sexta-feira, 8 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

"Todo estrato social tem seu “senso comum” e seu “bom senso”, que são, no fundo, a concepção da vida e do homem mais difundida. Toda corrente filosófica deixa uma sedimentação de “senso comum”: é este o documento de sua efetividade histórica. O "senso comum" não é algo rígido e imóvel, mas se transforma continuamente, enriquecendo-se com noções científicas e com opiniões filosóficas que penetraram no costume. O “senso comum” é o folclore da filosofia e ocupa sempre um lugar intermediário entre o folclore propriamente dito(isto é, tal como é entendido comumente) e a filosofia, a ciência, a economia dos cientistas. O "senso comum" cria o futuro folclore, isto é, uma fase relativamente enrijecida dos conhecimentos populares de uma certa época e lugar.”


(Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, volume 2, pág. 209 – Civilização Brasileira, 2006)


O debochado em seu hábitat

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O deputado Sérgio Moraes, relator do processo por quebra de decoro contra o deputado Edmar Moreira no Conselho de Ética da Câmara, é um abusado convicto.

Vai propor a absolvição do ex-corregedor suspeito de ter usado notas fiscais frias para justificar gastos com a verba extra de R$ 15 mil não porque o presuma inocente. Não entra no mérito da questão.

O argumento dele é aquele: se não estava escrito que era proibido gastar a verba com serviços contratados a empresas de propriedade do parlamentar, então era permitido. Ignora de propósito a acusação de apropriação dos recursos, pois o deputado Moreira não conseguiu provar que a despesa alegada foi realmente feita.

Na visão do relator, tudo o que não é proibido é permitido. Matar e roubar inclusive, dado que não há veto explícito a nenhuma das duas ações no regimento interno da Câmara ou nos delitos passíveis de cassação de mandato.

Mas o deputado Sérgio Moraes é também um homem de acurada percepção, sabe onde pisa.

"Estou me lixando para a opinião pública, até porque vocês (jornalistas) batem, mas a gente se reelege." É um deboche, só que um deboche sustentado numa realidade inquestionável.

Malfeitores de carteirinha são eleitos e, quando reeleitos, encontram no Parlamento o abrigo da justificativa de que foram absolvidos pelas urnas.

Ele mesmo, réu em dois processos no Supremo Tribunal Federal, está lá na posse legítima de seu mandato. Indicado para relatar um processo por quebra de decoro no Conselho de Ética, lixando-se para a opinião pública, na maior sem cerimônia e sob o silêncio obsequioso de seus pares que não cansam de reclamar de que imprensa peca pela generalização.

Um parêntese: no caso das passagens distribuídas a parentes, amigos e correligionários, viu-se, a imprensa foi conservadora no tocante à farra generalizada.

Mas o eminente relator não disse o que disse referido apenas no ambiente do Congresso.

Sérgio Moraes dá-se ao luxo de se lixar para a opinião pública, para a ética e para os bons costumes porque vive num País onde uma parcela robusta ? para usar o adjetivo predileto do ministro Guido Mantega ? do eleitorado joga o voto no lixo.

Vai às urnas com descaso, sai dali falando mal dos "picaretas" do Congresso e assim passa quatro anos até a próxima eleição quando, de novo, age como se não houvesse relação de causa e efeito entre a qualidade do voto e o perfil do Parlamento.

Por exemplo: na eleição de 2008 a Justiça Eleitoral, a Associação dos Magistrados e entidades afins tentaram levantar a bola dos fichas-sujas para o eleitorado chutar. Tempo perdido, o assunto nem sequer mereceu maior atenção nas campanhas e, por mais que se exibissem listas de candidatos processados, vários se elegeram prefeitos e vereadores.

Ah, queriam que a Justiça os proibisse de concorrer? Pois é, nem sempre o que não é proibido é necessariamente permitido. O TSE seguiu a Constituição. Mas alertou o eleitor de que ele poderia, e deveria, seguir o próprio discernimento.

Na eleição anterior a essa, a de 2006, o Brasil acabara de conviver com o escândalo do mensalão. Tratava-se de um governo cujo partido organizou a maioria parlamentar mediante a distribuição ilegal de recursos entre os partidos aliados no Congresso.

Não só o governo foi reeleito, como diversos mensaleiros voltaram ao Legislativo como se nada houvera ontem nem anteontem. Que não se atribua o fato exclusivamente ao poder do dinheiro para financiamento de gordas campanhas nem à carência educacional ou à despolitização do brasileiro dos grotões.

Todos se lembram ? por inesquecível ? da pesada ofensiva de uma parcela de certo mundo cultural em favor da política das "mãos-sujas". Não foi um nem foram dois os artistas que emprestaram seus nomes à defesa da tese segundo a qual política é a arte de chafurdar na lama. Se o político é alvo da simpatia, ou compartilha da mesma ideologia, não há mal em mandar os escrúpulos às favas.

Qualquer tentativa de pôr em foco a questão da ética era posta no terreno do farisaísmo, desqualificada como ofensiva "udenista" de uma classe média ressentida aliada a uma elite entediada. O esboço de uma reação desenhada no movimento "Cansei" (de tanta desfaçatez) foi ironizado, um capricho de ricos "cansados".

Fosse outra a atitude dos políticos que se dizem desiludidos por confundidos com a escória existente em toda parte, fosse diferente a postura do eleitorado, fosse menos cínica a ação de certas celebridades, fosse menos apática a universidade, o valor da ética talvez não estivesse em queda livre.

Não trocassem seu vigor por um punhado de verbas públicas os movimentos sociais, as entidades estudantis, não deixassem todos tão barato os verdadeiros descalabros pronunciados por autoridades em defesa da imoralidade de resultados, certamente o deputado Sérgio Moraes não se sentiria tão à vontade de se "lixar" para o Brasil.

Renovação de ares

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Foi-se o tempo em que podíamos discutir temas como voto distrital, ou em lista, ou financiamento público de campanhas como se estivéssemos decidindo os destinos políticos do país. Acabou a graça, já não há mais ambiente para que um debate como esse produza no cidadão comum a sensação de que, afinal, estamos caminhando para alguma direção definida, com um objetivo claro de aperfeiçoar nosso sistema político-eleitoral. Falar de voto em lista ou financiamento público a esta altura do campeonato, com os políticos completamente desmoralizados e sem credibilidade, ainda sangrando em público por uma série de irregularidades que vêm sendo cometidas no correr dos anos sem que houvesse uma só administração disposta a coibir os abusos evidentes, é querer levar mais lenha à fogueira.

Como explicar para a população que vamos colocar mais R$ 1 bilhão no orçamento público para financiar campanhas políticas desses mesmos políticos que estão sendo vistos pela opinião pública como usurpadores, em vez de defensores do cidadão? A situação do deputado Sérgio Moraes, que relata o processo contra o deputadocastelão Edmar Moreira e diz não estar ligando para o que a opinião pública pensa, já antecipando seu voto favorável ao colega, é típica de uma instituição que não se dá ao respeito, que não tem instrumentos nem vontade política para controlar seus “aloprados”.

No mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) abre um processo contra o deputado do castelo, por sonegação de impostos e apropriação indébita de contribuição dos funcionários ao INSS, seus pares caminham para livrá-lo de qualquer punição.

Antes de fazer essa pantomima em torno de uma reforma política que está para sair há anos e nunca se realiza porque são muitos os interesses em jogo, os parlamentares deveriam tratar de recuperar a credibilidade da instituição, fazendo uma limpeza em regra, e não apenas nos seus membros.

Vê-se agora que foi montada dentro do Congresso uma estrutura burocrática que ganhou vida própria, e que tem em suas entranhas segredos e mistérios que não se coadunam com as normas básicas de moralidade e impessoalidade do serviço público.

A promiscuidade entre a burocracia do Congresso e os senhores parlamentares, com uma mão lavando a outra e todos se dando bem, com interpretações lenientes de regimentos e condescendência com desvios de conduta suprapartidária, só poderia dar no que está aí.

Os políticos se queixam de que o Judiciário avança muito nas suas decisões, a famosa “judicialização” da política, mas têm culpa no cartório por seu comportamento e, sobretudo, pela inação.

Só decidem se mexer quando, às vésperas das eleições, sentem-se ameaçados pela repulsa do eleitorado e tentam, em cima do laço, fazer as reformas que dormem nas gavetas do Congresso há anos.

Como uma maneira de proteger seus interesses imediatos ou, no mínimo, de desviar a atenção dos seus problemas, jogando no ar a discussão de temas fundamentais, que precisariam de tempo de discussão com a sociedade para serem aprovados.

O fato é que, por pressão dos próprios políticos, o Judiciário assumiu decisões retrógradas para o funcionamento de nosso sistema eleitoral.

O caso da flexibilização da interpretação sobre a verticalização, que na verdade significou o seu fim, é exemplar. O TSE, que havia reafirmado o princípio da verticalização para a eleição de 2006, recuou em conjunto depois que vários líderes partidários, entre eles os senadores José Sarney, Renan Calheiros e o falecido Antonio Carlos Magalhães, foram pressionar os juízes.

As alianças fora das coligações nacionais, que haviam sido chamadas de “concubinato” pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, acabaram voltando a serem permitidas, e a “ordem na bagunça partidária das coligações para as próximas eleições” acabou não se estabelecendo.

Outra decisão, desta vez do Supremo, também atingiu em cheio uma reforma eleitoral que entraria em vigor nas últimas eleições.

Dez anos depois de terem sido introduzidas na Constituição, exatamente para que os partidos políticos se preparassem, as cláusulas de barreira foram eliminadas pelo STF por unanimidade, sob a alegação absurda de que feriam os direitos dos pequenos partidos e impediam o pluralismo partidário.

Os partidos não deixariam de existir, apenas não teriam representação no Congresso se não tivessem um número mínimo de votos, como acontece em vários países, o que ajudaria a organizar o funcionamento das alianças políticas dentro da Câmara e do Senado, onde hoje têm representação nada menos que 19 partidos.

Com a cláusula de barreira, estariam reduzidos a cerca de dez.

Já não importa mais saber se o melhor sistema é o distrital ou o proporcional, se o voto em lista pode melhorar a representação partidária, ou se colocará os partidos mais ainda nas mãos dos dirigentes e longe do eleitor.

Se não for feita uma limpeza no próprio sistema partidário, com uma reorganização que permita a formação de novas correntes políticas dentro de novos partidos, não será possível aprovar uma reforma política que faça a democracia brasileira avançar.

E essa renovação de ares só poderá ser feita com o próximo Congresso, quem sabe mais depurado pelas urnas do que gostariam os sérgios moraes da vida, e pelo novo presidente da República, que deveria assumir o compromisso de fazer da “mãe de todas as reformas” sua prioridade de governo.

Sem atalho para o respeito do eleitor

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


De 18 países da América Latina apenas quatro fizeram reformas eleitorais nos últimos 20 anos, considerando-se como tal mudanças no modelo em que o voto se converte em representação política e excluindo-se da lista alterações produzidas por rupturas institucionais.

Em todos quatro, as reformas foram incapazes de reduzir a volatilidade eleitoral dos partidos e contribuir para a sedimentação institucional. Três dos reformistas estão entre aqueles que mais sinais de instabilidade política vêm produzindo no continente: Venezuela, Bolívia e Equador. O quarto da lista é a Colômbia.

Nenhum deles se inclui na lista de países que mais avançam no levantamento anual da Freedom House, instituição americana que avalia o conjunto das liberdades civis e direitos políticos. Entre os países que têm incrementado sua posição nesses critérios estão Brasil, Chile, El Salvador, México, Panamá, República Dominicana e Uruguai.

Os dados estão em trabalho apresentado pelo cientista político da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, André Marenco, em seminário internacional sobre reformas eleitorais promovido em Santiago pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no ano passado.

Nele se descreve como os países mudancistas abriram suas listas fechadas, caminho inverso do pretendido no Brasil. Apenas o vezo de se transformar problemas políticos em crises institucionais explica por que se pretende mover o país para a crista das turbulências.

Na comparação para além da América Latina, o impulso reformista no Brasil também vai na contramão. A quase totalidade dos países que hoje adotam lista fechada o fizeram depois de regimes de exceção. Apenas a Polônia fez o que PT, PMDB, DEM, PPS e PCdoB preconizam - sair de um sistema em que a lista de parlamentares é definida diretamente pelo voto do eleitor para outro em que um ordenamento prévio do partido direciona a escolha.

A dobradinha com o financiamento público de campanhas já diz tudo. As cúpulas partidárias, que já têm poderes desmedidos, querem assegurar sua manutenção reduzindo a competição eleitoral. Para isso, além de acenar aos atuais deputados com prioridade na lista de 2010, espera dobrá-los com a proposta de dinheiro público a rodo nas campanhas eleitorais.

Os mudancistas não se dignam a esclarecer ao público pagante que as regras em vigor no país já contemplam as virtudes apregoadas tanto na lista fechada quanto no financiamento público. O que é o voto de legenda senão uma modalidade mais democrática de lista fechada? E o que dizer do horário eleitoral gratuito e o gordo fundo partidário?

O silogismo dos reformistas relaciona uma premissa real - o encarecimento das campanhas - à falsa solução do dinheiro público. Não é irrigando o caixa 1 que se coíbe o 2. Se é a traficância de interesses no Estado que paga os custos de campanha 2, é mais eficiente e barato coibi-lo com mais transparência nas licitações públicas e execução orçamentária.

Parte da lição de casa vem sendo feita pela justiça eleitoral com o cruzamento das declarações do Imposto de Renda com as declarações de gastos de campanha, além do estudo em curso para coibir as doações ocultas via partidos. Isso talvez explique, em parte, o motor dessa nova investida pelo financiamento público.

A iniciativa ressurge no momento em que caiu de moda no resto do mundo. Basta ver o que aconteceu nos Estados Unidos nas últimas eleições presidenciais. Depois de três décadas de vigência iniciada depois dos escândalos de Watergate, o financiamento público de campanha entrou em desuso nos Estados Unidos. Os candidatos abriram mão da verba a que teriam direito pelo comitê eleitoral em troca de poder levantar livremente recursos junto a empresas e eleitores.

A iniciativa, inicialmente tomada por Hillary Clinton e seguida pelos demais, sinalizou a oxigenação política que estava em vias de mostrar a porta de saída para a crise econômica. O resultado foi a maior arrecadação de contribuições eleitorais já vista na história do país, com ampla divulgação na Internet. Apenas o presidente Barack Obama arrebanhou 3,5 milhões de contribuintes. Em 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva amealhou 1,2 mil.

É a terceira vez, na era lulista, que se tenta levar a cabo uma reforma política. A primeira surgiu com o mensalão e a segunda, com a operação policial que quase custa o mandato do senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Desta vez, o pretexto é a desavergonhada farra das passagens aéreas.

Tantas outras surgirão enquanto os parlamentares não acordarem para as evidências de que as políticas públicas mais relevantes que hoje estão em curso no país foram levadas a cabo pelo Executivo com uma participação mais decisiva do Judiciário do que do Legislativo.

Num momento em que ícones do moralismo parlamentar se deixam vitimar pelo próprio discurso é que o Congresso deveria reforçar o voto como a opção do eleitor na disputa de rumos para o país. Correção no trato da coisa pública é apenas um meio para isso. E reforma do sistema eleitoral tampouco lhe serve de atalho.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Reforma a toque de caixa

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO - Impulsionada pela crise, recomeçou a discussão sobre reforma política. Dois temas se destacam e parecem encantar a maioria. Um deles é financiamento público de campanha; outro é o voto em lista fechada.

Tenho muitas dúvidas sobre os dois. As eleições de 2008 custaram um pouco mais de R$ 1,5 bilhão. Isto sem contar os R$ 190 milhões de programa gratuito. Eleições nacionais vão rondar os R$ 2 bilhões. Será que os eleitores aceitam? Financiamento público é tido como antídoto à corrupção. Mas na Alemanha de Helmut Kohl houve escândalo mesmo com financiamento público. Nos EUA, Obama dispensou dinheiro público e usou pequenas doações via internet.

Voto em lista fechada pode também afastar mais os eleitores. No Brasil, querem votar nos nomes. Pelo menos é isso o que dizem todas as pesquisas. O domínio da lista pelas burocracias partidárias pode ser entendido como uma recusa da escolha do indivíduo.

Portanto, para ser sintético, os dois pontos básicos da reforma foram feitos para aproximar a população do voto. Temo que alcancem o efeito contrário. E, caso derrotado nos debates, restará torcer para que os autores tenham razão a longo prazo. Estaremos todos mortos. Daí a importância de tentar algo melhor, para aqui e agora.

O único grande mérito da iniciativa é trazer horizonte para uma situação que parece desesperadora. Acontece que sair de uma crise com uma reforma repelida pelos eleitores pode nos jogar numa próxima crise. O fim do foro especial para crimes comuns não está entre os temas escolhidos. No entanto, pode depurar melhor as eleições do que listas partidárias.

A ampliação do debate, certamente, vai ampliar as chances de acerto. Até o momento, falou a chamada sociedade organizada. Falta muita gente nesse baile.

Pemedebistas voltam a discutir terceiro mandato

De Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Com a revelação da doença da ministra Dilma Rousseff, a possibilidade de um terceiro mandato para o presidente Lula voltou a ser discutida não só no PT, mas também no PMDB, o partido mais forte da aliança que dá sustentação ao governo no Congresso. Já há, inclusive, uma estratégia jurídica em debate para mudar a legislação e evitar contestação por parte do Supremo Tribunal Federal (STF).

Além do partido do presidente, o principal interessado num novo mandato para Lula é, segundo apurou o Valor, o presidente do Senado, José Sarney. Partiria do PMDB, a partir de articulação de Sarney, a proposição da mudança constitucional.

Qualquer alteração na legislação eleitoral tem que ser feita até um ano antes do pleito. Para mudar o modelo dentro do próprio ano eleitoral, é preciso aprovar emenda constitucional com a permissão. Ainda assim, um precedente ocorrido nas eleições de 2006 fez os partidários do terceiro mandato pensarem em uma nova estratégia. Naquela eleição, o Congresso acabou com a verticalização por meio de uma emenda à Constituição. O STF, no entanto, invalidou a decisão, considerando-a inconstitucional. Com isso, fez prevalecer a regra que impede que partidos adversários na eleição à Presidência se aliem nos Estados.

Segundo um integrante da cúpula do PMDB, a saída, para evitar um possível revés no Supremo, seria aprovar uma emenda constitucional ao longo deste ano, instituindo a possibilidade do terceiro mandato, e submeter posteriormente a decisão a um referendo popular. Isso poderia ser feito dentro do ano eleitoral, ou seja, em 2010. "A vontade do povo é soberana", comentou a fonte, sustentando que, nesse caso, o STF não poderia rever a medida.

Outra alternativa, mais complicada, seria convocar um plebiscito. O problema é que, mesmo que o plebiscito aprove a medida, o Congresso ainda teria que passar uma emenda constitucional alterando a lei. Nesse caso, poderia não haver tempo útil para Lula se candidatar.

A ideia do terceiro mandato é vista como um Plano B do PT e de setores influentes do PMDB para a sucessão presidencial. O Plano A ainda é a candidatura da ministra Dilma Rousseff. "Não vejo oposição à Dilma. Ela quebrou a resistência que havia no PMDB", disse uma liderança do partido. Há pemedebistas, no entanto, receosos com a proposta. "O terceiro mandato é útil para o governo, mas não o é para as instituições", assinalou outro integrante da cúpula do partido.

Lula é popular, poderia se reeleger, mas as instituições, nesta interpretação, precisam da alternância do poder. "Se houvesse um excelente desempenho no terceiro, haveria o quarto? O quinto?" (CR, RU e RB)

Não há consenso sobre proposta entre legendas

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Aprovação de mudanças na legislação é questionada

A falta de consenso entre os parlamentares sobre pontos da reforma política ameaça a aprovação dessa "agenda positiva" ainda neste ano na Câmara. No momento em que a Casa enfrenta uma série de denúncias contra deputados, a aprovação de mudanças na legislação que alterem regras da eleição de 2010 é questionada pelos partidos.

"Sou a favor da reforma, desde que ela não passe a valer para 2010. Acho que o açodamento para aprovar a qualquer custo, sem uma maioria, é o caminho para o fracasso", declarou o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP). O líder do PSB, Rodrigo Rollemberg (DF), também questiona a aprovação de novas regras em ano anterior à eleição. "Nós entendemos que a reforma política fatiada, acelerada, em ano antes de eleição, não é positiva."

Na semana que vem, o PMDB pretende apresentar proposta do deputado Ibsen Pinheiro (RS) sobre o financiamento público de campanha e as listas fechadas - com elas o eleitor passa a votar em um partido, que elabora as listas com os nomes dos parlamentares.

"Vamos dar dois pontapés importantes na semana que vem", afirmou o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), em uma referência à apresentação da proposta de Ibsen e à formação da comissão especial na Câmara que analisará os aspectos constitucionais da reforma, como o fim da reeleição.

Além da questão do prazo, a lista fechada também acirra o debate entre os deputados. Rollemberg, por exemplo, é contra. "É um retrocesso. Tira o poder da população de escolher e o entrega aos caciques, num momento em que os partidos estão sem alma, sem bandeira."

Na avaliação dos deputados, os projetos que tratam das listas e do financiamento têm que ser votados juntos. Isso porque seria temerário financiar campanhas com recursos públicos repassando-os aos candidatos e não às legendas.

O líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), vê com otimismo a aprovação das propostas ainda neste ano. "Precisamos, no entanto, demover os que estão contra. Como o tema é muito técnico, alguns deputados ficam ansiosos, refratários às mudanças", disse o líder do DEM.

O líder do PT defende que os partidos busquem um consenso em torno das propostas - cinco projetos de lei, um projeto de lei complementar e uma proposta de emenda à Constituição - enviadas pelo Executivo no começo do ano. "Esses projetos são a base para discussão", afirmou. Questionado sobre o texto do deputado Ibsen, Vaccarezza disse: "É importante, mas não é a base para um acordo na Câmara."

O presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), vai reunir os líderes para debater os pontos polêmicos. Os deputados querem ainda aproveitar a discussão sobre a reforma para aprovar a janela da fidelidade partidária. Hoje a legislação não permite a troca de partido, mas a ideia é criar uma brecha até setembro - o prazo para alterações na lei antes da eleição.

'As pessoas não podem pairar acima dos partidos'

Moacir Assunção
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O cientista político e diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Feesp), Aldo Fornazieri, se diz plenamente favorável à lista fechada. O principal mérito das listas, afirma, é fortalecer os partidos em detrimento de indivíduos ou facções. "As pessoas não podem pairar acima dos partidos. As modernas democracias ocidentais têm como centro as agremiações partidárias."

Ele também é favorável ao financiamento público, desde que a lei preveja formas expressas de proibição de financiamento privado - o que está previsto.

Por que a lista fechada é melhor?

A atual estrutura política brasileira funciona na base da fragmentação dos partidos e no fortalecimento dos indivíduos isolados e facções partidárias. Antes que o Supremo normatizasse a tese de que o mandato pertence ao partido e não ao político era pior, com o grande troca-troca de partidos. Com a lista fechada, os partidos vão se organizar internamente e o próprio sistema de representação será beneficiado porque as negociações serão entre partidos, que serão os verdadeiros porta-vozes da população.

A principal crítica dos contrários à lista fechada é que ela favorece as cúpulas partidárias, cristalizando os nomes mais conhecidos.

O argumento não se sustenta. A própria legislação pode prever formas democráticas, como a eleição direta, para escolha dos integrantes da lista, o que afasta o caciquismo. Os partidos terão que ter muito cuidado para fazer as listas.

Como o sr. vê o financiamento público de campanhas políticas?

Sou favorável, mas não pode haver nenhuma forma de financiamento privado. Caso contrário, a lei perde o sentido. A principal vantagem do sistema é evitar a enorme promiscuidade entre interesses públicos e privados. Esse relacionamento espúrio está na base de toda a corrupção política no País, já que pressupõe uma relação de troca.

'Oligarquias vão definir hierarquia do financiamento'

Roberto Almeida
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Marco Antônio Teixeira: cientista político e professor da FGV

O cientista político Marco Antônio Teixeira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), não concorda com a adoção "da noite para o dia" da lista fechada, atrelada ao financiamento público de campanha. Segundo ele, a falta de identificação do eleitor com partidos políticos inviabiliza a votação na legenda. E o financiamento público seria o mesmo que oferecer dinheiro às oligarquias partidárias.

O que falta para dar certo?

As duas coisas estão muito ligadas. Não tem como fazer financiamento público sem lista fechada. Mas para o sucesso da lista fechada é preciso ter partido com identidade, para que as pessoas votem em um programa partidário. Não dá para fazer lista fechada com a quantidade de partidos que existem hoje.

Como fica o financiamento público?
Os partidos precisam se democratizar. Hoje quem define as candidaturas são as oligarquias partidárias, sem competição interna. Partido nenhum tem feito prévias. E quem vai definir, provavelmente, a hierarquia do financiamento público? As oligarquias.

Antes deve vir uma reforma interna dos partidos?

Teria de estabelecer uma reforma, mas não vejo no horizonte nada viável. Os mais notáveis ficam com praticamente com quase toda verba.

Qual a saída?

Primeiro, falta aos partidos terem conexão efetiva com a sociedade. Hoje a gente procura alguém pra votar em função de plataformas e vínculo. Com a lista fechada, vamos votar em quê? Qual programa, qual partido? Nunca houve um programa legislativo.

Esses dois pontos são um passo maior que a perna?

Olhando claramente para nossa realidade é certo que isso não se faz da noite para o dia. É preciso haver uma mudança maior.

FHC: PT vive mexicanização

Jair Rattner
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse ontem em Portugal que o PT vive uma espécie de mexicanização. E citou o Partido Revolucionário Institucional (PRI), do México, vencedor da revolução de 1917 e que por dezenas de anos foi hegemônico no país.

"Não foi o PT quem decidiu o candidato. Foi o Lula que decidiu quem é o candidato.

Voltamos a uma situação como no México, que é o destapar o tapado.

Foi o presidente que atropelou o PT e colocou a Dilma como candidata."

FHC, que participou de conferência sobre globalização, disse que falta uma mensagem política para o PT. "Hoje, a mensagem do candidato do presidente Lula é o Lula."

PT usa PAC para Dilma crescer em Minas

Ivana Moreira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Partido mostrará na TV que Estado recebe maior investimento da história

O uso político do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) já começou em Minas Gerais, Estado onde nasceu a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. "O governo federal está fazendo o maior investimento da história do Brasil em Minas" é o mote das inserções em rádio e TV que o diretório estadual do Partido dos Trabalhadores veiculará neste mês.

Dilma, nome mais forte do Planalto para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é umas das estrelas da campanha e lembra aos mineiros que o valor previsto para Minas no PAC é de quase 10% do total reservado para o País. Considerando apenas os recursos que saem do Orçamento da União para o PAC, Minas Gerais já lidera o ranking dos Estados que tiveram maior volume de dotações autorizadas: R$ 3,6 bilhões entre 2007 e 31 de março deste ano. Para São Paulo, o valor autorizado no mesmo período soma R$ 2,9 bilhões.

A revisão do programa, anunciada em fevereiro, quando a ministra apresentou o balanço dos dois primeiros anos, foi generosa com os mineiros. O Estado foi beneficiado com um acréscimo de R$ 11,7 bilhões em investimentos previstos. O valor até 2010 subiu de R$ 29,3 bilhões para R$ 41 bilhões, um aumento de 39,93%.

Os investimentos em logística foram os que cresceram mais na planilha da Casa Civil. O valor previsto para empreendimentos em Minas Gerais pulou de R$ 5 bilhões para R$ 14,69 bilhões. O valor inclui os investimentos diretos, com recursos do Tesouro Nacional, das estatais, dos governos estaduais, das prefeituras e também da iniciativa privada.

Apenas para os baianos a revisão do PAC foi mais vantajosa do que para os mineiros. Na Bahia, o valor previsto subiu de R$ 24,7 bilhões para R$ 37 bilhões. Os paulistas tiveram um acréscimo de apenas 0,4%, elevando o valor previsto de R$ 99 bilhões para R$ 99,4 bilhões.

O ministério não esclareceu os critérios adotados na revisão do programa. O valor total dos investimentos incluídos no PAC, de 2007 a 2010, subiu de R$ 514,2 bilhões para R$ 579 bilhões - acréscimo de 12,6%.

Recentemente, os cadernos estaduais - que mostram a revisão por Estado, discriminando todas as obras - tornaram-se disponíveis para acesso no site oficial do PAC. "É curiosa a diferença quando analisamos a revisão por Estados", comentou o economista Gil Castelo Branco, consultor do site Contas Abertas. A entidade, que atua na fiscalização das contas públicas, vem trabalhando na consolidação desses dados.

ESTRATÉGIA
Consolidar a imagem de candidata mineira é uma das estratégias dos petistas que trabalham da articulação da campanha à Presidência de Dilma. O que está em jogo é o segundo maior colégio eleitoral do país.

A ministra nasceu em Belo Horizonte, mas mudou-se ainda muito jovem e acabou construindo no Rio Grande do Sul sua carreira na política.

A fala de Meirelles

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Esta ata foi diferente. Assim que foi divulgada a ata do Copom, ontem, caíram as taxas de juros no mercado futuro. Os analistas entenderam que o recado do Banco Central era claro: a inflação vai cair mais, e os juros também vão cair mais. O presidente do BC, Henrique Meirelles, me disse que nada é por acaso na ata do Copom. “Tudo é muito bem pensado”.

Henrique Meirelles, numa entrevista que me concedeu ontem, contou que o estresse cambial que houve no Brasil a partir da quebra do Lehman Brothers acabou.

Disse que a economia brasileira deve ter um nível de atividade maior no segundo semestre. Ele contou que a decisão sobre a poupança ainda não foi tomada, mas admitiu que mudar o redutor da TR é uma decisão que cabe ao Banco Central, por delegação do Conselho Monetário.

— Qualquer mudança na remuneração tem que passar pelo Congresso, e qualquer decisão de tributação tem que respeitar a anuidade.

O leque de opções é grande, mas não é uma coisa com a qual o poupador deve se preocupar, porque a poupança continuará a ser o grande instrumento de poupança do Brasil.

O presidente do BC informou que o recado que está na ata do Copom sobre a necessidade de “mudança no arcabouço institucional herdado da época da inflação” não se refere só à poupança, mas também aos fundos de pensão.

— Vários fundos têm em seus estatutos uma obrigação de remuneração alta que era o que achava que era o mínimo que conseguiria.

Mas isso numa outra realidade.

A economia mudou muito. Eles terão que mudar esse estatuto porque, senão, não terão onde investir.

Meirelles negou que a preocupação seja com a dificuldade de rolagem da dívida pública.

Ontem foi um dia particularmente intenso. O resultado do teste de estresse dos bancos americanos mostrou que a maioria precisará de mais capital. Meirelles me disse que o caminho escolhido pelos Estados Unidos pode ser mais longo, mas é mais compatível com a economia de mercado.

— A Inglaterra foi pelo caminho mais rápido, estatizou alguns bancos. A partir daí ninguém tinha duvidas de que haveria dinheiro e garantia. O problema é como ter gente preparada no setor público para administrar o mercado financeiro.

Meirelles acha que a economia americana vai deslizar ainda mais antes de melhorar e que o problema dos bancos permanecerá por algum tempo.

— Mas no final, se os bancos não conseguirem captar no mercado o que precisam, o governo dará dinheiro público, o que for necessário.

No fim do processo, em novembro, os bancos estarão capitalizados.

Para a economista Mônica de Bolle, da Galanto Consultoria, como o Tesouro e o Fed disseram que os bancos que precisam se capitalizar são viáveis, o governo dos EUA terá que, de alguma forma, suprir a necessidade de capital dos bancos.

— Uma coisa é o mercado receber bem o resultado do teste. Outra coisa é ter espaço para os bancos se capitalizarem sem o governo.

Se eles não conseguirem captar recursos no mercado, o dinheiro virá do governo.

Até porque, o governo disse que os bancos são viáveis. Ou a instituição é viável, precisa de um aporte, mas pode sobreviver por um período, ou a instituição não é viável — disse ela.

Sobre a situação cambial, o presidente do Banco Central disse que a dívida do Brasil no passado foi muito dolarizada, porque era necessário.

Depois, o BC passou a reduzir o passivo cambial.

Em seguida, passou a ter uma posição comprada no futuro.

— No início da crise, estava com US$ 22 bilhões, e isso foi fundamental, porque o Banco Central pôde vender dólar. Vendemos mais do que tínhamos, e passamos a resgatar essas posições. Agora, zeramos nossa posição.

Para Meirelles, aquele estresse cambial já acabou.

— Por todas as indicações de hoje, já passou sim.

Ainda há muita incerteza, estamos preparados para reversões, mas aquele estresse passou.

Sobre a ata do Copom, ele não quis falar muito.

— Ata de Copom não se explica, se publica. Até porque, se for explicar, vira outra ata. Cada frase lá é discutida, cada palavra, a sequência, tudo para ter uma comunicação explícita. Nada está na ata por acaso.

Tudo foi bem pensado.

O mercado entendeu, e ele não contradisse, que os juros vão cair mais rapidamente, porque o nível de atividade está mais fraco e os riscos inflacionários são menores. Para o economista José Márcio Camargo, da PUC, o Banco Central está vendo uma provável retomada da atividade, mas de forma bastante lenta.

— O BC chama a atenção, em vários pontos da ata, para o elevado grau de ociosidade na indústria, com o desemprego aumentando e pessoal subutilizado. O Banco Central está prevendo pouca pressão inflacionária para o restante de 2009 e para 2010.

Quando perguntei sobre carreira política, ele disse que é precipitado, porque está inteiramente focado no Banco Central e na crise econômica.

— Num certo momento decidirei, ou pela carreira política ou por voltar ao setor privado.

No meio do caminho, a poupança

Eduardo Rodrigues, Brasília
DEU EM O GLOBO

BC indica que não poderá reduzir mais os juros se regra de remuneração da caderneta não mudar

Aata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) — que na semana passada cortou em um ponto percentual a Taxa Selic, para 10,25% ao ano — indica que o Banco Central (BC) continuará a reduzir os juros, ao menos no próximo encontro, em junho. Para o colegiado, apesar dos sinais de recuperação das economias brasileira e global, o ritmo da atividade ainda é fraco, aqui e lá fora. Consequentemente, não há pressões inflacionárias.

Porém, o BC advertiu no documento, de forma velada, que resolver a questão da remuneração da poupança é elemento-chave para a continuidade da queda dos juros.

O texto, divulgado ontem pela autoridade monetária, reforça que “a continuidade do processo de flexibilização monetária torna premente a atualização de aspectos, resultantes do longo período de inflação elevada, que subsistem no arcabouço institucional do sistema financeiro nacional”. A frase é bastante similar ao alerta que o presidente do BC, Henrique Meirelles, fizera na véspera em videoconferência com empresários gaúchos: — Evidentemente que tudo tem custo e já começamos a ver alguns dos problemas causados por isso, (...) fundos de pensão que têm rentabilidades mínimas que estão revisando isso, a caderneta de poupança que tem questões fiscais e de rentabilidade... Então é interessante, na medida em que os juros começam a cair começam a se enfrentar os problemas de uma sociedade toda estruturada para operar com juros muito mais altos.

Copom vê inflação abaixo da meta

Com os cortes consecutivos na taxa básica de juros, a caderneta tem se tornado mais rentável do que as aplicações em fundos de investimento com taxa de administração acima de 1% ao ano — o que inclui a maior parte das aplicações oferecidas no varejo —, preocupando a equipe econômica, que, por isso, estuda mudanças no cálculo da remuneração da poupança.

O enfraquecimento dos fundos atrapalha, por exemplo, a administração da dívida pública, já que eles são grandes compradores de títulos federais.

— O Copom usou o termo “premente” para explicitar o interesse, a necessidade e a urgência de uma solução para a poupança que viabilize os novos cortes. É claro que o Comitê não ficará limitado por isso, mas ele sempre evita tomar decisões que causem distorções na economia — analisou o estrategista-sênior do banco WestLB, Roberto Padovani, que aposta em nova queda de um ponto na próxima reunião.

Já foram estudadas pelo governo diversas fórmulas de rendimento.

Uma das mais fortes é remunerar a poupança com parte da taxa básica de juros, a Selic (por exemplo, 65% da taxa). Outra é zerar a TR, e uma terceira é criar uma escala para a remuneração dos poupadores, de acordo com o valor do depósito, recebendo mais quem tem menos depositado. Ainda poderia ser instituída a cobrança de IR sobre depósitos acima de R$ 500 mil.

Na avaliação macroeconômica, que já leva em consideração a redução da meta de superávit primário (a economia do governo para pagar os juros da dívida) de 3,8% para 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), a ata considera que houve leve redução, “ainda incipiente e sujeita a reversão”, da aversão ao risco de investidores, com retorno do movimento nas bolsas, elevando preços de ações e commodities. Além disso, o aumento do fluxo de capitais tem causado um aumento da cotação das moedas emergentes — o real entre elas — em relação ao dólar.

O Copom, no entanto, ressalta que a evolução dos preços em diversas economias aponta para uma significativa redução das pressões inflacionárias. “Dessa forma, o efeito líquido da desaceleração global sobre a trajetória da inflação doméstica segue sendo, até o momento, predominantemente benigno”.

Segundo o economista-chefe da Corretora Concórdia, Elson Teles, o BC deixou claro que continuará a afrouxar a política monetária: — O cenário é tranquilo, com todas as projeções de inflação ao fim do ano apontando para patamares abaixo da meta (de 4,5% pelo IPCA). Há espaço para novas reduções nos juros, mas como a distensão monetária já é longa, deve haver sim uma desaceleração nos próximos cortes.

Em meio ao debate sobre a mudança na remuneração da poupança, a captação da caderneta ficou negativa em R$ 526,285 milhões em abril, segundo o Banco Central (BC). O resultado é bastante inferior às perdas registradas até o dia 29 (R$ 1,878 bilhão), devido a um aporte de R$ 1,351 bilhão no último dia do mês. Segundo o diretor de Economia da Associação dos Executivos de Finanças (Anefac), Andrew Frank Storfer, apesar do clima de incerteza em relação às alterações nas regras do rendimento, o movimento dos poupadores no mês foi causado por outros fatores, como o pagamento de dívidas e tributos anuais.

Os principais partidos de oposição divulgaram ontem uma nota conjunta condenando a intenção de alterar o rendimento da poupança. Assinada pelos presidentes de PSDB, DEM e PPS, a nota afirma que a atual estrutura de remuneração — Taxa Referencial (TR) mais 6,17% de juros ao ano, com isenção do Imposto de Renda — deve ser mantida para todos os depositantes.

Nova redução da TR pode ser a alternativa do governo

Beatriz Abreu
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Alteração da fórmula de cálculo pode ser feita por ato do Banco Central e evitaria confronto político-eleitoral

Em meio ao ambiente político hostil à mudança nas regras das cadernetas de poupança, o governo analisa várias alternativas, mas não está descartada, sequer, a possibilidade de não alterar as regras de rendimentos da poupança ou de uma solução mais simples e já praticada no governo Lula: a redução da taxa referencial (TR), por meio de uma nova alteração na fórmula de cálculo.

Se confirmada essa tendência, o governo evita o debate formal da questão no Congresso, porque a mudança na regra de cálculo pode ser feita por ato do Banco Central. Já a eliminação do ganho real de 6% ao ano depende de aprovação de deputados e senadores. Essa "solução paliativa" poderia ser adotada para ganhar tempo e fugir do debate político-eleitoral. Enquanto isso, o governo constrói a mensagem para convencer a sociedade de que as perdas não serão grandes.

Alguns parâmetros são conhecidos. O primeiro é que 95% dos depósitos são de até R$ 20 mil ou, se quiser reduzir a margem de comparação, 93% dos depósitos são de até R$ 5 mil. No entanto, o constrangimento existe e o governo começa a assistir ao que alguns técnicos apontam como os primeiros sinais de revoada da poupança. E esse movimento preocupa.

Porém, como esse debate envolve muitas posições, há quem pondere que o resultado negativo ocorreu em meses em que a discussão para alterar os rendimentos não estava colocada, pelo menos em público. "As pessoas estão sacando por causa da recessão e do desemprego", diz um assessor.

A discussão é complexa porque o que está em jogo é a camisa de força do limite do rendimento da poupança para uma queda mais rápida das taxas de juros pelo Banco Central. Se a Selic corrigir aplicações financeiras em porcentual inferior ao da poupança, o mais provável é que os investidores migrem para as cadernetas. Nesse sentido, a equipe econômica vive o pior dos mundos.

De um lado, a diretoria do BC coloca no texto da ata do Copom, divulgada ontem, que é "premente" a necessidade de "mudanças institucionais" para acelerar a queda da Selic, agora em 10,25%. De outro, o próprio relato de um dos ministros, em uma reunião, de que já foi abordado na rua por uma senhora cobrando coerência do governo e condenando a redução dos ganhos da poupança.

Quando a questão é analisada tecnicamente, não há resistências às mudanças e o consenso é que o País não pode trabalhar com uma taxa de juro fixa em 6%, como é a garantia de rendimento da poupança, além da TR. "Da mesma forma que se trabalhou para eliminar o teto de 12% para os juros na Constituição, também se combate, neste momento, o teto de 6% para a poupança", diz uma fonte.

''É inexorável tributar a caderneta'', diz Setubal

Ana Paula Ribeiro
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O diretor presidente do Itaú-Unibanco, Roberto Setubal, afirmou ontem que é inevitável tributar a caderneta de poupança para que se possa estimular a redução dos juros no País e os financiamentos de longo prazo, como os destinados para compra da casa própria. "É inexorável que vamos caminhar para algum nível de tributação na caderneta de poupança", afirmou o executivo durante palestra promovida pelo Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP).

De acordo com Setubal, em um primeiro momento a tributação poderia incidir para valores acima de uma determinada faixa de aplicação, de forma a manter cerca de 95% dos poupadores nas mesmas condições praticadas atualmente. Ou seja, isentos da incidência do imposto de renda. Para o executivo, o modelo adotado no Brasil, em que a poupança é remunerada a 6% ao ano (+TR) com isenção do Imposto de Renda , não beneficia os financiamentos de longo prazo. "O modelo tem de apoiar o financiamento e não o investidor", disse.

Como exemplo, ele citou os Estados Unidos, país em que os juros dos financiamentos imobiliários são dedutíveis do Imposto de Renda. "No Brasil, não estamos prontos para liberar todo o mercado, mas a etapa de tributar a poupança é inevitável", reafirmou.

DESGASTE POLÍTICO

O executivo admite que o governo sofrerá um desgaste político ao enfrentar esse problema. Ele, porém, afirmou que hoje há condições adequadas para se fazer isso já que os juros estão em queda e caminham para a casa de um dígito.

Para Setubal, esse declínio poderá impulsionar a indústria de construção civil. O executivo lembrou que o processo de queda de juros ocorrido nos últimos anos levou ao crescimento da indústria automobilística no país. Na sua avaliação, agora essas recentes reduções poderão propiciar o mesmo efeito na construção civil.

Sobre a crise, Setubal acredita que é baixo o risco da situação piorar e que por essa razão a partir do último trimestre do ano o Brasil deverá apresentar melhora nos indicadores de crescimento.

O executivo aposta que o País se recuperará mais rápido do que outras economias e apresentará um crescimento sustentável.

Copom vê juro menor e alerta sobre a poupança

Fernando Nakagawa e Fabio Graner
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ata é mais explícita que anteriores ao indicar nova queda da taxa básica

A taxa básica de juros deve cair mais. A indicação foi dada pela ata da reunião de abril do Comitê de Política Monetária (Copom), que, não deu sinal claro do tamanho dos próximos cortes. No documento divulgado ontem, a autoridade monetária aproveitou para mandar dois recados diretos, um para o governo e outro para o mercado.

Do primeiro, o BC cobrou uma solução urgente do problema da rentabilidade da poupança para que a Selic possa cair mais. Para o mercado, o Copom disse que os juros futuros estão acima do adequado, diante do cenário de inflação para 2009 e 2010. Ou seja, os investidores deveriam trabalhar com juros mais baixos e por mais tempo do que estavam esperando.

Mais assertiva e explícita que as anteriores, a ata de abril deixou mais claro para o mercado que o processo de desaperto monetário deve continuar porque, a despeito da reação recente da atividade, a economia ainda está longe de operar a todo vapor.

Para a direção do BC, a queda da demanda causada pela crise no ano passado gerou "importante margem de ociosidade dos fatores de produção, que não deve ser eliminada rapidamente". Com parte da economia ociosa, cita o texto, a pressão inflacionária é contida, "abrindo espaço para a flexibilização da política monetária". Traduzindo, economia em marcha lenta significa continuidade de juros em queda.

Ao tratar da magnitude do desaperto, o documento assume o velho tom genérico, dizendo apenas que a "distensão monetária adicional" depende da perspectiva para a inflação e leva em conta o atraso da reação da economia às variações da Selic. O risco que sobrou para os índices de preços, avalia o BC, decorre de eventuais pressões de câmbio, commodities e da inércia de inflação decorrente da indexação de contratos.

Mas, muito além da inflação, a ata mostra que a política de juros enfrenta hoje outro obstáculo: a poupança. O BC endureceu o discurso e cobrou uma solução rápida para a rentabilidade das cadernetas. Segundo o BC, a continuidade da queda do juro "torna premente a atualização de aspectos" do arcabouço do sistema financeiro. O texto não cita as cadernetas, mas diz que esses fatores são resultados "do longo período de inflação elevada" no País.

O problema é que a poupança paga juros previstos em lei: TR acrescida de 6% ao ano - uma forma de proteger o pequeno poupador em tempos de inflação alta. Já os fundos de investimento seguem o juro básico. Com a queda da Selic, alguns fundos devem render menos que as cadernetas, o que pode gerar migração para a poupança prejudicando a administração da dívida pública e colocando em risco o equilíbrio dos bancos.

OS RECADOS DO COPOM

Mudar o rendimento da poupança: "O Comitê entende que a continuidade do processo de flexibilização monetária torna premente a atualização de aspectos, resultantes do longo período de inflação elevada, que subsistem no arcabouço institucional do sistema financeiro nacional"

Curva de juros precisa recuar: "O Comitê entende também que a melhora do cenário prospectivo para a inflação em 2009 e em 2010 não foi, até o momento, incorporada na estrutura a termo da taxa de juros""

Cuidado: "A despeito de haver margem para um processo de flexibilização, a política monetária deve manter postura cautelosa, visando a assegurar a convergência da inflação para a trajetória de metas"

Recuperação lenta e mais cortes de juros: "O Comitê entende que o desaquecimento da demanda, motivado pelo aperto das condições financeiras e pela deterioração da confiança dos agentes, ainda que nos dois casos se observe alguma melhora na margem, bem como pela contração da economia global, criou importante margem de ociosidade dos fatores de produção que não deve ser eliminada rapidamente em um cenário de recuperação gradual da atividade econômica. Esse desenvolvimento deve contribuir para conter as pressões inflacionárias, mesmo diante das consequências do processo de ajuste do balanço de pagamentos e da presença de mecanismos de realimentação inflacionária na economia, abrindo espaço para flexibilização da política monetária"

Desindexação: "Os riscos remanescentes para a dinâmica inflacionária derivam da trajetória dos preços de ativos brasileiros, em que pese recuperação recente, associada à recuperação parcial dos preços das commodities, em meio a um processo de estreitamento das fontes de financiamento externo, bem como de mecanismos de reajuste que contribuem para prolongar no tempo pressões inflacionárias observadas no passado, como evidencia o comportamento dos preços dos serviços e de itens monitorados desde o início do ano"

IR sobre títulos públicos pode cair

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Governo estuda baixar IR sobre ganhos com investimento em títulos públicos a fim de mexer o menos possível na poupança

O GOVERNO está enrolado com a história da poupança, como se sabe. O problema mais evidente e imediato é político. Faz lembrar do trauma do confisco de Fernando Collor. Assusta gente que, pelo próprio fato de aplicar em poupança, demonstra querer distância de riscos e de complicações financeiras. Mas o governo estuda como fazer desse limão uma limonada.

Em vez de mexer demais na poupança de muita gente, pensa em aumentar indiretamente o rendimento de aplicações concorrentes, como o de fundos de investimento. Isto é, pensa na hipótese de reduzir o Imposto de Renda sobre o ganho de aplicações em títulos públicos, o que tende a aumentar o rendimento dos fundos, que na maioria aplicam o grosso do dinheiro na dívida pública.

A medida ainda está no rascunho rudimentar. Há dúvidas várias, e o governo mexe no assunto com pinças cirúrgicas. A redução de IR valeria para qualquer investimento em dívida pública (como o de bancos, fundos de pensão e outros investidores institucionais)? Valeria só para títulos do governo (ou para quaisquer fundos de investimento, que aplicam também em papéis privados)? Como evitar que a redução de IR fosse comida pelos fundos? Por fim, reduzir o IR sem a contrapartida de queda imediata da Selic tiraria recursos do caixa do governo.

O debate mais "pop" sobre o tema se concentra no risco dito iminente de investidores de fundos migrarem para a caderneta. Os fundos dos bancos (de renda fixa e assemelhados) funcionam como intermediários entre os aplicadores e as instituições que pagam o rendimento oferecido (os juros). Isto é, quando aplica nesses fundos, o investidor na verdade empresta dinheiro ao governo (a maior parte) ou a empresas. Com a queda da taxa básica de juros, o rendimento dos fundos cai. Como as taxas de administração cobradas pelos fundos são altas, tal rendimento fica ainda mais diminuto. Os bancos, porém, fazem bom dinheiro com essas taxas, em geral vergonhosas, e detestam apenas a menção de cortá-las. Mas os problemas não param aí.

Se houvesse migração em massa do dinheiro dos fundos (de renda fixa e assemelhados) para a poupança, em tese poderia faltar dinheiro para financiar e rolar a dívida pública (o que, no fim das contas, impediria a queda dos juros "básicos" e, pois, o barateamento geral do crédito).

Ademais, os bancos são obrigados a usar 65% dos depósitos em cadernetas no financiamento de casas, por exemplo. Uma excessiva migração dos fundos para a poupança poderia obrigar os bancos a fazer aplicações não econômicas, levando-os a encarecer o custo do crédito para outros negócios, para compensar.

Fazer com que o rendimento da poupança seja mais variável também não é simples, ainda mais porque o dinheiro da caderneta tem uso direcionado (para casas, por exemplo). Financiamentos de casas são longos e, na maioria, concedidos a juros fixos. Se o rendimento da poupança variar demais, pode haver descasamento entre o que um banco recebe (do comprador da casa) e o que paga (para o aplicador da poupança). Os bancos já cobram um extra do comprador da casa (é o seu ganho). Mas, se a poupança variar demais, o "extra" será maior e encarecerá mais o crédito imobiliário.

O Brasil em recessão técnica

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A retração do PIB só não será mais violenta porque o que importamos cairá mais do que o que exportamos

EXISTE UMA convenção para caracterizar uma recessão nas economias de mercado. Segundo essa norma, a recessão acontece quando o PIB se reduz em dois trimestres consecutivos. Como toda norma geral, esse critério tem pontos fortes e fracos. Não quero discuti-los neste espaço hoje. Apenas quero informar o leitor de que a economia brasileira está em recessão técnica.

Os dados já disponíveis para o período janeiro/março, quando utilizamos a metodologia de cálculo do IBGE, apontam para uma queda do PIB da ordem de 1,3%. Com a redução de 3,5% verificada no quarto trimestre de 2008, temos a recessão caracterizada. Feita essa observação, devemos agora fugir do entendimento burocrático da regra acima citada e procurar entender o que se esconde atrás dos números. A principal fonte de informação do IBGE para a construção do PIB são os dados da indústria. Ao contrário de outros países, nos quais há uma vasta gama de indicadores de salários, gastos das famílias e investimentos realizados, no Brasil são poucas as informações disponíveis.

Então, o IBGE utiliza o que chamamos "PIB pela oferta", que é a soma entre o que foi produzido pela indústria mais o valor das importações menos o das exportações. Somente quando o IBGE realiza pesquisas periódicas mais abrangentes é que temos um retrato mais realista da atividade econômica.

A indústria caiu 9,5% no final de 2008 e quase 8% neste primeiro trimestre. Segundo números do comércio exterior divulgados e ajustados pelos economistas da Quest Investimentos, as exportações caíram 8% nesses mesmos dois períodos. A queda do PIB só será menos intensa que a do final do ano passado porque as importações caíram quase 17%. Com esse desempenho, o setor externo deverá acrescentar cerca de um ponto ao PIB do primeiro trimestre, revertendo a tendência que ocorre desde 2007. Com indústria e importações fracas, é certo que o comportamento do consumo foi decepcionante também. Mas a queda do investimento impressiona mais. A produção de máquinas caiu 9,5% no último trimestre de 2008 e, agora, outros incríveis 19%! A principal decepção da próxima divulgação do PIB serão, sem dúvida, as taxas de investimento.

Para não ficarmos apenas nas grandes decepções, vamos às pequenas alegrias: se a indústria como um todo caiu menos do que a indústria de máquinas, então algum setor ficou de lado ou caiu menos. Isso aconteceu com a indústria de bens para o consumo. Por conta do salário médio que ainda cresce e dos estímulos para a compra de automóveis (redução do IPI), houve crescimento de 0,7% na produção de bens duráveis. Já a produção de bens semi e não duráveis -como roupas e alimentos- reduziu-se em "apenas" 2% nesse mesmo período.

Resumindo, os números do IBGE mostrarão que realmente estamos em recessão técnica, causada, principalmente, pelo valor dos investimentos privados em queda livre. Já o consumo, na análise mais otimista, ficou de lado ou apresentou pequena queda. Por fim, a retração do PIB só não será mais violenta porque o que importamos cairá mais do que o que exportamos. Ou seja, depois de quase dois anos, estamos crescendo por conta da demanda existente em outras economias.

Esse é um mau resultado na medida em que dependeu de um ritmo menor de atividade em nossa economia e, portanto, da geração de riqueza para os brasileiros.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

A ciência do próximo

Por Mércio P. Gomes

Movido pelos ideais do movimento positivista, Rondon fez de sua vida uma luta pela aceitação dos índios como legítimos brasileiros.

Era um dia quente de verão no Rio de Janeiro, em janeiro de 1958, quando Rondon estava às portas da morte, e a família mandou chamar Darcy Ribeiro. O antropólogo fora seu jovem e brilhante escudeiro durante nove anos, de 1947 a 1956, no Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Juntos haviam concebido e construído o Museu do Índio e elaborado o projeto do Parque Indígena do Xingu, o qual transformou o indigenismo brasileiro - a partir daí, o Estado passou a reconhecer terras que eram alocadas aos índios como "territórios tribais". Com Darcy segurando suas mãos, Rondon rezou o credo do positivismo ortodoxo que aprendera, e ao qual fora fiel desde 1898: "[...] Creio[...] que, ao lado das forças egoístas, existem no coração do homem tesouros de amor que a vida em sociedade sublimará cada vez mais. Creio[...] que a missão dos intelectuais é, sobretudo, o preparo das massas humanas desfavorecidas, para que se elevem, para que se possam incorporar à Sociedade. Creio[...] que, sendo incompatíveis às vezes os interesses da Ordem com os do Progresso, cumpre tudo ser resolvido à luz do Amor [...]".

Cândido Mariano da Silva Rondon, nascido em Mimoso, ao sul de Cuiabá, descendente dos índios terena e bororo, não convivera com eles em sua infância nem na juventude. Provavelmente o fato de ter tido avós ou bisavós indígenas não teria sido razão de orgulho naqueles tempos e lugares. Na verdade, não havia motivos, digamos, emocionais para Rondon ser o defensor tão excepcional dos índios brasileiros. Aos 6 anos, já morava em Cuiabá e, aos 15, estava no Rio de Janeiro como aluno da Escola Militar. Foi aí que encontrou sentido em sua vida ao abraçar o positivismo como base filosófica e como princípio de fé. Pois a doutrina do positivismo religioso, criado por Auguste Comte no século 19 e instituída no Brasil pouco antes da proclamação da República, exortava como sua máxima virtude "Viver para outrem!", como um mandamento supremo da religião da humanidade.

No Brasil, a República aconteceu sem revolução, sem ao menos participação vívida da população. Entretanto, para aqueles que lutaram por ela ao longo de duas décadas, que nela projetaram a redenção do povo brasileiro, a República veio carregada de esperanças, de promessas de virtude, de compromissos transcendentais. Para os positivistas, ela chegou por razão histórica, pelo princípio da ordem das coisas.

Na Assembleia Constituinte de 1890-91, os positivistas apresentaram uma proposta inovadora para o federalismo brasileiro, pelo qual as terras indígenas seriam reconhecidas como "Estados autóctones americanos", diferentes dos "estados ocidentais", as províncias tradicionais do ex-Império do Brasil. A proposta dizia que as áreas autóctones teriam fronteiras reconhecidas, e por elas só se poderia passar com licença dos próprios índios. Seriam nações autônomas.

Assim, quando organizou o Serviço de Proteção aos Índios, em 1910, Rondon não somente tinha base filosófica do que deveria fazer como já havia experimentado e aplicado esses ensinamentos em sua lida com povos indígenas sem relacionamento com a sociedade. Desde 1890, Rondon passara a viver praticamente nos sertões do Mato Grosso (que, naquele tempo, com-preendia os atuais estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia) espichando fios de telégrafo e abrindo estradas de rodagem, cumprindo a tarefa estratégica de integrar o Brasil. Acompanhado de estudiosos, o sertanista abriu à ciência um campo desconhecido de pesquisas e descobertas, mapeou rios e relevos, refez os traços das fronteiras geopolíticas.

Quando atacado por um grupo de nhambiquaras, Rondon proibiu que seus soldados revidassem ao ataque e os fez recuar, cumprindo a sina de "morrer se preciso for, matar nunca". Essa máxima virou o dístico do SPI e o cálice simbólico do indigenismo brasileiro ao longo dos anos. Muitos morreram nas mãos dos índios como se fossem mártires da humanidade.

Rondon conviveu com diversos povos indígenas, entre eles os bororos, terenas, cadiuéus, parecis, nhambiquaras, umutinas, no velho Mato Grosso, mas também com povos do Amapá, do Pará, do Amazonas e de Roraima. Viveu quatro anos em Letícia, na Colômbia, pacificando grave disputa territorial entre esse país e o Peru. Depois, a partir de 1938, renovou o SPI para consolidar sua obra indigenista. Chegou a ser indicado duas vezes para o Prêmio Nobel da Paz, uma delas por carta de Albert Einstein quando o cientista estivera no Brasil. Nenhum outro brasileiro teve vida tão intensa na labuta, tão dedicada a causas e tão fecunda nas realizações. Seus feitos são extraordinários, e se hoje não parecem visíveis é porque estão incorporados à ordem das coisas.

Coluna do Milton Coelho

DEU NO DIÁRIO DA MANHÃ

Petrobras ‘pendura’ imposto e esvazia o cofre da Receita

A Petrobras não recolhe CIDE, COFINS e PIS desde dezembro passado. Alega que está compensando impostos sobre os lucros pagos a mais durante 2008 por conta da alta do dólar e de uma mudança de legislação. Mas causam estranheza alguns fatos: 1) a Receita Federal, que agora anuncia perda de receita por conta da alegada compensação tributária, nunca reconheceu no passado que estava ganhando muita arrecadação a partir de combustíveis; 2) nenhum jornal econômico noticiou que o mesmo artifício estaria sendo usado por outras empresas em situação idêntica à da Petrobras; 3) os demonstrativos contábeis e os auditores externos da Petrobras nunca divulgaram uma linha sobre um fato que ultrapassa a casa de três bilhões de reais. Será que a empresa está sem caixa e o governo está dando um jeitinho de ajudar?

O consumidor de combustíveis no Brasil está pagando mais caro duplamente – seja porque os preços no País estão muito acima dos internacionais, seja porque lhe cobram tributos que depois não são recolhidos para os cofres do governo. O caso da CIDE é emblemático - a média mensal do que pagava estava na casa de R$ 750 milhões. Embora seja pago no posto de gasolina, esse dinheiro não está sendo aplicado em investimentos nas rodovias, justamente quando mais precisamos de obras para combater a crise.

Por conta desse ”guenta aí” na Receita e aquele big empréstimo feito pela Petrobras na Caixa Econômica, até no BNDES está havendo um maior cuidado na análise de outros financiamentos à empresa-orgulho do Brasil, mas cuja maioria do capital já está nas mãos de estrangeiros.

Mas quem tem padrinho não morre pagão

Mesmo com o Tesouro capenga por conta da arrecadação em queda, com as obras do PAC atrasadas, a baixa produção industrial etc. o Governo teve de ceder às pressões parlamentares e concordou com o financiamento de dividas fiscais (com mais de cinco anos) de empresas e pessoas físicas. No princípio, a idéia era só beneficiar devedores até
10 mil reais, mas agora abriram a porteira.

Quem deve muito vai ter mais 15 anos para pagar e ainda terá direito a só pagar mensalmente 85% da prestação prevista na dívida anterior. Juros? TJLP = 6,5%. E isso na mesma hora
em que o Governo chora que a poupança (juros 6% ao ano e TR zero) vai dar prejuízo
aos fundos de investimentos e seus administradores.

A crise, segundo dois cobras: Nakano E Delfim

O professor Yoshiaki Nakano foi secretário da Fazenda em São Paulo, no governo Mário Covas, e é diretor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas. É um dos mais respeitados (inclusive por mim) financistas do país. Num artigo para o jornal VALOR, deu talvez a mais compacta explicação da crise global:

“A atual crise financeira teve como causa a excessiva expansão de crédito e liquidez nos Estados Unidos pelo emissor da moeda reserva internacional, e com isso desorganizou o sistema internacional de pagamentos. A crença na idéia mítica de mercados autorregulados e eficientes levou à retração dos órgãos de controle e à desregulação do sistema financeiro, particularmente com a criação do chamado sistema bancário paralelo (shadow banking). E este sistema paralelo multiplicou, através de inovações financeiras, o volume e valor de ativos financeiros em escala global, desenvolvendo um imenso mecanismo de criação de liquidez (dólar) doméstica e global.”

Talvez nem todos entendam um pedaço ou outro do economês de Nakano, mas
certamente compreenderão a idéia geral. A falha de Nakano, a meu ver, não é a
explicação, corretíssima a partir do diagóstico inicial: “excessiva expansão de crédito e
liquidez nos Estados Unidos” Mas por que pessoas inteligentes, experientes, selecionadas através de longos processos competitivos – digamos, o diretor financeiro da Sadia ou o executivo-chefe do Lehman Brothers - não viram essa “excessiva expansão” e entraram de cabeça na ciranda global?

É isso, creio, que explica a cadeia de erros. Cada um “tinha” de fazer o que fez. Porque é o que se espera dos mais competentes. Cada um deles é treinado na busca permanente do rendimento máximo pelo esforço (ou custo) mínimo, entranhado na alma humana e traduzido por “rate on investment” (lucro sobre investimento), “net payback “ (tempo necessário para recuperar o capital), “maior valor agregado”, “ebitda – earnings before interest, taxes, ebitda ou lajida – líquido antes de juros, umpostos, depreciação e amortizações). Esses códigos, no mundo do business, determinam quem é bom/sobe e quem não é bom/fica ou desce. São as regras que eu e muitos milhares aprendemos nas superescolas de administração e nos MBAs.

Em conjunto, o bom desempenho determina o avanço mais rápido do sistema e também o seu declínio – porque o crescimento e a expansão do crédito chegam ao limite possível, mas ninguém pode parar sozinho, senão cai, fica para trás.

Aí cria-se a explicação mais ridícula de toda a (falsa) ciência econômica: o ciclo econômico, que todos aceitam como fatalidade inescapável.

Já Delfim Neto explica, em uma de suas mais recentes lições pela imprensa que chegamos ao capitalismo na procura por forma de organização que permitisse acomodar simultaneamente a eficácia produtiva e a liberdade individual. Essa organização “tem três características: 1) não é plenamente satisfatória porque, quando deixada a si mesma, o nível de atividade(e, portanto, o nível de produção e do emprego) não é estável e, sendo um mecanismo que explora fortemente a competição, tende a acentuar a desigualdade entre os homens; 2) não é natural, isto é não tem nada a ver com a “natureza humana” (seja lá o que isso for); e 3) felizmente, não é imortal.” É, portanto, passível de aperfeiçoamento.”

Delfim também sabe muita coisa, no mesmo tope de Nakano. Mas o que significa “liberdade individual” para um homem inteligente e bem educado como ele, que aprovou a violação de todas as liberdades e assinou o AI-5?

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“Alguém escreveu nos velhos tempos que é doce e adequado morrer pelo seu país. Mas, na guerra moderna, nada é doce ou adequado na morte.Você morre como um cachorro e por nenhuma boa razão.”

(Ernest Hemingway (1898 a 1961), romancista norte-americano, Prêmio Nobel de Literatura
em 1954.)

Olha aí Um bom exemplo para uma MP

Quem denunciar ao Ministério Público chinês um caso de corrupção pode ganhar até 200 mil yuans (uns 64 mil reais) – dez por cento do valor recuperado pelo Tesouro público. A recompensa pode até ser aumentada, se o MP considerar a “dica” como muito importante.

Os nomes, endereços e telefones desses cidadãos serão mantidos sob sigilo total e o prêmio será pago imediatamente após a sentença judicial.

Os chineses enfrentam uma onda de corrupção fiscal e no aparelho de Estado tão grave como a nossa. No ano passado, os promotores chineses iniciaram mais de 33 mil casos de subornos, desfalques etc., envolvendo 2687 funcionários eleitos e de carreira. Em pelo menos 80% dos casos, os processos surgiram por denúncias de cidadãos.

E se o presidente Lula mandasse ao Congresso uma Medida Provisória parecida?
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A César o que de César, até palpite sombrio

Em seu ex-blog, no dia 9 de março, Cesar Maia, economista, ex-prefeito do Rio durante 12 anos e candidato certo ao Senado ou governo do Estado em 2010, escreveu:

“O impacto social do desemprego será sentido alguns meses após a demissão, quando a indenização for gasta e o seguro-desemprego concluído. As demissões divulgadas são naturalmente as das grandes empresas. Mas demissão quer dizer menor produção e menor produção significa menor demanda de fornecedores, em boa parte empresas pequenas e médias. Esse é um desemprego que se alastra, mas que não tem o destaque do desemprego em grandes empresas. E um impacto social maior pela menor rede de proteção desse trabalhador, incluindo a proteção interna das grandes empresas.”

Se ele estiver certo, o maior efeito do desemprego começará a ocorrer no segundo semestre.
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Enorme, afinal de contas, nâo é assim tão grande



O governo brasileiro está fazendo um ENORME esforço para vencer a crise global. Ele mesmo apenas está investindo 1% do PIB este ano. Só graças ao investimento privado, o Brasil chegará ao nível de 17% do PIB (embora aí esteja embutida a grana que as grandes empresas tomam no BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica a juros privilegiados, naquelas mágicas em que o público vira privado e, muitas vezes, não volta mais).

Neste mesmo 2009, a China vai investir mais de 40% de seu PIB e a Índia, 27%. Aí, nosso esforço anticrise já não parece tão ENORME assim.
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Crise econômica mexe em cabeça americana

Apenas 53% dos cidadãos norte-americanos acreditam que o capitalismo seja um sistema melhor do que o socialismo. 20% disseram preferir o socialismo nessa recente (abril passado) pesquisa telefônica da Rasmussen Reports, uma empresa de boa reputação, especializada na coleta e distribuição de informações sobre opinião pública. 27% não têm certeza sobre qual dos dois sistemas é melhor.

Entre os adultos com menos de 30 anos, as opiniões são mais divididas: 37% preferem o capitalismo e 33% opinaram em favor do socialismo. 30% preferiram a coluna do meio. Entre os 30 e os 40, a vantagem a favor do capitalismo aumenta – 49% contra 26% - e, acima dos 40, o capitalismo ganha de goleada e só 13% dos coroas acreditam que o socialismo seja melhor.

Entre os eleitores republicanos, a proporção é de 11 a 1 em favor do capitalismo, mas, entre os democratas, a vitória foi bem mais apertada: 39% contra 30%.

Numa pesquisa anterior, 70% dos americanos haviam se declarado a favor de uma economia de livre mercado, o que indicar que essa expressão é mais simpática para um grande número de cidadãos do que“capitalismo” . Em outra pesquisa Rasmussen, 2 em cada 3 americanos disseram acreditar que governo e grandes empresas muitas vezes operam juntos e prejudicam consumidores e investidores.
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“Tudo é fluxo, nada está parado. Nada é permanente, exceto a mudança”.

(Heráclito (c. 540 a 470 A.C), filósofo grego pré-socrático)

“Nunca ousei ser radical quando era jovem por medo de que isso me levasse a ser conservador depois de velho”.

(Robert Frost (1874 – 1963), poeta norte-americano. )