segunda-feira, 11 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

“Relações entre ciência-religião-senso comum. A religião e o senso comum não podem constituir uma ordem intelectual porque não podem reduzir-se à unidade e à coerência nem mesmo na consciência individual, para não falar na consciência coletiva: não podem reduzir-se à unidade e à coerência “livremente”, já que “autoritariamente” isto poderia ocorrer, como de fato ocorreu, dentro de certos limites, no passado. O problema da religião, entendida não no sentido confessional, mas no laico, de unidade de fé entre uma concepção do mundo e uma norma de conduta adequada a ela: mas porque chamar esta unidade de fé de “religião”, e não de “ideologia” ou, mesmo, de “política’? “


(Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, volume 1, pág. 96 – Civilização Brasileira, 2006)

Reforma política e imprensa

Fábio Wanderley Reis
DEU EM O VALOR ECONÔMICO

O tema geral da reforma política irrompeu de novo com força. A sequência de denúncias que atingiram o Congresso levou, por exemplo, a que um jornal como a "Folha de S. Paulo", duas semanas atrás, retomasse em editorial a defesa do voto facultativo, no entendimento de que com ele diminuiria a distância entre a sociedade e seus representantes, ajudando na superação da impunidade que a "repugnância pelos políticos", por si só, não traz. Mas a notícia de que políticos tanto governistas como de oposição se mobilizam para aprovar o financiamento público de campanhas e o voto em listas levou as coisas mais longe: o que vemos, além de enfáticos editoriais contra a proposta, é a própria veiculação das notícias a respeito envolta, nos diferentes meios, em ira e sarcasmo. E tome repugnância!

Impossível negar o que há de feio nos fatos que as denúncias revelam. E ver a proposta mencionada ganhar viabilidade no Congresso em seguida às denúncias com certeza autoriza apontar um oportunismo miúdo como parte, pelo menos, dos motivos da movimentação atual.

Mas é ilusório contar com que nosso eventual avanço institucional venha a resultar, sem mais, de parlamentares nobremente motivados a discutir com competência e isenção os problemas do país. E caberia talvez esperar que a duradoura face negativa da realidade política brasileira fosse ela própria um incentivo a que a imprensa, em vez da perene exposição minuciosa de cada malfeito, abrisse maior espaço à discussão e ao esclarecimento das dificuldades que envolvem o campo "técnico e polêmico" das reformas institucionais, de que fala o próprio editorial citado da "Folha de S. Paulo". Já lembrei aqui a reduzida atenção dedicada, pela imprensa em geral, às propostas relatadas por Ronaldo Caiado, na Câmara, e derrotadas enquanto éramos inundados com as aventuras de Renan Calheiros.

De minha parte, sou favorável à manutenção do voto obrigatório. Ao contrário do argumento invocado com frequência, e retomado agora, não há qualquer razão (sobretudo, ironicamente, na perspectiva edificante que tende a predominar) para ver no voto somente um direito, e não também um dever do cidadão. De um ponto de vista analítico e empírico, além disso, a sociologia eleitoral há muito mostra que, com o voto facultativo, os mais pobres e desinformados são os que se veem desproporcionalmente excluídos do sufrágio. A não ser numa ótica elitista e algo cínica, é difícil defender a ideia de que a representação melhore ao se facilitar a operação de um fator adicional de exclusão dos já marginais socioeconomicamente. Mas, de novo ao contrário do que às vezes se sustenta, o voto facultativo tenderá ainda a estimular o recurso a mecanismos clientelísticos de mobilização dos eleitores, já que, não sendo todos obrigados a votar, tais mecanismos poderão fazer a diferença em termos de resultados eleitorais em nossas condições sociais negativas.

Sou também favorável a que experimentemos com o financiamento público e o voto em listas.

Quanto ao financiamento público, uma ponderação inicial é também de natureza doutrinária: se asseguramos igualmente o direito de votar para todos, é evidente a diferença entre ricos e pobres no que se refere ao exercício do direito de ser votado, ou de candidatar-se a cargos eleitorais com perspectivas de êxito, e o financiamento público é um meio óbvio de se procurar neutralizar as distorções que o dinheiro privado traz ao processo eleitoral e sua influência antidemocrática e corruptora na própria administração pública - ainda que seja necessário prestar atenção à possibilidade de democratização do financiamento privado que a campanha de Barack Obama acaba de mostrar-nos.

Por seu turno, o voto em listas é defensável, em primeiro lugar, por permitir a fiscalização efetiva do uso dos recursos ao concentrar a responsabilidade nos partidos. Em perspectiva mais ampla, porém, ele concorre na direção geral do indispensável fortalecimento dos partidos como pontos de referência e, eventualmente, como agentes consistentes e decisivos do processo político e eleitoral, em vez da dispersão personalista que experimentamos há muito. É notável que essa dispersão seja descrita, também em editorial, como arma democrática de que disporiam os eleitores "para combater os abusos dos seus representantes" pelo mesmo jornal que aponta, para defender o voto facultativo, o cidadão a curvar-se "numa espécie de corveia eleitoral" e a outorgar mandatos que serão exercidos "na impunidade e na arrogância".

Sem dúvida, há o perigo verdadeiro das famosas "oligarquias partidárias". Convém, naturalmente, pensar em dispor de maneira adequada sobre coisas como convenções democráticas e eleições primárias para assegurar que as bases partidárias tenham um grau significativo de controle sobre os líderes, bem como sobre "listas flexíveis" em que se preserve a iniciativa do eleitor. Mas o que importa é que o eleitor possa escolher entre partidos que agreguem interesses e vocalizem alternativas relevantes, e é patente que a preocupação com a construção de partidos reais deve ter precedência sobre a preocupação com a sua oligarquização: uma vez que se jogue o jogo eleitoral, são sobretudo partidos fracos que se prestam ao controle de oligarquias. Ao contrário, o comando e a coesão reais são partes importantes e articuladas de partidos capazes de eficácia eleitoral e governativa.

De todo modo, é lamentável que as circunstâncias contaminem tão negativamente o debate dos problemas. E que a imprensa bem-pensante seja, de mais de uma forma, o instrumento desatento dessa contaminação.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Bravo, Moraes!

Ricardo Noblat
DEU EM O GLOBO

Que jamais me faltem a franqueza e a coragem do deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), autor da celebrada frase “Estou me lixando para a opinião pública”. É por isso que saio em defesa dele: parabéns, Moraes! Enquanto a maioria dos seus colegas mente, maquia ou esconde o que pensa, você, não: diz o que pensa e depois vai tomar chimarrão em paz.

Descobriram que Heloísa Helena, presidente do PSOL e vereadora em Maceió, usou passagens do Senado para mandar o filho viajar. E que resposta deu Heloísa à pergunta se procedera bem ou mal? “Não tentem me misturar com esses bandidos”, exigiu com raiva. “Estou em paz com a minha consciência”. Fora a referência a bandidos, os demais senadores acusados de se beneficiarem de dinheiro público repetiram em coro o que disse Heloísa com a contundência que a caracteriza.

O que eles alegam? Que o costume avalizava a terceirização de passagens aéreas pagas com dinheiro público e reservadas só para eles voarem entre Brasília e seus Estados. Assim, um requisitava passagens para viajar com a família ao exterior, outro mimava com passagens a amante quase sempre insatisfeita, e outro ainda doava passagens a artistas dispostos a se divertirem, embolsar uma grana e prestigiar o bem-feitor em festinhas promovidas por ele. Ora, tenham dó. Às favas o costume se ele fere a lei!

É incoerente criticar os políticos quando mentem e também quando falam a verdade. A política resgataria boa parte da credibilidade perdida se nossos representantes, e aqueles que nos governam, seguissem o exemplo de Moraes de falar a verdade pelo menos uma vez. Ou mesmo o exemplo de Delúbio Soares, afastado do PT desde o escândalo do mensalão. Delúbio quer ser candidato a deputado. Precisa se filiar a um partido. Procurou o PT. Foi rejeitado. PT ingrato!

“Do que me acusam? Quantos são os políticos brasileiros que realizaram campanhas eleitorais sem que alguma soma, por menor que fosse, não tenha sido contabilizada?” – defendeu-se Delúbio durante reunião do Diretório Nacional do PT. Foi tratado com respeito. Estava ali um homem que prestou relevante serviço ao seu partido. E que agiu com autorização expressa ou velada dos seus superiores. Delúbio não traiu a confiança do PT. Correspondeu a ela. Calou e aguentou o tranco sozinho.

Delúbio tem pinta de bronco. Moraes é mais refinado do que parece. Sabe distinguir, por exemplo, entre opinião pública e opinião publicada. A primeira é difusa, volúvel, difícil de ser conferida – salvo em episódios que provocam reações unânimes. Por que o casal Nardoni está preso há mais de um ano à espera de julgamento? Porque a opinião pública o considera culpado pela morte da menina Isabella, jogada do sexto andar de um prédio em São Paulo. Há condenados pela Justiça flanando por aí.

Opinião publicada é... Bem, é tudo aquilo que nós, jornalistas, publicamos por achar certo ou imaginar que esteja em sintonia com a opinião pública. Erramos com freqüência ao confundir uma coisa com a outra. Mas não erramos deliberadamente, nem por mal. Quando a escravidão foi abolida no País, a maioria da elite branca e racista da época era a favor de sua manutenção. Acertaram os que escreveram ou falaram na contramão da opinião pública. Dá-se o mesmo em relação à falta de ética na política.

O cidadão que malha os políticos em geral e, em particular, os que são a bola da vez, dirige a uma velocidade além do permitido e atravessa a rua fora da faixa de pedestre. Se puder declarar que comprou um imóvel por menos do que de fato pagou por ele, declara para escapar do rigor do Fisco. É o voto desse tipo de cidadão que elege os Moraes da vida – e o Congresso está repleto deles. É também o voto dos desinformados, dos que trocam o voto por favores e dos sem memória. Cuidado: você pode ser um deles. Esses estão pouco se lixando para o que faça Moraes, Delúbio e aloprados de qualquer espécie.

A lista fechada para a sociedade

Vagner Gomes de Souza[1][1]

Adianto em afirmar que doutrinariamente sou defensor do fortalecimento do partido político como canal de transformação da sociedade. Sou um parlamentarista que compreendo uma sociedade que cresceu politicamente com o presidencialismo. Acho que a proporcionalidade é uma garantia da participação política dos segmentos variados da sociedade. Sempre achei que o sistema de listas era um modelo eleitoral ideal.

Entretanto, a adoção de um sistema eleitoral deve estar de acordo com um balanço da conjuntura política. Um impacto silencioso da crise econômica mundial na política brasileira estaria na desqualificação do legislativo. As forças políticas do centro estão na “berlinda” o que sugere um fortalecimento do despotismo de nosso modelo presidencialista. Portanto, a democracia política brasileira estaria consolidada, mas não significa que seria ampla a participação da cidadania.

Defendo a democracia e a ampla participação da sociedade no processo político brasileiro e a participação nas eleições é uma dessas formas. Se o voto é obrigatório como dever e um direito como conquista social, devemos permitir que a sociedade esteja sempre na política expondo suas contradições. O modelo eleitoral atual não permite uma plena igualdade de condições para um eleitor/cidadão comum se filiar a qualquer partido e disputar as eleições.

Se ele assim agir e for vitorioso, será pauta na mídia nacional e hipoteticamente capa de alguma revista internacional. Não há espaço para um simples eleitor, ou seja, um novo eleitor da nova classe média ser eleito no sistema eleitoral atual como estreante. Entretanto, esses eleitores mobilizam votos para os partidos políticos que permitiria legitimar o processo eleitoral.

Então, isso implica que devemos mudar o atual sistema? Não necessariamente. Afinal as atuais propostas não estão permitindo uma ampliação dos canais de decisão do eleitor. Contraditoriamente as interpretações de um eleitor, a votação numa legenda eleitoral afasta ainda mais o eleitor médio da sociedade da liberdade de escolha do nome ideal para estar no parlamento.

Os partidos políticos brasileiros não apresentam identidade clara para além das minúsculas legendas acadêmicas da esquerda brasileira. Então, o eleitor nunca teve identidade com partidos políticos em quase 120 anos de República. Impor o voto de legenda é um “golpe branco” na sociedade brasileira cada vez mais indicadora de mobilidade social. Nosso conjunto de eleitores estaria cada vez menos vinculado ao processo político que é feito pela mediação do parlamentar eleito.

Os desvios clientelistas não seriam diminuídos. Sugerimos que se hoje há uma parcela do eleitorado que vota influenciada por Centros Sociais. Contudo, o sistema eleitoral de listas fechadas permitirá a filiação de um eleitorado de clientela para influir nas convenções para a escolha da ordem na lista eleitoral. Enfim, a sociedade ficaria refém da dinâmica interna dos partidos políticos “invadidos” por uma “militância de cabresto”.

Então, isso implica que não devemos alterar o sistema eleitoral? Simplesmente não é esse o caminho.

A política da tradição comunista vitoriosa após 1958 é aquela que defende uma ampla aliança pelas transformações graduais, o que implica mudar alguns pontos que desequilibram a disputa eleitoral. O financiamento público das campanhas é uma proposta que não garante a plena igualdade entre os partidos políticos (seria distribuído pela proporcionalidade de votos adquiridos num sistema eleitoral sem esse modelo), porém evitaria que os candidatos nos partidos tivessem tratamentos diferenciados.

Há uma confusão na sociedade sobre a proposta do financiamento público, pois assimilam como ampliar os gastos eleitorais. Entretanto trata-se de um gasto público para coibir desvios que se expressam na ligação de parlamentares eleitos e seus doadores. O financiamento público seria um benefício similar aos gastos que tivemos ao desenvolver o voto eletrônico e banir as fraudes eleitorais. Esse sistema deveria ser adotado nas eleições de cargos majoritários (Presidência, Governos Estaduais, Senadores e Prefeitos) onde o candidato poderia optar por abrir mão desse financiamento em favor do financiamento exclusivo de pessoas físicas com valores limitados. As coligações eleitorais deveriam ser substituídas pelas “federações de partidos” para evitar alianças ocasionais e casuístas que apenas beneficiam políticos que analisam as hipóteses de vitória em determinadas legendas menores em coligação.

Esses pontos seriam os possíveis a serem debatidos com a sociedade. Garantir aos eleitores comuns seu desejo de ser candidato com um financiamento público de campanha com a prestação dos gastos on-line durante o processo eleitoral para haver transparência ou por doações de pessoas físicas (abolindo as doações de empresas). Além disso, o enfraquecimento do oportunismo nas alianças eleitorais com a adoção de “federações” com fortes laços políticos. Afinal, a lista está fechada para a sociedade.

[1][1] Professor de História. Mestre em Sociologia no CPDA-UFRRJ com a dissertação “Coronelismo: elementos de uma interpretação de Brasil em Victor Nunes Leal”. Filiado ao PPS-RJ.

PT e PMDB começam a discutir quadro eleitoral nos estados

Diana Fernandes e Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO

De olho na candidatura de Dilma em 2010, petistas tentam evitar candidaturas próprias que enfraqueçam aliança

BRASÍLIA. Dirigentes nacionais do PT e PMDB começam a discutir esta semana o quadro eleitoral nos estados, na tentativa de fazer cumprir a decisão do diretório nacional do PT de brecar candidaturas do partido que possam dificultar a aliança nacional com os peemedebistas em torno da candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) à Presidência.

O PMDB elogiou a decisão do PT de sexta-feira — devidamente orientada pelo presidente Lula —, mas ainda desconfia que, na prática, a determinação da cúpula não será cumprida. Em pelo menos oito estados importantes, não há acordo entre PT e o PMDB para as eleições locais, o que enfraquece o palanque de Dilma.

Por isso, Lula tomou a iniciativa de cuidar pessoalmente de situações mais delicadas. Como, por exemplo, a que envolve o governador petista Jaques Wagner e o ministro peemedebista Geddel Vieira Lima, na Bahia. Os dois pretendem disputar o governo local em 2010, com ameaça de o PMDB se aliar ao DEM e até ao PSDB, o que daria um forte palanque no estado para o provável presidenciável tucano, o governador José Serra (SP).

— Não se chegou ainda a uma conversa sobre a eleição na Bahia, é muito cedo. No cenário nacional, a decisão do PT ajuda, sem dúvida. Para o PMDB, sem candidato a presidente, prevalecem as eleições nos estados — disse Geddel.

O líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), que é da executiva nacional , diz que pediu aos diretórios radiografia da situação nos estados para sentar à mesa com os dirigentes do PT. Para ele, a decisão do PT ajuda, mas ressalva: — Não sei se vai funcionar na prática, porque alguns (petistas) podem querer fazer (candidaturas) informalmente. O certo é que, para ter a aliança com o PMDB, o PT terá que fazer concessões nos estados.

O líder do PT, deputado Cândido Vaccarezza (SP), da cúpula do partido, diz que o PMDB não deve ter receio de rebeliões de diretórios petistas, pois a tradição do partido é de forte comando central. Ele cita episódios em que o diretório nacional enquadrou o regional. Em 1998, determinou o apoio a Anthony Garotinho ao governo do Rio.

— Não entendo essa preocupação do PMDB. O nosso objetivo está claro: é definir primeiro a aliança nacional para depois discutir os palanques regionais.

Não precisa de dúvida do PMDB — disse Vaccarezza.

Em Pernambuco, a aliança está descartada, pois o líder local do PMDB, senador Jarbas Vasconcelos, faz oposição ao governo Lula e é cotado para ser vice de Serra. Em São Paulo, a situação é difícil, uma vez que o maior cacique do PMDB paulista, Orestes Quércia, fechou acordo com Serra. O PT tenta atrair parte do PMDB no estado acenando com a possibilidade de o presidente da Câmara, Michel Temer, ser o vice de Dilma.

Encontro pró-aliança

Maiá Menezes
DEU EM O GLOBO

No Rio, Cabral conversa com Lindberg

Em meio à tentativa do PT nacional de garantir o apoio à candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, com a proibição de prévias até fevereiro de 2010, o PMDB do Rio tenta essa semana cartada definitiva para evitar o voo solo do petista Lindberg Faria, prefeito de Nova Iguaçu. Firme na intenção de se lançar candidato à sucessão do governador Sérgio Cabral (PMDB), Lindberg foi convidado por Cabral para um encontro amanhã. É uma tentativa de aparar arestas e evitar o estrago de um racha na aliança PT/PMDB no estado.

O governador deve acenar com benesses: recursos para a contrapartida municipal ao investimento do PAC no município até 2010 — um total de R$ 300 milhões. Cabral e Lindberg andam às turras desde o começo do ano, quando o prefeito anunciou a intenção de se candidatar ao governo do estado. O presidente regional do PT, Alberto Cantalice, sustenta que as novas regras do diretório nacional determinam a lógica da escolha no Rio: — O diretório nacional avaliou que o prioritário é a eleição da Dilma. O estados terão que se subordinar a essa lógica, a não onde haja consenso, o que não existe no Rio.

A previsão é que a eleição da nova direção do partido, em novembro, estabeleça a correlação de forças interna: caso vença o grupo do atual presidente, Alberto Cantalice, o apoio à reeleição de Cabral é dado como certo.

O dilema de Cristovam

Tiago Pariz
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

PDT decide na quarta-feira se lança candidatura própria ao GDF. Senador diz viver paradoxo entre o Executivo e o Legislativo

O PDT quer ser a terceira via na disputa pelo Governo do Distrito Federal. Com a polarização entre o governador José Roberto Arruda (DEM) e Joaquim Roriz (PMDB), o partido espera formar uma aliança de esquerda tendo como cabeça de chapa o senador Cristovam Buarque (DF). Esse movimento visa ocupar um espaço, segundo os pedetistas, deixado pelo PT com a indefinição de candidatura própria.

Presidente do PDT no DF, Cristovam disse que a definição sai em reunião da Executiva marcada para quarta-feira e colocou como condição a entrega dos cargos do partido na administração Arruda. Para ter uma chapa competitiva, ele quer trazer as outras legendas que formam o bloco de esquerda, como PSB e PCdoB. Os pedetistas vislumbram até o apoio do PPS de Augusto Carvalho, secretário de Saúde do governo Arruda.

Numa reunião no sábado, uma das chapas cogitadas pelo PDT teria o deputado distrital José Antonio Reguffe como vice. Mas o presidente do partido prefere alguém de outra legenda e citou o deputado federal Rodrigo Rollemberg (PSB).

“A ideia é conversar com o bloco de esquerda e compor uma chapa independente de Arruda, Roriz e PT. Pelo o que está passando, esses três blocos provavelmente se transformarão em dois. O PT vai tomar a decisão levando em conta o que será mais importante para a eleição da Dilma”, disse o senador.

O presidente Lula prefere eleger um senador do PT no Distrito Federal a um governador, por contar com bom relacionamento com Arruda. A cúpula nacional petista determinou que as alianças estaduais favoreçam o apoio à provável candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Nesse cenário, o PT poderia até se aliar com Roriz.

O ex-ministro Agnelo Queiroz (PT) anunciou que desistiu de concorrer ao governo para se dedicar à candidatura ao Senado. Com isso, ele deixa o caminho livre para o deputado federal Geraldo Magela. Queiroz prefere ficar sintonizado com as intenções do presidente Lula.

Decepcionado com a decisão de Agnelo, Cristovam disse que gostaria de ver o ex-ministro na corrida por entender que ele teria mais densidade eleitoral do que Magela, apesar de menos apoio entre petistas. “Fiquei chateado com o Agnelo. É a terceira vez que ele retira o nome da disputa ao governo. Ele agregaria mais do que o Magela”, afirmou o pedetista, que quando governador ainda estava no PT.

Cristovam reluta em disputar o Palácio do Buriti, avalia que teria mais chance se voltasse ao Senado. Ele teme, na verdade, ficar sem mandato a partir de 2010, caso saia ao governo e acabe derrotado. O senador disse estar vivendo um paradoxo. “Nunca me senti tão bem no eleitorado como ultimamente. Hoje eu teria uma eleição tão fácil e outra tão difícil! Quando vejo o eleitorado, tenho certeza de que teria uma votação boa para senador, maior até do que a da eleição anterior, mas para construir a candidatura ao governo sinto uma dificuldade imensa.

Qual é a chapa, qual seria a coligação, qual o tempo de televisão, que militância teríamos nas ruas?”, questiona-se o pedetista.

O senador sustentou também que a decisão de o PDT lançar candidato ao governo passa ainda pela entrega dos cargos que a legenda tem no governo Arruda. Os dois principais postos ocupados pelo partido estão com Marcelo Aguiar, secretário extraordinário de Educação Integral, e Israel Matos Batista secretário-adjunto de Trabalho.

RS: PT deve definir candidato em julho

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O vice-presidente do PT do Rio Grande do Sul, Cícero Balestro, afirmou ontem que o processo de escolha do candidato do partido ao governo do Estado terá continuidade. Um encontro em julho deve definir o representante petista, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, é o favorito.

Ao promover o encontro, Balestro contraria o presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, que proibiu o lançamento de candidaturas antes de 2010.

O resultado foi um desgaste na relação entre Tarso e Berzoini, que definiu a discussão gaúcha como prematura e informal.

Tarso exigiu desculpas, mas Berzoini classificou a atitude como "absolutamente ridícula".

Juro básico cai, mas taxa de administração sobe

Juliana Rangel
DEU EM O GLOBO

Bancos elevaram encargos em várias categorias de fundos, segundo estudo. Cobrança chega a 5% no varejo

A rápida queda da taxa básica de juros, a Selic — de 13,75% em dezembro de 2008 para 10,25% em abril —, que levará a mudanças na remuneração da poupança, não fez as taxas de administração dos fundos de investimento caírem no mesmo ritmo, em busca de competitividade.

Levantamento feito entre algumas das classes mais procuradas, com base em dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), mostra que houve pequenas reduções nos segmentos de capital protegido, multimercados e ações referenciados no Ibovespa desde dezembro. Mas outros fundos, na média, viram o percentual subir.

As taxas dos fundos de renda fixa, por exemplo, passaram de 1,06% em dezembro de 2008 para 1,07% em março deste ano.

Mas o vice-presidente da Anbid, Alexandre Záquia, diz que o número não reflete a realidade do pequeno investidor, que aplica em bancos comerciais, já que considera grandes investidores institucionais que aplicam em fundos abertos. Para o varejo, as taxas são ainda mais altas, embora venham caindo ao longo dos anos, quando isoladas.

Segundo Záquia, o percentual para renda fixa no varejo, sem a distorção, passaria de 2,26% em dezembro para 2,12% em março.

Em 2005, era de 2,44%.

Para consultor, falta competitividade aos fundos Uma ronda feita nos sites dos principais bancos comerciais, como Caixa Econômica, Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Santander, mostra uma realidade mais dura para aplicações iniciais baixas, de até mil reais. No varejo, as taxas de administração chegam a 5% para fundos DI, e a 4% na renda fixa.

Ainda assim, Záquia garante que a cobrança já baixou.

— Isso aconteceu basicamente por três motivos: queda da taxa básica Selic, aumento da competitividade e crescimento da indústria de fundos, o que dilui custos para o investidor.

Mas, se a queda ainda não chegou ao pequeno poupador no ritmo esperado, a preocupação aumenta com a disposição do governo de mexer na rentabilidade da poupança, tornandoa menos atraente. Por ter maior segurança, isenção de Imposto de Renda e taxa de administração, a caderneta pegou parte das aplicações em renda fixa nos últimos meses. O movimento criou um problema para o governo, já que os fundos de investimento são os grandes compradores de títulos emitidos pelo Tesouro, que financiam a dívida pública. Entre as propostas avaliadas está a fixação de um percentual da Selic para remunerar a poupança.

O consultor financeiro Paulo di Blasi questiona a falta de competitividade dos fundos: — A Selic caiu e os fundos ficaram menos competitivos porque estão cobrando caro, e ninguém questiona isso. Tudo bem que tenha um ajuste na economia como um todo por causa da redução da Selic.
Mas não adianta piorar a concorrência em vez de melhorar o próprio produto.

A consultora de imagem Juliana Burlamaqui prefere aplicar em CDBs (títulos privados de dívidas de bancos) para evitar as taxas de administração.

— Isso pesa na minha decisão, já que entre os fatores avaliados estão segurança e rentabilidade — diz.

Záquia admite que algumas taxas cobradas no varejo são altas, principalmente para fundos com menor gestão, como renda fixa e DI. Mas, para fundos multimercados e de ações, mais elaborados, ele acha justa uma taxa maior.

— Se você paga 3% ao ano, significa que o banco está ganhando R$ 3 para uma aplicação inicial de R$ 100. É pouco, considerando que os bancos têm custos com call center, equipe de análise, distribuição, treinamento de gerentes etc. — diz.

O responsável pelo departamento de Investimentos do Bradesco, Marcos Villanova, diz que, por enquanto, o investidor ainda está aceitando as taxas atuais. Mas o banco avalia alterações em sua política.

— Estamos pensando em como administrar isso (queda da Selic). O mais provável é que a gente libere quantias menores de investimentos iniciais para fundos com taxas de administração mais baixas.

As lições que a crise está oferecendo

Marco Antonio Rocha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Há duas lições a serem tiradas desta crise financeira mundial: uma pelo público, outra pelos governos e banqueiros.

A lição a ser aprendida pelo público é que a economia moderna só funciona com endividamento - das empresas e das pessoas físicas -, o que significa que é movida pelos bancos.

A lição a ser aprendida pelos governos é que os bancos são importantes demais para serem deixados a critério e juízo apenas dos banqueiros.

E os banqueiros têm de saber que não são donos de livre-empresas iguais às demais do mercado. A enorme responsabilidade que lhes pesa os obriga a aceitar todos os controles que a sociedade ache necessário lhes impor e assumir toda a transparência que lhes seja exigida.

O gatilho da crise foi o enxugamento do crédito bancário no mundo inteiro. Imediatamente, todas as atividades se retraíram e o desemprego explodiu. Ficou mais do que evidente a enorme importância do crédito e do sistema bancário.

Foi-se o tempo em que empresas e famílias poupavam para investir - fosse na construção de uma nova fábrica, fosse na compra de um imóvel. Atualmente, pessoas e empresas se endividam para investir - na nova fábrica ou na compra do imóvel.

Portanto não é o "espírito animal" dos empresários que move a economia moderna, como costuma dizer o professor Delfim Netto. O crédito é que açula o "espírito animal" do empreendedor, que morre na praia se os bancos não lhe derem crédito. E mesmo que já esteja velejando, afunda, caso lhe falte crédito - que não é mais o sustentáculo da economia, mas a sua locomotiva.

Por que essa é uma lição que precisa ficar clara para o grande público? Porque todo mundo acha que banqueiros são agiotas envernizados e que "salvar os bancos" é uma imoralidade, além de desperdício de dinheiro público. Mas neste momento os governos estão despejando nos bancos bilhões de reais, dólares, euros, ienes, yuans, rublos, etc., nesta campanha de salvação financeira mundial. Fazem isso não porque sejam imorais. Não é uma questão de ética. É uma questão de dar combustível para a locomotiva continuar puxando o trem da economia. Trata-se, em última análise, de salvar os empregos, o bem-estar e o futuro das pessoas. Pois sem o crédito e sem os bancos isso tudo se deteriora, a vida econômica moderna fenece.

Poderia haver um tipo de economia sem esse tipo de detestável locomotiva? Talvez sim, talvez não. Mas essa é uma discussão filosófica. A economia real que temos é essa que está aí e que depende profundamente do sistema bancário. A crise "sistêmica" se transforma em crise de tudo. Ponto final.

Agora, a segunda lição.

Exatamente porque o crédito e o sistema bancário assumiram papel sumamente relevante no mundo moderno é que deve ser exigida, pela sociedade, pelos governos, pelas leis, pela Justiça e pela polícia, muito maior responsabilidade dos bancos e dos banqueiros do que no passado e do que das demais empresas. Os bancos não podem mais se considerar como livre-empresas, atuando ao bel-prazer numa economia livre - nem pensar que sejam isso. Os banqueiros, suas políticas, seus administradores, seus métodos de administrar e seus funcionários têm de estar sob permanente escrutínio de fiscais dos governos e prestando constante e fiéis contas de seus atos, ganhos e perdas, à opinião pública.

Não se trata mais de passá-los pelas tradicionais "auditorias", que, com seus inúteis "relatórios", nada mais são do que escritórios de fajutagem de balanços, como vem ficando demonstrado ad nauseam. Tem de haver um Tribunal de Contas para os bancos, com poderes de agir preventivamente, e não apenas corretivamente. Além de um código penal específico para banqueiros e administradores de bancos, com penalidades tão exorbitantes quanto os prejuízos que causem.

Essas as duas (ou três) lições da crise.

Mas e o estado em que ela se encontra? Não é possível assegurar que ela tenha acabado, apesar de alguns sinais de animação, principalmente nas bolsas. Como dizia o presidente do nosso Banco Central, Henrique Meirelles, isso pode ser uma tentativa do mercado de antecipar o processo de recuperação da economia americana.

O que se pode dizer é que, desde as reuniões do G-20 em Londres e do FMI-Bird em Washington, tem havido melhoras e mais calma. A noção de que os líderes mundiais chegaram a um consenso sobre como agir contribui para reduzir o nervosismo.

Segundo esse consenso, as ações para a retomada da economia e para afastar a insegurança devem se orientar em três direções: um esforço muito grande para reativar a demanda por meio de medidas de natureza fiscal; uma ação continuada para reparar o sistema financeiro e normalizar suas operações; e grande mobilização de recursos para atender aos problemas surgidos nas economias dos países emergentes.

O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, não só concordou que é uma estratégia correta, como que "o novo plano dos EUA é um importante passo adiante".

Mas as ações oficiais ainda são fragmentadas. Ao lado de estímulos fiscais corajosos houve também novas restrições ao comércio internacional, apontadas em levantamento do Banco Mundial.

Temos aí, no momento, um contexto em que, ao mesmo tempo, ganham força a noção clara do que é preciso fazer e de que é preciso agir coordenadamente e a ação automática de autoproteção das administrações públicas, sob o impulso de respostas tradicionais.

Portanto, além de "salvar os bancos", sem o que as tentativas de reativar as economias não darão resultado, como asseverava com razão Strauss-Kahn, é preciso também passar por cima da paquidérmica dificuldade de se mover das administrações públicas em geral.

*Marco Antonio Rocha é jornalista.

Agora podemos olhar para a economia

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A divulgação dos resultados do "teste de stress" aplicado pelo governo Obama nos principais bancos americanos marca o fim de um capítulo importante da crise econômica que vivemos. O pânico que atingiu os mercados financeiros após a quebra do Lehman Brothers chegou ao fim.

Posso fazer esta observação com segurança ao leitor do Valor. O comportamento dos mercados de crédito nas últimas semanas suportam de forma inconteste esta minha afirmação. Quando escrevo esta coluna, a taxa interbancária de três meses no mercado de Londres está em 0,94% ao ano, ou seja, um prêmio de 77 pontos sobre os títulos do Tesouro americano de mesmo prazo. Ele chegou a mais de 464 pontos no auge do pânico.

Outros mercados de crédito privados mostram a mesma melhora acentuada. O prêmio pago pelos títulos privados de alta qualidade (AAA), que chegou a mais de 6% ao ano nos dias pós-Lehman, caiu agora para 2,15%. Na segunda metade de 2008 esta diferença era de 1,8%, apenas 0,35% ao ano menor do que a verificada na sexta-feira. O mesmo comportamento ocorre com os títulos com grau de investimento (acima de BBB-), com seu prêmio de risco caindo de 5,5% no pico da crise para 3,75% na última sexta. Outra prova desta mudança de humor pode ser encontrada nos mercados de câmbio. O dólar está devolvendo boa parte dos ganhos que teve contra outras moedas durante a crise, pois era visto como um porto seguro pelo mercado.

O que assusta os mercados financeiros é o chamado desconhecido. Nestas situações, os profetas do caos ganham credibilidade e acabam por alimentar a insegurança de investidores e empresas com suas previsões. Os mercados perdem liquidez e a volatilidade dos preços acaba por expulsar a racionalidade do dia a dia dos negócios. Agora, com os números divulgados pelo governo sobre a saúde do sistema bancário americano, voltamos ao terreno de uma maior previsibilidade. O cenário de stress definido pelo governo não pode ser considerado frouxo ou otimista, como alguns tentam mostrar. O banco Goldman Sachs avaliou que suas hipóteses para testar a saúde dos bancos são menos agressivas do que o cenário utilizado pelo governo em seu exercício de futurologia.

O resultado mostra que nenhum dos 19 maiores bancos americanos está insolvente. É verdade que muitos necessitam de capital adicional, mas o exercício indica que os resultados operacionais esperados no cenário de stress permitem que os bancos absorvam gradualmente as perdas nos próximos dois anos sem descontinuidades adicionais na funcionalidade do sistema.

Há uma chance real de que o círculo vicioso entre stress financeiro e recessão, vivido nos últimos meses, tenha sido interrompido, ao menos temporariamente. Isso não significa que os problemas foram superados, muito pelo contrário. Mas a dinâmica dos mercados será diferente a partir daqui.

Nas próximas semanas o medo do incerto vai se reduzir e a volatilidade nos mercados de câmbio, juros e ações deve se normalizar. Além de menos agressiva, sua natureza também vai mudar. Os fatores de risco estarão agora relacionados às inseguranças dos analistas quanto à trajetória da recuperação econômica nas principais economias do mundo, principalmente nos Estados Unidos. Teremos uma recuperação do tipo V? Ou será um U a forma mais correta para defini-la? Os mais pessimistas vão falar de um L - situação que ocorreu no Japão dos anos 90 - como o cenário mais provável. Mas todas elas estarão relacionadas com dados econômicos, não bruxarias. Ou seja, a incerteza agora será mais "racional" na medida em que se baseia em dados relacionados com o lado real da economia. Caso a economia encontre algum sinal de estabilização, isso reforçará a calmaria financeira, e vice-versa, em um reverso do círculo vicioso recente.

O foco central para entender os movimentos da economia e dos mercados nos próximos meses será certamente o comportamento do consumidor americano em seu processo de ajuste, que será longo e penoso. É aí que reside a maior incerteza. Para quanto subirá a taxa de poupança da família americana? Qual será a trajetória deste ajuste? Como as empresas responderão a uma demanda estruturalmente mais fraca e até onde ainda subirá o desemprego? Mesmo solventes, os bancos estão frágeis. Terão eles condições de prover crédito? Por isto os dados mais importantes para navegar com sabedoria nos próximos meses estarão ligados, direta ou indiretamente, a esta dinâmica de consumo e poupança, pois é aí que estará a chave para uma recuperação ou para um novo agravamento da recessão. Destes, os mais relevantes me parecem ser: vendas no varejo, informações sobre emprego e renda, dados sobre o mercado imobiliário, preço da gasolina (por conta de seu impacto na renda disponível) e comportamento do crédito ao consumo. O volume de vendas no varejo e as informações sobre salários e renda mostrarão mês a mês o movimento da taxa de poupança.

A situação do mercado imobiliário vai influenciar este movimento de ajuste na medida em que a casa própria é o item mais importante da riqueza do consumidor. Para tranquilizá-lo, será necessária uma maior visibilidade sobre o valor real de seu imóvel e sua relação com o saldo devedor de sua hipoteca. Caso ocorra nos próximos meses uma estabilização dos preços, o americano se sentirá mais seguro e poderá reduzir seu consumo corrente de forma mais suave. Se persistir a fragilidade do mercado hipotecário, o ajuste na taxa de poupança pode ser mais agressivo e rápido.

Outro fator importante será o comportamento dos bancos em relação ao crédito ao consumidor. Elemento fundamental para explicar a explosão de consumo da última década, ele agora vai influenciar a busca de um novo equilíbrio nos gastos dos americanos. Os dados mais recentes mostram uma extraordinária redução na disponibilidade deste tipo de crédito. Atualmente este movimento defensivo dos bancos tem sido acompanhado por uma queda equivalente na demanda de crédito. Mas, para que haja uma recuperação mais rápida e sustentada da economia, em algum momento nos próximos meses será necessária uma volta do crédito ao consumo. Se isto não ocorrer a recuperação será bem mais lenta.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

Cadernetas de poupança

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Surge a ideia dessa estranha e perversa aliança entre grandes rentistas e a classe média de pequenos poupadores

O DEBATE sobre os juros no Brasil ganhou novo caráter.

Os tradicionais defensores das taxas elevadas estão tentando uma aliança com os pequenos poupadores visando impedir qualquer mudança na remuneração das cadernetas de poupança.

Um fato em relação aos juros que até recentemente estava envolto em uma névoa -o de que a taxa paga às cadernetas de poupança é insustentável- tornou-se claro a partir do momento em que a queda da Selic passou a ter como limite os 6% reais de juros que a lei estabelece para os investidores em cadernetas de poupança. O problema, a partir desse momento, deixou de ser o de combater os interesses dos grandes rentistas e do setor financeiro e de seus economistas, que argumentavam que juros estratosféricos eram necessários para o Brasil combater a inflação, e passou a também envolver a classe média.

Estamos em um momento ideal para rever todo o sistema institucional que envolve os juros e a política monetária brasileira, porque, devido à crise global, a política de taxas altas perdeu qualquer razão de ser.

Entretanto seus autores encontram uma nova desculpa para limitar a baixa dos juros. Se esta continuar a diminuir, a taxa da caderneta de poupança ficará mais elevada do que a paga pelos fundos de investimento; logo, a remuneração da poupança é um piso para a queda dos juros. Se esse piso for ignorado, os rentistas migrarão seus recursos para a poupança.

A origem do problema é antiga. Nos anos 1960, no início do regime militar, quando foram criados o Sistema Nacional da Habitação e a caderneta de poupança, a lei estabeleceu que esta teria uma remuneração fixa real de 6% ao ano. A taxa era muito alta, mas a inflação também, de forma que não houve protestos.

Um argumento adicional para aceitar com naturalidade a taxa era o de que a lei de usura limitava tradicionalmente os juros a 12%. Na realidade, nem sempre os investidores em caderneta de poupança receberam seus 6% reais, porque em alguns momentos, com a desculpa da inflação, falsificou-se o cálculo da correção monetária. Quando, afinal, a alta inflação terminou, em 1994, seria necessário não digo eliminar mas começar a reduzir o piso de juros das aplicações na poupança, mas o Banco Central estabeleceu um nível para a taxa básica (Selic) tão alto que o problema desapareceu.

Agora, com a economia brasileira em recessão, a redução da taxa de juros tornou-se imperativa.

Os juros altos não são mais apenas uma forma de captura do patrimônio público pelos grandes rentistas; são também um obstáculo à resposta necessária do Brasil à crise global. O Banco Central iniciou com atraso e timidamente o processo de baixa, mas, neste momento, surge a ideia dessa estranha e perversa aliança entre os grandes rentistas e a classe média de pequenos poupadores. Uma aliança que tenta a oposição política ao governo, que vê nesse problema a oportunidade de se tornar defensora dos pobres.

A solução "correta" do ponto de vista econômico seria eliminar o piso e deixar o problema por conta do mercado, mas essa não é uma solução razoável em um país tão desigual. O governo pensa em taxar com Imposto de Renda os grandes poupadores e manter os pequenos como estão. É uma solução aceitável, que, entretanto, deveria ser acompanhada por alguma redução dos 6% de piso. O certo é que é preciso mudar o quadro institucional. O atual apenas favorece os interesses dos mais ricos.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".