sexta-feira, 17 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“O comunismo não é para nós um estado que deve ser estabelecido, um ideal para o qual a realidade terá que se dirigir. Denominamos comunismo o movimento real que supera o estado de coisas atual. As condições desse movimento resultam de pressupostos atualmente existentes.”

(Karl Marx, no livro “A ideologia alemã “, pág. 52 – Editora Ciências Humanas, São Paulo, 1982)

Mudança de tom

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Ao assumir a corresponsabilidade dos Estados Unidos pelo problema das drogas no México, não apenas no tráfico, mas também no consumo, o presidente Barack Obama deu ontem um passo adiante no que poderá vir a ser uma nova política antidroga que, embora mantenha a linha tradicional de combate militar a este crime, pode incluir a flexibilização do tratamento do usuário. Embora em entrevista pela internet Obama já tenha se declarado contrário a uma política nacional de descriminalização do uso de drogas, tudo indica que não faria oposição a iniciativas de estados e cidades que já têm leis e políticas mais flexíveis, o que vai ao encontro do documento da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia que esteve em debate na versão latino-americana do Fórum Econômico Mundial.

Em Viena, na reunião do Comitê de Entorpecentes da ONU mês passado que manteve as principais diretrizes da política internacional de combate às drogas, embora ainda liderando a coalizão pró-proibicionismo (EUA, Rússia, Japão, Cuba, Vaticano e Colômbia), a delegação americana se bateu pela inclusão na declaração política da troca de seringas para evitar a contaminação, o que a administração Bush não aceitava.

É provável que, a longo prazo, a política mude seu foco, passando a ações mais construtivas para reforçar os aspectos institucionais, sem abandonar o “combate implacável” aos traficantes.

Há uma expectativa de que uma eventual nova política dos Estados Unidos de repressão às drogas tome mais em conta a questão dos direitos humanos.

O presidente Barack Obama levantou muitas dúvidas com relação à violação dos direitos humanos no combate aos cartéis de drogas e ao terrorismo na Colômbia.

A política de “guerra às drogas” tem na Colômbia um exemplo paradoxal de ineficiência, com o investimento de milhões de dólares num programa que não teve efeito na redução do tráfico, mas que está tendo êxito na segurança interna e no combate à guerrilha.

Ambos os presidentes, Obama e Calderon, falaram ontem sempre em objetivos de curto e médio prazos, pois estão em meio a uma guerra que tem muitos temas delicados para superar, como por exemplo o banimento de armas de assalto e a proibição de venda de armamentos na fronteira entre México e Estados Unidos.

Nada menos que dez mil lojas de armas ficam na fronteira com o México, e mais de 90% da que são apreendidas no país têm origem nos Estados Unidos.

Embora Obama esteja procedendo de forma cautelosa, para não abrir uma controvérsia em tempo de crise, os sinais de uma mudança de política se avolumam.

Em sua viagem ao México, a secretária de Estado, Hillary Clinton, enfatizou a corresponsabilidade dos EUA pelo problema, e preocupação comum pelo contrabando de armas, o que foi ratificado ontem pelo presidente Obama.

No plano do discurso oficial, as autoridades do novo governo americano ainda não falam em “redução de danos”, mas já se fala em maior atenção ao “tratamento” e “recurso a cortes especiais de drogas”, em vez de enfatizar a criminalização e encarceramento.

A nomeação do ex-chefe de polícia de Seattle, Gil Kerlikowske, conhecido por uma postura aberta e inovadora, em substituição ao duro John Walter no posto chave de czar antidrogas seria um indicador importante de mudança de política.

Os mais expressivos veículos de mídia dos Estados Unidos reiteram o fracasso da guerra às drogas e a necessidade de uma mudança de paradigma, muitos fazendo referência direta ao Relatório da Comissão presidida pelos ex-presidentes Fernando Henrique, do Brasil, César Gaviria, da Colômbia e Ernesto Zedillo do México.

Dois processos convergentes no plano do Legislativo reforçam a pressão por mudanças: o senador Jim Webb, do estado de Virgínia, ex-Marine e secretário da Marinha de Bill Clinton, propôs a abertura de uma audiência pública sobre os efeitos desastrosos da política de encarceramento de usuários, cujo resultado é a prisão de 500 mil a milhão de pessoas por crimes relacionados a drogas.

Há também uma pressão dos comandantes militares, que têm dito privadamente não haver solução para situações do México, Afeganistão e Colômbia sem uma revisão drástica da estratégia de guerra às drogas.

O Afeganistão voltou a ser o maior produtor de ópio do mundo, mesmo depois da invasão americana. Esta também seria a posição do vicepresidente Joe Biden, que coordenou no Senado um relatório apontando os limites do Plano Colômbia, e do assessor para segurança nacional, Jim Jones, ex-marine, que acompanhou Obama na sua viagem ao México.

A sucessão no PT está provocando uma guerra de posições dentro do partido, com vistas às eleições de 2010. O presidente Lula, que a princípio queria colocar Gilberto Carvalho, seu secretário particular e dos mais próximos colaboradores, na presidência do partido, está mudando de ideia.

Muito porque não quer abrir mão de Carvalho, mas principalmente pela impossibilidade de enfrentar e vencer a máquina partidária, que teria vida administrativa autônoma, embora não tenha força política no momento para resistir à sua pressão pela candidatura de Dilma Rousseff, por exemplo.

Há, porém, um movimento dentro do partido para se comprometer com a eleição de uma chapa renovada. O que não se sabe é se esse grupo, que insiste na indicação de Gilberto Carvalho, é majoritário no partido.

Ao vencedor, os abacaxis

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Luiz Inácio da Silva parece mesmo convencido de que é chefe da nação "mais sólida do mundo". Tomado de intimidades com o presidente Barack Obama, com quem considera manter uma relação de "amigo para amigo", acha que Brasil e Estados Unidos são iguais no tocante ao histórico de solidez econômica e, portanto, podem aplicar a mesma receita na crise investindo nos gastos do Estado.

Trata-se apenas de uma hipótese - a melhor delas - para explicar o abandono de toda e qualquer cerimônia para distribuir benesses a rodo com o dinheiro do Tesouro num cenário de registro de queda do PIB como não se via havia 12 anos e de arrecadação em declínio.

São incentivos fiscais aqui, liberação geral de repasses ali, alongamento de dívidas acolá, redução do superávit ao menor patamar nos últimos dez anos, despesas de custeio crescentes com "viés de alta".

A outra possibilidade, bem pior, é a de que o presidente da República esteja simplesmente desconhecendo a crise e tocando o projeto dos dois últimos anos de governo exatamente conforme o anunciado por ele em uma entrevista ao Globo, no final de 2007.

Para nós, leigos na matéria - presidente Lula incluído -, não havia sinais visíveis de crise no horizonte. Ao contrário, vislumbrava-se um ano seguinte ótimo, como de fato foi 2008.

Naquela entrevista, Lula rompia explicitamente com a austeridade, não enxergando gravidade alguma no aumento dos gastos públicos - àquela altura já preocupantes a olho nu - e defendendo com entusiasmo a promoção de um verdadeiro espetáculo do crescimento no setor.

"A hora é de gastar", dizia, desenvolvendo um raciocínio segundo o qual quanto mais gente houver na máquina administrativa, mais eficiente ela será.

Pois muito bem. Veio a crise, agravou-se a situação, enunciou-se penosa para o Brasil quando saíram os números do PIB relativos ao último trimestre de 2008, o cenário alterou-se completamente ao ponto de a popularidade de Lula cair 10 pontos porcentuais em três meses, mas o presidente continuou o mesmo.

Como se nada nem ninguém pudesse criar obstáculos aos seus planos de prosseguir em ritmo de bonança no meio da tempestade. Na época da prosperidade, Lula não aproveitou para aperfeiçoar o que já vinha sendo aperfeiçoado por governos anteriores. Deixou de lado as reformas porque deliberadamente decidiu não desagradar a nenhum setor que pudesse, por isso, lhe retirar apoio.

Que o presidente da República não mantém boas relações com a adversidade é sabido. Mas que fosse capaz de qualquer temeridade para alcançar seus objetivos políticos é algo que só se revela em sua inteireza nesta antevéspera do fim do segundo mandato.

Quando esteve em jogo sua eleição e, depois, sua sustentação nos dois períodos de governo, prevaleceu a cartilha de êxito já provado, embora anteriormente negada e, quando foi possível, condenada, como no caso do Proer - origem da solidez do sistema financeiro da qual tanto o presidente se jacta.

Agora que a administração do futuro já não lhe pertence, Lula contrata com desenvoltura uma enormidade de passivos a serem resolvidos pelo sucessor.

A ausência de "ou sucessora" é proposital e baseada na conduta do próprio Lula. A julgar por ela, o presidente dá por perdida a próxima eleição presidencial. Se por um só instante acreditasse realmente na possibilidade de a ministra Dilma Rousseff vir a assumir a Presidência da República a partir de janeiro de 2011, será que estaria distribuindo facilidades para serem fatalmente herdadas por ela na forma de dificuldades?

Certamente não chegaria a esse ponto. A menos que esteja acreditando piamente no milagre da reprodução de recursos, como já se acreditou nos tempos da irresponsabilidade, do calote, da inflação, da administração do Estado como propriedade privada de projetos de poder dos mais variados matizes ideológicos.

Meia-sola

As medidas ditas moralizadoras do uso de passagens aéreas, anunciadas pela Câmara e pelo Senado no máximo reduzem um pouco os disparates. Mas não os eliminam e nem de longe moralizam coisa alguma.

Desde quando reduzir em 20% e 25% cotas que variam de R$ 4.700 a R$ 18.700 mensais, na Câmara, e de R$ 13 mil a R$ 25 mil, no Senado, podendo trocar por aluguel de jatinhos e ainda distribuir as passagens para mulher, marido e filhos, é moralizar?

Se era para corrigir, que se começasse por acabar com a farra das tarifas "cheias" e se restringissem as passagens ao parlamentar. Ao que se saiba, o eleitor não vota na família do deputado ou do senador, aos quais cabe sustentar os seus.

Ainda mais quando se considera que todas as malfeitorias cometidas até agora ficam anistiadas por decreto. É só uma maneira de produzir artificialmente uma satisfação à sociedade sem reconhecer a distorção de origem e garantindo perdão aos que foram pegos em flagrante transgressão ao decoro.

Uma locomotiva na cola de Dilma

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Custa a crer que o PT e o Planalto apostem todas suas fichas na tese de que a candidatura do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), naufragará porque unicamente calcada na crise econômica. A questão não é se petistas ou tucanos estão certos sobre a velocidade com que os indicadores se recuperarão. O ponto é outro. Só o alheamento do que ocorre sob as ordens de Serra em São Paulo pode levar a crer que todas as suas fichas estão na curva do Ibovespa.

Uma panorâmica sobre as iniciativas de seu governo é um claro indicativo de que a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, terá dificuldades de expor as vitrines do governo Luiz Inácio Lula da Silva sem um concorrente à altura na experiência paulista. O governador de São Paulo tem uma marca definida na Saúde junto ao eleitor brasileiro. E usa esta gestão para imprimir marcas em outros setores - não necessariamente em confronto com a administração federal.

Na Educação, Serra chamou para a briga o mais eficiente ministro da Esplanada, Fernando Haddad, com a nomeação do deputado federal Paulo Renato Souza (PSDB-SP) para a Pasta estadual. O ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso não poderia ter sido mais claro em seu discurso. Assumiu o cargo em cumprimento de uma missão partidária que não é outra senão evitar que Haddad propague, sem concorrência, as melhores bandeiras do MEC em favor da candidatura lulista.

Haddad garante para Dilma a fatura do Prouni, da expansão de vagas nas universidades federais, da reintrodução das escolas federais profissionalizantes e agora da revolução prometida com o fim da indústria do vestibular. Paulo Renato que, no governo Fernando Henrique Cardoso, também foi um ministro acima da média, vai gerir iniciativas inovadores do governo paulista como o pagamento de bônus aos professores da rede pública estadual e a expansão do sistema Paula Souza, escolas profissionalizantes de excelência do Estado. E, como já demonstrou no debate sobre o uso do Enem para o acesso ao vestibular, vai cumprir o papel de não deixar Haddad sozinho na ribalta.

Na Saúde, aproveita para tomar iniciativas como a lei antifumo que, a despeito da gritaria do PT, ajuda a firmar a imagem de governante que enfrenta interesses em defesa da maioria silenciosa, como aconteceu na lei Cidade Limpa. Uma ampla campanha publicitária já está em curso para divulgar a imagem do governador, mais uma vez, como paladino da saúde pública.

Enquanto os petistas tentaram argumentar em vão contra o autoritarismo embutido na medida, tiveram dificuldades de se desvencilhar da defesa de interesses corporativos de donos de bares e restaurantes e trabalhadores da categoria em detrimento da maioria. Para completar, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, elogiou a medida e disse que o Planalto tem um anteprojeto de lei, já na Casa Civil, pronto para ser enviado para o Congresso replicando o modelo paulista para o resto do país.

Na política tributária, também se escreve um capítulo da novela que Serra, o destemido, pretende estrear em 2010. Com a substituição tributária, cobrança antecipada do ICMS na indústria, que tem tido bons resultados no combate à histórica sonegação do varejo, o governador escolheu um alvo de claríssimo apelo popular.

Pode vir a sofrer um desgaste junto aos comerciantes, mas, em compensação, faz bonito junto ao consumidor. E, enquanto o presidente da República não se cansa de criticar sua Polícia Federal e chancelar calotes a rodo que o Congresso aprova, Serra autoriza seu secretário da Fazenda a se comprazer com a operação que levou a dona da Daslu novamente em cana, a pedir mais punição e a clamar pela crucificação dos sonegadores.

O que a campanha petista vai dizer quando a propaganda eleitoral de Serra colocar na TV um moço simpático, com pinta de estudante esforçado do ensino médio, com o seguinte texto na ponta da língua: "Por que o governo Lula derrama tanto dinheiro do BNDES, que é dinheiro do povo brasileiro, em empresas que, no primeiro aperto, já demitem trabalhadores?".

Serra arma-se de antídotos contra o discurso de que ele é ameaça à herança do presidente mais popular da história do país. Tome-se, por exemplo, a política de salário mínimo paulista. A partir de 1º de maio, o menor salário pago em São Paulo será de R$ 505, um aumento de 12,2%, um ponto percentual a mais que o reajuste do salário mínimo federal que passou para R$ 465.

O mínimo paulista beneficia 1 milhão de pessoas. O federal arrasta consigo o interminável debate do déficit da Previdência. Se Serra, eleito presidente, incrementará uma política de valorização do salário mínimo que pressiona cada vez mais esse déficit, é uma história que ainda está para ser contada, mas discurso para enfrentar o poderoso instrumento de elevação do poder de consumo popular do governo Lula, isso ele já tem.

Se a crise econômica não será suficiente para eleger Serra, terá sido, pelo menos um empecilho a que Dilma desfralde com galhardia a bandeira da eficiência administrativa embutida no bem-sucedido modelo da concessão das rodovias federais. O modelo garante, sim, um pedágio mais barato do que o cobrado nas rodovias paulistas, mas isso quando as estradas forem construídas. A crise internacional provocou retração na capacidade de investimento das empresas e as prometidas rodovias ameaçam permanecer como grandes canteiros de obras em 2010. O modelo de outorga onerosa de São Paulo cobra tarifas cada vez mais escorchantes, mas as estradas estão aí e não há quem passe por elas sem achar que não há nada parecido no Brasil.

Sim, é verdade, o PCC sempre pode aprontar numa véspera de eleição; o tatuzão, a gigantesca escavadeira que já está beirando o subsolo da Av. Paulista, no célere canteiro de obras do metrô, não está livre de abrir outras crateras na imagem da administração tucana; e as desavenças irreconciliáveis do funcionalismo público com o governo Serra são uma ameaça constante de greves gigantescas na polícia, educação e transporte.

Fatos como esse podem mudar o rumo de uma eleição. Confiar neles para definir a parada parece tão imprudente quanto acreditar que o irrequieto governador paulista está de braços cruzados esperando o mundo acabar para virar presidente da República.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Freire: Papel de "Mãe do PAC" não ajudará Dilma porque o programa é irrelevante

Valéria de Oliveira
DEU NO PORTAL DO PPS

O presidente do PPS, Roberto Freire, disse, nesta quarta-feira, que a dificuldade de desempenho eleitoral da ministra Dilma Roussef, a quem o presidente Lula assumiu publicamente, ontem, como sua candidata a presidente, "é que ela não é candidata de um partido, com uma vida política importante, que conta com o respeito da cidadania; ela é um nome retirado do bolso do colete do presidente da República".

O papel de mãe do PAC, dado por Lula a Dilma, acrescentou Freire, vai desaparecer porque o programa torna-se cada vez mais irrelevante. "O governo não aplicou nem 1% dos recursos previstos para as obras do PAC, ou seja, ela se revelou uma péssima gestora e o governo, incapaz".

Freire acusou a administração Lula de gastar muito e mal. O ex-senador afirmou que o governo se diz marcado pelo papel ficalizador, mas, na verdade, não se cansou de ampliar o número de funcionários públicos. "Quem são esses funcionários. Fiscais?"

O inchaço da máquina se deve à formação de maiorias no Congresso. Pessoas indicadas pelos partidos aliados foram acomodados, aos milhares, em todos os ministérios e órgãos da administração, o que elevou o custo com a máquina e à redução de investimentos.

Aécio volta a descartar chapa puro-sangue no PSDB

Daniele Carvalho
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Governador mineiro diz que apoio a Serra, se este for o candidato, ""independe de qualquer posição na chapa""

O governador de Minas, Aécio Neves, voltou a descartar ontem a possibilidade de integrar a chapa do PSDB nas eleições presidenciais de 2010 como vice. Ele justificou sua posição com o fato de que, independentemente do nome aprovado para concorrer à Presidência, o ideal seria que o PSDB fizesse uma composição com aliados.

"Nem sequer cogito essa possibilidade (de ser vice). Até porque acho que isso não é necessário.
Meu apoio ao José Serra, se ele vier a ser o candidato do meu partido, independe de qualquer posição na chapa. Acho, inclusive, que num quadro partidário tão plural quanto é o brasileiro - em que nós devemos buscar novas alianças, novos parceiros para governar - seria uma certa presunção do PSDB achar que solitariamente deva compor uma chapa", disse Aécio, que participou o Fórum Econômico Mundial na América Latina, realizado ontem no Rio.

No rol de aliados, o governador citou o DEM, o PPS e o PMDB, que hoje integra a base do governo Lula. "Os partidos que hoje apoiam o governo não farão, necessariamente, uma transferência de apoio para 2010. Acredito que ocorrerão mudanças, até mesmo por conta de importantes alianças estaduais que estão sendo formadas", avaliou.

O tucano minimizou o impasse entre ele e Serra, em relação à data para a realização das prévias que escolherão o candidato do partido para 2010. "Tivemos, num determinado momento, opiniões distintas, não divergentes. Houve algumas diferenças em relação a datas, mas não uma oposição. Acho que, no fim do ano, entre novembro e dezembro, seria o melhor momento. Mas, se for no início do ano que vem, não tem problema."

DATA

Aécio afirmou, ainda, que deve se reunir com Serra e outros líderes do partido nas próximas semanas para definir a melhor data para a prévia, que, segundo ele, "também ajudará a se fortalecer e refundar o partido". Questionado sobre o apoio de Lula à candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, Aécio afirmou que "é legítimo que o presidente apoie um candidato".
Ele disse, ainda, que a presença de Dilma na disputa "garantirá uma campanha de alto nível".

A Executiva Nacional do PSDB deverá se reunir na próxima semana para formatar as regras das prévias. A comissão analisará as propostas enviadas pelos tucanos. Até agora, os mineiros foram os que mais mandaram sugestões.

Caminhos da Índia

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - Na Índia, talentos de vários setores profissionais urbanos começam a se interessar pela política. Tornam-se candidatos para equilibrar um pouco mais o país moderno e o tradicional. Estamos longe desse movimento no Brasil. Estamos na verdade a ponto de perder alguns bons representantes, que não suportam mais o desgaste institucional.

Sair dessa maré num breve artigo é impossível. Há uma francesa presa no México, Florence Cassez, acusada de sequestro. A França quer levá-la, os mexicanos querem puni-la no próprio país.

Uma entrevista de uma autoridade mexicana parece, para mim, uma intuição luminosa. Ele disse que há muitos sequestros e pouca punição. Nesses momentos, a opinião pública tende a ser conservadora. Quer punições exemplares e está inclusive disposta a abrir mão dos procedimentos legais. Considera um luxo seguir a lei à risca, quando o necessário é punir.

No caso brasileiro, há uma sucessão de escândalos envolvendo políticos. Emerge o desejo de punição e até uma certa impaciência em relação aos ritos legais. Não adianta enfiar a cabeça na areia, muito menos achar que a onda passará com o tempo. A onda nunca mais passará.

A única saída é criar regras claras de comportamento e um sistema eficaz e regular de punições para quem as transgrida. Só essa resposta poderá redirecionar a onda. E redirecioná-la estrategicamente para os caminhos da Índia. Criar um clima, nesses dois anos, que estimule as pessoas a entrarem para a política com o objetivo de reequilibrar as forças, de ampliar a presença de anseios modernos de transparência e de eficácia.

A tarefa é tão grande que provoca risos. Não falo de um Parlamento ideal, mas apenas daquele em que a maioria tem espírito público.

Comportamento fascista

EDITORIAL
DEU NO JORNAL ZERO HORA (RS)

As imagens da população agredida pelos funcionários de uma concessionária dos serviços de trens na Estação Madureira, zona norte do Rio de Janeiro, são de alguma maneira emblemáticas de excessos condenáveis contra usuários de transportes coletivos no Brasil. Agentes da Supervia foram flagrados agredindo passageiros com socos, pontapés e chicotes improvisados, para manter fechadas as portas de um trem superlotado. Por mais que as circunstâncias indicassem que a situação era de descontrole, como alegou a empresa para explicar o episódio, é inaceitável que tal método de manter o serviço em funcionamento seja sequer imaginado.

A questão sugere várias reflexões. Os funcionários das concessionárias atuam nas estações com a função de impedir que, quando os trens estão lotados, haja risco para os usuários que ficam junto às portas. A própria necessidade de agentes escancara a baixa qualidade dos trens, cuja tecnologia não aciona os mecanismos de controle automático, hoje comuns no transporte de passageiros. Se a situação havia chegado a níveis críticos, como informa a nota da empresa, “com passageiros viajando em cima do trem e tentativas de bloqueio dos fechamentos das portas”, havia certamente meios mais adequados de lidar com essa situação, inclusive pelo eventual apelo às autoridades policiais. De resto, a culpa pela superlotação não pode, a bem da própria razoabilidade, ser debitada aos passageiros. Eles são as vítimas dessa situação.

O desrespeito de que os usuários foram vítimas precisa ser visto como exemplo de inadmissível prepotência e de falta de consideração com o consumidor de um serviço pelo qual pagam e do qual a sociedade como um todo necessita. O comportamento abusivo dos funcionários agride os mais elementares direitos dos cidadãos e é incompatível com a democracia. O episódio do Rio precisa ser visto como exemplo do que nunca deve se repetir em qualquer cidade e em qualquer serviço.

Aos pobres o que é de pobre

Alberto Carlos Almeida
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O tema mais importante da obra de Roberto da Matta é o caráter hierárquico da sociedade brasileira. Nosso maior antropólogo em atividade celebrizou esse fato na frase: "Você sabe com quem está falando?" É frase clássica utilizada para "dar uma carteirada". Alguém importante, com uma credencial elevada ou com parentes e amigos em cargos de alto nível, recorre ao você sabe com quem está falando para escapar de uma multa ou punição.

Nos anos 70, quando pela primeira vez Da Matta escreveu sobre o tema, a utilização do recurso hierárquico, vamos chamá-lo assim, era mais ostensiva. Ele continua presente em nossa vida, muitas vezes de maneira mitigada. Alguém pode se vestir melhor para participar de uma reunião. Em comparação com os demais participantes, a pessoa mais bem vestida poderá estar transmitindo o recado de que ela está acima dos demais.

Um elemento interessante da noção de hierarquia, cada macaco no seu galho, para falar de forma popular, é que dessa noção se pode deduzir muitos outros acontecimentos de nossa sociedade. Em setembro de 2007 no Rio, os ministros Pedro Brito (Portos) e Márcio Fortes (Cidades), além do secretário estadual de Transportes, Júlio Lopes, estavam em um trem metropolitano numa viagem inaugural de um determinado trajeto, quando o trem foi alvejado por balas dos traficantes do morro do Jacarezinho. Havia também outras pessoas no trem, pessoas comuns.

Na ocasião, diante do fato, o governador Sérgio Cabral determinou que a polícia atuasse "de maneira enérgica diante da ousadia dos criminosos". Além disso, um dos chefes de polícia do Estado do Rio afirmou que os bandidos só atiraram no trem porque não sabiam que ali estavam autoridades.

Pois é, os bandidos não são bobos. Uma coisa é um trem só com pessoas comuns, outra, muito diferente, é um trem com algumas autoridades. Os bandidos sabem que no Brasil pessoas diferentes têm tratamentos diferentes. Dependendo da origem social de cada um, o tratamento é completamente diverso. Os bandidos sabem que a polícia vai ser enérgica caso um trem com autoridades seja alvejado, e não agirá caso um trem com pessoas comuns apenas seja alvo de disparos de armas de fogo.

Peço ao leitor que faça o seguinte exercício: coloque no Google as palavras "traficantes, tiros, trem". Haverá várias notícias de tiros em trens. Em nenhuma a polícia entrará no morro do qual saíram os tiros, mas ela entrou quando havia ministros no trem. Entrou, agiu e uma pessoa morreu.

Vamos agora refletir: conferimos tratamento diferenciado a uma pessoa quando sabemos que ela é importante? Um tratamento positivamente diferenciado? E quando temos a informação, muitas vezes dada pelas vestimentas e marcas do tempo na face e nos dentes, de que a pessoa é pobre ou vem de estratos sociais mais baixos, esse tratamento é negativamente diferenciado?

Um observador brasileiro, do mercado financeiro, disse-me uma vez que as roupas de grife, como as camisas Ralf Lauren e Tommy, são menos usadas e valorizadas por seus pares americanos do que entre os brasileiros.

Não é o caso dessas marcas, mas o Brasil é mestre em transformar o que é de massa nos Estados Unidos em premium no Brasil. Isso ocorre com os automóveis, algumas franquias de restaurantes e outros bens ou serviços que lá são acessíveis a toda a classe média.

Isso também acontece nos esportes. Quem entra em uma megaloja de esportes nos EUA vai se espantar com o fato de a maior área da loja ser dedicada ao golfe. Lá há centenas de campos públicos. Público lá não é sinônimo de gratuito, mas com certeza de algo pago e acessível a todos. Senão todos, a maioria pode pagar. Uma taqueira de golfe usada no Brasil custa R$ 1.700; uma nova nos Estados Unidos, US$ 200. Converta-se as moedas e ver-se-á onde o esporte é popular.

É possível popularizar o golfe no Brasil. Sim, é. Mas a interpretação damattiana do Brasil nos levará à conclusão de que quando o golfe for popularizado haverá outro esporte a ser utilizado como elemento de hierarquização das pessoas.
Quando pensamos sobre os programas sociais no Brasil somos levados a avaliá-los também sob essa ótica. Há coisas para pobres e coisas que não são para pobres? Quem conhece São Paulo já teve a chance de ver, ao menos por fora, os prédios do Projeto Cingapura. Muitos deles ficam em um lugar de péssima qualidade habitacional, à beira das marginais. Além disso, os apartamentos, muitas vezes denominados de unidades habitacionais, são muito pequenos.

Trata-se de algo para pobre. Afinal, as pessoas que foram para aquelas residências moravam em outras muito piores, em uma favela, denominada pelo IBGE de aglomerado urbano subnormal. Elas devem dar graças a Deus: saíram do subnormal e foram para o normal. Ademais, pagaram pouco ou nada por isso e, como diz o ditado, a cavalo dado não se olham os dentes.

Sabemos das imensas carências do Brasil. Sabemos das limitações orçamentárias. Sabemos da necessidade de gerar superávit que tanto limita vários investimentos, em particular os sociais. A questão é outra. É possível que a nossa sociedade passe a chamar todo mundo por você, em vez de diferenciar entre quem deve ser tratado por você e aqueles aos quais devemos dispensar o tratamento de senhor? É possível que seja elaborado um programa habitacional no qual os locais escolhidos para a construção das moradias populares (essa expressão tem conotação pejorativa?) seja mais ou menos equivalente ao de onde moram os não pobres?

A solução habitacional americana é cheia de defeitos, o mais relevante de todos diz respeito à total dependência em relação ao automóvel. Tudo é espalhado, tudo é esparramado. Assim, para fazer qualquer tipo de compra, ter acesso a qualquer tipo de serviço, somente de carro. Nem a bicicleta é viável.

Do lado das virtudes, destaca-se o aspecto geral da ocupação territorial residencial: tudo é muito parecido, praticamente igual. É óbvio que há bairros pobres e ricos, mas a diferença entre eles não é grande. Mais do que isso, os bairros pobres são dignos e não estão na periferia da periferia. Os pobres têm carro e acesso aos mesmos lugares que os não pobres. Lá, quem realmente é pobre mora no centro das cidades, nas "inner cities", uma minoria.

Precisamos ser criativos. Nossos políticos e decisores públicos, eleitos e não eleitos, deveriam abandonar as fórmulas antigas e procurar saídas novas e originais. Praticamente 60% dos brasileiros preferem morar em uma casa que não seja muito boa, mas em um lugar que seja bom, ao passo que 36% prefere uma casa boa em um lugar que não seja muito bom. Vejamos como será o desenrolar do programa recém-lançado pelo governo federal. Vejamos que terrenos serão reservados aos pobres. Vejamos se serão terrenos de pobres, como sempre, ou se haverá realmente áreas dignas com moradias dignas.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" (Record).

Lições de uma polêmica

Cristovam Buarque
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Em entrevista ao blog do Magno Martins, respondi que, em breve, poderia surgir uma proposta de plebiscito para decidir se o Brasil deseja ou não um Parlamento aberto. A dimensão tomada pela divulgação desta frase, no blog, permite algumas lições.

A primeira é de como uma frase, por telefone, se espalha por todo o Brasil. Há alguns anos, uma frase demoraria tanto a se espalhar que chegaria morta. Essa lição nos mostra que os políticos, como eu, não estamos preparados para os novos tempos das comunicações universais e instantâneas.

Apesar da instantaneidade universal das informações e das imediatas manifestações de vontade da população, nossos projetos de lei demoram anos, ou décadas, para chegarem ao fim do processo – até a aprovação ou a rejeição. O Legislativo ficou um poder atrasado, em relação ao Executivo.

A segunda lição é que nenhum dos críticos à minha frase levantou a hipótese de que o plebiscito chegasse ao resultado favorável de manter o Congresso. Todos tomaram a idéia do plebiscito como se a resposta do povo fosse um claro e rotundo apoio ao fechamento, não à manutenção. Os formadores de opinião demonstraram sua convicção de que o povo deseja fechar o Congresso. Caso contrário, teriam se prendido à idéia de um momento da afirmação do Congresso, que receberia o apoio popular.

Outra lição é como as frases se transformam e passam a carregar algo que não estava na sua origem. Eu quero abrir o Congresso, não fechá-lo. As pessoas já esqueceram que, durante os 21 anos do regime militar, o Congresso só esteve fechado por poucas semanas. Ficou aberto todo o tempo, mas era irrelevante, desrespeitado pela opinião pública. Isso durou até 1978, quando novos parlamentares começaram a falar contra o regime e a articular o fim da ditadura. Imediatamente, receberam respeito e reconhecimento do povo. Vale lembrar que a emenda das Diretas foi recusada pela maioria dos congressistas. Naquela época, por plebiscito, o povo teria aprovado as eleições diretas, mas o Congresso derrubou-a.

Não adianta imaginar que a crise na relação do Congresso com o povo será resolvida sem levar em conta o que o povo deseja. Até recentemente, o povo ficava silencioso entre as eleições. Mas agora, a imprensa, com seus meios modernos, põe o povo em manifestação na “rua virtual”. Não vai demorar até que essa “rua” se manifeste. Talvez isso aconteça de forma eleitoral, substituindo os atuais parlamentares em final de mandato, como eu. Talvez de formas não eleitorais, ainda desconhecidas, porque ainda não sabemos como vai se comportar, no futuro, a “rua virtual”.

Não há forma de manter aberto um Congresso que não seja respeitado nem esteja em sintonia com a opinião pública. Há golpes barulhentos e silenciosos, golpes que fecham o Congresso e outros que o mantêm aberto – mas irrelevante, sem sintonia com o povo.

Esse golpe silencioso está em marcha, por culpa de nós próprios, parlamentares – todos nós, não coloquemos a culpa em apenas alguns. E uma das culpas é o silêncio. Mas é melhor passar a aparência de golpista, apontando o risco de o golpe acontecer, do que manter a imagem de democrata em silêncio omisso, ante ao golpe que poderá acontecer.

Uma última lição é de que o político hábil é aquele que não corre risco dizendo frases polêmicas. A polêmica pode levar a desgastes de dimensões fatais, do ponto de vista eleitoral. Essa lição eu não vou seguir. Não vale a pena ver os problemas sem fazer deles o alarde que deve ser feito, que deve ficar na história.

» Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF

Novo modelo de sociedade

Frei Betto
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Ao participar do Fórum Econônimo Mundial para a América Latina, nesta semana, no Rio, indaguei: diante da atual crise financeira, trata-se de salvar o capitalismo ou a humanidade? A resposta é aparentemente óbvia. Por que o advérbio de modo? Por uma simples razão: não são poucos os que acreditam que fora do capitalismo a humanidade não tem futuro. Mas teve passado?

Em cerca de 200 anos de predominância do capitalismo, o balanço é excelente se considerarmos a qualidade de vida de 20% da população mundial que habitam nos países ricos do hemisfério norte. E os restantes 80%? Excelente também para bancos e grandes empresas. Porém, como explicar, à luz dos princípios éticos e humanitários mais elementares, estes dados da ONU e da FAO: de 6,5 bilhões de pessoas que existem hoje no planeta, cerca de 4 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, dos quais 1,3 bilhão abaixo da linha da miséria. E 950 milhões sofrem desnutrição crônica.

Se queremos tirar algum proveito da atual crise financeira, devemos pensar como mudar o rumo da história, e não apenas como salvar empresas, bancos e países insolventes. Devemos ir à raiz dos problemas e avançar o mais rapidamente possível na construção de uma sociedade baseada na satisfação das necessidades sociais, de respeito aos direitos da natureza e de participação popular num contexto de liberdades políticas.

O desafio consiste em construir um novo modelo econômico e social que coloque as finanças a serviço de um novo sistema democrático, fundado na satisfação de todos os direitos humanos: o trabalho decente, a soberania alimentar, o respeito ao meio ambiente, a diversidade cultural, a economia social e solidária e um novo conceito de riqueza.

A atual crise financeira é sistêmica, de civilização, a exigir novos paradigmas. Se o período medieval teve como paradigma a fé; o moderno, a razão; o pós-moderno não pode cometer o equívoco de erigir o mercado em paradigma. Estamos todos em meio a uma crise que não é apenas financeira, é também alimentar, ambiental, energética, migratória, social e política.

Trata-se de uma crise profunda, que põe em xeque a forma de produzir, comercializar e consumir. O modo de ser humano. Uma crise de valores.

Desacelerada a ciranda financeira, inútil os governos tentarem converter o dinheiro do contribuinte em boia de salvação de conglomerados privados insolventes. A crise exige que se encontre uma saída capaz de superar o sistema econômico que agrava a desigualdade social, favorece a xenofobia e o racismo, criminaliza os movimentos sociais e gera violência. Sistema que se empenha em priorizar a apropriação privada dos lucros acima dos direitos humanos universais; a propriedade particular acima do bem comum; e insiste em reduzir as pessoas à condição de consumistas, e não em promovê-las à dignidade de cidadãos.

Há que transformar a ONU, reformada e democratizada, no fórum idôneo para articular as respostas e soluções à atual crise. Urge implementar mecanismos internacionais de controle do movimento de capitais; de regular o livre comércio; de pôr fim à supremacia do dólar e aos paraísos fiscais; e assegurar a estabilidade financeira em âmbito mundial.

Não haveremos de encontrar saída se não nos dermos conta de que novos valores devem ser rigorosamente assumidos, como tornar moralmente inaceitável a pobreza absoluta, em especial na forma de fome e desnutrição. É preciso construir uma cultura política de partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano, e passar da globocolonização à globalização da solidariedade.

As Metas do Milênio e, em especial, os sete objetivos básicos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, de 1995, devem servir de base a um pacto para uma nova civilização: 1) Escolaridade primária universal; 2) Redução imediata do analfabetismo de adultos em 50%; 3) Atenção primária de saúde para todos; 4) Eliminação da desnutrição grave e redução da moderada em 50%; 5) Serviços de planificação familiar; 6) Água apta para o consumo ao alcance de todos; 7) Créditos a juros baixos para empresas sociais.

A experiência histórica demonstra que a efetivação dessas metas exige transformações estruturais profundas no modelo de sociedade que predomina hoje, de modo a reduzir significativamente as profundas assimetrias entre nações e desigualdades entre pessoas.

Frei Betto, escritor, é autor, em parceria com Luis Fernando Veríssimo e outros, de O desafio ético (Garamond), entre outros livros

Crise nos municípios dissemina recessão

Luiz Paulo Vellozo Lucas
DEU NA GAZETA MERCANTIL


As dificuldades que milhares de pequenos e médios municípios do País enfrentam para manter de pé atividades básicas como funcionamento de hospitais, fornecimento de merenda escolar e coleta de lixo são reflexos visíveis da errática política econômica do governo Lula. E compõem o mesmo quadro recessivo que só faz aumentar as filas de brasileiros desempregados.

Hoje, as cerca de 4.300 prefeituras que dependem quase exclusivamente dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) estão pagando a conta das medidas de desoneração tributária adotadas pela União para resguardar setores como a indústria automobilística. Com a redução do IPI e do Imposto de Renda (IR), os repasses para os municípios não param de cair. É o governo distribuindo benefícios com chapéu alheio.

Com as medidas anunciadas para beneficiar a construção civil e prolongar o refresco para as montadoras, o alívio tributário concedido até agora, apenas por meio de IPI e IR, chega a R$ 8,9 bilhões, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Desonerar a produção é salutar numa recessão, mas não é justo que a maior parte da conta recaia sobre estados e municípios. E é exatamente isso o que está ocorrendo.

Do total da renúncia, nada menos que R$ 4,7 bilhões (ou 53% do total) deixarão de chegar a estados e municípios e ao fundo que compensa exportações de produtos industrializados, segundo a CNM. Ou seja, à União caberá a parcela menor dos sacrifícios (R$ 4,2 bilhões), embora o governo federal seja quem mais cobra tributos dos contribuintes. Com o saco de bondades, só os municípios perderão R$ 2,1 bilhões, de acordo com estimativa da CNM.

Repasses do FPM representam o combustível vital da atividade econômica. Segundo o Tesouro Nacional, os municípios investiram perto de 0,8% do PIB em 2007, percentual superior ao da União, que se limitou a 0,67%. Junto com os estados, os municípios respondem por quase 70% do investimento público feito no País. Claro está que asfixiar os municípios equivale a abrir uma fábrica de desempregados em todos os pontos do território nacional.

A gestão econômica do governo Lula tira o horizonte de estados e municípios. Como fazer frente a orçamentos aprovados no ano passado com base em projeções de repasses que a cada dia diminuem? Acreditassem nas palavras do governo federal, os prefeitos estariam em situação ainda pior.

Os repasses feitos por meio do FPM nos três primeiros meses deste ano encolheram R$ 1,7 bilhão na comparação com o mesmo período de 2008, caindo para R$ 11,9 bilhões. São 12,6% a menos em termos reais. O valor em março foi o menor desde outubro de 2007. Trata-se de um quadro que só vai piorar, porque ainda não considera as desonerações anunciadas recentemente.

O FPM é formado por parcela do IPI e do IR, justamente os tributos cuja arrecadação mais caiu no primeiro bimestre. É de perguntar por que o governo não faz desonerações baseadas em renúncia de contribuições, que são inteiramente abocanhadas pela União - a redução da Cofins de motos é exceção tímida.

Não cabe à oposição apenas constatar a gravidade da situação, mas sim apontar alternativas concretas. É por isso que o PSDB, Democratas e PPS propõem a criação de um fundo de emergência com vigência até 31 de dezembro para compensar os municípios.

Alimentado com verbas da DRU e do Fundo Soberano, asseguraria a manutenção dos valores transferidos em 2008, dando um mínimo de estabilidade à vida dos municípios. Além disso, municípios fiscalmente responsáveis, que cumprem a LRF, têm que ser recompensados. Propõe-se rever critérios de endividamento nestes casos, a fim de desinterditar o acesso das prefeituras ao crédito.

Outra ação mais imediata é alterar a MP 457, que dispõe sobre débitos previdenciários dos municípios. A ideia é criar condições para que os municípios procedam a um acerto de contas com o INSS, o que lhes renderia crédito de R$ 3,2 bilhões.

Algumas prefeituras já estão fechando portas em sinal de protesto. Em breve serão forçadas a fazê-lo por necessidade. A penúria municipal será tema crescente na agenda política nacional, desembocando em manifestação já programada pela CNM para o próximo dia 7 em Brasília. Pode não ter o barulho das marchas que azucrinaram o governo Fernando Henrique ano após ano, mas, esperamos, seja capaz de chamar a atenção do presidente da República e do seu governo.

Ex-prefeito de Vitória, é deputado federal pelo PSDB/ES e presidente do Instituto Teotônio Vilela)

Crise, um biombo

EDITORIAL
DEU EM O GLOBO

O que era “marola” virou “tempestade” e o governo dá a entender que encontrou uma justificativa sob encomenda para abrir cada vez mais os cofres públicos. O motivo declarado é a “crise”, mas o tamanho das cifras dos gastos é tal que o Planalto não consegue disfarçar o sentido eleitoreiro de uma série de medidas anunciadas como “anticíclicas”.

É Keynes nos palanques.

O primeiro sinal mais forte de que a política eleitoral passou a mover o governo em decisões destinadas formalmente a se contrapor a pressões recessivas foi emitido na garantia aos municípios de que eles terão no mínimo um repasse anual de R$ 53,1 bilhões, mesmo volume de dinheiro de 2008, quando a arrecadação foi recorde — um desatino fiscal, devido à queda de arrecadação verificada desde fins do ano passado. E algo semelhante poderá ser concedido nos repasses federais aos estados. Pelo menos, governadores também aproveitam a evidente subordinação da política econômica às urnas de 2010 para reivindicar.

Com a retirada da Petrobras do esforço fiscal para a acumulação do superávit primário — decisão acertada em hora inadequada —, o Planalto conseguiu realizar o desejo de sua ala “desenvolvimentista”: reduziu a meta do superávit de 3,8% do PIB para 2,5% e passou a ter disponíveis mais R$ 40,2 bilhões para gastos.

São — ou seriam — recursos preciosos para investimentos na infraestrutura precária do país. O sentido eleitoreiro que passou a condicionar as ações oficiais não alimenta grandes esperanças.

Mesmo porque a já proverbial incapacidade de o Planalto fazer o PAC andar certamente induzirá Lula a queimar esse dinheiro em boa parte no custeio. Um dado revelador: no primeiro trimestre, o governo conseguiu executar apenas 7,5% do programa de investimentos do ano.

O autista projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2010 não permite outra conclusão. Afinal, estão garantidos um aumento real para o salário mínimo — conforme regra ainda não aprovada pelo Congresso —, apesar do seu grande impacto na Previdência, e mais uma parcela de reajuste ao funcionalismo. Só para os servidores serão destinados R$ 40,1 bilhões, o equivalente a tudo que o Planalto conseguiu retirar do superávit primário ao reduzi-lo. E se o prometido ao funcionalismo para julho próximo for cumprido, metade do dinheiro do superávit irá para suas contas bancárias.

A crise é simples biombo para tentar encobrir uma enorme farra de gastança eleitoreira. Fica cada vez mais visível a herança maldita que Lula deixará para o próximo presidente.

Lula abre as asas sobre nós

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Entre medidas certeiras ou só politiqueiras, governo cria tanto um programa anticrise como um plano de campanha


O AUMENTO de gastos anunciado anteontem pelo governo Lula não é uma medida "anticíclica", como se diz em Brasília. Não se trata de providências destinadas a contrabalançar os efeitos da crise. Por ora, apenas se acomoda o aumento já contratado dos gastos correntes (salários, custeio), e se poupa menos. Tais despesas têm escasso efeito "anticíclico", se algum. Não se tratou de mais investimento.

A fim de gastar em obras o que cortou na poupança, o governo teria de multiplicar por sete o aumento anual de investimento registrado nos anos Lula. Difícil, certo?

Mas o ativismo luliano, no que tem de melhor e de pior, desconsiderando por ora seu mérito econômico e social, é de amplitude para deixar a já medíocre oposição ainda mais diminuída. "Ninguém será deixado para trás", parece dizer Lula. A lista dos beneficiados é conhecida, mas impressiona quando alinhada.

São as quase 200 mil pessoas de classe média a comprar carros novos mais baratos, a cada mês, devido ao IPI menor. São as centenas de milhares de metalúrgicos e correlatos, menos ameaçados de perder o emprego, além de seus sindicatos cada vez mais alinhados ao governo. Ainda virá o desconto de imposto para quem comprar eletrodomésticos de cozinha e área de serviço.

São as dezenas de milhões que receberão outro aumento real do salário mínimo, seja via INSS, emprego privado ou público em prefeituras e Estados mais pobres, quase todos.São as centenas de milhares de famílias ora apenas esperançosas de comprar uma casinha quase toda subsidiada, mas que já fazem filas em prefeituras, em Cohabs etc., para o cadastramento. A isso se junte a construção civil agradecida, com casas para fazer e incentivos e fundos para obras de infraestrutura.

São milhares de prefeitos que, penhorados e agradecidos, poderão continuar a gastar como se não houvesse amanhã, dado o capilé federal para compensar a queda de receita, prefeitos que têm boas clientelas e são bons cabos eleitorais nas cidades pequenas. São dezenas de milhares de servidores federais que ganharão mais. Serão talvez os governadores, já na fila do auxílio federal prometido mas ainda não negociado.

Pouco numerosas, mas com voz política, são as empresas que podem renegociar suas dívidas externas com dólares emprestados pelo Banco Central. E outras que poderão tomar empréstimos baratos devido ao caixa ampliado do BNDES. São os bancos pequenos, que ganharam seguros de crédito e financiamento incentivado por medidas do BC, o que melhora a vida de empresas menores ou de compradores de carros usados. Daqui a pouco serão as micro e pequenas empresas, que talvez tenham acesso menos difícil ao crédito devido ao seguro que o governo deve criar para tais financiamentos.

Os frigoríficos e seus milhares de empregos restantes poderão sair do gelo devido a linhas especiais de crédito e isenção de impostos, o que agradará bases políticas no Sul e no Centro-Oeste; nessa conta entram também os agricultores que outra vez renegociam suas dívidas oficiais.

Nem se mencionem os beneficiários permanentes de programas sociais, que, direta ou indiretamente, alcançam quase 40% da população.

Lula abre as asas para 2010.

Olhar paralelo

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Os oito batedores que seguiam o ônibus com 60 autoridades do Fórum Econômico Mundial ficaram parados na subida do Morro dos Macacos. Só o ônibus subiu. Dele desceram os convidados do Comitê para Democratização da Informática, o CDI, de Rodrigo Baggio. Entre eles, seis presidentes de grandes empresas. Viram de perto o projeto social e, de longe, os homens armados do tráfico de drogas.

Baggio é especialista nessas visitas guiadas a áreas de risco para pessoas que nunca visitam esse mundo e podem ajudar a impulsionar seus centros, que já estão em 10 países. Depois, levou o grupo ao Terreirão, no Recreio dos Bandeirantes.

Eles viram um Rio diferente da extraordinária beleza que se vê das varandas do hotel onde foi realizado o Fórum.

Muita coisa acontece paralelamente a encontros como o Fórum Econômico Mundial, além dos discursos de autoridades, palestras de especialistas e declarações à imprensa. As salas de encontros paralelos ficam sempre ocupadas com empresários ou autoridades tendo suas conversas.

Nas conversas do presidente Lula, pelo menos um diálogo inesperado foi captado por um ouvido atento.

Lula pediu ao presidente do Fórum, Klaus Schwab, que lhe desse informações sobre projetos de economia verde.

O alemão disse que há vários projetos dando certo e ficou de mandar mais informação.

Curioso é que o governo acaba de conseguir na Câmara a aprovação de uma MP que reduz as exigências de licenciamento ambiental para as rodovias do PAC, entre elas as críticas BR-163 e BR319. O governo também liberou um pacote de ajuda ao setor agrícola sem qualquer exigência ambiental, mesmo para os segmentos com denúncias de desmatamento; e a um interlocutor, essa semana, demonstrou pouco interesse na proposta de que o plano de um milhão de casas exija madeira certificada.

A ideia da economia verde tem que estar dentro dos projetos de retomada da economia, das liberações de dinheiro público para setores e empresas, para aproveitar a crise como oportunidade de caminhada rumo a uma economia de baixo carbono. Tem que estar dentro da expansão da oferta de energia. O governo Lula está promovendo a ampliação sem precedentes de usinas termelétricas a carvão e a óleo combustível.

Mostrar interesse em economia verde numa conversa com autoridade internacional é fácil, difícil é entender como o tema tem que permear a ação governamental.

Energia limpa é um óbvio tema de cooperação entre o Brasil e os EUA, em um novo momento das relações que tem sua marca na reunião de cúpula de hoje, em Trinidad e Tobago, me disse a exembaixadora americana no Brasil, Donna Hrinak. Ela ressaltou o interesse do governo Obama por bioenergia, energia eólica e solar. De fato, o presidente americano tem falado obsessivamente no assunto, mas, no Brasil os produtores de etanol convivem com denúncias de práticas agressivas ao meio ambiente e o governo ignora as opções de fontes eólica e solar.

Peter Hakim, presidente do Inter-American Dialogue, me contou achar estranho que na América Latina todos os países dizem querer a independência energética, mas pensam pouco em usar a necessidade comum de energia e as fontes variadas na região para adensar as relações entre os países.

Normalmente, quando se repete o bordão de que crise é oportunidade não se apontam que oportunidades existem. A energia nova e limpa, os projetos de economia realmente sustentável, o esforço comum de combater a exclusão de parte da população através do aumento da informação, como faz o CDI, são claramente chances mais fáceis de ver quando o crescimento cai, do que quando tudo parece estar indo bem, como nos anos recentes de prosperidade econômica. As conversas paralelas do Fórum passavam, de vez em quando, por isso. Poucas tinham consistência. Em geral, usase de forma vã as palavras “verde” e “sustentável”.

Outro tema com o qual todos concordam, mas ninguém pratica, é o combate ao protecionismo. Donna Hrinak e Peter Hakim admitiram, numa entrevista que me concederam na Globonews, que a tendência nos EUA é de aumento do protecionismo.

— Quando a pessoa perde o emprego, é difícil explicar para ela que o protecionismo é ruim para a economia global — disse Donna.

Vários setores industriais brasileiros, como o siderúrgico e o têxtil, estão pedindo barreiras, pelo menos contra os produtos chineses. O secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, na mesa que discutiu o combate ao protecionismo, falou em aumento do comércio na região.

Mas foi ele que anunciou a controvertida decisão de impor licença previa às importações, que vigorou por algumas horas, para ser derrubada por intensa pressão de setores empresariais que dependem de importação, inclusive os exportadores.

Outro tema paralelo foi o temor de que a crise fortaleça o viés populista em países da América Latina. Na Colômbia, de Álvaro Uribe, o medo é da sucessão dele. O país está entre duas opções ruins: eleger alguém que revogue a política de segurança que Uribe implantou, ou aceitar a terceira reeleição do presidente. Na Venezuela, o risco é imediato: Chávez está, dia após dia, derrubando todos os vestígios de democracia no país.

O governo Lula no seu pior estado

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Um pouco de verdade nas justificativas oficiais para a redução do superávit primário não faria mal a ninguém

O PROCESSO de decisão sobre mudanças no superávit primário para 2009 mostra o que de pior tem o governo Luiz Inácio Lula da Silva: hesitação, confusão de conceitos e mistificação da opinião pública. Até as pedras sabem que a aproximação do ano eleitoral de 2010 está no centro dessa questão. O acaso, que tanto afeta a vida dos governantes nesta era da democracia de massas, tirou de Lula os benefícios de uma economia que crescia de forma exuberante. Em uma situação mais tensa, com a perspectiva de uma batalha eleitoral no mínimo equilibrada, o governo deixou de lado o discurso racional dos últimos anos.

Assistimos agora a um debate dentro do governo entre os que colocam a disputa eleitoral como centro de suas ações e alguns membros da equipe econômica que procuram navegar na crise econômica com um mínimo de cuidado. Os sinais externos desse conflito são assustadores. Os agentes políticos já perceberam essa armadilha e passaram a exercer uma pressão sobre o governo que excede os limites do razoável.

Tomemos o exemplo dos prefeitos. Seus Orçamentos foram feitos no pressuposto da manutenção da bonança dos últimos anos. Poucos foram os que, aos primeiros sinais da crise, definiram Orçamentos menos ambiciosos. Acreditaram piamente na imagem oficial da marolinha. Posteriormente, em um alegre encontro em Brasília, ouviram as doces palavras de um presidente à beira da euforia. Agora foram acordados desse sonho pela dura realidade da arrecadação fiscal nos primeiros meses do ano. Personagens-chave na campanha eleitoral do próximo ano, colocaram uma faca no pescoço de nosso presidente, e a chantagem triunfou.

Também no governo federal a realidade de uma arrecadação em queda cobrou seu preço.Os gastos com pessoal e benefícios da Previdência Social, contratados na época da euforia e a serem pagos neste ano de vacas mais magras, comprometerão o Orçamento federal. O espaço de redução de despesas -principalmente no item investimentos- é muito pequeno para compensar os erros cometidos. Além disso, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) é uma das marcas da possível candidata oficial nas eleições de 2010 e não pode ser ainda mais desmoralizado. A única solução possível é a redução do superávit primário.

Pressionado, o governo reagiu no estilo Lula: com mistificação da opinião pública por meio da manipulação de conceitos e dos números. Aproveitando-se da crise, carimbou a redução do superávit primário como medida anticíclica. Para defender-se, um gaguejante ministro da Fazenda apontou o aumento do déficit fiscal decidido em Brasília como um dos menores entre as maiores economias do mundo. Não diferenciou, entretanto, a qualidade do esforço fiscal em outros países -estes, sim, de natureza anticíclica- com o nosso.

Aumentar os gastos com salários de funcionários públicos em 27% não é medida anticíclica nem no Brasil de Lula, nem na China de Mao e, muito menos, nem na nova China da dupla Hu-Wen. A mesma observação vale para as prefeituras que vão usar os recursos adicionais apenas para gastos correntes.

Medidas anticíclicas de verdade abrangem controle estrito do custeio, redução de impostos -como o do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos carros- e aumento de investimentos produtivos. Um pouco de verdade nas justificativas oficiais para a redução do superávit primário não faria mal a ninguém.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).