido seu limite. Seu futuro no mundo estaria ameaçado. Há controvérsias.

Os professores Ronald Inglehart e Chirstian Welzel argumentam que, ao longo da história, o caminho rumo à democracia sempre foi marcado por altos e baixos. Ela avança em espasmos, como ondas. Nos últimos cem anos houve três grandes ondas: a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra e a Guerra Fria. Depois de cada um desses grandes conflitos houve um avanço no número de democracias no mundo, seguido de um retrocesso. Mas mesmo com esses retrocessos o número de democracias nunca recuou ao patamar anterior.

Assim, no início do século XX, podia-se contar nos dedos o número de democracias no mundo. E hoje em dia existem cerca de 90 Estados que podem ser considerados democráticos, com instituições em maior ou menor grau de eficácia.

A construção da democracia, contudo, não é um processo linear. Ela depende da herança histórica e cultural de cada nação, e está sujeita a pontos de inflexão. Graves crises econômicas podem causar retrocessos, como aconteceu na Grande Depressão de 1929, na Alemanha, Itália, Japão e Espanha. (Nesse período, a partir de 1937, o Brasil enfrentou o Estado Novo de Vargas). A crise atual, portanto, pode agravar a xenofobia e o autoritarismo.

A tese central da teoria da modernização, contudo, é que o desenvolvimento tecnológico e econômico promove um conjunto de mudanças sociais, culturais e políticas. Essas mudanças alteram o papel da religião na sociedade, a motivação das pessoas para o trabalho, as taxas de natalidade, o papel do homem e da mulher, a conduta sexual.

O crescimento econômico exige investimento em capital humano, em qualificação profissional. Com a ampliação de uma classe média educada, constituída por pessoas habituadas à liberdade de pensamento, crescem também a cobrança em relação às elites e a pressão popular por instituições democráticas. Tudo isso junto favorece o surgimento da democracia liberal - "o sistema político mais eficiente para sociedades industriais avançadas".

Os autores afirmam que o crescimento econômico na China já provocou mudanças nas estruturas da sociedade que, com o tempo, podem tornar a repressão ineficaz, inclusive do ponto de vista econômico. Eles criticam também o embargo comercial dos Estados Unidos a Cuba, e avaliam que, se o objetivo é minar o regime autoritário local, a estratégia mais eficiente seria permitir a integração econômica com o resto do mundo.

André Hees é jornalista

Cresce total de filiados a sindicatos no Brasil

Claudia RolliFátima Fernandes
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O número de trabalhadores filiados a sindicatos no país aumentou 13% de abril a dezembro do ano passado e passou de 4,285 milhões para 4,838 milhões de pessoas, aponta levantamento do Ministério do Trabalho.

Segundo especialistas, o crescimento se explica pela alta no total de empregos com carteira assinada e por uma acirrada disputa entre as centrais para filiar sindicatos e obter mais recursos do imposto sindical


Em 8 meses, 553 mil entram em sindicatos

Segundo dados do Ministério do Trabalho, 4,838 milhões de empregados estão associados a um sindicato no Brasil

Maior número de empregos formais e disputa entre as centrais sindicais explicam crescimento; CUT é a que mais ganha filiados

O número de trabalhadores filiados a sindicatos no país cresceu 13% de abril a dezembro do ano passado, passando de 4,285 milhões para 4,838 milhões, segundo último levantamento do Ministério do Trabalho (MTE). No período de oito meses, 553.362 trabalhadores se associaram a sindicatos.

A expansão da sindicalização é reflexo do aumento no número de empregos com carteira assinada (foi aberto 1,452 milhão de vagas no Brasil em 2008) e da disputa acirrada entre as centrais sindicais para filiar mais sindicatos, provar representatividade e assim receber parte maior do imposto sindical (o equivalente a um dia de salário do trabalhador).

Para ter direito aos recursos do imposto sindical, a lei nº 11.648, que reconheceu as centrais, em março de 2008, determina que elas comprovem um mínimo de representatividade -no mínimo 5% dos trabalhadores têm de ser sindicalizados. Em 2008, seis centrais receberam, juntas, R$ 62,968 milhões.

"É significativo esse aumento de meio milhão de trabalhadores no número de sindicalizados constatado pelo MTE. Como a atividade econômica estava aquecida, o trabalhador teve renda para bancar sua filiação e contribuir pagando a mensalidade a um sindicato", diz Clemente Gaz Lúcio, diretor-técnico do Dieese.

O que chamou a atenção do especialista foi o crescimento no número de sindicalizados à CUT e do número de sindicatos que se filiaram à Força Sindical.

A CUT, ligada ao PT, aumentou em 244 mil o seu número de filiados e em 54 o número de sindicatos associados. A Força filiou 206 sindicatos entre abril e dezembro de 2008 e 105,5 mil pessoas. "O mais importante é ter filiados. Não adianta ter muitos sindicatos que representam poucos trabalhadores", diz Dari Krein, pesquisador e professor da Unicamp.

No levantamento do ministério, o número de sindicatos independentes (sem filiação) caiu no período avaliado. Passou de 4.170 para 3.675.

Para chegar ao número de 4,838 milhões de trabalhadores sindicalizados, o Ministério do Trabalho considerou as informações enviadas pelos sindicatos que se cadastraram no CNAES (Cadastro Nacional de Entidades Sindicais) por meio de um sistema informatizado, disponível no site do MTE (www.mte.gov.br). Esses sindicatos representam cerca de 19,728 milhões de trabalhadores. Na etapa seguinte, os sindicatos enviaram documentação comprovando as informações declaradas para que o MTE pudesse auferir esses dados.

O número de sindicalizados no Brasil (4,838 milhões segundo o MTE) equivale a 25% do total de trabalhadores que estão na base total dos 19,7 milhões de empregados representados pelas centrais sindicais, mas não necessariamente filiados a um sindicato.

Se o número de sindicalizados constatado pelo MTE (4,838 milhões) for comparado ao total de trabalhadores com carteira assinada no país (38,578 milhões pela Pnad de 2007), esse percentual de sindicalização é menor: 12,54%.

Para Krein, da Unicamp, a ampliação do número de sindicalizados no país é "positiva" principalmente "no momento de crise que estamos vivendo". "São as centrais que apresentam mais condições de colocar em debate na sociedade as questões de interesse dos trabalhadores e de pressionar os governos para adotar medidas de enfrentamento da crise com garantia do crescimento econômico e de implementação de um conjunto de iniciativas que possam solucionar os problemas sociais."

Luiz Antonio de Medeiros Neto, secretário de Relações do Trabalho, diz que a tendência é que o número de sindicalizados aumente. "Como as centrais foram reconhecidas e são ouvidas nas decisões do Ministério do Trabalho, os sindicatos buscam se abrigar nas centrais para ter mais voz."

''Ato positivo, mas mínimo'', diz Fidel

AP, AFP, Efe e Reuters, Havana
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em dois artigos, líder cubano elogia medidas de Obama, mas critica os EUA por manterem embargo cruel

O líder cubano Fidel Castro elogiou ontem o anúncio do governo do presidente dos EUA, Barack Obama, de levantamento de algumas restrições impostas à ilha. No entanto, ele disse que mais mudanças são necessárias e criticou a Casa Branca por manter em vigor o embargo econômico contra Cuba. As declarações de Fidel foram feitas em dois artigos publicados pela mídia estatal, menos de 24 horas após Obama anunciar as medidas. Os textos foram as únicas manifestações do governo de Havana até agora.

"A medida de aliviar as restrições às viagens é positiva, mas mínima", escreveu Fidel em seu segundo artigo, publicado em um site oficial na manhã de ontem e lido duas vezes no noticiário da TV estatal cubana.

O líder criticou em particular a política de Washington de conceder asilo para os cubanos que conseguem chegar em solo americano o que, segundo ele, encoraja a população a deixar Cuba. "Gostaríamos de saber se os privilégios migratórios utilizados para combater a Revolução Cubana e despojá-la de recursos humanos serão concedidos também a todos os latino-americanos e caribenhos", questionou Fidel.

Na segunda-feira, os EUA romperam com décadas de política de isolamento de Cuba ao anunciar medidas para facilitar o contato entre cubano-americanos e parentes que moram na ilha. Foram eliminadas as restrições de visitas de cubano-americanos a Cuba e os limites das remessas de recursos à ilha. Durante o governo do ex-presidente George W. Bush, as viagens só eram possíveis a cada três anos e os cubano-americanos só podiam enviar até US$ 300 por trimestre para seus parentes na ilha.

As duas medidas foram promessa de campanha do presidente Obama e servem como um gesto de boa vontade para os países da América Latina, às vésperas da Cúpula das Américas, que começa na sexta-feira em Trinidad e Tobago.

GENOCÍDIO ECONÔMICO

Na primeira coluna publicada na noite de segunda-feira, Fidel reclamou que o anúncio feito por Washington não mencionou "nenhuma palavra" sobre o embargo imposto pelos EUA à ilha há quase 50 anos. "Há condições para que Obama use seu talento em uma política construtiva que ponha fim a algo que fracassou por quase meio século", ressaltou o líder cubano.

Fidel descreveu o embargo como uma forma de "genocídio" que prejudica a economia cubana e causa dor e sofrimento para o povo de Cuba ao negar equipamentos médicos e remédios para a ilha. O fim do embargo, porém, não depende de Obama, mas do Congresso americano.

Apesar das críticas, Fidel deixou claro que não duvida da sinceridade de Obama e de seu desejo de mudar a política e a imagem dos Estados Unidos: "Ele não é responsável pelo que já ocorreu e tenho certeza de que não cometeria as atrocidades que Bush cometeu."

REFLEXÕES CUBANAS
Fidel Castro
Líder cubano
"A medida de aliviar as restrições às viagens é positiva, mas mínima"

"Há condições para que Obama use seu talento em uma política construtiva que ponha fim a algo (o embargo) que fracassou por quase meio século"

"Ele (Obama) não é responsável pelo que já ocorreu e tenho certeza que não cometeria as atrocidades de Bush"

Mais gastos às vésperas das eleições

Martha Beck
Brasília
DEU EM O GLOBO


Governo tira Petrobras do cálculo e meta de superávit fiscal cai para 3,3% do PIB

Em busca de formas de driblar as restrições fiscais, acentuadas pela crise financeira, e ampliar investimentos, o governo decidiu retirar a Petrobras do cálculo da meta de superávit primário (receitas menos despesas, sem contar os gastos com juros da dívida) de 2010.

Na prática, isso vai reduzir a economia para o pagamento dos juros: a meta cairá do equivalente a 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) para 3,3% no ano que vem. Isso libera quase R$ 20 bilhões para a petrolífera. O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2010 será enviado hoje ao Congresso Nacional e já terá o novo parâmetro. A ideia do governo é dar à estatal mais condições de investir para impulsionar a economia, especialmente num ano eleitoral.

Segundo técnicos do governo, é preciso alavancar a capacidade de investimento da Petrobras para que ela consiga, por exemplo, explorar os recursos da camada do pré-sal. Apenas em 2008, a estatal investiu R$ 46,9 bilhões. A empresa também é a estrela do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que é capitaneado pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a sua sucessão.

A LDO trará ainda os parâmetros macroeconômicos com os quais o governo pretende montar o Orçamento federal. Segundo fontes informaram ao GLOBO, os números ainda estavam sendo alinhavados ontem à noite. A projeção de expansão econômica em 2010 ficaria entre 2,5% e 3%, e a taxa básica de juros, a Selic, deverá oscilar entre 9% e 10% ao ano.

Pela atual metodologia de cálculo do superávit primário, as estatais precisam contribuir com cerca de R$ 20 bilhões para o pagamento de juros da dívida. Deste total, 90% equivalem ao esforço fiscal da Petrobras. A alteração quase encerra a participação das estatais no superávit primário.

O governo já estudou a possibilidade de retirar a estatal da meta em outros momentos, mas nunca havia tomado a decisão por temor de que fosse vista como um afrouxamento fiscal. Agora, no entanto, as condições são diferentes. A avaliação é a de que o momento de crise mundial exige um reforço nos investimentos, especialmente em infraestrutura. O problema é que a capacidade de investimento do governo federal, que já era pequena, ficou ainda mais comprometida com a queda na arrecadação. Somente no primeiro bimestre, as receitas federais tiveram queda real de 9,11%.

Pelas projeções oficiais, enquanto o governo federal investirá o equivalente a 1,2% do PIB este ano, a estatal fará gastos equivalentes a 1,4%. Ao retirar a Petrobras da meta, o governo daria à estatal a possibilidade de gastar os quase R$ 20 bilhões que ela precisaria economizar para o pagamento de juros da dívida.

Este ano, por exemplo, a estatal precisa contribuir com R$ 14,7 bilhões para o superávit primário.

Dívida pública tem projeção de queda

Segundo técnicos do governo, embora a Petrobras seja o maior contribuinte individual, uma modificação na metodologia não seria vista negativamente pelo mercado. Isso porque, além de a Taxa Selic estar em queda e contribuir para a redução da dívida pública (hoje a R$ 1,1 trilhão, ou 37% do PIB), o Brasil já consolidou sua imagem de responsabilidade fiscal.

— Tem gente no mercado que acha até mesmo que as metas fiscais do Brasil estão muito rígidas defendeu um técnico, lembrando que muitas economias emergentes estão revendo suas metas fiscais e apresentando até mesmo déficit.


A projeção do governo para o comportamento da dívida pública é de uma queda para 31% do PIB até o fim de 2011. Segundo os técnicos, isso seria possível mesmo com eventuais alterações na meta de superávit. Além disso, a avaliação é que, num momento de crise, o mais importante é fazer investimentos para estimular a economia.

Embora o governo projete expansão de 2% para este ano, o mercado já trabalha com recessão de 0,3%.

Para 2009, também já se fala em reduzir a meta. O mais provável é que o governo utilize o mecanismo que permite descontar da meta os gastos — 0,5% do PIB — com o Projeto Piloto de Investimentos (PPI). Com isso, na prática, a meta também cairia para 3,3% este ano.

Sinais trocados

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

O governo deu vários sinais errados na política de socorro aos municípios. Eles terão direito à mesma parcela que receberam em 2008, como se não houvesse crise; quem fizer menos para se recuperar terá direito a receber mais na segunda etapa de remessa da ajuda; quem comprometeu os gastos inchando a folha será socorrido pelo governo federal. Um festival de erros.

Não há diferenciação entre o bom e o mau gestor.

Aliás, existe: quanto pior, melhor para ele. Se, por hipótese, um prefeito tentando reeleição tiver aprovado aumentos irresponsáveis de salários e gastos de custeio no ano passado, agora basta culpar a crise econômica. Quem se preveniu da crise, combatendo a sonegação e modernizando a arrecadação, e estiver em condições de atenuar os efeitos da crise, agora receberá menos. Todo o conjunto de incentivos é para desestimular a boa gestão e a autonomia tributária municipal.

Tudo isso tem uma motivação inescapável: quanto mais dependentes do governo federal, quanto mais “gratos” estiverem os prefeitos, melhor para a candidatura oficial à Presidência da República. A visão não é incentivar a modernização tributária, a capacidade autônoma de resolver os problemas na esfera municipal. O propósito é de manter sempre pavimentada a romaria a Brasília com pedidos de ajuda que será, de forma magnânima, dada pelo governo federal.

Em 2008 houve um aumento de arrecadação de 17%, mas o governo considerou que o teto do que foi repassado aos municípios é uma espécie de “direito” que as administrações têm e, por isso, estabeleceu que elas não receberão menos que no ano passado. Ora, o setor público como um todo tem que aprender a viver com menos, porque o país está em crise, o mundo está em crise e a arrecadação está em queda. O governo federal arrecadará menos — no primeiro bimestre a receita já caiu quase 10% —, mas a parcela dos municípios no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) permanecerá a mesma.

Agora, o governo fala que também fará um programa de ajuda aos estados. Se o programa tiver a mesma preocupação de construir as alianças para 2010, aumentará mais um pouco o risco fiscal do país.

O Brasil sempre precisou de uma reforma tributária que descentralizasse a receita, reduzindo a dependência e o tamanho de Brasília. A excessiva centralização tributária é mitigada pela distribuição de recursos via fundos de participação. Mas t a n t o a ce n t r a l i z a ç ã o quanto a repartição servem para o mesmo propósito de manter a dependência em relação ao governo federal, muito útil a um governo que está em campanha, mesmo sendo muito cedo para isso.

Os municípios levaram duas propostas. O que foi aprovado é muito menos do que uma. Portanto, a pressão aumentará por novas concessões. A primeira proposta pedia o piso do que foi repartido em 2008, mas corrigido pelo IPCA. No ano passado, o bruto foi de quase R$ 50,5 bilhões, que corrigidos dariam cerca de R$ 56 bilhões, perto do previsto pelo Orçamento, de R$ 57,8 bilhões de FPM ao longo de 2009. O governo concordou, mas não corrigiu pelo IPCA, o que deu o R$ 1 bilhão. Na visão dos municípios, o governo apenas fez de conta que cedeu, mas repassará menos do previsto no Orçamento. O problema é que o Orçamento trabalhou com valores de ficção para a arrecadação e o crescimento do país, desconhecendo a crise e a recessão.

Os municípios querem, também, concessões na área da dívida com o INSS.

A União cobra diversas dívidas dos municípios, e estima que teria de receber R$ 22 bilhões. Já pelas contas da Confederação Nac i o n a l d e M u n i c í p i o s (CNM), as prefeituras é que são credoras da União em R$ 26 bilhões. É que a União reteve do FPM parcelas para pagar à previdência, mas, segundo a CNM, a Súmula Vinculante nº 8 exclui dessa conta as dívidas com mais de cinco anos com a Seguridade Social.

O governo teria, então, que devolver algumas retenções. A Condeferação Nacional de Municípios quer que a União suspenda os descontos e faça um encontro de contas para se saber a real dimensão desta situação, tanto para as prefeituras como para a União. Na máquina de calcular dos municípios está registrado que o governo deve a eles esses R$ 26 bilhões. E o que fica claro é que a concessão desta semana não vai estancar a romaria a Brasília.

Até porque, os prefeitos sabem que o governo está de olho em 2010 e vão aproveitar a força que têm para extrair o máximo.

Até agora, neste ano, o repasse do FPM está 9,5% menor do que no mesmo período do ano passado. E, mesmo se houver recuperação econômica, os municípios temem as isenções e reduções das alíquotas do IPI e a queda de arrecadação do Imposto de Renda.

As cidades dizem que não querem pagar o ônus das renúncias fiscais feitas pelo governo federal.

Os municípios grandes e as capitais recebem pouco de FPM. É a terceira fonte, depois do ISS e do ICMS.

Paulo Ziulkoski, da CNM, diz que a receita própria está em queda.

— A arrecadação do ICMS está caindo cerca de 6%.

Tudo vai sendo contaminado nessa crise. Não temos como fazer política anticíclica.

Não podemos nem cortar no custeio, quanto mais fazer o investimento.

Ninguém quer demitir.

As prefeituras têm 15,5 milhões de servidores, um contingente que cresceu nos últimos anos, na esteira do inchaço da máquina federal.

A porteira aberta e o mata-burro

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Governo deve poupar menos, renegocia dívidas, dá dinheiro a cidades e deve reduzir mais impostos sobre bens duráveis

LULA DEVE mesmo reduzir a contribuição que empresas estatais dão às contas do governo. Isto é, o dinheiro que auxilia o esforço do governo em manter as contas públicas no azul, excluídos os gastos com juros (dinheiro do superávit primário). Além do mais, Lula decidiu, segundo assessores próximos, adaptar o tamanho do superávit à queda da receita de impostos. Ou seja, o governo vai colocar menos dinheiro de lado, o que é necessário para conter a alta da dívida pública.

O plano de recolher menos dinheiro do lucro das estatais vinha sendo negado pela Fazenda fazia uma semana. Mas, ontem, pessoas não lá muito satisfeitas com a ideia diziam que o governo vai mesmo deixar mais dinheiro na Petrobras e cia., a fim de reforçar o caixa das empresas e facilitar investimentos.

O governo central deveria poupar o equivalente a 2,2% do PIB (afora despesas com juros da dívida pública). Nessa conta, entram os balanços do governo federal, do Banco Central e do INSS. No caso do setor público inteiro (governo central, Estados, municípios e estatais), a meta de superávit era de 3,8% do PIB.

O superávit primário do governo central foi de 1,93% nos 12 meses até fevereiro; o do setor público, de 3,43%. Normalmente, o superávit cai ao longo do ano. Ainda assim, o resultado não foi ruim. A recessão derrubou a receita de impostos; o governo reduziu a alíquota de tributos como o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a fim de não deixar o PIB cair demais. Ainda positivo, é bem provável que a despesa com juros da dívida pública caia, pois os juros são declinantes (assim, mesmo poupando menos na conta "primária", a dívida pública ficaria contida, dada a redução da despesa financeira).

Mas há incerteza sobre a receita de impostos deste ano, por ora estimada em projeções oficiais otimistas sobre o PIB de 2009. Há despesas para ainda entrar na conta do governo, como reajustes de servidores.

Haverá pelo menos mais um trimestre de IPI menor para veículos. Virá mais desoneração de impostos para bens de consumo (provavelmente para a "linha branca": geladeiras, lavadoras etc.) -é coisa pequena, mas é. O governo ainda precisa definir de onde virá o subsídio prometido para casas populares (valor ainda incalculável). Prometeu dinheiro para calar as queixas das prefeituras. Ainda há as renegociações de dívidas e outros acertos, previstos ou em negociação, com o setor privado e governos estaduais e municipais. E estamos apenas em abril.

Quanto desse esforço resultará em contenção da baixa do PIB? O IPI dos veículos teve algum efeito; o plano das casas populares é uma hipótese, se andar. O resto dos gastos tem efeito escasso ou nenhum. Tende a ser mais política politiqueira.

Não se trata de uma catástrofe, decerto. Além do mais, mesmo descontada a alta excepcional da arrecadação de impostos nos últimos dois anos, os números das contas públicas foram bons (embora não se possa dizer o mesmo de sua qualidade). Abrir a porteira de gastos que contenham a recessão pode ser, dentro de certos limites, razoável. Abolir o mata-burro vai apenas esvaziar o pasto, ou melhor, os cofres, e deixar a economia menos ajeitada para o momento da recuperação.

Encolher o capital financeiro é a questão

Martin Wolf
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Os EUA estão presos entre o medo das elites ante a possibilidade de falências e o repúdio popular aos resgates

Os Estados Unidos são a Rússia? A pergunta parece provocativa, se não ultrajante. O autor da pergunta, no entanto, é Simon Johnson, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e professor da Sloan School of Management, no Massachusetts Institute of Technology. Em artigo na edição de maio do "Atlantic Monthly", o professor Johnson compara o controle da "oligarquia financeira" sobre as políticas dos EUA com o das elites empresariais em países emergentes. Tais comparações fazem sentido? A resposta é "sim", mas apenas até certo ponto.

"Em sua profundidade e subitaneidade", argumenta o professor Johnson, "a crise econômica e financeira dos EUA é surpreendentemente rememorativa de momentos que vimos recentemente nos mercados emergentes". A similaridade é evidente: grandes influxos de capital estrangeiro; crescimento tórrido do crédito; alavancagem excessiva; bolhas nos preços dos ativos, particularmente nas propriedades; e, por fim, a catástrofe financeira e desabamento do preço dos ativos.

"Mas", acrescenta o professor Johnson, "há uma similaridade mais profunda e perturbadora: os interesses da elite empresarial - financistas, no caso dos EUA - desempenharam papel central na criação da crise, até o colapso inevitável". Além disso, "a grande riqueza que o setor financeiro criou e concentrou deu aos banqueiros enorme peso político".

Agora, argumenta o professor Johnson, o peso do setor financeiro está evitando a resolução da crise. Os bancos "não querem admitir a extensão total de suas perdas, porque isso provavelmente os exporia como insolventes [...] Este comportamento é corrosivo: bancos doentes ou não emprestam (para acumular dinheiro e reforçar as reservas), ou fazem apostas desesperadas em créditos e investimentos de alto risco que podem trazer grandes recompensas, mas provavelmente não compensam no fim das contas. Seja qual for o caso, a economia sofre ainda mais e, enquanto sofre, os próprios ativos dos bancos continuam a deteriorar-se - criando um ciclo altamente destrutivo".

Tal análise faz sentido? Esta é uma questão sobre a qual pensei durante minha recente estada de três meses em Nova York, com visitas a Washington DC, agora a capital das finanças mundiais. É por isso que a análise do professor Johnson é tão importante.

Inquestionavelmente, testemunhamos um aumento maciço na importância do setor financeiro. Em 2002, o setor gerou impressionantes 41% dos lucros de empresas domésticas nos EUA. O endividamento privado nos EUA aumentou de 112%, em 1976, para o recorde de 295% do PIB em 2008, sendo que as dívidas do setor financeiro chegaram a 121% do PIB. A remuneração média no setor, que foi próxima à dos demais entre 1948 e 1982, em 2007 era de 181%.

Em pesquisa recente, Thomas Philippon, da Stern School of Business, da New York University, e Ariell Reshef, da University of Virginia, concluíram que o setor financeiro se caracterizou por altos salários e alta capacitação da mão de obra entre 1909 e 1933. Depois, entrou em relativo declino, até 1980, a partir de quando voltou a exibir alta capacitação e altos salários. O principal motivo, segundo concluíram, foi a desregulamentação, que "libera a criatividade e inovação e aumenta a demanda por funcionários qualificados".

A desregulamentação também trouxe a expansão do crédito, a matéria-prima que o setor cria e da qual se alimenta. A transmutação do crédito em renda é o motivo pelo qual a rentabilidade do sistema financeiro pode ser ilusória. Da mesma forma, a expansão do setor financeiro se inverterá, pelo menos dentro dos EUA: o crescimento do crédito e a alavancagem mascararam a baixa ou até inexistente rentabilidade de muitas atividades, que desaparecerão, e, além disso, parte das dívidas também terá de ser liquidada. A era dourada de Wall Street acabou: a volta da regulamentação é causa e consequência desta mudança.

O professor Johnson, contudo, apresenta um ponto ainda mais forte que este. Argumenta que a recusa de instituições poderosas em admitir perdas - ajudadas por um governo cúmplice, sob domínio dos "cambistas" - pode tornar impossível escapar desta crise. Além disso, como os EUA gozam do privilégio de captar dinheiro em sua própria moeda, o país tem muito mais facilidade do que meras economias emergentes para ocultar as falhas, o que tornaria a crise em um problema econômico de longo prazo. Portanto, temos testemunhado uma série de improvisações ou "acordos" cujo objetivo subjacente é resgatar o máximo possível do sistema financeiro da forma mais generosa que as autoridades achem que possam levar adiante sem se prejudicar.

Concordo com as críticas às políticas adotadas até agora. No debate no fórum de economistas no Financial Times sobre as "parceria de investimentos público-privados", os críticos estavam certos: se funcionar, é porque é uma forma pouco transparente de transferir recursos dos contribuintes para os bancos. É improvável, porém, que preencha o buraco de capital que os mercados atualmente estão ignorando, como argumenta Michael Pomerleano. Também não estou convencido de que os "testes de estresse" do capital bancário sendo realizados levarão a ações para preencher esse buraco de capital.

Ainda assim, será que essas debilidades fazem dos EUA uma Rússia? Não. Em muitos países emergentes, a corrupção é grave e aberta. Nos EUA, (embora esta não esteja ausente), a influência vem tanto de um sistema de princípios como dos grupos lobistas. O que era bom para Wall Street, era considerado bom para o mundo. O resultado foi um programa bipartidário de desregulamentação mal elaborado para os EUA e, dada sua influência, para o mundo.

A crença atual de que Wall Street precisa ser em grande parte preservada é principalmente consequência do medo. A visão de que instituições financeiras abrangentes e complexas são grandes demais para falir pode estar equivocada. Mas é fácil entender por que autoridades inteligentes evitam comprovar isso. Ao mesmo tempo, os políticos também temem uma reação pública contra grandes injeções de capital público. Logo, assim como o Japão, os EUA estão presos entre o medo das elites ante a possibilidade de falências e o repúdio popular aos resgates. Este é um fenômeno mais complexo do que o "golpe silencioso" descrito pelo professor Johnson.

Ainda assim, uma reestruturação decisiva é de fato necessária. Não porque recolocar a economia no caminho dos últimos anos, de crescimento alimentado por dívidas, seja viável ou desejável. Duas coisas precisam ser alcançadas: primeiro, as principais instituições financeiras precisam tornar-se solventes e que haja credibilidade quanto a isso; e, segundo, nenhuma instituição privada com fins lucrativos pode continuar sendo grande demais para falir. Isso não é capitalismo, mas socialismo. Este é um dos pontos nos quais a esquerda e a direita concordam. Eles estão certos. Falências - e, portanto, perdas para os credores sem garantia - precisam fazer parte de qualquer solução durável. Sem essa mudança, a solução desta crise pode apenas ser o prenúncio da próxima.

Martin Wolf é colunista do "Financial Times".