quarta-feira, 13 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

“Talvez seja util distinguir “praticamente” entre a filosofia e o senso comum, para melhor indicar a passagem de um momento para o outro. Na filosofia, destacam-se notadamente as características de elaboração individual do pensamento; do senso comum, ao contrário, destacam-se as características difusas e dispersas de um pensamento genérico de uma certa época em um certo ambiente, ainda que restrito (de todos os intelectuais). Trata-se, portanto, de elaborar uma filosofia que - tendo já uma difusão ou possibilidade de difusão, pois ligada à vida prática e implícita nela - se torne um senso comum renovado com a coerência e o vigor das filosofias individuais. E isto não pode ocorrer se não se sente, permanentemente, a exigência do contato cultural com os “simples”. “


(Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, volume 1, págs. 100-101 – Civilização Brasileira, 2006)

Enfim, o debate político

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Pelo menos podemos ter um debate político importante na Câmara dos Deputados, quando cinco partidos - PMDB, PT, PPS, DEM e PCdoB - apresentam um projeto de reforma política cujo ponto mais polêmico é o voto em lista fechada, e por isso mesmo seus autores o estão identificando como mera consequência do financiamento público de campanhas eleitorais, que seria o objetivo central da proposta. Como o financiamento público não se coaduna com a campanha individual, a mudança do atual sistema seria feita para permitir sua adoção. Os opositores da mudança lançaram o movimento "diretas sempre", rejeitando o que consideram ser o cerne do projeto reformista, o voto em lista fechada.

Embora a luta seja política, e não jurídica, pelo menos nesse primeiro momento, o deputado Miro Teixeira, que lidera o movimento contra a lista fechada, lembra que o artigo 14 da Constituição diz que a soberania popular se exerce pelo sufrágio "universal e direto".

Já o deputado Ibsen Pinheiro, que coordena o projeto de reforma, considera o voto uninominal e proporcional atualmente em vigor o culpado pelo que chama de "Câmara da crise". "Ele é o alimentador das crises institucionais que temos de tempos em tempos", diz.

Segundo Ibsen, de 1946 para cá, só houve duas espécies de presidentes da República: os que cooptaram a maioria, e os que foram depostos. "Não há terceira hipótese. A Câmara virou o paraíso das minorias, não há unanimidade, aqui tudo se pulveriza".

Segundo ele, o dano menos visível do atual sistema é provocar que qualquer minoria tenha capacidade de pressionar os deputados, "com prejuízo do gasto público, que paga a conta dos corporativismos".

O deputado Miro Teixeira considera que qualquer tipo de sistema eleitoral pode ser discutido, pode haver preferência por voto distrital puro, distritão ou misto, "mas com lista aberta, qualquer coisa que assegure o voto direto do povo".

A tentativa dos cinco partidos que apóiam a reforma é que o novo sistema já esteja em vigor nas eleições de 2010, e por isso optaram por reformas que não exijam quorum qualificado, como uma mudança constitucional.

A aprovação de um projeto de lei ordinário exige quórum mais baixo - maioria simples, ou seja, metade mais um dos presentes, que precisam ser de no mínimo 257, metade mais um do total de deputados.

O voto pode ser até mesmo de liderança, por votação simbólica, e por isso o movimento dos opositores em plenário pretende se organizar para poder fazer obstrução ou pedir a checagem dos votos.

Eles vêem na tentativa de fazer uma reforma fundamental, como a introdução do voto em lista fechada, por maioria simples como uma espécie de golpe parlamentar.

Ibsen Pinheiro diz que tem a convicção de que só uma Câmara eleita por um processo partidário de escolha terá estabilidade para instituir uma forma de voto distrital. "Essa Câmara pulverizada que temos hoje não tem meios de aprovar uma mudança constitucional".

Ele também diz que não há eleição menos direta do que a atual, "onde você vota em um e elege outro. Apenas 19 deputados federais estão na Câmara por votação própria, os demais foram eleitos pelo voto da legenda partidária".

O texto do movimento "diretas sempre" diz que os subscritores se comprometem a lutar por todos os meios legais para que não seja retirado do povo o direito de escolher pelo voto direto os cargos legislativos do país. "O respeito ao cidadão pela garantia do voto direto", resume Miro Teixeira.

Dos quatro pilares em que se baseava a proposta original - lista pré-ordenada, financiamento público de campanha, fidelidade partidária, e federação de partidos -, apenas os dois primeiros permaneceram intocados.

Instrumentos como a fidelidade partidária e as cláusulas de barreira para os partidos políticos funcionarem perderam a relevância política, na ótica dos dirigentes dos cinco partidos, por que o fortalecimento partidário se daria em detrimento da atuação individual do deputado e da dispersão partidária.

As coligações, por sua vez, terão que ser predeterminadas, em uma lista conjunta dos partidos que integrarem essa espécie de "federação de partidos".

Ao contrário do projeto anterior, que previa penas bastante severas para os políticos que utilizassem o "caixa dois", e também para as empresas que burlassem o sistema de financiamento público de campanha, o projeto que será apresentado amanhã não parece dar muita ênfase ao tema por que, na definição de Ibsen Pinheiro, o financiamento público "quebra a lógica do caixa dois".

Um dos pontos que mais mobilizam os defensores do projeto de reforma política é que o custo das campanhas eleitorais cairia drasticamente, já que apenas os partidos farão campanha, e não os milhares de candidatos individualmente.

Consideram também que as campanhas eleitorais tomarão menos tempo. A lógica da partidarização das eleições deverá também reduzir o que Ibsen Pinheiro chama de "carguismo", isto é, a disputa pela indicação de cargos.

Se é o partido que terá relevância política, as indicações obedecerão a critérios partidários, e não individuais.

Os opositores do sistema indicam que esse controle das verbas eleitorais e das indicações políticas fará dos comandos partidários oligarquias políticas com poderes muito ampliados.

Em alguns países, como na Argentina, esse sistema desaguou num nepotismo acelerado dos grupos políticos que dominam a máquina partidária.

Os defensores da reforma consideram que o voto partidário fará uma alteração fundamental na política brasileira, e Ibsen Pinheiro chega a dizer que a aprovação terá reflexos ainda nesta atual Câmara, favorecendo um relacionamento partidário mais estável.

Eu continuo achando que esse debate só terá legitimidade num futuro Congresso, sob um novo governo.

Não adiantará decepar a língua do arauto

José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido um contumaz crítico da hipocrisia nacional. Volta e meia ele acusa de hipocrisia todos quantos ousam destoar da cantiga de uma nota só do coro dos conformados acomodados e, de certa forma, acumpliciados. Uma recente dissertação de Sua Excelência a respeito de seu tema favorito foi quando, sem ter sido chamado, defendeu o uso de passagens pagas pelo bolso furado da viúva para parlamentares andarem de avião para cima e para baixo, desde que não ultrapassem, advertiu, as fronteiras pátrias. Ele próprio, quando deputado, não tinha fornecido passagens de sua cota a dirigentes sindicais? Excelente historiador de si mesmo, o presidente deu uma lição da versão moderna que o PT acresceu à tristemente célebre lei Artur Bernardes, cunhada na República Velha, em uso até hoje, segundo a qual se deve legar tudo aos amigos e aos inimigos, o rigor da lei. Fosse ele leiteiro, viajariam os leiteiros. Não sendo...

Não será novidade se Sua Excelência houver usado a palavra pensando num sentido diferente do correto, mas é muito provável que ele tenha pensado mesmo em "falsidade" e "dissimulação" para desautorizar os críticos da generosa agência de viagens "Parlamentotur". Afinal, se há uma coisa a que ele não está habituado a usar é carapuça. E, se for dessa forma, ele tinha a obrigação de usar suas tropas de choque, sempre capazes de resolver todos os problemas governistas no Congresso, para defender com garra e sem pudor o relator conduzido ao cadafalso pelos colegas somente por ter dito em voz alta aquilo que quase todos estes não confessam nem aos próprios botões. Além de impedir a defenestração do deputado Sérgio Moraes (PTB-RS) da relatoria do processo contra o corregedor incorrigível Edmar Moreira (sem partido-MG), o chefe do governo deveria até encomendar a seu devotado ídolo Oscar Niemeyer um memorial na Praça dos Três Poderes para esse representante do povo que teve a coragem de dizer o que sente e o que sabe. Seria um marco indelével na cruzada de Sua Excelência Excelentíssima contra a hipocrisia, que decompõe nossas instituições e esmorece os ânimos dos nobres parlamentares, que lhe têm dado tantas demonstrações de fidelidade.

Ao afirmar e reiterar em discurso na tribuna que está "se lixando para a opinião pública", o ilustre varão gaúcho nada mais fez senão expressar o que todos os seus colegas fazem - embora quase nenhum deles se permita expor a vilania. E - mais que isso - retratou de forma precisa, exata e sem subterfúgios o lema dos parlamentares, que, eleitos para representar a cidadania, deixam-se gostosamente sustentar por ela, mas representam cada vez mais apenas a si mesmos, seus parentes, seus compadres e, no máximo, seus cabos eleitorais. Nossos parlamentares fingem que nos representam, enquanto nós também fingimos que eles nos representam - assim como o volante Vampeta dizia que, quando vestiu a camisa do time mais popular do País, o Flamengo do Rio, o clube fingia que lhe pagava e ele fingia que jogava. Ou seja, Sérgio Moraes não é apenas o mais recente candidato à liderança da majoritária bancada dos amorais na Câmara dos Deputados - ele é o Vampeta dentre os coleguinhas. Pois finge, mas confessa.

Ele também revelou a inutilidade da enxurrada de críticas que seus nobres pares recebem sobre a atuação deles. Em seu raciocínio, que pode ser acusado de tudo menos de falso, dissimulado ou hipócrita, vá lá, o relator que resolveu inocentar o colega antes de investigar foi além, ao lembrar com crueza que ser criticado não implica perder votos. Muito antes pelo contrário: ele mesmo, acusado até de explorar o lenocínio, não apenas foi inocentado cabalmente na Justiça, mas também eleito sete vezes, galgando pelo nobilíssimo e soberaníssimo princípio democrático da consulta popular a escada do sucesso na política. E ainda levou consigo ao píncaro a mulher e a prole. Trata-se de um legítimo representante da elite política civil dirigente nacional. Bom marido, ajuda a mulher a se eleger. Bom pai, faz o mesmo com a descendência. Com a unção das urnas, nem sequer pode ser acusado de prática de nepotismo.

O presidente, que fez de conta que Valdomiro Diniz e os mensaleiros eram personagens fictícios da oposição intransigente e da imprensa que dá azia, age agora com incoerência ao dar as costas a um companheiro que luta com denodo pela extinção da hipocrisia na vida pública nacional. O Legislativo se lixa para a opinião pública quando empurra para baixo do tapete o lixo amoral das cotas de passagens. Craque em aliciar votos, Lula desrespeita a cidadania ao defender essa prática - deveria, então, ser grato ao arauto da surdez cívica pelo serviço.

Decepar a língua do arauto não curará a doença institucional que seu discurso diagnosticou: o divórcio irreparável entre representantes e representados, o Parlamento e a sociedade, a Nação e o Estado Democrático de Direito. O deputado Moraes (mas logo no plural?!) fez o papel de falso boi de piranha: não há risco de vir a perder o mandato, como remotas são as chances de que essa punição recaia sobre o colega que ele tentou ajudar com sua argumentação desastrada por ser franca. Ele apenas será devolvido ao limbo do baixo clero, que não tuge nem muge, ao perder a relatoria, que lhe deu a oportunidade de revelar francamente o que pensa sua grei, que lhe retirou imediatamente o destaque e a palavra, por ter dito o que não devia. Talvez o presidente Lula não saiba - e certamente não há entre seus assessores um que tenha coragem de dizer-lho -, mas a verdade é que, enquanto se usar no Congresso a velha prática do sacrifício do bode expiatório, a crise da representação não será resolvida e a democracia não se consolidará. Mas quem foi que disse que no fundo não é isso mesmo que ele quer? Não é?

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Inversão de fatores

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A relatoria de qualquer projeto ou processo - principalmente se polêmicos - costuma ser alvo de disputa entre os parlamentares. Garante espaço na imprensa e dá ao escolhido o ambicionado destaque, difícil de ser alcançado em sistemas de trabalho colegiado como o Congresso.

É uma oportunidade e tanto de se sobressair. Raramente dispensada. A menos que algo ande muito errado para justificar a inversão da regra geral segundo a qual holofote e microfone são instrumentos essenciais à comunicação da atividade pública.

Pois bem. Não é de hoje (o caso da falta de quem aceite substituir o deputado Sergio Moraes como relator do processo contra Edmar Moreira no Conselho de Ética da Câmara não é o primeiro nem será o último) que os parlamentares vêm evitando chamar atenção sobre si quando o assunto envolve imposturas de agentes públicos.

Tanto que virou lugar comum nomear não um, mas uma comissão de relatores a fim de socializar os prejuízos. No processo contra o então presidente do Senado, Renan Calheiros, em 2007, essa foi a solução encontrada depois de repetidas renúncias e recusas de substituição.

Sergio Moraes foi nomeado para relatar o processo de Moreira com outros dois deputados. Repudiado por crime de exorbitância verbal - "estou me lixando para a opinião pública"-, Moraes diz que não sai, o presidente do conselho diz que vai substituí-lo, não encontra quem esteja disposto a fazer o serviço e promete para hoje uma solução.

E por que é tão difícil encontrar quem relate o caso?

Há razões variadas, embora sejam todas presididas pelo mesmo objetivo: a absolvição ou prescrição de penalidade branda ao deputado que apresentou notas fiscais de gastos da verba indenizatória, mas não conseguiu provar a autenticidade delas.

Como o nome do jogo não é rigor ético e suas cartas estão previamente marcadas, só são aceitos jogadores adaptados à regra. Com isso, ficam de fora os mais sérios.

Seja porque os partidos da maioria governistas já distribuem as peças de acordo com seu interesse (evitar punições a integrantes da "base"), seja porque cada vez menos os mais qualificados se disponham a enfrentar uma tropa sem escrúpulos, cujo compromisso único é assegurar a impunidade dos acusados.

Sem sombra de dúvida, para boa parte dos que recusam o ideal seria a permanência do debochado Moraes como relator.

Ultimamente, com o envolvimento de muitos parlamentares da categoria "superior" no escândalo das passagens aéreas, nenhum deles quer se expor à retaliação na forma de cobranças públicas de ausência de autoridade moral para julgar e acusar.

Não por acaso, Sérgio Moraes faz frequentes referências ao uso das passagens como algo muito mais "grave" que a acusação de abuso no gasto da verba indenizatória que levou a corregedoria da Câmara a pedir abertura de processo no Conselho de Ética contra Edmar Moreira.

A mistura no mesmo balaio de todos os parlamentares, sem aplicação de critérios de avaliação sobre o conjunto da atuação de uns e de outros, acaba favorecendo tipos como Moraes e companhia. É errado usar a cota de passagens aéreas como um bem particular? Erradíssimo.

Trata-se de um cacoete patrimonialista? Certamente. Agora, se não houver distinção entre um parlamentar que escorregou aqui, mas exibe toda uma trajetória correta e atuante, e outro cuja biografia se traduz em folha corrida de malfeitorias, os piores vencerão e prevalecerão.

Parlamentar que se "lixa" para a opinião pública não precisa de reconhecimento, capta votos por outros métodos. O outro tipo, que vive da imagem, quando a tem destruída, não se elege ou desiste de disputas e se retira da cena. Quem ganha? Pois é.

Não se trata de relevar o erro, mas de aplicar às pessoas e às situações seu valor exato, na dimensão precisa.

Limonada

Digamos que para o PSDB não será exatamente o fim do mundo se a governadora Yeda Crusius (RS), acossada por denúncias de uso de caixa 2 na campanha, for obrigada a desistir da reeleição e aos tucanos restar como saída o apoio à candidatura do prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, para governador do Estado em 2010.

Mais que um problema, pode ser uma solução, pois Fogaça é do PMDB. Uma aliança com ele fecha mais um elo em favor da candidatura presidencial do PSDB e tira do PT a chance de se acertar com os pemedebistas no Rio Grande do Sul.

O recinto

"Ou temos uma coisa séria ou não temos. E, se não for séria, não é ambiente para mim", disse o ministro da Defesa a propósito do plano de continuar demitindo apaniguados políticos da Infraero.

Filiado ao PMDB, que já tentou presidir, o ministro não esclareceu se a exigência de seriedade limita-se à empresa administradora dos aeroportos brasileiros ou se estende também ao partido.

PPS apoia mudança nas taxas de fundos

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A oposição está decidida a dar uma virada no enfrentamento do debate sobre as alterações na caderneta de poupança se o governo vier a confirmar, hoje, como se esperava até ontem à noite, ou dentro de poucos dias, que vai privilegiar a mudança nas aplicações em fundos em lugar de atingir as regras da poupança. O objetivo declarado do governo é reduzir o risco de migração em massa de uns para outros e, se for isto mesmo, os partidos da oposição concordam que é possível fazer por intermédio dos fundos e não veem necessidade de instabilizar a poupança.

Roberto Freire, presidente do PPS, partido que fez a mais firme contestação às alterações pretendidas pelo governo e liderou a oposição neste caso, comenta que a legenda que preside vem fazendo há muito discussões sobre propostas alternativas, resultantes de seminários internos com especialistas, em dois sentidos: reduzir a taxação dos fundos e reduzir a taxa de administração das aplicações em fundos de renda fixa.

"Não é nosso papel fazer sugestões ao governo, mas é o que temos debatido internamente. Porém, se o governo adotar essas medidas, não temos por que ficar contra, é a nossa proposta, a oposição está aí para dialogar e apoiar medidas que não mexam na poupança", afirma Freire.

Segundo informações do governo repassadas aos partidos, há uma divisão na equipe econômica com relação a isto. Premida pela redução da arrecadação, a Receita Federal estaria contra a redução do imposto de renda de aplicações em fundos. Ainda no Ministério da Fazenda, e desta vez por ciúme, parte da equipe seria contra esta medida por ter sido formulada por Bernard Appy em conjunto com o Banco Central. Appy funciona à margem do staff do ministro Guido Mantega e lá estaria permanecendo por uma deferência à Presidência da República, pois Lula gosta dele desde quando era braço direito do ex-ministro Antonio Palocci.

Se mantiver a alternativa formulada por Appy e BC, porém, o Ministério da Fazenda terá a concordância da oposição. "Vamos discutir, porque é uma alternativa real. Não se pode, ao primeiro sinal de que a Selic atingirá níveis mais civilizados, quando o governo começa tardiamente a fazer a política de redução das taxas de juros, ir logo em cima da caderneta de poupança, com a qual ninguém nunca se preocupou quando não rendia quase nada", argumenta Freire. Na sua opinião, não pode o governo criar obstáculos à rentabilidade da poupança e deixar correr solto o prêmio ao sistema financeiro.

O presidente do PPS acha que o governo tem mais uma alternativa de solução sem atingir a poupança: as taxas de administração dos fundos de renda fixa. "Os bancos ganharam ano passado R$ 17 bilhões com esta taxa de administração, e não administram nada, não precisam fazer nada", assinala.

Freire enfatiza que tanto quem está contra a redução do imposto sobre as aplicações financeiras, como quem insiste em aumentar a taxação da caderneta de poupança, querem a mesma coisa: só aumentar a arrecadação.

"Tentamos, e conseguimos evitar até o momento, que o governo fizesse a tunga. Teriam optado pela lei do menor esforço, dizendo que estavam garantindo os pequenos poupadores, os pobres, e novamente jogariam a conta para a classe média".

A seu ver, o assunto, mesmo que a conclusão seja favorável às teses do partido, deve continuar sendo tema para a oposição, não morre com as definições esperadas. "A que está em vigor é uma política monetária para beneficiar os bancos. Existe na sociedade quem defenda esses interesses do sistema financeiro e acha que nós fizemos uma discussão forçando a introdução da política dentro dela, como se esta fosse uma questão para ser discutida por técnicos.

Para Freire, "tudo é política", e se o governo mexer na poupança da forma como anunciou no início dos estudos, estará fazendo pior que o ex-presidente Fernando Collor: "Collor sequestrou as cadernetas, devolveu o dinheiro com juros e correção, foi gravíssimo, mas não atingiu a estrutura da poupança; Lula estava trabalhando com a mudança na estrutura, é mais grave".

O presidente da legenda que mais lutou contra a alteração das regras da poupança afirma que já se considera vitorioso antes mesmo de serem anunciadas as alterações e conferidas as opções do presidente. "A oposição conseguiu fazer com que uma questão, que é política, esteja sendo discutida politicamente".

Se a oposição não tivesse tomado o debate a si, o governo "teria feito a política dos ricos em nome dos pobres", afirma. Segundo a análise do presidente do PPS, pode ser até que, no futuro, se a taxa de juros chegar a níveis de economia civilizada, seja possível haver uma discussão sobre poupança. "Aí será uma questão política, se vai incentivar a poupança no país, deixá-la com bom rendimento, pode ser uma opção política. Eu tenho esta opção, acho que o país cresce com poupança, não com o incentivo ao consumismo, que não é política anticrise coisa nenhuma". Mas esta é outra história que, segundo o próprio Freire conclui, poderá se transformar em uma boa discussão para outro momento.

Assalto às armas

Um assalto ao QG do Exército, no qual dois bandidos vestidos de terno renderam até um general, semana passada, em Brasília, pode ser considerado a coroação de um negro período na segurança pública do Distrito Federal.

Os crimes de rua se multiplicam, especialmente o sequestro relâmpago, e agora com inovações, pois praticados em modelo sequencial. Os policiais sumiram das ruas, agora retomadas apenas por blitze de trânsito.

Não ouve o governo local dar satisfações à população, nem mesmo na propaganda institucional.

A insegurança pública no perímetro urbano da Presidência da República nunca esteve tão forte como hoje.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Jarbas critica retomada da tese do terceiro mandato para Lula

De Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) provocou ontem debate no plenário do Senado sobre a tese de um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da qual é contra.

Segundo ele, parlamentares que pregam essa ideia "defendem seus próprios interesses" e querem "se perpetuar no poder, usufruir eternamente de todas as benesses que isso possa significar".

O pernambucano, que é um senador do PMDB dissidente, que faz oposição ao governo, lembrou que foram publicadas notícias sobre suposta posição dos presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), em defesa do terceiro mandato. "Nenhum dos dois negou a informação", disse, em discurso no plenário.

Para Jarbas, o assunto começou a crescer nos bastidores da política depois da divulgação de que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), pré-candidata de Lula à Presidência da República, retirou um câncer do sistema linfático e terá de se submeter a tratamento com quimioterapia.

"A base governista se apressou em retomar a bandeira golpista de um terceiro mandato", disse Jarbas.(RU)

Latino será secretário de Obama para região

Andrea Murta
De Nova York
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Arturo Valenzuela, que trabalhou no governo Clinton, substituirá Thomas Shannon, nomeado ainda no governo Bush

Nomeação abre espaço para flexibilização nas relações com região, deixando para trás divisão entre inimigos e amigos dos EUA, diz analista

O presidente dos EUA, Barack Obama, nomeou ontem o acadêmico de origem chilena Arturo Valenzuela como novo número 1 do Departamento de Estado para a América Latina. Ele substitui Thomas Shannon, atual secretário-assistente do órgão para o Hemisfério Ocidental. A expectativa é que Valenzuela ajude Obama a reposicionar as relações com a região, obtendo diálogo mais aberto.

A indicação ainda precisa ser referendada pelo Senado. Se aprovado, Valenzuela será mais um nome da Casa Branca que integrou a equipe de Bill Clinton (1993-2001).

Ele foi assistente especial do ex-presidente, diretor sênior para assuntos interamericanos do Conselho de Segurança Nacional e vice-secretário-assistente do Departamento de Estado para a região. Na época, sua principal responsabilidade foi a política externa dos EUA em relação ao México,uma das prioridades do novo governo.

Valenzuela dirige o centro de estudos latino-americanos da Universidade Georgetown. Especializado em origens e consolidação de democracias, é membro do think tank Council on Foreign Relations e participou da ONG La Raza, destacada organização de defesa da comunidade latina nos EUA.

As contribuições diplomáticas às relações com a América Latino renderam a Valenzuela, entre outras honrarias, a comenda da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, conferida pelo governo do Brasil.

Peter Hakim, presidente do think tank Diálogo Interamericano, afirma que a nomeação reflete o desejo de mudanças do governo atual nas relações com o continente.

Para ele, será crucial a flexibilização para aceitar a grande variedade des lideranças atuais entre os governos latinos, "deixando para trás a divisão entre "amigos" e "inimigos" dos EUA".

"Arturo não é alguém que manterá as políticas atuais", afirmou Hakim à Folha. "Ele se moverá rapidamente para a nova direção, com uma maior abertura em relação a Cuba, aumento da cooperação de segurança com o México e possivelmente uma política diferente na luta antidrogas."

A demora na escolha do novo nome para o cargo havia rendido à Casa Branca críticas de analistas, que a viam como obstáculo para a evolução da mudança sinalizada por Obama nas relações interamericanas.

Shannon está cotado agora para assumir uma embaixada dos EUA na região, possivelmente a do Brasil. Indicado ao cargo em 2005, ele tem avaliação positiva de vários governos latinos, e é creditado por melhorar as políticas iniciais do ex-presidente George W. Bush (2001-2009) para a região.

"Shannon fez um trabalho excelente sob circunstâncias muito difíceis", avaliou Hakim. "Ele mudou a forma como Bush lidou com a Venezuela e os países bolivarianos, evitando confrontos e tentando gerenciar relações mais suaves. Não tentou impor a outros governos a necessidade de pressionar a Venezuela."

Apesar das mudanças, não é esperado um grande foco do atual governo sobre a América Latina, já que Washington está mais voltada para as dificuldades da crise econômica e luta duas guerras no exterior.

Um dos sinais disso é que até agora não se falou do enviado especial à América Latina, projeto que Obama defendeu na campanha presidencial, para mudar as relação com a região.

Hillary no Brasil

A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, poderá visitar o Brasil entre os dias 27 e 28 deste mês. A viagem estava sendo negociada ontem entre os dois governos, mas não havia confirmação oficial até o fechamento desta edição.

Amigo de FHC, indicado estuda democracias

Márcio Aith
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O chileno Arturo Valenzuela, 66, construiu sua reputação como um estudioso da origem, dos avanços e dos fracassos da democracia presidencial na América Latina.

Valenzuela deixou seu país aos 16 anos para estudar nos Estados Unidos, onde completou seu Ph.D em ciência política pela Universidade de Columbia. Nas décadas de 70 e 80, conheceu e tornou-se amigo dos intelectuais mais proeminentes da região. Entre eles, o argentino Guillermo O"Donnel e o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, a quem visita sempre que vem ao Brasil -na última vez, em julho do ano passado, quando veio pedir apoio para as atividades acadêmicas do centro de estudos para a América Latina da Universidade de Georgetown, do qual era diretor até a nomeação anunciada ontem.

Quando tornou-se conselheiro do presidente Bill Clinton para a América Latina, em 1993, Valenzuela foi peça crucial na aproximação entre FHC (que só se tornaria presidente em 1995) e o presidente americano. Usou suas ligações com o Brasil para solucionar crises na região entre elas, a do assassinato do vice-presidente paraguaio, Luis María Argaña, em março de 1999.

Na Casa Branca, Valenzuela liderou as negociações secretas para liberar os documentos da CIA sobre o golpe militar do Chile, mantidos sob sigilo até 2000. Couberam a ele os esforços para tornar públicos os trechos mais relevantes dos papéis.

Escreveu nove livros. O mais conhecido deles, "The Failure of Presidential Democracy: The Case of Latin America" (a falência da democracia presidencial: o caso da América Latina), retrata o descompasso entre o avanço da democracia formal e o atraso das instituições republicanas na região. Valenzuela defendeu abertamente o regime parlamentarista no Chile, seu país de origem. Ele achava que o regime parlamentarista em seu país poderia ter evitado grande parte da turbulência verificada no país nos últimos 50 anos.

Chávez

Suas manifestações públicas sobre os regimes do venezuelano Hugo Chávez, do boliviano Evo Morales e do equatoriano Rafael Correa são cuidadosas. Reservadamente, no entanto, expressa preocupação com o renascimento de uma tendência autoritária na região. E culpa o ex-presidente George W. Bush por fornecer parte do combustível para o personalismo de esquerda na América Latina.

Em um discurso às Nações Unidas, em 2006, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, comparou Bush ao "Diabo". Disse ainda que os Estados Unidos eram a maior ameaça ao mundo e produziam um cenário de filme de terror.

Na ocasião, Valenzuela criticou o excesso retórico de Chávez. Mas culpou Bush por fazer o mundo perder a admiração pelos americanos. "Nunca vi um momento da história em que os Estados Unidos perderam tanto respeito internacional. Chávez usou nas Nações Unidas a mesma retórica com a qual se comunica com seus seguidores. Mas há algo mais. Ele se comunica com eficiência com aqueles que perderam a confiança na liderança americana", disse então.

É hoje o dia

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Que dia Christiane Torloni, Juca de Oliveira e Victor Fasano deveriam ser notícia numa coluna de economia? Hoje. É hoje, às 18h, em frente ao Senado, a Vigília em Defesa da Amazônia, a qual chegam depois de terem recolhido um milhão e 100 mil assinaturas de brasileiros pela preservação da floresta e após esperarem sete meses por uma audiência com o presidente Lula, que ainda não aconteceu.

Venho acompanhando, principalmente através de Christiane, as notícias da longa caminhada, desde o choque que ela e Victor tiveram ao gravar a minissérie "Amazônia", lá na região, até o esforço de entender muito mais profundamente essa inquietante e complexa causa e realizarem a mobilização pela coleta de assinaturas.

Que momento é a hora exata para que chegue ao Congresso o movimento que recolheu tantas assinaturas? Agora é a hora certa. A Amazônia vem sendo atacada há longo tempo, mas poucas vezes se formou um quadro tão adverso.

A senadora Marina Silva vem chamando a atenção para a concentração de iniciativas, projetos, declarações e políticas que ameaçam a Amazônia e apontam para a destruição do avanço que havia se conseguido. Ela acha que há uma ofensiva. É o Código Florestal, que quer ampliar a área de desmatamento permitida; é a tentativa de dispensar licença ambiental para a duplicação de estradas; é o dinheiro farto do BNDES para setores com inequívoca comprovação de que desmatam a floresta. São as declarações depreciativas de autoridades revivendo, a pretexto de enfrentar a crise, o bordão de que meio ambiente é obstáculo ao desenvolvimento.

Há 18 projetos de decretos legislativos tentando anular ações administrativas de proteção do meio ambiente. A senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura, é autora de um projeto de lei que tenta anular o Plano Nacional de Combate ao Desmatamento. O plano determinou o recadastramento das propriedades rurais, impede novas autorizações de desmatamento nos municípios que mais desmataram e barrou a acesso ao crédito para atividades rurais realizadas em imóveis que não respeitam as leis ambiental e fundiária. O governo já mandou várias MPs flexibilizando controles. A MP 422 aumentou de 400 para 1.500 hectares o tamanho da terra pública que pode ser passada para o setor privado sem licitação. A MP 458 tinha o objetivo de regularização da desordem fundiária da Amazônia, mas foi concebida dentro da ideia da aceitação do fato consumado. Isso pode premiar os que grilaram terra pública. Seria aceitar como privado um território maior que Minas Gerais, e se toda essa área puder desmatar os 20% legais, seriam 13 milhões de hectares.

Nunca foi tão forte no governo a ideia - como mostram os atos, palavras, medidas provisórias e delegação de responsabilidades - que a floresta tem que ceder espaço à produção agropecuária. Há vários problemas nesse raciocínio. Primeiro, a floresta tem sido desmatada impiedosamente ano após ano, e grande parte desse avanço se dá em terras públicas, por grileiros. A pecuária, que é um dos líderes desse processo de ocupação, está frequentemente envolvida com denúncias de trabalho escravo. Terceiro, a pretexto de enfrentar a crise, o governo tem aberto os cofres públicos para socorrer esses produtores que ocupam terra pública, desmatam e escravizam. Os crimes se associam e são financiados com os impostos que pagamos.

Do ponto de vista estritamente econômico, é uma insensatez. Tenho insistido, aqui neste espaço, que vão aumentar as pressões comerciais contra qualquer produto brasileiro que tenha indícios de estar ligado a esses dois crimes, desmatamento e trabalho escravo. O consumidor está ficando cada vez mais exigente, porque a consciência ambiental avança no mesmo ritmo dos sinais que alertam para os perigos da mudança climática.

No relatório do Trabalho Escravo divulgado ontem pela OIT, pesquisa feita com trabalhadores brasileiros mostrou que a maioria foi encontrada pela fiscalização em fazendas de gado do Pará e Mato Grosso. O relatório diz o seguinte sobre a lista suja do trabalho escravo: "Em julho de 2008 figuravam na lista os nomes de 212 pessoas e empresas, principalmente do setor pecuário.

Descobriu-se que uma parte importante das atividades estava vinculada a práticas ilícitas que causaram o desmatamento da região amazônica. Muitos desses estabelecimentos rurais são de grande extensão, de até 30.000 hectares ou mais." É a união das iniquidades: grilagem, desmatamento, trabalho escravo.

Portanto, a vigília de hoje reunirá pessoas que divergem em várias questões, pessoas de áreas profissionais tão diferentes quanto a senadora Marina Silva e o ator e também produtor de alimentos orgânicos Marcos Palmeira, mas que têm a mesma sensação de aflição vendo a marcha da insensatez do Brasil. Exatamente no limiar da era em que o aquecimento global torna mais preciosos os nossos recursos, quando desmatar e queimar a floresta aumentarão os riscos que pesam sobre todos nós, o Brasil vê uma escalada de iniciativas, propostas, projetos e declarações hostis à preservação.

Hoje é um bom dia para se pensar nas escolhas que têm sido feitas pelo Brasil.

Poupança pagará imposto em 2010

Fabio Graner e Rui Nogueira, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Última proposta levada até Lula é taxar aplicações acima de R$ 50 mil

O governo pode anunciar hoje a cobrança do Imposto de Renda (IR) das cadernetas de poupança acima de R$ 50 mil a partir de 2010. A nova regra será acompanhada de um corte temporário, válido apenas este ano, na tributação dos fundos de investimento. Essas propostas serão levadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Até ontem à noite, a equipe econômica ainda avaliava se a cobrança do IR na poupança deveria ser adotada por meio de projeto de lei ou medida provisória (MP). Também estava em discussão se os investimentos em renda fixa seriam taxados com a alíquota de 15%, independentemente do prazo, ou se haveria alíquotas diferenciadas. A Receita Federal calcula que deixará de arrecadar em torno de R$ 2 bilhões até o fim do ano.

Como o governo cedeu às pressões políticas e recuou da proposta de alterar o rendimento mínimo (além da variação da TR) de 6,17% da poupança, a redução do IR incidente sobre os fundos de investimentos tornou-se necessária para que o ganho dessas aplicações continuem mais atrativos que os rendimentos das cadernetas. Sem isso, o BC não conseguirá manter o processo de queda da taxa de juro básica, a Selic, atualmente de 10,25%.

O governo poderia esperar pela próxima reunião do Copom, marcada para o dia 9 de junho, para anunciar as novas regras. No entanto, o nível de irritação com os ataques da oposição reforçou o entendimento de que não é possível ficar a reboque das críticas, muito menos deixar a população na dúvida sobre se os ganhos da poupança serão ou não reduzidos pelo governo.

Os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo, insistiram, mais uma vez, que o governo não vai prejudicar o pequeno poupador. O objetivo, segundo eles, é inibir a migração de recursos dos fundos de investimento para a poupança, atraídos pelo melhor ganho.
Bernardo garantiu que o governo não fará alterações nas regras de rentabilidade da caderneta "da noite para o dia". "A poupança é um instrumento sagrado de proteção da economia popular e não seria o presidente Lula que mudaria isso", afirmou o ministro, durante audiência pública da Comissão Mista do Orçamento no Congresso.

Ele voltou a criticar o "caráter especulativo" que a discussão tomou, em razão de propagandas dos partidos de oposição, e expressou a preocupação de que os grandes bancos privados também direcionem as aplicações para a poupança, o que colocaria em risco a rolagem da dívida pública.

"Não queremos que o George Soros, que já se autointitulou especulador, abra uma poupança de US$ 20 milhões no Brasil e diga: agora estou com meu dinheiro protegido no Brasil."

"O governo deve criar um dificultador para o especulador que quiser vir para a poupança. O ministro garantiu que não vai prejudicar o poupador de maneira alguma", disse o deputado federal e presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, após reunião ontem com Mantega.

Como a discussão foi contaminada pela pressão política dos partidos de oposição, contrários a mudança nas regras das cadernetas, o governo recuou da solução técnica - a de vincular o ganho da poupança à variação de, por exemplo, 65% da taxa Selic. Essa era a proposta de consenso entre os técnicos do ministério da Fazenda e Banco Central. No entanto, ela foi rejeitada pelo presidente Lula porque não contemplava a diferenciação entre os pequenos e os grandes poupadores.

A solução paliativa é a redução do Imposto de Renda dos fundos de investimento, que pode entrar em vigor imediatamente e não deverá enfrentar resistência dos partidos de oposição. O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia, já disse que será difícil alguém da oposição ser contra uma proposta que baixe o imposto dessas aplicações, tornando-as mais competitivas.

"Mas os partidos de oposição estão fechados com a ideia de barrar qualquer medida que prejudique os poupadores. Portanto, se com essa medida vier algo que altere as regras das cadernetas, não apoiaremos."

Atualmente, a tributação dos fundos ocorre da seguinte forma: 22,5% para aplicações de até seis meses; 20% para aplicações de seis meses a um ano; 17,5% de um a dois anos; e 15% acima de dois anos.

Emprego na indústria cai pela 6ª vez consecutiva

Jacqueline Farid, Rio
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Número de ocupados está 5% abaixo de março de 2008, o pior resultado apurado pelo IBGE em oito anos


Os efeitos negativos da derrocada da produção industrial sobre o mercado de trabalho foram acentuados em março. Houve queda de 5% no número de ocupados ante igual mês do ano passado, o pior resultado apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desde o início da série histórica da pesquisa, há mais de oito anos.

Em apenas seis meses, o emprego do setor teve queda acumulada de 5,8%. A folha de pagamento também caiu em todas as comparações em março. Ante fevereiro, o recuo foi de 0,6% - sexta queda consecutiva ante mês anterior. O resultado acumulado de janeiro a março também apurou recorde negativo, com recuo de 4%, o pior primeiro trimestre desde o início da série. "Há uma transmissão bastante rápida para o mercado de trabalho porque a desaceleração na atividade foi rápida e intensa", observou o economista da coordenação de indústria do IBGE, André Macedo.

Segundo ele, a desaceleração abrupta da produção da indústria a partir de outubro do ano passado rebateu imediatamente no emprego e os efeitos se agravaram nos últimos meses. Em março, o mercado de trabalho industrial mostrou um "predomínio de taxas negativas, que atingem a maior parte dos locais e setores pesquisados".

Todas as 14 regiões investigadas pelo IBGE reduziram o número de ocupados na indústria em março ante igual mês do ano passado, com destaque para São Paulo (-4,0%), regiões Norte e Centro-Oeste (ambas com -8,6%) e Minas Gerais (-6,2%). Entre 18 segmentos, 14 registraram queda na ocupação, sendo as maiores perdas em vestuário (-8,6%), máquinas e equipamentos (-8,2%), calçados e artigos de couro (-10,3%) e meios de transporte (-7%).

A analista da Tendências Consultoria Ariadne Vitoriano espera melhora a partir do segundo trimestre. "Para os próximos meses, esperamos que a indústria cresça a taxas maiores do que as que têm sido registradas no primeiro trimestre, o que pode resultar numa interrupção da queda do emprego no setor."

Os economistas do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) também acreditam em recuperação, mas lenta. Eles destacaram, em nota, que o quadro ruim para o emprego industrial "reflete o que vem acontecendo com os níveis de produção na indústria".

A expectativa é que "no horizonte de pelo menos mais três meses, os ajustes no mercado de trabalho da indústria podem continuar adversos". Mas a expectativa é que ajustes sejam menos intensos.

Os mercados voltam a beber

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Comércio global leva tombos, vendas da China caem, mas mercados se embebedam com os barris de dólares do Fed

O PETRÓLEO passou dos US$ 60 pela primeira vez em seis meses, alta de 87% desde o fundo do poço. Cobre, zinco, açúcar e gasolina sobem. A China compra mais alumínio, minério de ferro, carvão e chumbo. A "recuperação econômica" à vista ou o zunzum a respeito levantam os preços de commodities, que também recebem impulso extra devido à queda do dólar.

Mas as exportações da China caíram 22,6% em abril (em relação a 2008), sexta queda seguida (a China exporta num mês mais do que exportamos em um semestre). Haviam caído 17,5% em março e 25,7% em fevereiro. Diz-se que a economia chinesa pode crescer 7,5%, e não os anteriormente previstos 6%. Há um jorro de crédito e os investimentos crescem (30%, de janeiro a abril, na comparação anual, e crescendo). Mas eles vão vender para quem? A China está em deflação faz um trimestre (preços ao consumidor).

As exportações japonesas caíram 40% no primeiro trimestre (comparação anual). A economia da Alemanha, que compõe o trio exportador mundial com China e Japão, vai encolher entre 5% e 6% neste ano e apenas começaria a beliscar o azul na segunda metade de 2010, segundo as previsões oficiais. O que então está crescendo no mundo?

O sorriso dos banqueiros americanos. Excluídos os desastres passados (ativos tóxicos, ainda sem solução) e as perdas futuras (com desemprego indo a 10%, mais calotes em cartão de crédito e imóveis comerciais), os bancos americanos estão fazendo algum dinheiro. O mundo parece rir por reflexo, como bocejamos diante de gente que boceja.

O plano Geithner-Obama de salvação dos bancos foi recebido com muxoxos gerais e com tombos no mercado. Não foi revisto nem começou a funcionar. Mas está todo mundo contente.

Caem os "spreads" na praça financeira. Cai o custo de fazer seguro contra calote de empresas.Ações de certos bancos, como a do Citi, chegaram a valer menos do que um hambúrguer no início de março. Mas então começou a operação de marketing do governo americano. Primeiro, disse que não haveria mais catástrofes tipo Lehman Brothers nem estatizações. Depois, vazou que os bancos passariam nos "testes de estresse" e ajeitou a divulgação dessas auditorias meio fajutas com os próprios bancos (fajutas ou alguém está muito errado. O FMI afirma que os bancos estão muito mais podres do que alardeia o governo dos EUA da boca para fora).

Por fim, o governo Obama anunciou que a banca precisava de pouco capital novo. As ações subiram. Os bancões mais podres dos EUA agora conseguem levantar dinheiro (emitindo novas ações), a bom preço.

De resto, os juros de curto prazo continuam no zero, os de longo prazo sobem e algumas taxas de mercado não caíram -os bancos fazem dinheiro. Para completar, captam dinheiro barato, pois têm uma espécie de seguro oficial, a custo zero. Porém, o rendimento de títulos seguros (Tesouro) é quase nada.

Onde colocar o dinheiro que o Fed "imprime"? Nas Bolsas, enquanto não aparecer uma notícia ruim. Ou nem isso. Os mercados de ações não se espatifaram em março porque previam resultados de empresas ainda piores do que os divulgados. E então acharam que isso era bom.

Um discurso abolicionista no Recife

Joaquim Nabuco
Fonte: Gramsci e o Brasil


Desde a observação de Joaquim Nabuco segundo a qual a Abolição precisava completar-se com a quebra do “monopólio da terra”, muito já se chamou a atenção para o fato de nossa modernização ter avançado, nos seus momentos mais importantes, sem se fazer acompanhar da democratização da vida política nacional.

O pensamento brasileiro se ocupou desse descompasso. Gilberto Freyre e Caio Prado Jr. radicaram suas teorias revolucionárias no 1888 inconcluso. Pensando nele, o sociólogo pernambucano propôs uma “política social” rurbana que viesse reequilibrar o contraste cidade–campo, acentuado pelo “pan-industrialismo” contemporâneo. Também tendo como referência a Abolição, Caio Prado, desde suas primeiras obras, concebeu a revolução como uma reestruturação simultânea da economia (debilmente produtiva) e do nosso mundo político, carente de partidos e opinião pública.

Esse último tipo de reformismo amadureceu na época do desenvolvimentismo e do constitucionalismo democrático do segundo pós-guerra. Recebeu, nos anos 1950, contribuição decisiva do Iseb. Recorde-se ainda que intelectuais comunistas dessa época retomaram aquela tematização a partir do nexo leniniano revolução–democracia política.

Essa tradição continuou presente nas controvérsias da esquerda brasileira na segunda metade dos anos 1970, quando novos autores de raiz pecebista tornaram aquele desencontro uma questão que redefinia a revolução brasileira como processo de progressiva democratização política da vida nacional. Com o decorrer dos anos, a democracia política passou a ser entendida — em distintos registros intelectuais — como principal meio para resolver conflitos e reformar a sociedade.

Assim, é de muita atualidade, na celebração de 1888, recordar os grandes ensaístas. Os clássicos vêm nos mostrar um estilo de pensar os problemas nacionais que ainda não esgotou sua energia pedagógica. Isto vale, particularmente, para o mais antigo deles, Joaquim Nabuco, de quem dizia em 1885 o Dr. Annibal Falcão, prefaciador da obra da qual foram extraídas as passagens aqui republicadas: “Era elle, desde annos, o chefe real do abolicionismo, quer simplesmente propagandista, quer militante do partido de reforma social”.

Daí a importância da republicação de trechos deste discurso de Joaquim Nabuco, de resto muito pouco conhecido, proferido num “meeting popular”, na Praça de S. José de Ribamar, Recife, em 5 de novembro de 1884. (
Raimundo Santos)

Eleitores de S. Jose

[...] Candidato liberal, sustentado por todas as forças do partido liberal, posso ufanar-me de ter igualmente do meu lado todos os elementos progressistas da opinião, qualquer que seja o seu nome. Se não digo que sou abolicionista antes de ser liberal, é porque penso que o liberal deve começar por ser abolicionista, e não comprehendo uma só hypothese em que, favorecendo o interesse do abolicionismo, eu prejudicasse os interesses do partido liberal. Mas, candidato, como sou, desse partido, represento acima de tudo uma idea, a saber: que a escravidão, palavra que os brazileiros não deviam mais pronunciar porque queima como ferro em braza a consciência humana, deve ser banida para sempre das nossas leis.

É triste, senhores, que até hoje, quando apenas cinco annos nos separam do centenário glorioso dos direitos do homem, nesta América que parecia dever ser o refugio de todos os perseguidos, o asylo de todas as consciências, a praça inexpugnável de todos os direitos, a escravidão ainda manche a face do continente, e um grande paiz, como o Brazil, seja aos olhos do mundo nada mais, nada menos, do que um mercado de escravos. (Grandes Applausos)

Senhores, a propriedade não tem somente direitos, tem tambem deveres, e o estado da pobreza entre nós, a indifferença com que todos olham para a condição do povo, não faz honra á propriedade, como não faz honra aos poderes do Estado. Eu, pois, se for eleito, não separarei mais as duas questões — a da emancipação dos escravos e a da democratização do solo. (Longos applausos)

Uma é o complemento da outra. Acabar com a escravidão, não nos basta; é preciso destruir a obra da escravidão. Comprehende-se que em paizes velhos, de população excessiva, a miséria acompanhe a civilisação como a sua sombra, mas em paizes novos, onde a terra não está senão nominalmente occupada, não é justo que um systema de leis concebidas pelo monopolio da escravidão produza a miséria no seio da abundancia, a paralyzação das fôrças deante de um mundo novo que só reclama trabalho.

Sei que fallando assim serei accusado de ser um nivelador. Mas não tenho medo de qualificativos. Sim, eu quizera nivelar a sociedade, mas para cima, fazendo-a chegar ao nível do art. 179 da Constituição que nos declara todos iguaes deante a lei. (Applausos)

Vós não calculaes quanto perde o nosso paiz por haver um abysmo entre senhores e escravos por não existir o nivelamento social.

Sei que nos chamam anarchistas, demolidores, petroleiros, não sei que mais, como chamam aos homens do trabalho e do salário os que nada têm que perder. Todos aquelles que de qualquer modo adquiriram fortuna entre nós, bem ou mal ganha, entendem que são elles, elles os que têm que perder, quem deve governar e dirigir este paiz!

Não preciso dizer-vos quanto essa pretenção tem de absurda. Elles são uma insignificante minoria, e vós, do outro lado, sois a nação inteira. Elles representam a riqueza accumulada, vós representais o trabalho, e as sociedades não vivem pela riqueza accumulada, vivem pelo trabalho. (Applausos)

Elles têm, por certo, interesse na ordem publica, mas vós tanto como elles, porque para elles mesmo grandes abalos sociaes resultariam na privação de alguns prazeres da vida, de alguma satisfação de vaidade, de algum luxo dispendioso tão prejudicial á saúde do corpo como á do caracter — e vós, perdendo o trabalho, vos achais deante da divida, que é uma escravidão também, deante da necessidade, em cuja noite sombria murmuram os demônios das tentações mercenárias, os filhos sem pão, a família sem roupa, o mandado de despejo nas mãos do official de justiça, o raio da penhora trazendo sobre a casa todos os horrores da miséria! Quem tem á vista desse quadro mais interesse em que a marcha da sociedade seja tão regular e continua como a de um relógio ou a das estações — o capitalista ou o operário? (Applausos)

Quanto a mim, tenho tanto medo de abalar a propriedade destruindo a escravidão quanto teria de destruir o commercio acabando com qualquer forma de pirataria. Por outro lado, não tenho receio de destruir a propriedade fazendo com que ella não seja um monopólio e generalizando-a, porque onde há grande numero de pequenos proprietários a propriedade está muito mais firme e solidamente fundada do que onde por leis injustas ella é o privilegio de muitos poucos. [...]

Extraído de: Campanha abolicionista no Recife (Eleições de 1884). Discursos de Joaquim Nabuco. (Propriedade da Comissão Central Emancipadora). Rio de Janeiro: Typ. de O. Leuzinger e Filhos, 1885.

Cannes abre a festa com animação

Luiz Carlos Merten, Cannes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Up, desenho da Pixar, inaugura a mostra, que este ano faz celebração de gêneros

Aos 27 anos, o palácio do Festival de Cannes - o ?palais?, ou bunker, como é chamado - ainda possui uma das melhores telas do mundo, equipada para projeções digitais e em 70 mm. Pois essa tela gigantesca já é considerada obsoleta. O maior evento de cinema do mundo, que começa hoje na Croisette, vai marcar o adeus a esse ?velho? palais. No dia seguinte à atribuição da Palma de Ouro no dia 25, o bunker fecha para reforma. O 62º Festival de Cannes tem um caráter de adeus. Um novo palais estará nos trinques em 2010.

Luz, câmera, ação! A maratona vai recomeçar. Uma animação da Disney Pixar, Up, de Peter Docter, inicia hoje, fora de competição, o 62º festival. Entre Un Prophète (O Profeta),de Jacques Audiard, e Antichrist (O Anti-Cristo), de Lars Von Trier), Deus e o Diabo na Croisette, a seleção do festival de 2009 é sob medida para dar dor de cabeça à presidente do júri, a atriz Isabelle Huppert. Duas vezes vencedora do prêmio de melhor atriz neste festival - por Violette Nozière, de Claude Chabrol, e A Pianista, de Michael Haneke -, Isabelle terá de avaliar o novo filme do segundo, que integra a seleção oficial. Le Ruban Blanc, como todo filme de Haneke, chega a Cannes precedido de expectativa, mas, honestamente, na seleção deste ano há talentos muito mais gloriosos com que se ocupar. Duvidam?

Alain Resnais participa da competição com Les Herbes Folles. Há 50 anos, nos primórdios da nouvelle vague, ele ganhou o prêmio da crítica com um dos filmes-faróis do cinema moderno, Hiroshima, Meu Amor. Desde então, Veneza foi bem mais sensível à grandeza de Resnais. Será chegada agora a hora da justiça ?cannoise? a um dos maiores do cinema? O problema é que Cannes também deve uma Palma de Ouro a Pedro Almodóvar e Pedrito está de volta à Croisette disposto a ganhar o prêmio, que reclama há anos, com Los Abrazos Rotos. Quatro vencedores adorariam bisar suas Palmas - o citado Lars Von Trier e também Ken Loach, que volta à competição com Looking for Eric; Jane Campion, que concorre com Bright Star; e Quentin Tarantino, que chega em clima de já ganhou com seu épico de guerra estrelado por Brad Pitt, Inglorious Basterds.

Provocadores notórios, como o filipino Brillante Mendoza e o franco-argentino Gaspar Noé - ambos adoram cenas de sexo nos limites do explícito -, podem fazer barulho com Kinatay e Enter the Void (De Repente, o Vazio). E o que dizer do italiano Marco Bellocchio (Vincere), dos coreanos Park Chan-wook (Bak-Jwi, Beba, Este É Meu Sangue) e Johnny To (Vengeance, Vingança) e dos chineses Ang Lee e Tsai Ming-liang, que concorrem com Taking Woodstock e Visage (Rosto)? Vários países estão conseguindo bisar e até cravar três concorrentes. A vertente chinesa divide-se entre a China, propriamente dita, e também Hong Kong e Taiwan. A França, dona da casa, além de Resnais e Audiard, concorre com À l?Origine, de Xavier Giannoli. A Espanha, além de Almodóvar, traz também Isabel Coixet, uma habitué de grandes festivais, com Map of the Sounds of Tokyo.

Responsável pela seleção, Thierry Frémaux diz que Cannes não privilegia países nem cinematografias. Para estar aqui, só o que conta é a qualidade, ele jura. Apesar da crise econômica, Frémaux está animado com sua seleção e garante que a deste ano prova a capacidade do cinema de se reinventar. É mesmo uma seleção de grandes nomes. Até os ?novos? já passaram pelo crivo de Cannes. Andrea Arnold, de Fish Tank, já ganhou o Oscar de curta e concorreu à Caméra d?Or, a Palma de Ouro dos diretores estreantes, com Red Road. O chinês Lou Ye é outro que não é exatamente um principiante em grandes festivais. Aqui mesmo, em Cannes, ele já exibiu Summer Palace, que as autoridades chinesas haviam tentado, em vão, impedir que chegasse à Croisette. Ei-lo que traz sua Chun Feng Chen Zui de Ye Wan (Noite Primaveril de Embriaguês). É uma seleção tão requintada que se deu ao luxo de despachar o novo Francis Ford Coppola, uma coprodução ítalo-franco-argentina, Tetro, para a Quinzena dos Realizadores. Grandes autores foram parar em mostras paralelas. O japonês Hirokazu Kore-eda está em Um Certain Regard com Kuki, como o francês Alain Cavalier, com Irène. O Brasil não participa da competição, mas está bem representado. Eduardo Valente terá uma sessão especial de No Meu Lugar no palais; Heitor Dhalia cravou À Deriva em Un Certain Regard; e dois curtas de Vera Egito estarão na Semana da Crítica.

Para dar a lição de cinema deste ano, Cannes convidou ninguém menos do que os irmãos Dardenne. Martin Scorsese volta a apadrinhar Cannes Classics, que este ano traz a versão restaurada de A Aventura, de Michelangelo Antonioni - e uma imagem de Monica Vitti no filme virou o cartaz do 62º festival. Em termos de qualidade, a expectativa é grande, mas o glamour de Cannes poderá ser atropelado pela crise. Muitas festas foram canceladas e até, segundo se conta - mas a direção não confirma -, muitos jornalistas credenciados já avisaram que não vão. Champanhe, pelo menos, vai rolar. A Möet já enviou os credenciamentos para um coup de champagne em sua tenda na praia. Cannes sem champanhe nem starletes nunca seria a mesma coisa. Monica Bellucci e Brad Pitt - com ele deve vir Angelina Jolie, claro, se os boatos da separação dos dois não se confirmarem - estarão a postos para fazer da montée des marches, a subida da escadaria do palais, o maior espetáculo do mundo.

Concorrentes
À L'ORIGINE, de Xavier Giannoli

ANTICHRIST, de Lars Von Trier

BAK-JWI, de Park Chan-wook

BRIGHT STAR, de Jane Campion

CHUN FENG CHEN ZUI DE YE WAN, de Lou Ye

LE RUBAN BLANC, de Michael Haneke

ENTER THE VOID, de Gaspar Noé

FISH TANK, de Andrea Arnold

INGLOURIOUS BASTERDS, de Quentin Tarantino

KINATAY, de Brillante Mendoza

LES HERBES FOLLES, de Alain Resnais

LOOKING FOR ERIC, de Ken Loach

LOS ABRAZOS ROTOS, de Pedro Almodóvar

MAP OF THE SOUNDS OF TOKYO, de Isabel Coixet

TAKING WOODSTOCK, de Ang Lee

THE TIME THAT REMAINS, de Elia Suleiman

UN PROPHÈTE, de Jacques Audiard

VENGEANCE, de Johnnie To

VINCERE, de Marco Bellocchio

VISAGE, de Tsai Ming-liang

Os brasileiros na seção Um Certo Olhar

O francês Vicent Cassel em
"A Deriva" de Heitor Dhalia,
que integra a mostra " Um Certo
Olhar"
Luiz Carlos Merten, CANNES
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Eduardo Valente representa o País com No Meu Lugar e Heitor Dhalia, À Deriva

Tão logo À Deriva foi confirmado na seleção oficial, integrando a mostra Un Certain Regard, cujo júri é presidido por Paolo Sorrentino, Heitor Dhalia disse ao repórter do Estado que ir a Cannes era um sonho antigo, de cinéfilo. E acrescentou que o filme, história de uma iniciação, sobre um fundo de praia, é bem diferente dos que fez antes, Nina e O Cheiro do Ralo. "É mais delicado e tem visual mais bonito."

Nos últimos anos, o cinema brasileiro tem se destacado nessa mostra Um Certo Olhar, que muitos críticos consideram a mais ousada e criativa do festival. À Deriva segue a trilha de Cidade Baixa e O Céu de Sueli, de A Festa da Menina Morta, todos exibidos nesta seção prestigiada. Há outro longa nacional na seleção oficial. No Meu Lugar terá sessão especial no palais, um direito que o diretor Eduardo Valente adquiriu quando seu curta Céu Alaranjado ganhou a Palma de Ouro da Cinéfondation.

No Meu Lugar passou em janeiro no Festival de Tiradentes. Fez sucesso de crítica, mas também desencadeou polêmica. Valente, que é crítico, não aprecia o cinema do mexicano Alejandro González Iñárritu e tampouco vê com bons olhos o flerte do cinema brasileiro atual com a favela, como se só existisse esse cenário, para não dizer tema, para refletir o País. Mas o filme dele tem favela e também tem multiplot, aquele tipo de trama em aberto que Iñárritu transformou em sua marca para expressar a Babel contemporânea.

No blog do repórter, no portal do Estado, Valente mantém a crítica, mas defende seu direito a usar multiplot e favela, diferentemente da forma como são utilizados por outros diretores. A expectativa por No Meu Lugar é grande. O filme integra uma seleção de obras importantes em exibição especial. Cendres et Sang, longa de estreia de Fanny Ardant; L?Épine dans le Coeur, o novo Michel Gondry; e Dis-Moi Que Tu..., de Suleymane Cissé, são os demais.

O Canto das três raças

Clara Nunes
Confira a música - dia da abolição da escravatura

Clique o link abaixo
http://www.youtube.com/watch?v=Yw5L5exltgU

13 de Maio: A Revolução Social Brasileira

Henrique Cunha Júnior *
13 de maio tem sido uma data pouco comemorada e pouco analisada no calendário nacional e escolar. Já foi feriado nacional e depois deixou de ser. Mas deveria ser uma reivindicação da população que datas como 13 de maio e 20 de novembro fossem cercadas por grandes manifestações, que tivéssemos na escola e na sociedade um símbolo importante marcado por estas datas para refletirmos sobre a realidade brasileira, sobre a nossa história e sobre as conquistas populares. Em todos os países da América onde houve escravismo recente, a data da abolição é comemorada com grandes festas, muitos discursos e uma ampla revisão histórica. Aqui no Brasil, pelo contrário, se quer fazer esquecer o 13 de maio, pois uma parte da sociedade não quer ser considerada culpada pela criminalidade do escravismo, enquanto outra parte perdeu o referencial do que o 13 de maio representa para as lutas do povo brasileiro.

O primeiro fato importante que tem sido omitido da população brasileira sobre o 13 de maio - me é daí que leva a não darmos importância a ele -, é o que permite uma parcela da população fazer de conta que não tem importância o escravismo e o quanto foi criminoso. Por outro lado, o 13 de maio tem sido omitido enquanto resultado de um longo processo de lutas do negro brasileiro e da população consciente contra o regime criminoso do escravismo.

O Escravismo foi Crime Contra a Humanidade

A maioria das pessoas tem vergonha de dizer que são descendentes de escravizados. Isto porque existem informações errôneas e antiéticas sobre a história brasileira. Se tivéssemos a informação correta, moral e ética, diríamos que o escravismo foi um regime criminoso contra a humanidade, de leis e fatos, imorais, antiéticos, condenáveis em qualquer sociedade que fizesse bom juízo dos fatos. Quem deveria ter vergonha, pois roubou e matou, viveram na continuidade dos benefícios do roubo.

Algumas pessoas vão erradamente argumentar: mas era lei da época. Não justifica. Vejamos como comparação o que ocorreu durante o nazismo na Alemanha. As leis da época do nazismo permitiam a prisão e o massacre dos judeus. Passado o nazismo, todos que governaram e se beneficiaram do regime foram julgados e condenados. Tinham estabelecido lei de estado criminosos que atentavam contra a humanidade. Portanto, crime é crime, com lei ou sem lei que os proteja. Assim deveria ter ocorrido com o escravismo. Atualmente, apenas a Igreja Católica, através do Papa admitiu o erro, demonstrou ter vergonha do erro, do regime. Deveria ser referencial para começar a discutir o 13 de maio.O enfoque sobre o escravismo como crime contra a humanidade, leva a uma possibilidade de discutir melhor o 13 de maio, como ele foi e não como é pensado agora. O 13 de maio é o fim da criminalidade praticada pelo estado brasileiro e por todos aqueles que se beneficiavam vergonhosamente do trabalho roubado da população negra.

Mas o que realmente ocorreu no 13 de maio?
Onda Negra Medo Branco

Azevedo (1987)¹ elucida parte do que provocou assinatura da abolição do escravismo em 13 de maio de 1888. Primeiro, boas parte da população africana e Afro-descendente que vivia no Brasil já tinha conseguido reconstituir a liberdade perdida por diversas formas de luta contra o escravismo. Entretanto, no 13 de maio 700.000 pessoas que ainda eram mantidas injusta e criminosamente no regime de cativo readquirem a liberdade. Esta é, portanto, a maior mudança constitucional do país. A população do país nesta época era de 6.000.000 habitantes. Portanto, uma parcela considerável ascende à liberdade. O dobro desta população já tinha a liberdade através das lutas de Quilombos e de outras formas como a compra de alforrias, através de leis anteriores como a do ventre livre e a dos sexagenários. Possivelmente, mais do dobro dos negros, africanos e descendentes já estavam livres no momento do 13 de maio. Isto produzia, também, um medo dos brancos poderosos de que a população negra, tanto livre como escrava produzisse uma revolução total e conjunta, depusesse os brancos do poder como tinha ocorrido a quase um século antes do Haiti.

No Brasil, as revoltas dos escravizados eram muito comuns. Os quilombos eram numerosos em todas as partes do país e os brancos proprietários viviam em clima de pavor contra possível reação da população livre escravizada. Mesmo porque, nem todos os brancos apoiavam o regime criminoso do escravismo. Pelo contrário, muitos deles se uniram aos negros para lutar contra o regime. Antes da guerra do Paraguai (terminada em 1872), o governo brasileiro usava o exército para controlar as revoltas da população negra. Foi assim que Caxias e outros militares fizeram carreira, destruindo Quilombos, eliminando revoltas populares.

Mas a guerra do Paraguai trouxe nova consciência ao exército ao exército nacional. Ficou evidente que a função do exército não era defender os grandes proprietários e mantê-los no seu estado criminoso de beneficiados pelo escravismo. O exército existia para defender a nação e manter a soberania nacional, não para servir contra o povo. Depois da guerra do Paraguai o exército passou a se negar a perseguir os negros revoltosos, ficando estes casos para a polícia e os militares locais. Assim aumentou o medo branco, eles mesmos começaram a pensar na abolição como forma de evitar uma revolta maior da população negra. Entretanto, a abolição foi discutida num longo processo na sociedade brasileira. Negros ilustres como Luís Gama, Quintino de Lacerda, José do patrocínio participaram ativamente destes debates. Daí que, a Assembléia Nacional reunida no Rio de Janeiro em 1888 votou a abolição do escravismo.

Decidido o fim do escravismo, o Estado brasileiro saia da situação de criminalidade contra a humanidade que se mantinha até então. Logo, em 13 de maio de 1888 a lei foi assinada. Portanto, não foi princesa nenhuma que deu liberdade aos negros. A liberdade foi uma conquista da população brasileira, uma vitória dos movimentos populares. Temos assim, uma confirmação de que governantes estavam criminosamente errados e neste dia, o erro foi abolido.É neste sentido que a abolição foi comemorada pela população brasileira nos dias 13 e 14 de maio e deveria ser comemorada até o presente.

A lei existiu, mas não foi completa

Os poderosos capitularam, perderam, mas não se entregaram. A lei deveria ter sido votada com um amplo apoio, indenização e reintegração dos escravizados à sociedade brasileira. Entretanto, os poderosos omitiam a discussão do direito da população que tinha sido escravizada. Fizeram um esforço e conseguiram que a sociedade nunca discutisse o escravismo a luz dos valores éticos e morais.

Fizeram uso dos meios de propaganda para transformar pessoas criminosas em generosas. Generosas por terem "dado" a liberdade aos negros. Isto foi e ainda é uma manipulação de informação histórica. É a omissão dos culpados pelo crime e a manipulação de informação destes por histórias deturpadas. Hoje chega a se dizer que o escravismo no Brasil foi brando, que os chamados senhores foram bondosos, que até cruzarem com os negros. Escravidão é crime, os escravistas foram criminosos, não existe nada que os isentem, a não ser o nosso esquecimento da verdade ou a nossa inconsciência produzida pela informação malévola.

A lei de 13 de maio foi incompleta, poderia ter resolvido problemas nacionais dos quais até padecemos como é o caso da reforma agrária e do aceso das populações a terra. Poderia ter promovido uma repartição da renda retornando aos ex-escravizados, através de políticas o que nos seria de direito. Visto não ter sido feito, o país até hoje sofre destes erros. Existe, portanto, mais motivos para festejarmos e realizarmos uma revisão ética da nossa verdadeira história nacional nesta data. O 13 de maio é uma revolução nas datas nacionais, é uma verdade para a população negra e brasileira. As classes escravistas foram criminosas e a humanidade deve julgá-las.

O que ocorre depois da aula do 13 de Maio nas escolas

No enfoque tradicional do 13 de maio as alunas e alunos negros vivem um pesadelo. Depois da são motivos de chacotas, gracinhas e xingamentos pelos estudantes que se acham brancos, mesmo porque a aula sobre 13 de maio costuma ser duplamente falha. O que temos é o reforço mais eloqüente de desinformações históricas e deseducativas alinhadas aos esforços dos discursos racistas. As gracinhas e piadas não são inocentes, não são coisas de crianças ou brincadeiras. Elas são manifestações de racismo e preconceitos que tiveram suporte no processo deseducativo propiciado pela sala de aula repetindo as formulações antigas e impensadas sobre o 13 de maio.

O que ocorre na aula dos educadores e educadoras desinformadas? Aqueles que não passaram por uma reflexão nova, por uma visão renovada do 13 de maio? Eles repetem as fórmulas da cultura do racismo e do preconceito. Não adianta dizer que os educadores não são racistas e preconceituosos. São sim. Façam uma revisão de consciência sobre o que elas e eles pensam sobre o negro, sobre o escravismo e sobre a África. Vejam se existe alguma coisa de positivo é um forte sinal da presença do racismo nas próprias idéias. Idéias que não são só suas, foram transmitidas continuamente nos processos do cotidiano e nos processos educacionais. Vejam o que a sociedade no senso comum repete: negro não presta, a negra fede, negro é preguiçoso. Repetem daí o que a escola também fala: o negro foi escravo, os negros vêm de tribos africanas de homens nus. São informações erradas. O que sai destes dois diálogos, o do cotidiano da rua com o da escola? Saem apenas visões negativas sobre os africanos e os descendentes destes fortalece a cultura do racismo. No 13 de maio estes discursos ficam eloqüentes, o escravo é o negro coitadinho, humilhado. Os alunos que se pensam brancos reforçam as idéias de inferioridade dos negros e aí expressam seus racismos através de piadas. Um exemplo: hei negão, se não fosse a Isabel tu estarias apanhando! Isto é racismo.

Outro aspecto que a escola não foi capaz de trazer à realidade nacional em discussão está na manutenção das idéias sobre raças e cores de pele. Não foi capaz de ver que a maioria daqueles que estão ali na sala são descendentes de africanos escravizados no Brasil. A escola não foi capaz de mostrar um horizonte mais amplo sobre a história da humanidade. História, na qual, os portugueses, mesmo antes de 1500 já tinham forte miscigenação com os africanos da mesma forma os italianos e os franceses. Não foi capaz, também de trazer para a consciência dos alunos que os europeus tinham sido escravizados muito antes da vinda para o Brasil, que houve na história da humanidade os dias em que os europeus escravizaram europeus. Por isto, de uma maneira geral todos, negros ou brancos são, de alguma maneira, descendentes de escravos. Apenas mudou o período histórico e o lugar, ou seja, os negros no Brasil entre 1532 e 1888 foram escravizados por criminosos brancos.

Henrique Cunha Júnior é professor da Universidade Federal do Ceará