sábado, 18 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“Esta cúpula oferece a oportunidade de um novo começo. Avançar a prosperidade, a segurança e a liberdade do povo das Américas depende de parcerias do século XXI, livres de posturas do passado. Essa é a liderança e parceria que os EUA estão prontos a oferecer.”

(Barack Obama, no artigo, em O Globo, publicado 5ª Feira )

O mamilo livre

Leandro Konder
DEU NO JORNAL DO BRASIL / IDEIAS & LIVROS

Chico Buarque está publicando seu quarto romance. Em 1991, ele lançou Estorvo; em 1995, publicou Benjamim; em 2003, Budapeste; e agora as livrarias estão vendendo Leite derramado.

O que mudou de lá pra cá? Chico sabe que seus romances mostram a força de um profissional bem sucedido. Alguns leitores e críticos ainda torcem o nariz, mas vão ter de engolir mais essa vitória do compositor/escritor.

As qualidades excepcionais da obra exigem do leitor uma leitura atenta, que não é aquela do tipo que deve fazer rir ou chorar. Não é um produto para consumo fácil.

O narrador é um velho reacionário que está completando 100 anos e está internado num hospital, com o fêmur quebrado. Sua grande arma na vida é o fato de pertencer a uma família tradicional, os d’Assumpção.

Eulálio – este é o nome do personagem – foi casado com Matilde, mulher jovem, que, segundo ele, tinha um caso com o engenheiro francês Dubosc. A família era muito rica: os sucessivos proprietários, desde o tataravô, se chamavam Eulálio. Seu avô (Eulálio, é claro) pregava a volta à África de todos os negros brasileiros, que constituiriam a população de um novo país: Nova Libéria.

Quando resolve castigar sua jovem esposa, Eulálio recorda que seguiu os passos do grandalhão Dubosc até um hotel; aos gritos, arrombou a porta, viu quando a mulher nua tapava a cara de vergonha (chegou a lhe dizer que era inútil, pois até pelos pés poderia identificá-la). Quando a infiel desistiu de proteger sua identidade, Eulálio reconheceu nela não a traidora Matilde, mas a esposa do médico da família.

Com as recordações confusas do velho Eulálio, Chico Buarque poderia escrever uma narrativa sarcástica, grotesca, uma espécie de anti-saga da família Assumpção. Sem atenuar sua visão crítica, entretanto, o romancista recorre a uma linguagem aparentemente tumultuada, mas, de fato, exigente, rigorosa, desprovida de carências ou de excessos.

Seria fácil aproveitar, com olhar exclusivo, a comicidade dos elementos que constam do relato. Mais digno de admiração, contudo, é o caminho trilhado pelo romancista. Na sua paciente retomada do fio condutor do discurso de Eulálio, há resíduos de grandeza. Na paixão maluca de Eulálio por sua mulher Matilde, tais resíduos também aparecem.

E ainda na sua tresloucada insistência em tentar ser fiel aos valores (ou antivalores?) tradicionais da família d’Assumpção. E na carinhosa recordação da mãe, que falava francês com os empregados. E nas concessões que fazia à filha Maria Eulália e ao genro, o mulato Palumba.

Eulálio é, sem dúvida, uma aberração. Mas não se pode negar que ele mostra coragem intelectual. Como quando argumenta com o policial negro e trata de convencê-lo a voltar para a África, porque aqui o governo só vai aproveitar os pretos em serviços de limpeza. Ou quando conta que Matilde, que tinha um leite exuberante, quando amamentava e trocava a criança de peito, às vezes o deixava bicar no mamilo livre.

Um acerto essencial do romancista foi o de colocar o personagem que dizia muita besteira (qualquer um dos Eulálios) diante da morte. Por mais tolo que se mostre, um agonizante pode ganhar uma estatura surpreendente. Pessoas ridículas, então, podem revelar uma súbita dignidade.

Sagrada ""famiglia""

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

As novas regras para o uso de passagens aéreas no Congresso dão uma ideia um pouco mais precisa sobre o que quis dizer o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes, na quarta-feira ao explicar que as medidas de correção demoravam, mas seriam tomadas de "maneira segura".

Desde anteontem deputados e senadores que financiaram viagens de parentes, amigos, correligionários, funcionários e agregados podem estar seguros e dormir o sono dos justos porque não devem satisfação alguma sobre os gastos de um passado enterrado por decreto do Legislativo.

É a aplicação da mesma lógica adotada na decisão de divulgar as notas fiscais das despesas com a chamada verba indenizatória a partir de abril, deixando o passivo acumulado nos oito anos de existência da verba sob a anistia do sigilo.

De oficialização em oficialização das transgressões, o Parlamento vai firmando consigo uma espécie de pacto antirrepublicano pelo qual o vale-tudo passa a ter validade legal.

Quem farreou "para trás" farreou. Quem não farreou que farreasse porque o dano de imagem será igual para todos. O surpreendente é que os corretos não se insurjam. A menos que já não exista quem possa atirar um pedregulho.

Em relação às passagens, a segurança a que aludia o primeiro-secretário do Senado é mais ampla, pois regulariza a irregularidade para o futuro.

Agora é norma: mulher, marido, filhos, dependentes e funcionários podem com toda a segurança legal (não moral) viajar para qualquer lugar do Brasil ou do mundo à custa do contribuinte. Como se delegação tivessem recebido nas urnas para exercer os mandatos.

O que era para ser uma forma de o parlamentar se deslocar entre seu Estado de origem e a capital do País transformou-se em complementação salarial.

Se o congressista recebe a cota e a utiliza como quer, podendo inclusive transformar cinco passagens de tarifa "cheia" em mais de 20 bilhetes promocionais, isso significa ganho. De dinheiro, por mês, todo mês religiosamente, salário, portanto.

Sem desconto de imposto, tal e qual a verba extra.

A questão de fundo que o Congresso insiste em ignorar é o descontrole, ou melhor, a ojeriza a qualquer tipo de controle.

A evidência disso está na suspeita, ora sob investigação do Ministério Público, de que há um esquema de contrabando dessas passagens, vendidas no mercado paralelo com deságio.

Esse tipo de degenerescência, perfeitamente verossímil, é quase uma obviedade num ambiente onde os responsáveis pelo zelo daquilo que recebem nas urnas se revoltam quando chamados aos costumes, pois se consideram seres merecedores de reverências. São, na ótica interna, "nobres", levam a sério o tratamento de "excelência", não percebem a ironia contida nesse anacronismo de província.

Os atuais presidentes das duas Casas se fazem de desentendidos. O senador José Sarney escreve artigos inteiros sem tocar nem de leve no assunto que lhe concerne e, quando o faz, como na edição de ontem da Folha de S. Paulo, tergiversa. Tenta brincar de artista das entrelinhas, misturando Afeganistão com Lei de Gérson, Stanislaw Ponte Preta com Tribunal de Contas, muriçocas com Cleópatra, para concluir: "E o que tem isso a ver com corrupção? Absolutamente nada."

Se a ideia era desmoralizar cobranças, usar da escrita para fazer rir e ainda levar os mais desavisados a concluir que nada guarda relação com coisa alguma - inclusive sua condição de presidente com a esbórnia reinante no Senado -, só conseguiu confirmar que foge do assunto à espera do fim do vendaval.

O presidente da Câmara, Michel Temer, justifica-se alegando que não pode resolver os problemas da Casa com "um soco na mesa".

Não. Mas pode começar a enfrentá-los deixando de lado a concepção - exposta já na primeira entrevista depois de eleito, em fevereiro - de que os desvios de procedimentos são questões "menores". Pode também olhar as coisas como elas são no lugar de se associar à teoria da conspiração contra um dos pilares da democracia.

Pode usar seu poder para ordenar os procedimentos internos de forma a evitar que uma decisão tomada num dia seja refeita no outro, que uma mesma medida seja interpretada de maneiras diferentes por integrantes da Mesa.

Não só pode como deveria se render à evidência de que a hora não é mais de maquiar, é preciso resolver as coisas da forma como precisam ser resolvidas, sem embromação nem tentativas de compor a necessidade de dar alguma satisfação ao público de fora com o atendimento dos interesses internos.

Os de fora pedem ao Congresso respeito pelo voto obrigatório e que retribua com o cumprimento estrito de suas obrigações, entre as quais a preservação do decoro.

Os de dentro querem tempo, convictos de que dá para esticar a corda, esperar a poeira baixar e deixar tudo como está.

A solução para o dilema é inescapável. Se não vier agora, terá de vir mais tarde, pois a sinuca apresentar-se-á a qualquer um que se disponha a comandar o Poder Legislativo.

Poupança: Lula só garante R$15 mil

Lino Rodrigues, Geralda Doca, Patrícia Duarte e Martha Beck
DEU EM O GLOBO

Na próxima semana, o governo anuncia mudanças na poupança. Segundo o ministro Mantega, elas não atingirão o pequeno aplicador: "quem tem R$1 mil, R$2 mil ou R$15 mil não precisa se preocupar".

Poupança: "com até R$15 mil está protegida"

Mantega diz que pequeno poupador "não precisa se preocupar". Governo estuda fixar remuneração mensal em 0,5%

SÃO PAULO e BRASÍLIA. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou ontem que o governo deve anunciar mudanças na remuneração das cadernetas de poupança na próxima semana, mas garantiu que as alterações não vão atingir os pequenos poupadores, que representam mais de 90% deste tipo de aplicação. Nas palavras do ministro, "quem tem R$1 mil, R$2 mil ou R$15 mil (aplicados) não precisa de preocupar". O governo estuda mexer na Taxa Referencial (TR), de forma que a poupança renda sempre 0,5% por mês, ou criar diferentes faixas de rendimento - quanto maior a aplicação, menor o ganho. Avalia-se ainda tributar depósitos acima de R$500 mil. - A caderneta de poupança é uma instituição nacional. Ela foi feita para proteger o pequeno aplicador. Quem tem R$1 mil, R$2 mil ou R$15 mil não precisa se preocupar. Mais de 90% dos poupadores têm menos de R$20 mil. Esses serão absolutamente resguardados, protegidos - garantiu Mantega.

Objetivo é evitar migração de fundos de renda fixa

Segundo o ministro, com a queda da taxa básica de juros, a Selic, os rendimentos das aplicações de renda fixa estão caindo, incentivando grandes aplicadores a migrarem para outros investimentos, como a poupança.

- Não podemos, em razão da queda da Selic, permitir que daqui a pouco haja uma revoada, e todo mundo que está em fundos de investimentos corra para a caderneta de poupança, que está tendo um rendimento maior. Tem que haver uma adaptação. O governo está trabalhando nisso, mas ainda não temos uma posição definitiva - afirmou Mantega.

As novas regras devem vigorar antes do dia 28, data da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando será fixada a nova Taxa Selic, hoje em 11,25% ao ano.

Atualmente, a caderneta rende TR mais 0,5% ao mês e é isenta do pagamento de tributos, como o Imposto de Renda. Uma das ações em estudo pelo governo seria mexer na trava do redutor da TR para que ela se mantenha zerada. Para isso, basta uma resolução do Banco Central (BC). Outra medida seria a edição de medida provisória fixando uma escala para a remuneração dos poupadores, de acordo com o valor do depósito. Por não precisarem de aprovação do Congresso, ambas as medidas evitariam desgaste político, uma vez que há resistência tanto de congressistas como da sociedade às mudanças.

- As duas medidas podem ser tomadas ao mesmo tempo. Mexer na trava do redutor da TR pode dar fôlego ao governo até o fim do ano. Com a Selic entre 9% e 9,5% (previsão de mercado para dezembro), a poupança não roubaria recursos dos fundos no período - disse um técnico do governo.

Ele afirmou, porém, que somente mexer na trava do redutor da TR não resolverá o problema, pois a TR já está muito próxima de zero. Quanto à criação das faixas de rendimento, o problema é que isso poderia tornar muito complexa a caderneta, uma aplicação com características muito simples.

Em outra linha, avalia-se tributar depósitos acima de R$500 mil. Mas há muita resistência a essa medida, porque o recolhimento só começaria em 2010, e o problema a ser resolvido é mais imediato.

Uma das tendências que vinham agradando à equipe econômica era trocar, definitivamente, a atual remuneração da poupança por uma parte da Selic, cerca de 65% da taxa. Isso acabaria com o dilema de ter, na economia, uma taxa de referência em queda e outra fixa. O problema disso é o impacto sobre o crédito para o setor imobiliário. Os contratos habitacionais têm a TR como indexadores justamente porque 65% dos depósitos na poupança são obrigatoriamente destinados ao financiamento da casa própria. Sem mencionar os possíveis questionamentos jurídicos.

Oposição ainda não tem proposta alternativa

O desgaste político é um obstáculo tão grande quanto os desafios técnicos. O governo sabe que a redução da remuneração da poupança será um prato cheio para a oposição fazer um escândalo, comparando até mesmo com o confisco do governo Collor, no início dos anos 1990. Mas, apesar de já dar sinais de que será contrária às mudanças, a oposição não está preparando proposta alternativa.

- Temos de esperar para ver o que vem por aí. Sabemos que o assunto é muito sensível e não vamos permitir que o pequeno poupador seja prejudicado - afirmou o senador e líder do DEM, José Agripino (RN).

O perigo da gastança

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O melhor exemplo do momento atual, em que o gasto público parece ter ficado totalmente fora do controle, é um projeto de lei baseado na medida provisória que já está sendo conhecida como a "MP do Bem-Bom". Ela mostra que a gastança está solta. O que era um projeto de lei para favorecer o parcelamento de pequenas dívidas, até R$10 mil, de microempresários, transformou-se em 70 artigos com benesses a todo tipo de contribuinte, em muitos casos sem limites da dívida. A coisa saiu do controle graças ao deputado da base governista Tadeu Felipelli, do PMDB do Distrito Federal, que foi adicionando ao projeto original benefícios para os mais diversos setores, e agora o governo tenta que a oposição barre no Senado o que sua base já aprovou na Câmara.

A secretária da Receita, Lina Maria Vieira, perambula pelos gabinetes da oposição pedindo pelo amor de Deus que não deixem votar o projeto enquanto o líder do governo negocia a ampliação dos benefícios. Varejo puro, a medida provisória agora trata de vários setores da economia, ao sabor dos lobbies, desde o açúcar do Norte Fluminense até a criação de camarões.

Esse ambiente político se dissemina enquanto o governo vai ampliando as concessões a diversos setores da economia, o que para alguns é um jogo de altíssimo risco, e para Lula, um "jogo de audácia".

O que o governo chama de política anticíclica a oposição diz que é gasto sem estratégia, com o simples objetivo de tentar fazer a economia não entrar em recessão a curto prazo, esquecendo-se dos fundamentos permanentes do equilíbrio fiscal de longo prazo.

Por ter aumentado seu gasto corrente acima do crescimento do PIB, o governo teve que reduzir o superávit primário. Contou, para isso, com o espaço fiscal que ficou aberto com a redução dos juros, mas, ao contrário do que fazem os governos dos Estados Unidos e de outros países, está gastando mais em custeio da máquina pública do que em investimentos.

E fazendo caridade com o chapéu alheio, como afirmam prefeitos e governadores de todos os matizes políticos, pois a redução de IPI para automóveis e agora para a chamada linha branca retira de estados e municípios parte da arrecadação desses impostos, que já está reduzida devido à própria crise econômica. E com isso provoca pressões políticas para mais compensações financeiras.

Um exemplo de como quando o governo parte e reparte fica com a melhor parte é a sistemática da redução do superávit primário.

A meta da União caiu de 2,15% para 1,40% do PIB. A das estatais, sem a Petrobras, passa de 0,70% para 0,20%. Para estados e municípios, cai de 0,95% para 0,90%.

Quem sabe fazer contas diz que isso significa que a meta do governo federal diminuirá em 0,75 ponto do PIB, uma redução de 35%, enquanto a meta das estatais (a maioria federais, mesmo excluída a Petrobras) cairá em 0,5 ponto do PIB, ou corte relativo de 71%.

Enquanto isso, a meta dos governos estaduais e municipais será reduzida em 0,05 ponto do PIB, um recuo de apenas 5%. Mesmo assim, essa meta de superávit, mesmo reduzida, será de difícil execução, a menos que a economia melhore muito.

O início do ano sempre foi historicamente o melhor período, mas até o momento a meta não foi atingida.

Com o novo aumento real do salário mínimo de 6% e os reajustes de funcionalismo público já contratados, há quem ache que o único jeito de a situação fiscal não estourar seria o país crescer muito, o que é improvável que aconteça nos próximos anos.

Essa postura do governo federal também provoca uma ação na mesma direção de estados e municípios, que também aumentaram seus gastos com pessoal.

O governo está apostando que, quando passar a crise, o investimento externo vai voltar, e o país atrairá novamente o capital produtivo. Mas o mais provável é que o arranjo financeiro mundial mude, não vai haver dinheiro para emergentes, a era de dinheiro abundante, farto, sem maiores preocupações não vai se repetir tão cedo.

Pelo contrário, o mundo rico vai "chupar" o dinheiro do mundo. Neste momento, o país está remetendo dinheiro para os Estados Unidos como nunca, o Imposto de Renda na fonte, no setor remessa para o exterior, explodiu, com um aumento de 60%.

Países que, como os da Europa Ocidental e os Estados Unidos, hoje estão fazendo déficits fiscais imensos, de um lado vão ter que subir os juros em algum momento, para atrair investimentos para cobrir seus rombos; e, de outro, terão que combater a inflação que virá em consequência.

Nós teremos então o dilema de disputar os investimentos internacionais pelo aumento dos juros, ou pela atratividade de nossa economia. Mas, se estivermos às voltas com uma crise fiscal, as condições para investimento estarão prejudicadas.

Há uma contradição entre esperar que o dinheiro volte e fortalecer o mercado interno, que está sendo tratado à base de isenções de impostos e não com soluções estruturais, permanentes.

Tudo indica que o governo não vai reverter o superávit fiscal e vai apostar fundo nas obras de infraestrutura. Deveria fazer isso, mas reduzir o custeio.

O problema é que estamos agindo sem uma estratégia de Estado, mas sim de preservação do poder do governo, e quando comparam nossa política anticíclica com a de Obama nos Estados Unidos, esquecem-se de que ele, além do fato de que emite dólares, por enquanto uma moeda desejada no mercado internacional, faz aumento do gasto público com mudanças estruturais.

Reformando a saúde, na indústria automobilística exigindo reestruturações, compromissos com menos emissão de carbono, novas tecnologias ambientais, dinheiro para estimular pesquisas, banda larga nos prédios públicos, construção de prédios inteligentes.

Tarso critica ''judicialização'' da política

Alexandre Rodrigues
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ministro vê ?hiperconcentração de poder e legitimidade? no Judiciário

O ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou ontem que o Brasil assiste a uma espécie de "judicialização" da política, com a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal (STF)regulando o sistema partidário e eleitoral. Para o ministro, a inércia do Legislativo está abrindo espaço cada vez maior para a regulação do Judiciário, o que ameaça o equilíbrio entre os poderes.

"Há hoje no Brasil uma radicalização da estatização da política em função dos poderes que o Judiciário tem avocado para si. E essa é a mais complexa e difícil questão de ser resolvida. Por uma questão muito simples: quando o poder Judiciário resolve, não tem instância para recorrer", afirmou Tarso durante um seminário sobre reforma política na Universidade Cândido Mendes, no Rio. "Podemos estar perante um fenômeno novo no processo político brasileiro: uma hiperconcentração de poder e legitimidade no Judiciário e um esvaziamento dos demais poderes, que pode ser absolutamente problemático", disse.

O ministro citou como exemplos a definição, pelo Tribunal Superior Eleitoral, (TSE), de que os mandatos são dos partidos e a submissão à Justiça de centenas de processos de parlamentares que trocaram de partido.

Para ele, na prática o Judiciário pode julgar até a subjetividade dos políticos, ao analisar os motivos que os levam a trocar de sigla. "E se o tribunal entender que vai decidir também se uma pessoa tem condição ideológica para entrar num partido? Quem julga se pode sair pode julgar também se pode entrar", disse Tarso, alertando para o perigo do que comparou à "instauração de um jacobinismo do Poder Judiciário atípico". Ele também citou a regulação do uso de algemas pelo STF no ano passado.

Tarso concordou com a avaliação do deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), também presente ao seminário, de que é preciso definir uma agenda mínima para desbloquear itens da reforma política enviada pelo Executivo ao Congresso. Ele também cogitou a ideia de uma espécie de reforma constitucional que torne mais clara a relação entre os poderes.

Em entrevista na saída do evento, o ministro ressaltou que não vê voluntarismo nos dirigentes do Judiciário, como o presidente do STF, Gilmar Mendes, mas a ocupação natural de um "vácuo (do Legislativo) que algum poder tem de suprir". Ele também admitiu a responsabilidade do Executivo, citando o excesso de medidas provisórias que engarrafam as pautas da Câmara e do Senado.

Uma espécie de reforma constitucional foi uma das ideias lançadas por Tarso para deixar mais clara a relação entre os poderes sem alterar o atual pacto.

O ministro também manifestou preocupação com a desmoralização do Legislativo com a sucessão de escândalos sobre mordomias e mau uso de recursos. "Os casos estão sendo tratados como se todos os deputados e senadores fossem iguais àqueles que cometem irregularidades. Se não separarmos o joio do trigo, vamos extinguir a esfera da política, que afirma a democracia e tem mais virtudes do que erros."

Lula mistura governo e eleição, afirma tucano

José Maria Tomazela
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Ao anunciar um pacote de obras em vicinais, ontem em Botucatu, o governador José Serra acusou o governo Lula de misturar eleição com gestão. "A gente não deve misturar eleição com administração.
Essa é minha postura e lamento que no plano federal esteja se fazendo essa mistura", afirmou Serra, pouco depois de dizer que o Estado pretende somar esforços em favor do programa federal Minha Casa, Minha Vida.
Ele ressalvou, porém, que seu governo está disposto a fazer "todo tipo de parceria" com o governo Lula para que o programa habitacional atenda a população. "Se o plano federal andar, está ótimo. Na vida pública você tem de somar, não dividir."

Lula expõe demais a candidata Dilma

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Se o presidente Lula não controla a eloquência nos seus improvisos para qualquer auditório, muito menos o faz em entrevista a uma emissora de rádio e na informalidade de uma conversa com o radialista que não o importuna com perguntas indiscretas.

Mas o presidente foi além dos limites da conveniência na entrevista ao radialista Antônio Carlos, da Rádio Globo, e que teve os trechos principais reproduzidos em O Globo, na 5ª página da edição de quinta-feira, dia 16.

Se as perguntas não foram reproduzidas, ficamos com as respostas. E nunca o presidente foi tão claro, direto e categórico, a ponto de desafiar os riscos que rondam todos os candidatos em eleições diretas.

Entre aspas: "Fazer a minha sucessão é uma tarefa gigantesca. Todo mundo sabe que tenho intenção de fazer com que a companheira Dilma seja a candidata do PT e dos partidos. Agora, se ela vai ganhar, é uma tarefa que vai depender do trabalho de cada brasileiro e de cada brasileira". Antes de chegar à candidatura da ministra Dilma, Lula traçou o panorama do país após os seis anos e quatro meses de seus dois mandatos: "Posso dizer que o Brasil é o país que está mais sólido no mundo. Nós temos um sistema financeiro sólido, fizemos a política anticíclica que alguns não conseguiram fazer ainda, temos bilhões de reais, são quase U$ 300 bilhões de investimento do PAC. Agora, temos um programa de 1 milhão de casas".

Ora, sem o ranço da maledicência, mas no estrito dever de veterano repórter político, a temporada interminável de escândalos que começou com o do mensalão e, em destaque com o caixa 2 para a arrecadação de recursos ilícitos para o financiamento de campanha, chegou ao pico com a série infindável de denúncias que arrastam o Congresso e salpicam nos demais poderes.

Não é preciso remexer na pasta dos recortes para ressuscitar venerandas trampas.

Pois, agora mesmo, os desvios das cotas das passagens aéreas da caixa sem fundo das mordomias parlamentares, para financiar viagens ao exterior ou para a folia do Carnaval de um grupo ruidoso de foliões convidados pelo deputado Fábio Faria (PMN-RN) e pela sua então companheira da vez, a animadora Adriana Galisteu, é apenas mais um de uma sequência de desatinos. Ministros de Estado arranharam a compostura do cargo ao utilizar os créditos bloqueados quando se licenciaram para assumir os cargos no Executivo.

A mais serena objetividade impõe a advertência para os riscos que cercam a campanha do próximo ano para as eleições majoritárias do presidente e vice-presidente e dos governadores.
E, se o clima é de véspera de turbulência, não se deve esperar uma disciplina de quartel ou de alunos de escola primária de campanha com a carga de queixas, mágoas, ódios reprimidos e com a oposição sonhando com uma reviravolta nas pesquisas que confirmam os mais de 60% da popularidade do presidente Lula.

Mas o candidato não é o presidente. E a candidata, na medida em que cresça na campanha e dispare para o favoritismo, será o alvo da artilharia oposicionista. Não adianta reclamar. É do jogo, aqui e em toda a parte. E a ministra está no limite da imprudência quando insiste em misturar os alhos de candidata com os bugalhos de responsável, administradora, gerente das obras bilionárias do PAC, inclusive a construção de 1 milhão de casas populares com a candidata ao abrir a lista para os doadores de recursos para a campanha.

A transparência e o cuidado que chegue aos centavos não serão suficientes para calar as denúncias, as suspeitas, a maledicência que inundará a campanha. A praga da reeleição criou o vício dos mandatos de oito anos. Não há candidato a mandato majoritário no Executivo – presidente, governador, prefeito – que não sonhe com a dobradinha dos oito anos.

E com os cuidados dos mais atentos, a suspeita justificada ou a infâmia da trampa para incendiar o escândalo é uma rotina das campanhas por todo o Brasil. E jamais um candidato arriscou tanto quanto a ministra Dilma e o seu padrinho político. São milhares de obras por todo o território nacional, despejando milhões de documentos, prestações de conta em cima de um governo desconjuntado pela substituição de titulares candidatos pela improvisação de especialistas de gabinete.

Com fogo não se brinca.

Receita avalia impacto das desonerações

Adriana Fernandes e Célia Froufe
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Convênio com o Ipea vai possibilitar estudo sobre mudança do perfil da arrecadação

A estratégia de desonerações tributárias setoriais explicita a aposta do governo no mercado interno como fator de sustentação do crescimento econômico durante a crise financeira e a retração do comércio internacional. As escolhas do governo têm recaído em setores com cadeia produtiva longa, uso intensivo de mão-de-obra e grande repercussão econômica.

O governo conta que, nos próximos meses, o caixa da própria Receita Federal vai engordar como reflexo do círculo positivo que se espera das desonerações: aumento do consumo, manutenção do emprego, retomada do crescimento e consequentemente mais pagamento de tributos. A Receita calculou até agora um volume de R$ 20,37 bilhões desonerações com impacto em 2009. Mas parte dessas desonerações foi adotada antes da crise.

A maior dificuldade para a equipe econômica, no entanto, tem sido administrar as crescentes pressões por maiores cortes. O benefício de redução do IPI para automóveis e sua prorrogação foram motivos de críticas dos setores que ainda não conseguiram arrancar nada do governo.

Sem muito espaço para reduzir a elevada carga tributária do País, devido ao crescimento das despesas, o governo tem procurado fazer um ""mix"" de desonerações com incentivo aos investimentos, via maior oferta de crédito àsempresas, como a medida de aporte de R$ 100 bilhões para o Banco de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) e reforço das ações do Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Além disso, o governo busca aumentar os investimentos públicos.

Para o Coordenador de Estudos, Previsão e Análise da Receita, Marcelo Lettieri, as atuais desonerações já começam a se traduzir em um novo perfil positivo da arrecadação. A Receita firmou um convênio com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que deve trazer respostas a partir do segundo semestre deste ano.

De acordo com Lettieri, desonerações como a do Imposto sobre Produtos Importados (IPI) em automóveis e linha branca, por exemplo, trazem como contrapartida o aumento da produção e do consumo, o que se reverteria em mais emprego e pagamento de impostos. ""Já percebemos algum retorno na arrecadação com essas medidas, mas precisamos da expertise do Ipea para confirmar isso"", avaliou o coordenador.

Além da avaliação sobre o impacto das desonerações, o Ipea irá preparar uma série de outros estudos que servirão como base para as decisões tomadas pela Receita nos próximos meses, de acordo com Lettieri. Serão avaliações a respeito do grau da regressividade dos impostos, subsídios para isenções, novas fontes de riqueza e tributação e conjuntura. Estes dados não revelam sigilo fiscal das empresas e pessoas físicas.

Um dos alertas do Ipea à Receita é quanto ao caráter regressivo de alguns impostos e contribuições, nos quais o pagamento de contribuintes com menor poder aquisitivo é proporcionalmente maior. Nesse âmbito, o setor de serviços é o mais abordado nas discussões do Ipea.Em relação aos subsídios, uma análise prévia do instituto revela que a classe média é beneficiada em cerca de R$ 12 bilhões.

Os estudos do Ipea serão encaminhados à Receita, que, após analisar os dados, decidirá por sua implantação ou não. "A principal demanda da Receita para o curto prazo diz respeito ao impacto das renúncias fiscais atuais e das já existentes", disse Lettieri. Sobre um possível novo desenho do recolhimento de impostos, contribuições e taxas, o coordenador admitiu que não se trata de uma demanda para o curto prazo. ""Isso é para iniciar o debate e pensar no futuro"", comentou.

Eleições pesaram na redução da meta fiscal

Christiane Samarco
DEU EM O ESTDO DE S. PAULO

AGU também sugeriu que reajuste dos servidores não fosse adiado

Dois fatores foram determinantes na decisão do governo de reduzir a meta fiscal deste ano e abrir uma folga orçamentária de mais de R$ 40 bilhões até dezembro. Além de um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) recomendando que o governo não adiasse o aumento salarial das categorias mais bem pagas do serviço público, sob pena de ter de enfrentar demandas judiciais e acabar pagando mais caro pela decisão, pesou também o novo pacote habitacional que o Planalto quer transformar em carro-chefe da campanha presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Até o início da noite de terça-feira, a maioria dos técnicos e secretários dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento defendiam a proposta de reduzir de 3,8% para 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) a meta de superávit primário deste ano. Essa posição não ajudava a equacionar um problema revelado em números: faltava dinheiro para o programa habitacional, que exige investimentos de R$ 15 bilhões em 2009, e para a folha salarial do funcionalismo, que terá um aumento de R$ 29 bilhões com os reajustes que serão pagos em julho.

Pressionado por esses números e de olho na eleição de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou a iniciativa de propor à equipe econômica que afrouxasse ainda mais a meta fiscal de 2009, fechada em 2,5% do PIB para que o governo possa gastar mais.

A despesa do Executivo com pessoal e encargos, prevista no orçamento deste ano, é de R$ 153,8 bilhões. Todo o pessoal de nível médio abrigado no Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE), categoria mais numerosa do funcionalismo, recebeu o reajuste em cinco parcelas, duas delas pagas em janeiro e março passado.

Diante das cifras vultosas, setores do governo estavam determinados a adiar o reajuste das chamadas carreiras de gestão, aproveitando a brecha criada na própria lei que permite ao governo suspender os acordos em tempo de crise financeira.

PREJUÍZO POLÍTICO

O drama da área econômica é que falta reajustar exatamente os 400 mil servidores ativos, inativos e pensionistas que recebem os salários e benefícios mais altos do Executivo. Estão aí, por exemplo, funcionários da própria AGU, policiais federais, auditores e fiscais da Receita Federal, diplomatas e analistas do Banco Central.

O Planalto já temia o prejuízo político do adiamento, que certamente traria desgaste ao governo entre o eleitorado que o PT contabiliza como seu. Com o parecer da AGU mostrando que, além da questão política, havia um problema de natureza jurídica, os economistas que defendiam abertamente essa tese recuaram.

A AGU avaliou que a União seria objeto de uma enxurrada de ações na Justiça, movidas por funcionários inconformados com o tratamento diferenciado, em que o reajuste salarial se tornara privilégio de algumas categorias.

Foi a partir daí que o presidente bateu o martelo em favor de um esforço fiscal menor desde já. Um dos colaboradores presidenciais que participou da decisão explicou que Lula achou melhor fazer "as barbaritudes necessárias" de uma só vez, para não correr o risco de ser obrigado a mudar novamente as metas fiscais mais adiante e sofrer prejuízo dobrado com as críticas da oposição. O momento foi considerado o mais oportuno por causa da contagem regressiva, já em curso, até a eleição presidencial do ano que vem.

Secretário-geral da OEA pedirá readmissão de Cuba

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

José Miguel Insulza diz que fará pedido na próxima reunião da organização em junho, em Honduras

O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o chileno José Miguel Insulza, afirmou ontem que vai pedir aos integrantes da organização que readmitam Cuba como membro. Insulza disse que vai pedir à Assembleia-Geral da OEA que anule a suspensão de 1962 em sua próxima reunião, marcada para junho, em Honduras .

Cuba foi suspensa da OEA há 47 anos. A resolução, tomada na Conferência de Punta Del Este, em 1962, determinava que o regime comunista cubano era incompatível com os princípios da organização e coincidiu com a imposição do embargo americano à ilha.

"Eu sempre disse que a primeira coisa que devemos fazer na OEA é anular a suspensão de Cuba antes de qualquer coisa Só então podemos falar com Cuba", afirmou Insulza. "Ele (Insulza) agora vai pisar no acelerador porque acabar com a suspensão de Cuba valorizaria a OEA", disse uma fonte do Itamaraty. "É o desejo de todos os países da organização, menos um", afirmou o diplomata, em clara referência aos EUA. Washington resiste em readmitir Cuba na OEA. Antes, a Casa Branca exige contrapartidas "democráticas", como a libertação de presos políticos e a liberdade de expressão.

O embaixador Jeffrey Davidow, assistente do presidente Barack Obama para a Cúpula, já afirmou que Havana não segue os princípios democráticos necessários para a reintegração à OEA.

VETO

Na quinta-feira, durante a cúpula da Alternativa Bolivariana (Alba), em Cumaná, na Venezuela, Raúl Castro disse que "a OEA deveria "acabar". Segundo ele, Cuba nunca entrará na organização, que ele classificou de "instrumento dos EUA". "Insulza sabe que nós não podemos nem ouvir o nome de uma instituição que nunca ajudou nosso povo."

Insulza tentou minimizar os comentários de Raúl Castro. "É natural que um país que está suspenso há quase 50 anos de uma organização esteja irritado", afirmou o chileno.

'Um novo começo com Cuba'

Gilberto Scofield Jr.
DEU EM O GLOBO

Obama estende a mão a Havana, num dia em que os dois governos reconheceram erros

Numa aproximação entre Estados Unidos e Cuba que há décadas não era vista, os presidentes dos dois países fizeram declarações que indicam um degelo nas relações entre Washington e Havana. Em seu discurso de apresentação na 5ª Cúpula das Américas, o presidente dos EUA, Barack Obama, surpreendeu aqueles que achavam que ele evitaria falar sobre Cuba e afirmou que busca "um novo começo" com o país.

As horas que antecederam o discurso do presidente americano foram repletas de gestos de conciliação jamais vistos nos 47 anos de embargo econômico dos EUA a Cuba, maior aliado da União Soviética na América durante a Guerra Fria. O presidente cubano, Raúl Castro, e a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, chegaram a reconhecer que seus países cometeram erros no passado.

- Os EUA buscam um novo começo com Cuba. Sei que há uma longa jornada que deve ser trilhada para superar décadas de desentendimentos, mas há passos importantes que podemos dar em direção a um novo dia - disse Obama. - Deixe-me ser bem claro: não estou interessado em falar apenas por falar. Mas eu acredito que podemos levar as relações EUA-Cuba para uma nova direção.

Na noite de quinta-feira, Raúl Castro afirmara que o país estava disposto a conversar sobre "tudo" com os Estados Unidos.

- Nós dissemos ao governo dos EUA, em particular e em público, que estamos dispostos a discutir tudo: direitos humanos, liberdade de imprensa, prisioneiros políticos, tudo, tudo, tudo - enfatizou Raúl a jornalistas, durante uma reunião com aliados de Hugo Chávez na Venezuela. - Nós podemos estar errados, nós admitimos. Nós somos seres humanos.

As declarações caíram como um raio na Casa Branca, que até então buscava evitar que o tema Cuba se tornasse o principal da 5ª Cúpula das Américas. O secretário de imprensa da Casa Branca, Robert Gibbs, disse a jornalistas no avião de Obama a caminho de Trinidad e Tobago que a admissão dos cubanos de que podem estar errados foi o que provocou a reação mais forte.

Hillary Clinton, a principal diplomata dos EUA, que estava na República Dominicana, saudou a disposição de Raúl para o diálogo. E frisou que a política externa americana para Cuba, com o embargo econômico, fracassou.

- Damos boas-vindas aos comentários de Raúl Castro, à abertura que eles representam, e estamos analisando-os seriamente para sabermos como vamos responder - disse Hillary. - Continuamos em busca de formas de ação produtivas, porque eu e o presidente Obama compartilhamos a opinião de que a política (dos EUA) para Cuba fracassou. A aproximação é uma ferramenta útil para avançarmos com nossos interesses nacionais.

As posturas de EUA e Cuba ajudaram a eclipsar (ao menos ontem) a esperada tentativa do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, e de seu grupo de países aliados, como Bolívia e Nicarágua, de roubar as atenções do encontro usando justamente o tema de Cuba.

Chávez e Ortega foram vistos e fotografados apertando, sorridentes, as mãos de Obama. Chávez chegou a dizer, em inglês, para o americano:

- Quero ser seu amigo.

Em seu discurso, Ortega disse estar envergonhado por estar numa reunião da OEA sem Cuba, ainda mais no dia em que se completaram 48 anos da frustrada invasão da Baía dos Porcos. O nicaraguense, porém, tirou de Obama qualquer responsabilidade, lembrando que o americano nasceu apenas meses depois da operação.

Fim de restrições a viagens e remessas de dinheiro

Apesar do embargo econômico de 47 anos imposto pelos EUA a Cuba, o presidente Obama anunciou na segunda-feira o fim das restrições a viagens e ao envio de remessas de dinheiro de cubano-americanos à ilha.

Os líderes fizeram questão de marcar o encontro de Trinidad e Tobago como um marco numa nova etapa das relações entre os países do continente americano, diante de um mundo onde a Guerra Fria acabou e de uma região mais próspera e menos desigual, afetada por uma crise financeira que, pela primeira vez nos últimos tempos, não nasceu em países emergentes. Mas, ao fim e ao cabo, todos enviaram seu recado ao presidente Obama: gostariam de ver Cuba na mesa de negociações do continente e o fim do embargo.

- Precisamos assumir o desafio de promover a interação desta nova ordem regional. O ambiente é de transformações e expectativas de novas realidades de nossos povos. E precisamos reconhecer o anacronismo que é a política de embargo a Cuba - ressaltou a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, a primeira a discursar na cerimônia de abertura oficial ontem.

Ação de moderados procura conter Chávez

Gilberto Scofield Jr.* e Eliane Oliveira
DEU EM O GLOBO


Lula se destaca entre os líderes que agem para atenuar os conflitos com a Casa Branca, e negocia parceria estratégica

PORT OF SPAIN e BRASÍLIA. Apesar das tentativas do presidente venezuelano, Hugo Chávez, de roubar a cena, a diplomacia da maioria dos países participantes da Cúpula das Américas aposta que os gestos conciliatórios recentes entre os EUA e Cuba e a ação de líderes latinos considerados moderados - como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, Michelle Bachelet, do Chile, e Felipe Calderón, do México - serão capazes de evitar que Chávez, com seu discurso virulento, ameace a elaboração de uma proposta de ações comuns entre as nações.

Prestigiado com os sucessivos elogios de Obama, o presidente Lula tende a ser o contraponto de um possível duelo entre o líder americano e Chávez. Os EUA esperam mais do que uma parceria estratégica com o Brasil no campo bilateral. Obama já deixou claro seu desejo de que Lula use sua liderança na região para atenuar os conflitos entre alguns vizinhos e a Casa Branca.

Lula, contudo, deverá cobrar algo em troca, de preferência um compromisso mais firme de Obama em relação ao etanol. Apesar do distanciamento de George W. Bush da América do Sul, o ex-presidente americano sempre foi favorável -- e com ações concretas -- a um trabalho conjunto com o Brasil no campo do etanol e outros combustíveis renováveis. Para o governo brasileiro, seria fundamental que os dois países investissem em projetos desenvolvidos em países mais pobres, com ênfase no Caribe.

Líderes da Alba veem no G-20 um "grupo de exclusão"

Ontem, os países que integram a Aternativa Bolivariana para as Américas (Alba) e até quinta-feira estavam reunidos em Cumaná, na Venezuela, divulgaram dois documentos em que afirmam ser inaceitável e insuficiente a resolução a ser divulgada pela Cúpula das Américas, por não responder satisfatoriamente à crise econômica mundial e deixar de fora Cuba. Um dos documentos chega a criticar aquele que é considerado uma das maiores conquistas da diplomacia brasileira, o G-20, acusado ser um "grupo de exclusão" em cujo interior são tomadas decisões à revelia de outros países.

Não está claro ainda se a estratégia do grupo de países - que inclui, além da Venezuela, Nicarágua, Bolívia, Honduras, Dominica e Cuba - é esvaziar a resolução, recusando-se a assiná-la e condenando-a, ou apenas condenar o documento mas assiná-lo do mesmo jeito, caso consigam alterar um ou outro ponto no texto final do encontro nas discussões de hoje e amanhã. Chávez deve tentar enfraquecer a Cúpula com palavras raivosas antiamericanas, como fez ontem durante cerca de 45 minutos o nicaraguense Daniel Ortega em seu discurso na noite de abertura.

- Mas ele vai ter um cenário um tanto mais difícil, ou ao menos mais constrangedor, para fazer seu barulho habitual - diz um diplomata presente às negociações. - Simplesmente porque Obama tem enorme popularidade entre os países latinos agora e vem acenando com um rompimento na relação distante, quase inexistente, que os EUA tinham com o continente.

Na manhã de hoje , em Trinidad e Tobago, os líderes da União Sul-Americana de Nações (Unasul) tentarão passar seus recados, anseios e reivindicações durante uma reunião inédita, de apenas 45 minutos, com o presidente americano. Para representantes do governo brasileiro e alguns especialistas, o encontro com Obama pode até não render decisões e compromissos, mas todos vão querer conquistar espaço no evento que marca uma aproximação política da região com a Casa Branca. Afinal, desde o início da década, a diplomacia americana colocou a América do Sul no pé de sua lista de prioridades.

O encontro com Obama, a ser realizado a pedido do presidente americano, está marcado para as 8h (9h de Brasília), seguido pelas reuniões plenárias dos chefes de Estado e de governo que participam da Cúpula.

- Essas reuniões em nível de presidentes são simbólicas, servem mais para fotografias. É mais um gesto, uma mensagem midiática. Ninguém toma decisão - comentou o ex-ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia.

No meio diplomático, espera-se que a presidente do Chile tenha algum trabalho ao mediar as discussões e amansar os mais cáusticos, como Hugo Chávez, Rafael Correa (Equador) e Evo Morales (Bolívia). As atenções deverão estar voltadas ao que Chávez pode dizer a Obama - depois do cordial aperto de mãos de ontem.

- Não descartamos um confronto direto entre Chávez e Obama, mas esperamos que isso não aconteça - afirmou um embaixador brasileiro.

(*) Enviado especial

Cuba e Ipanema

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


PORT OF SPAIN - Na conversa telefônica com seu mais novo amigo de infância, Barack Hussein Obama, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma brincadeirinha que poderá se revelar profética: disse a Obama que, se ele quisesse, serviria de intermediário para que Obama e Raúl Castro se encontrassem em Ipanema.

É pouco provável que Ipanema seja de fato o local do encontro, mas é evidente que começou a contagem regressiva para o fim do embargo norte-americano a Cuba (que não é apenas anacrônico mas também desumano) e, por extensão, para a reintegração da ilha ao sistema inter-americano, do qual está suspensa há 50 anos.

Nem é mais preciso recorrer a informações de bastidores para chegar a essa conclusão: o diálogo indireto entre as partes se dá à luz do dia e no mais alto nível. Numa ponta, Raúl Castro se diz disposto a conversar com os Estados Unidos sobre todos os temas, inclusive os até agora tabus (direitos humanos, democracia etc.). Hillary Clinton devolve na mesma moeda. Acabarão fatalmente conversando, porque é do interesse das duas partes. Não há a menor razão para que dois países separados por apenas 150 quilômetros de mar não restabeleçam relações, até porque elas foram interrompidas por conta de um fenômeno, a Guerra Fria, esgotado há duas décadas.

Prova de que a normalização é questão de tempo é o fato de que as agências de turismo da Flórida, a digamos fronteira de Cuba, já atualizaram uma campanha publicitária para vender a ideia de viagens à ilha hoje proibida.

Homens de negócio podem ser tudo o que você quiser, mas que têm faro para ganhar dinheiro não dá para negar.

Por isso tudo, a 5ª Cúpula das Américas será possivelmente a última em que a ausente (Cuba) tem forte presença, uma tremenda anomalia.

A escolha é nossa

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

A América Latina gosta de perder décadas e oportunidades. Aceita caudilhos, tiranos e tiranetes com razoável regularidade. Tolera que seus governantes confirmem as caricaturas feitas sobre a região. Usa, para se dividir, o que seria fator de união: a Amazônia, os rios comuns, a energia. A América Latina gosta de terceirizar suas culpas, achando que suas mazelas são imposições externas.

Em 2005, a Cúpula das Américas, em Mar del Plata, foi um fiasco. Não se discutiu nada sério e o esporte favorito era atacar George Bush, o detestável. O anfitrião culpou-o numa reunião bilateral por todas as misérias latino-americanas. O excêntrico Hugo Chávez comandou uma passeata contra o governo americano, organizada com o apoio implícito do governo argentino.

Uma nova liderança americana com todas as virtudes de Barack Obama abre a chance de uma relação amadurecida no hemisfério. A declaração de ontem da secretária de Estado, Hillary Clinton, é animadora. Um passo pequeno, mas um reconhecimento de que a política americana sobre Cuba fracassou. A resposta de Raúl Castro, de que está disposto a conversar sobre tudo, é outro sinal interessante. O diálogo isola ainda mais a patética Alba, que se reuniu para dar um suposto apoio a Raúl Castro, que, pelo visto, é mais esperto que todos eles. Na tal reunião, o presidente da Bolívia, Evo Morales, pediu para ser expulso da OEA, e se definiu como membro da inexistente corrente "marxista-leninista-comunista-socialista", e Chávez avisou que não assinaria o comunicado conjunto negociado pelos governos. Nada sério.

A América Latina tem muitas mazelas: pobreza, desigualdade, exclusão, racismo. O problema é que, ao lutar contra elas, os líderes preferem culpar alguém ou algo externo. Dependendo da época, muda o culpado. Pode ser o colonizador, os Estados Unidos, o imperialismo, as multinacionais, a CIA, a dívida externa, a trilateral, o capitalismo, o FMI, o neoliberalismo. O inferno são os outros, e nunca as escolhas da região, os governantes eleitos ou tolerados, a indulgência com os erros, a corrupção.

Os Estados Unidos, por sua vez, ficaram prisioneiros de uma armadilha enferrujada. É espantoso que, 20 anos depois da queda do muro de Berlim, a potência americana ainda veja algum sentido no embargo a Cuba. O passo de Barack Obama, permitindo viagens, colaboração nas telecomunicações e remessas ao país, é insuficiente. Obama teve uma atitude madura e moderna em relação ao mundo muçulmano, mas ainda não encontrou o jeito de revogar essa velharia da Guerra Fria. O embargo foi decretada para sufocar o regime, sustentado pela União Soviética, que já acabou há quase duas décadas. Pelo menos, agora o governo americano já reconhece que fracassou.

O teste de resistência derrotou os EUA. Mas o tempo os derrotou a todos. Fidel Castro lembra o personagem literário do Outono do Patriarca, com aparições em que parece o fantasma de si mesmo. A ilha revolucionária, que incendiou a esperança dos jovens latinos nos anos 60 e 70, virou apenas uma capitania hereditária.

Cuba, com seu território menor que a Pensilvânia, não pode permanecer eternamente ditando o tom da relação entre os países do continente. Donna Hrinak, ex-embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, resumiu esse sentimento.

- Trabalhei 30 anos no hemisfério. Nós perdemos tempo, dinheiro e energia demais discutindo Cuba. Morei na Polônia comunista, e nós a inundamos de informação, visitantes e intercâmbio cultural, e isso mudou o regime.

Cuba é apenas uma ilha com um governo autoritário, que lembra as ditaduras longevas da região, como foram as de Stroessner ou de Trujillo, e que tem um indiscutível mérito: atingiu conquistas sociais inéditas. Evidentemente, ao contrário do que pensam os defensores do esclerosado regime castrista, isso não o absolve dos crimes contra a vida e a liberdade. O embargo isolou e sacrificou seu povo. É inaceitável.

Mas é apenas um detalhe. O relevante é o atraso da região, que tem muitas oportunidades de construir um futuro mais sólido e as despreza. Veja o que aconteceu com a Bolívia. Nos últimos anos, o preço do gás e a demanda pelo produto boliviano estavam em alta. Em vez de aproveitar e atrair investimentos, Evo Morales demoliu a confiança do consumidor brasileiro de que ele poderia ser um fornecedor confiável. Chávez desperdiçou o boom do petróleo com populismos e má administração. É um governante eleito construindo uma tirania. Na semana passada, Morales fez uma exótica greve de fome, para pressionar o Congresso. A Argentina, país que tem alto nível educacional, aceita a anomalia de ter uma presidente exercendo funções protocolares e um ex-presidente governando de fato o país. O Brasil é atacado por Bolívia, Equador e Paraguai, como se fosse um sub-Estados Unidos, cada vez que os governantes desses países estão disputando alguma eleição ou plebiscito. Depois, voltam a ser "muy" amigos.

Será boa para todos uma nova era de relacionamento maduro, moderno e pragmático, mas a salvação não virá de Washington, como nunca veio de Madri, Lisboa ou Londres. A região está por sua própria conta e vive das suas escolhas.

Depois da crise!

Cesar Maia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O AMBIENTE econômico depois desta crise não será o mesmo. O G20 falou de restrições e de controles financeiros. A destruição de capital indica que a produtividade média será maior que a atual. O comércio mundial será mais competitivo.

O valor do conhecimento incorporado aos produtos será maior. As exigências ambientais serão maiores. E por aí vai. O desenvolvimento econômico a longo prazo é fruto do aumento da produtividade dos fatores, do acúmulo de capital físico, da infraestrutura básica, do incremento do conhecimento e do nível de escolaridade.

Assim, as ações dos governos devem ter dois componentes. O primeiro diz respeito às medidas compensatórias destinadas a reduzir o custo social no curto prazo (variações do keynesianismo) e que envolvem, na defesa do capital, aporte governamental e crédito especial.

O segundo componente está relacionado às medidas que ampliem a competitividade, de forma que o piso do novo PIB seja o maior possível e a capacidade de crescimento em condições menos elástica seja bem maior que a de hoje. Essas precauções são fundamentais para países em desenvolvimento, pois o ciclo econômico encerrado facilitou o crescimento com taxas de produtividade mais baixas.

Ao lado das medidas óbvias de estímulo conjuntural, cabe aos governos desenharem, já, um programa de intervenções e investimentos que produza a máxima sinergia com o capital privado. Em primeiro lugar, deve ser iniciada a qualificação da infraestrutura econômica -estradas, portos, aeroportos e ferrovias. É preciso fazer a reconversão energética, adequando o sistema de transportes, as construções, os aterros sanitários, as fronteiras econômicas etc. às exigências ambientais.

Há necessidade de traçar um vigoroso programa de desenvolvimento tecnológico, elevando os critérios aos padrões internacionais, e de estimular o ensino técnico qualificado como alternativa ao bacharelismo. Cumpre ainda rever a tributação sobre os investimentos, especialmente os que incorporem mais tecnologia. E garantir a segurança jurídica e o direito de propriedade.

Está na hora de a palavra planejamento voltar à ordem do dia. A sincronização de medidas compensatórias com medidas de sustentabilidade requer mais do que programas tradicionais de ativação do gasto público. Exige planejamento e construção de cenários e decisões consensuais no nível político para que não se perca nem mais um dia com declarações exóticas na tentativa de construir um otimismo de caça-níqueis.

Só assim vamos reduzir os danos e, simultaneamente, criar as melhores condições para impedir que a economia, na saída da crise, seja rebaixada para a terceira divisão.