sexta-feira, 29 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA – Hegemonia - (Gramsci)

“O homem ativo de massa atua praticamente, mas não tem uma clara consciência teórica desta sua ação, a qual, não obstante, é um conhecimento do mundo na medida em que o transforma. Pode ocorrer, aliás, que sua consciência teórica esteja historicamente em contradição com o seu agir. È quase possível dizer que ele tem duas consciências teóricas (ou uma consciência contraditória): uma, implícita na sua ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na transformação prática da realidade; e outra, superficialmente explícita ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crítica. Todavia, essa concepção verbal, não é inconseqüente: ela liga a um grupo social determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção da vontade , de uma maneira mais ou menos intensa, que pode até mesmo atingir um ponto no qual a contraditoriedade da consciência não permita nenhuma ação, nenhuma escolha e produza um estado de passividade moral e política. A compreensão crítica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma luta de “hegemonia” políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, , atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção real.”


(Antonio Gramsci – Cadernos do Cárcere, volume 1, pág. 103 – Civilização Brasileira, 2006.)

Brics abrem o jogo

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Do desarmamento nuclear à substituição do dólar como moeda de reserva internacional; da reorganização dos organismos internacionais ao papel do G-20, todos esses assuntos estarão na mesa de negociação em junho, quando haverá um encontro de chefes de Estado dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) em Yekaterinburgo, na Rússia. Para prepará-la, começa hoje em Moscou uma reunião com os responsáveis pelos assuntos estratégicos dos quatro países.

Já há reuniões de chanceleres e dos ministros da Fazenda, mas esta é a primeira vez em que se reúnem os estrategistas daqueles quatro países apontados como os líderes futuros do mundo para tratar de uma agenda geopolítica muito ampla, inovadora e de longo alcance.

A Rússia será representada pelo general Nikolai Patrushev, secretário do Conselho de Segurança da Federação Russa; a Índia, por M.K. Narayanan, conselheiro de Segurança Nacional; a China, por Dao Bingguo, um dos cinco conselheiros de Estado da China e o responsável por supervisionar as relações da China com o mundo. Mangabeira Unger, ministro de Assuntos Estratégicos, representará o Brasil.

Cinco temas básicos estarão em discussão:

O que fazer com o G-20 e o G-8 + 5. Antes de qualquer coisa, segundo Mangabeira Unger, é importante decidir a forma de regulamentar estruturalmente tais uniões como o G-20, que é um fórum muito amplo, ou G-8, se reunindo com os líderes de China, Índia, México, Brasil e África do Sul. E qual deve ser a relação desses novos organismos com a ONU.

Como podemos evitar que as regras e as organizações existentes tendam a impor, em nome da abertura econômica e da estabilidade política, uma determinada fórmula institucional.

Para Unger, o regime mundial do comércio tem evoluído para um maximalismo institucional, que tende a impor aos países comerciantes, em nome do livre comércio, não só o compromisso com a economia de mercado, mas com uma determinada variante da economia de mercado.

"Tende a proibir, sob o rótulo de subsídios, todas as formas de coordenação estratégica entre governos e empresas que os países hoje ricos usaram para enriquecer", resume Mangabeira Unger.

Essa fórmula, segundo ele, provoca resistências entre os Brics, que querem cada vez menos se sujeitar a ela.

Os estrategistas dos Brics discutirão também o papel do dólar como moeda de reserva internacional. A discussão surge com a China, que tem enormes reservas de dólar e teme que seu tesouro se desvalorize, e já propôs trocar o dólar pelo Direito de Saque Especial, do FMI.

Mas o tema é mais amplo, adverte Mangabeira Unger. Ele diz que, embora seja muito comum se comparar o dólar com o padrão ouro, há uma grande diferença: o ouro não estava sob o comando de um Estado.

Ele lembra que nas transações comerciais já há uma evolução empírica e bilateral: Brasil e China organizam um sistema administrado pelos dois bancos centrais para toda noite fazer um balanço em yuan e em reais, sem passar pelo dólar. O desejo de começar a encontrar uma alternativa ao dólar deve evitar, no entanto, que se caia em uma burocracia pesada, como a do Banco Central Europeu.

Segundo Mangabeira, ninguém nos Brics quer uma nova autoridade monetária internacional: "Não queremos substituir a ditadura do dólar pela ditadura de uma burocracia internacional".

As opções mais aceitas seriam ou uma cesta de moedas, de maneira que a dependência de qualquer uma delas fosse atenuada, ou uma "quase-moeda", organizando um sistema o mais simples e mecânico possível, de maneira a reduzir os poderes discricionários das autoridades que o manejassem.

O tema mais delicado para Mangabeira Unger é como fortalecer o único sistema oficial de segurança que existe, o do Conselho de Segurança da ONU.

"Um sistema frágil e falho, um sistema defeituoso", na definição de Unger, mas que é a "única alternativa à anarquia internacional".

Quando os Estados Unidos e seus aliados se julgam ameaçados no seu interesse vital, e julgam não receber da ONU o apoio necessário, eles simplesmente saem do sistema, fazendo com que "o único sistema de segurança que temos seja como um balão, que às vezes é cheio de gás, outras vezes é esvaziado".

Segundo Mangabeira Unger, há uma convicção crescente de que são necessárias duas séries de iniciativas convergentes: reforçar o sistema oficial de segurança para que seja mais eficaz, e aumentar o preço político que uma potência teria que pagar se decidisse atuar por fora dele.

Por fim, o desarmamento nuclear, "que é do interesse especial do Brasil". O Brasil é, sob muitos aspectos, o menos poderoso dos Brics, ou pelo menos assim é percebido, embora o nosso PIB e a nossa população sejam maiores do que o da Rússia. Isso ocorre, na visão de Unger, por havermos solitariamente renunciado aos armamentos nucleares. "O Brasil renunciou duas vezes, por adesão a tratados e por mandamento constitucional. Ao reafirmar essa posição no recente tratado estratégico nacional, o país expressa sua decisão de estar na vanguarda da ciência e da tecnologia nucleares, por conta do amplo espectro do uso pacífico da energia nuclear, mas também porque queremos que a nossa renúncia seja sempre a expressão da nossa vontade política, e não a conseqüência de uma incapacidade científica ou tecnológica".

A premissa maior do tratado de não proliferação nuclear é o desarmamento progressivo, e até agora essa premissa não foi honrada, o que cria uma situação crescentemente perigosa, avalia Unger.

Temos agora o governo dos Estados Unidos disposto a retomar a agenda do desarmamento nuclear, e essa é uma oportunidade que o Brasil quer levar para a mesa dos Brics.

Uma política das arábias

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, discorda da avaliação de que o Brasil só tem colecionado derrotas em disputas por representações em organismos internacionais - "tivemos vitórias importantes, como a escolha do professor Cançado Trindade para a Corte Internacional de Justiça (Haia)" - e rechaça particularmente as análises que atribuem os fracassos a erros de estratégia do Itamaraty.

No último caso, o da perda da vaga na Organização Mundial do Comércio para o México, o chanceler acha que o Brasil não apostou numa causa perdida. Para ele, a candidatura da ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, foi uma "opção razoável".

No próximo e mais polêmico episódio, a eleição do diretor-geral da Unesco, Celso Amorim não só confirma o apoio do Brasil ao ministro da Cultura do Egito, Farouk Hosny, como acha esta a melhor opção para o Brasil.

A justificativa é conhecida: aproximação com os árabes. "Nos últimos anos mais que triplicamos o volume de negócios comerciais com esses países. Além disso, formam o único grupo que nunca ocupou a diretoria-geral da Unesco."

E a declaração do egípcio dizendo que queimaria livros em hebraico, que provocam repúdio internacional?

"Foi uma declaração infeliz da qual já se retratou e que certamente não significa uma posição antissemita, muito menos pode ser vista como um impedimento. Até porque, se eleito, ele terá uma condução pautada pela moderação", avalia Celso Amorim.

Na opinião dele, o apoio do Brasil ao nome de Hosny não prejudica as relações com Israel. "Ao contrário, acho até que nos credencia ao diálogo".

O ministro não concorda que seja uma derrota anunciada nem que o Itamaraty tenha feito a escolha errada ao ignorar as candidaturas dos brasileiros Márcio Barbosa, atual diretor adjunto da Unesco, e do senador Cristovam Buarque. "Quem tem dois candidatos não tem nenhum."

Celso Amorim é inflexível diante do argumento de que Márcio Barbosa teria mais chance de ganhar que o egípcio: "Uma coisa é o que o candidato diz, outra é o que os países que votam dizem." Com base nessa prospecção, o ministro continua apostando na eleição de Farouk Hosny. "Fizemos uma escolha, está feita, não tem volta."

Por via das dúvidas, registra: "Se perder, não será uma derrota do Brasil."

Como também, na visão do ministro, não pode ser vista assim a recente perda na OMC, que ensejou uma série de críticas ao Itamaraty.

"Já fiz parte comitê de seleção da OMC e sei que o processo não prima pela exatidão de critérios. Há subjetividades envolvidas, que se alteram conforme o momento e o objetivo do comitê. Por isso, as variáveis todas não podem ser previstas."

O embaixador levanta a possibilidade de o Brasil ter perdido pelo destaque que vem ocupando no cenário internacional e na própria OMC, por posições e vitórias anteriores em contenciosos comerciais e admite até que a decisão tenha levado em conta o fato de um brasileiro (Luís Olavo Baptista) ter ocupado o mesmo posto por oito anos.

Não corrobora, porém, as alegações de que faltou à ministra Ellen Gracie conhecimento específico para se credenciar ao cargo. "Como disse, já fiz parte do comitê de seleção e já fui embaixador em Genebra duas vezes. Já vi serem escolhidos candidatos com perfil jurídico, como o da ministra. Ademais, as informações que me chegavam mostravam boas chances."

Finalmente, vamos ao ponto que, de fato, desconforta e move o ministro Celso Amorim a se manifestar: a interpretação de que sua conduta à frente do Itamaraty não é a de um diplomata a serviço do Estado, mas a de um servidor do governo Lula, obediente aos ditames do grupo ocupante do poder em curso.

O chanceler começa por divergir do conceito. Não vê diferença entre o governo e o Estado. "Sirvo ao Estado quando sirvo ao governo do Brasil, que tem mandato para fazer as transformações importantes que o presidente Lula tem feito em todas as áreas, inclusive na política externa."

A indicação uma integrante do Supremo Tribunal Federal para a OMC não foi feita para "agradar ao presidente". A referência é ao fato de que com isso Lula teria uma vaga aberta no tribunal para indicar o advogado-geral da União, José Toffoli.

"A sugestão não foi minha, foi do antecessor no posto."

Celso Amorim não vê termo de comparação possível entre as funções do Itamaraty e das Forças Armadas no que tange a carreiras tipicamente de Estado.

"A política externa não é uma repetição sempre igual dos mesmos princípios, independentemente de qual seja o governo. É uma política e, como tal, requer adaptação ao tempo, às circunstâncias e às necessidades dos governos."

As críticas, o ministro as vê como infundadas. Na opinião dele, a atual política externa tem rendido ganhos até inesperados. "Diziam que nossas posições prejudicariam as relações com os Estados Unidos, que nunca foram tão boas como agora."

A razão submersa do Itajaí ao Parnaíba

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A Frente Parlamentar de Agricultura escolheu o momento em que quase 400 mil pessoas estão desabrigadas em 12 Estados do Norte e Nordeste, para apresentar um projeto que solapa o que resta de normas ambientais no país. O solene desprezo pela concomitância sugere que as evidências gritantes entre o agravamento das enchentes e o desmatamento predatório hoje move uma resistência política prestes a ser levada à lona pela maioria governista.

O Maranhão é o Estado símbolo dos interesses oligárquicos que, travestidos de ruralistas, abrigam-se na base de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e comprometem suas conquistas.

O PMDB de José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL), além de maior partido no Congresso, senhor da aliança mais disputada de 2010, e comandante da CPI que se propõe a investigar a maior estatal do país, é também o partido com o maior número de representantes na chamada bancada ruralista. Ao ingressar oficialmente na base governista no segundo mandato de Lula, o PMDB levou os ruralistas a vitórias mais representativas do que as obtidas no primeiro mandato.

O Estado da governadora Roseana Sarney (PMDB) foi o mais afetado pelo dilúvio do outono. Parte dos mais de 120 mil maranhenses atingidos, estão na região do chamado Baixo Parnaíba, o rio que nasce no sul do Estado, atravessa a divisa e forma seu delta no estreito litoral piauiense.

A região é uma das mais pujantes fronteiras agrícolas do Nordeste. Por lá avançam algumas das maiores produtoras de soja, eucalipto e cana-de-açúcar do país. O Fórum de Defesa do Baixo Parnaíba Maranhense, que congrega entidades ambientais e sociais da região, estima que, nos últimos cinco anos, este avanço foi responsável pelo desmatamento de cerca de 25% da mata nativa de uma área de 350 mil hectares que congrega 16 municípios.

José de Ribamar, um dos coordenadores do fórum, relata que as enchentes na região são corriqueiras nessa época do ano. Incomum foi a proporção alcançada este ano, quando aumentou em mais de 30% o número médio de desabrigados.

Conta que o desmatamento é feito com uma corrente de 50 metros de comprimento puxada por dois tratores que vão derrubando tudo o que houver pela frente. O recurso, apelidado de "correntão", liquida rapidamente a cobertura florestal das áreas a serem preparadas para a agricultura.

Um projeto de lei contra o uso do correntão foi derrotado na Assembleia Legislativa.

Conseguiram apenas 13 votos a favor, segundo Ribamar, de PT, PSB e PDT. Estima que 40% das terras da região ocupadas recentemente pelo agronegócio sejam griladas. A fiscalização da posse dessas terras que avançava, ainda que lentamente, sob o governo anterior, voltou à estaca zero na gestão Roseana.

Henrique Cortez, coordenador do Ecodebate, um dos principais portais ambientalistas do país, explica o que aconteceu com o Parnaíba: com a perda de cobertura vegetal no seu entorno, o rio recebe um grande volume de terra com as chuvas. Fica raso e transborda rapidamente quando o volume de chuva aumenta. E este é um fenômeno que só tende a se agravar com as variações climáticas em curso: o índice pluviométrico não mudará, mas as chuvas vão ficando mais concentradas.

Algo parecido aconteceu com o Itajaí, em Santa Catarina, provocando as enchentes do ano passado, com um número menor de vítimas do que as estimadas este ano no Norte e Nordeste.

Se as variações climáticas dependem de um esforço global, é ao poder público local que cabe minorar seu impacto com a recuperação das chamadas matas ciliares, para fazer com que a água da chuva se infiltre no solo, e o desassoreamento dos rios.

E é exatamente o inverso disso que está em curso com a ofensiva ruralista no Congresso. Todas as iniciativas parlamentares que avançam, do Código Florestal à regularização fundiária na Amazônia, o fazem mediante a redução das exigências ambientais para produtores rurais e o aumento da margem de manobra do agronegócio.

Num governo em rota de sucessão eleitoral, não há sinais de que esse avanço ruralista se arrefecerá. Discurso ambiental é útil para presidente recém-empossado posar de estadista, como Lula o fez no primeiro mandato com a senadora Marina Silva (PT-AC) a tiracolo no Ministério do Meio Ambiente. Para firmar as alianças que alinhavarão a campanha, o compromisso ambiental só atrapalha.

Ao salvaguardar os interesses ruralistas pela via da aliança sagrada com o PMDB, Lula corre o risco de despejar rio abaixo muitos dos avanços de seu governo. Vide o exemplo de Chapadinha, município de 67 mil habitantes no Baixo Parnaíba Maranhense, a 250 quilômetros de São Luís.

Há três anos, a Universidade Federal do Maranhão abriu um campus na cidade, dando seguimento à política federal de incrementar a ofertade vagas no ensino superior. Os concursos atraíram professores do Brasil inteiro. E hoje o campus, voltado para ciências agrárias e ambientais, conta com quase 60 professores, a maioria dos quais com doutorado. Nem um terço das 600 vagas estão preenchidas, entre outros motivos, pela dificuldade de infraestrutura na cidade para alojar estudantes.

É de um professor do campus de Chapadinha da UFMA, o sociólogo gaúcho Jeferson Francisco Selbach, o relato: "Quando chegamos aqui, as empregadas domésticas ganhavam R$ 80 por mês. Sem contrato, acumulavam com o Bolsa Família. Começamos a vincular a remuneração ao salário mínimo, com décimo terceiro e férias. A notícia se espalhou e provocou grande reação na cidade. Um candidato a prefeito chegou a assumir, como promessa de campanha, a expulsão dos professores daqui. A cidade tem infraestrutura precaríssima. Na região como um todo, só um terço das residências tem saneamento. Nessas, o cano d"água chega à casa mas não aos cômodos. A cidade tem duas avenidas. O resto é viela. Quando vem uma chuva dessas arrebenta tudo. A colheita dos pequenos agricultores, a quem nossos alunos são formados para assistir, vai embora. A cidade fica em pedaços. Aí começa a romaria dos políticos pedindo dinheiro. Quando a liberação sai, consertam umas coisinhas aqui e ali e o dinheiro desaparece.

Até a próxima enchente".

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Dilma recebe Collor no Palácio

Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO

Dois dias depois de o presidente Lula se reunir com o senador Renan Calheiros, a ministra Dilma Rousseff recebeu ontem, em seu gabinete, o ex-presidente Fernando Collor, indicado para a CPI da Petrobras. Renan articula a participação do PMDB na CPI. Collor representa o PTB, presidido por Roberto Jefferson, na mesma comissão.

Collor é recebido por Dilma após ser indicado para a CPI da Petrobras

Governistas tentam impedir que novas denúncias entrem na investigação

BRASÍLIA. Um dia depois de ser indicado oficialmente para integrar a CPI da Petrobras, o senador Fernando Collor (PTB-AL), um aliado do governo Lula, foi recebido ontem pela chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Nenhum dos dois falou sobre o encontro, o primeiro do senador com a ministra. Os governistas concentraram forças ontem na tentativa de impedir que novas denúncias sobre a estatal sejam incorporadas pela oposição à investigação. Ameaçavam revidar, apurando também a atuação de diretores da estatal durante o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso.

Cotado para assumir a relatoria da CPI, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), defendeu que a investigação se dê, inicialmente, sobre os fatos determinados que motivaram sua criação:

- Temos de começar pelos fatos determinados com calma, sem agonia e sem bater boca, exercendo quando preciso a força da maioria. Se a oposição quiser ampliar a investigação, teremos de decidir se vamos levantar os fatos só desta década ou da passada também.

Temor dos governistas é que CPI fique igual à dos Bingos

O temor dos governistas é que ocorra com a CPI da Petrobras o mesmo que aconteceu com a dos Bingos, que acabou batizada de CPI do Fim do Mundo ao incorporar no seu universo de investigação toda e qualquer denúncia contra o governo. O senador João Pedro (PT-AM), um dos nomes mais fortes para assumir a presidência da CPI, chegou a defender que a nova investigação apure os motivos do acidente com a plataforma P-36, que afundou em 2001 após três explosões, na Bacia de Campos, deixando 11 mortos.

- Essa é conversa de sem-vergonha. O governo Fernando Henrique acabou faz seis anos. Não adianta terrorismo, não vamos deixar que joguem nada para debaixo do tapete. Sempre que esse governo é acusado de alguma coisa, ele vem com essa mesma história de investigar o governo passado - reagiu o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).

Paralelamente à tentativa do governo de montar sua estratégia de atuação, prossegue nos bastidores da base aliada uma queda de braço entre PMDB e PT pelo comando da comissão. Diante da preferência do líder petista, Aloizio Mercadante (SP), pela indicação de Jucá para a relatoria, o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), disse ontem que ainda não decidiu se reivindicaria a presidência ou a relatoria para seu partido. Se ficar com a primeira opção, tudo indica que Renan dará a vaga a Paulo Duque (PMDB-RJ), deixando ao PT o posto de relator.

No PT a disputa, a princípio, é pela presidência. João Pedro levaria ligeira vantagem sobre a líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (PT-SC). Seus defensores alegam que ele estaria mais disponível para se dedicar à CPI do que Ideli. Outro grupo, porém, diz que o senador não teria experiência para comandar uma sessão da CPI sob a pressão da oposição.

Após 2 anos, só 3% das obras entregues no País

Roberto Almeida
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

De um total de 10.914 empreendimentos do PAC, 74% não haviam saído do papel até dezembro de 2008

De um total de 10.914 empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) distribuídos nos 26 Estados e no Distrito Federal, 3% foram concluídos e 74% não saíram do papel até dezembro de 2008. O balanço foi realizado pelo site Contas Abertas com base em relatórios divulgados pelo comitê gestor do programa.

Segundo o site, os dados são referentes a investimentos previstos pela União, empresas estatais e iniciativa privada nos períodos 2007-2010 e pós 2010. O Estado de São Paulo é o que tem maior número de projetos do PAC concluídos: 39, de um total de 1.051. Destes, 725 ainda estão no papel - entre eles o do trem de alta velocidade que ligará Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas, assim como quatro projetos para o aeroporto de Viracopos e dois para o aeroporto de Guarulhos.

Mato Grosso do Sul aparece em segundo lugar, com 25 obras finalizadas. Em Minas Gerais, estado de origem da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o quadro é semelhante. Apenas 25 obras foram concluídas. Na Bahia, um dos Estados mais favorecidos pelo PAC, apenas 2% dos projetos foram entregues à população. De um total de 917 ações, somente 16 chegaram a ser concluídas. Do todo, 80% não passaram da fase de planejamento.

Maranhão apresenta o pior quadro, com apenas 3 projetos finalizados entre 385 prometidos. O total de empreendimentos concluídos no Estado chega a apenas 0,8%. Há ainda 56 obras em andamento.

No Piauí, a situação não é muito diferente - 87% das obras continuam no papel. E em Pernambuco, Estado natal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os números são semelhantes. De 679 obras previstas, 86% ainda não foram colocados em prática. Um total de 440 serviços já está contratado, mas apenas 83 obras estão em andamento.

A região Norte, segundo o levantamento, conta com apenas 53 obras realizadas. Nos sete Estados que a compõem - Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins - está prevista a construção de 1.309 empreendimentos.

ORÇAMENTO

Segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), compilados pelo Contas Abertas, o orçamento da União para o PAC sofre com a demora na liberação de recursos. Estavam previstos desde 2007 R$ 56,3 bilhões, mas somente 37% do montante - R$ 21,2 bilhões - saiu efetivamente dos cofres públicos.

O levantamento destaca que a execução das obras em Rondônia é a pior entre todas as unidades da federação. Cerca de R$ 107 milhões foram gastos, de um total de mais de R$ 530 milhões - menos de 20% da previsão inicial.

PERÍODOS DIFERENTES

A assessoria de imprensa da Casa Civil informou ontem que o levantamento realizado pelo Contas Abertas passa "falsa impressão de que os números são atuais". "Mistura obras incluídas no PAC em diferentes momentos e que, por isso, não podem ser tratadas da mesma maneira", justificou.

Segundo a Casa Civil, o balanço do PAC divulgado pelo ministério não inclui habitação e saneamento, como fez o levantamento do site divulgado ontem. "A execução desses projetos começou em meados de 2008. Por isso, nos balanços do PAC, os dados sobre a execução dessas áreas são apresentados à parte".

Rio acelera PAC de olho em 2010

Alexandre Rodrigues, RIO
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Obras em favelas devem formar principal vitrine do projeto de reeleição de Cabral e podem impulsionar Dilma

Dois anos depois de lançados, os projetos de urbanização de favelas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Rio começam a ganhar velocidade. Depois de muitas cerimônias de lançamentos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador do Rio, Sérgio Cabral Filho (PMDB), as obras foram intensificadas. Nos últimos dias, um formigueiro de operários se desdobra para finalizar os equipamentos que Lula deve inaugurar hoje nos complexos do Alemão e de Manguinhos.

Dados obtidos pelo Estado mostram que a execução orçamentária dos projetos foi baixa em seu início. Pouco mais da metade do dinheiro previsto para as obras das duas favelas foi empregada em 2008. Até o mês passado, menos de 10% da dotação de R$ 219,5 milhões para as favelas do Alemão em 2009 havia sido liquidada. Em Manguinhos, foram empregados menos de R$ 1 milhão dos R$ 107,9 milhões reservados. Na Rocinha, onde as obras estão mais atrasadas, nenhum equipamento está pronto.

As obras em favelas deverão formar a principal vitrine do projeto de reeleição de Cabral em 2010 e podem impulsionar a eventual candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência. Foi numa visita às três favelas em março de 2008 que Dilma ganhou de Lula o título de "mãe do PAC".

Aliado de Lula no PMDB, Cabral tenta superar a popularidade abaixo do esperado, de menos de 30% das intenções de voto. Depois de herdar do casal Garotinho um governo de pouca capacidade de investimento, o governador abraçou o PAC de Lula. Só no projeto de favelas do governo estadual, que atinge também o Complexo Cantagalo-Pavão e o Morro do Proventório, em Niterói, o governo federal entra com R$ 731 milhões do total estimado de quase R$ 1 bilhão.

DIFICULDADE

O ministro das Cidades, Márcio Fortes, e o vice-governador Luiz Fernando Pezão, que acumula a Secretaria de Obras, admitiram dificuldades com a burocracia na elaboração e aprovação dos projetos para a liberação dos recursos pela Caixa Econômica Federal. Outro problema é a difícil negociação sobre a indenização de favelados removidos. Moradores se queixam de valores baixos, inferiores a R$ 10 mil.

Segundo o ministro Fortes, os entraves com os projetos do PAC se repetem pelo País. O ministro informou que o governo já trabalha com o horizonte de fechar 2010 com 19% e 29% das obras de saneamento e habitação, respectivamente, incompletas. O secretário Pezão confirmou que as obras devem ser concluídas em 2010.

ESTAÇÕES

No canteiro das obras de elevação da linha férrea que separa comunidades de Manguinhos, o que se vê é só uma grande escavação no local que virará uma área verde de lazer e um terminal de integração ônibus-trem. No Morro do Adeus, chama a atenção a rapidez com que foram removidas dezenas de barracos para a construção da primeira estação do teleférico que ligará seis pontos do Alemão à estação de trem de Bonsucesso. Uma grande via aberta na encosta, que recebe paisagismo, é a pista para um frenético sobe e desce de caminhões e operários que trabalham na estaca matriz da estação.

A fundação de uma segunda, no Morro da Baiana, também está em curso, mas o traçado do futuro meio de transporte alternativo, com suas seis estações e 47 pontos de sustentação dos cabos, ainda está longe da paisagem da megafavela. Mesmo assim, Pezão arrisca. Ele espera pelo menos três estações funcionando em maio.

Congresso quer ''janela da infidelidade''

Ana Paula Scinocca, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Maioria dos parlamentares aprova nova regra para mudar de partido

Levantamento realizado no Congresso sobre reforma política revelou que 54% dos parlamentares é favorável a uma "janela partidária" que permitiria a troca de legenda treze meses antes da próxima eleição. Atualmente, segundo o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal, a troca de partido não é permitida. A pesquisa, feita pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), mostra também que 58,7% dos entrevistados é a favor do financiamento público de campanha.

Em pauta no Congresso, as contradições da reforma política ficaram claras na pesquisa, segundo atestou o coordenador do levantamento e diretor de documentação do Diap, Antônio Augusto de Queiroz. "O financiamento público só tem sentido se for adotada a lista pré-ordenada ou o voto distrital. Mas esses pontos não têm maioria suficiente para serem aprovados no Congresso", observou.

A pesquisa ouviu 150 parlamentares - 120 deputados e 30 senadores -, considerados formadores de opinião e lideranças políticas influentes no País. Ao longo de dois meses, 20 pesquisadores trabalharam coletando, por meio de 16 perguntas, as opiniões dos congressistas acerca da reforma.

Segundo o levantamento, 53,3% dos entrevistados consideram que mudanças nas regras eleitorais e partidárias devem vigorar a partir de 2010. Para 18%, eventuais alterações só devem vigorar a partir da eleição municipal de 2012. Outros 12,7% responderam ser favoráveis a mudanças em 2014.

Em relação ao voto distrital, 46% afirmaram considerar o melhor sistema aquele em que o eleitor tem direito a dois votos: um na lista partidária e outro no candidato do distrito. Por este sistema, a Unidade da Federação seria dividida em distritos, em número correspondente à metade do número de vagas da UF na Câmara Federal.

Outros 19,3% responderam considerar a melhor opção o voto distrital puro, em que o eleitor vota apenas no candidato do distrito, sendo eleito aquele que obtiver maior votação. A pesquisa detectou que 28,7% são contrários ao voto distrital.

O levantamento registrou ainda que 51,3% dos entrevistados defendem a coligação apenas na eleição majoritária. Para 33,3%, a coligação deve ocorrer tanto na eleição majoritária quanto na proporcional. Outros 8,7% foram contrários a coligações de qualquer espécie.

No quesito inelegibilidade, 50,7% dos entrevistados consideraram que deve ficar como está - é inelegível o candidato condenado em última instância. Sobre o aumento do mandato do presidente de quatro para cinco anos, e sem a possibilidade de reeleição para o mandato subsequente, apenas 23,3% se mostraram favoráveis.

Fundo partidário pode virar financiamento de campanha

Denise Madueño, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Projeto introduz custeio público, sem extinguir contribuição de pessoa física

Preocupados com a arrecadação de dinheiro para suas campanhas em 2010, os deputados pretendem aprovar às pressas uma nova regra de doações e financiamento eleitoral para vigorar a partir do próximo ano. Depois de detectar uma retração da disposição das empresas em bancar campanhas - por conta dos escândalos de caixa 2 revelados pela Polícia Federal, das ações de fiscalização da Receita e da crise econômica -, os parlamentares resolveram mirar os cofres públicos.

O projeto propõe reforçar o fundo partidário ou criar outro, com repasse de dinheiro público. Em contrapartida, as doações de campanha de empresas privadas ficam proibidas - as empresas públicas já são impedidas de financiar eleição.

O modelo em discussão introduz uma forma de financiamento público de campanha, mas não exclusivo - pois mantém a contribuição de pessoas físicas. A exemplo do que ocorreu nas últimas eleições nos Estados Unidos, serão possíveis doações por meio da internet. O responsável pela apresentação do projeto, em discussão por um grupo de deputados, é Flávio Dino (PC do B- MA).

Os políticos avaliam que haverá muita dificuldade na captação de recursos de empresas privadas para campanhas. Eles identificam uma inibição dos tradicionais doadores por causa do aumento dos mecanismos de controle, o que tem causado problemas fiscais para as empresas. Nem caixa 2 nem doação regular têm escapado de fiscalização, segundo os deputados. Muitas vezes uma doação legal cai na malha fina, causando transtornos às empresas.

BAHIA
Repetidas vezes, os parlamentares têm apontado o exemplo da Bahia, onde a Procuradoria Regional Eleitoral citou 138 empresas do Estado por doação irregular de campanha em 2006.

As pessoas físicas podem doar até 2% do valor do faturamento bruto. No caso da Bahia, cruzamento entre dados da Justiça Eleitoral e da Receita mostra que as quantias superaram esse limite. Caso sejam condenadas, as empresas podem pagar multas e ficar proibidas de participar de licitação pública por cinco anos. Por outro lado, também cresceu o temor dos políticos de ser cassados por irregularidades na campanha.

O líder do bloco formado por PSB, PC do B, PMN e PRB, deputado Márcio França (PSB-SP), resume o clima de terror que atualmente envolve o assunto. "Tem muita gente com pavor de ser preso. Todo mundo está assustado e buscando uma alternativa", disse França. Líderes governistas defenderam um novo sistema de financiamento nesta semana.

"Há um compromisso dos partidos da base de apoiar uma reforma eleitoral e uma maioria muito sólida em favor do financiamento público", disse o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS). O líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), reforçou o argumento. "A mudança no financiamento de campanha é uma questão que tem apoio majoritário nos partidos. Ninguém mais quer enfrentar campanha como a anterior."

VALORES

Dino antecipou que a proposta do fundo de campanha deverá prever um valor de, no máximo, R$ 7 reais por eleitor e, em caso de segundo turno, mais R$ 2. Isso significa que o total poderia chegar em 2010 a R$ 1 bilhão. Este ano, serão repassados R$ 155,44 milhões do Orçamento para o fundo partidário, mais um valor estimado em R$ 55,8 milhões oriundos de multas aplicadas. Dino afirmou, ainda, que será fixado um teto com base na média dos gastos feitos por Estado na campanha de 2006.

"As linhas gerais serão essas. Vamos tirar o financiamento de empresas, deixar só o cidadão contribuir e reforçar ou criar um fundo partidário excepcional para o ano de eleição", explicou. "Todos os recursos terão transparência total com a publicação on line na internet, todos os dias e 24 horas por dia." Segundo o deputado, o uso do dinheiro público terá de seguir regras claras e transparentes. "Os critérios terão de ser permanentes para evitar casuísmos." Ele adiantou também que o partido será responsável, com o candidato, pela prestação de contas do dinheiro entregue para a campanha. As punições para o mau uso poderão ser multas e a perda dos recursos para a eleição seguinte. "Os modelos estão em análise, mas todos os recursos terão de passar pelo partido e não pelo candidato individualmente", afirmou o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP).

PT e PMDB em rota de colisão

Izabelle Torres e Marcelo Rocha
DEU NO ESTADO DE MINAS

ELEIÇÕES
Peemedebista apresenta proposta de 3º mandato para Lula e incomoda governistas. PEC só não vai tramitar em função da ação da oposição, que retirou as assinaturas de apoio

Brasília – Apesar de fracassada a tentativa do deputado Jackson Barreto (PDMB-SE) de apresentar ontem a proposta de emenda constitucional (PEC) que permitiria aos chefes do Executivo duas reeleições consecutivas, a matéria acirrou os desentenidmentos entre os aliados do Palácio de Planalto. Costurada nos bastidores do PMDB, ela recebeu críticas de todos os lados, inclusive de governistas. Os integrantes do PT acreditam que a proposta foi uma afronta aos planos do partido de fortalecer a candidatura da ministra Dilma Rousseff e pode desgastar a imagem do governo.


Para forçar o governo a pensar em um plano alternativo à ministra Dilma Rousseff na disputa presidencial de 2010, o deputado Jackson Barreto colocou em prática a decisão costurada nos bastidores do seu partido. Como antecipou o Estado de Minas, o parlamentar apresentou ontem a PEC do terceiro mandato. A matéria só não foi para frente em função da reação da oposição.

A PEC tinha a adesão de deputados do PSDB e do DEM. A oposição agiu rápido para barrar a matéria. O PSDB foi radical. O presidente da legenda, Sérgio Guerra (PE), anunciou a intenção de expulsar os que assinaram a proposta e disparou telefonemas pedindo a retirada das assinaturas. Conseguiu. Antonio Feijão (AP), Alberto Leréia (GO), Eduardo Barbosa (MG), Rogério Marinho (RN) e Silvio Torres (SP) desistiram de apoiar a matéria.

No DEM, o presidente da legenda, deputado Rodrigo Maia (RJ), disse que os 10 deputados que assinaram o requerimento de apoio à matéria não sofreriam sanções, mas conseguiu que pelo menos oito desistissem do apoio. O resultado da operação foi que a PEC ficou sem número suficiente para tramitar e ser apreciada.

Divergências A tentativa do PMDB já havia sido criticada por todos os lados, inclusive, pelos governistas. Mas, as motivações, segundo admitiram peemedebistas simpáticos à ideia, eram menos audaciosas. O que pretendiam alguns dos integrantes da maior legenda do país era simplesmente forçar o governo a pensar em um plano B para a eleição do próximo ano, caso a saúde de Dilma Rousseff – que tem se submetido a sessões de quimioterapia para combater um câncer linfático – não permita que ela enfrente uma campanha eleitoral. O PMDB não pretende arriscar enfrentar uma aliança com riscos de derrota. "Tem muita gente que apoia a minha proposta. Acho que isso é uma homenagem ao governo Lula. Temos que ter alternativas e dar às pessoas possibilidades de escolher e opinar se querem continuar como está", disse Barreto, antes da proposta ser derrubada.

Apesar de, internamente, a maioria dos peemedebistas apoiar a proposta de terceiro mandato, o líder da legenda, Henrique Eduardo Alves (RN) disse ontem que se o Lula era contrário à matéria, não havia o que ser feito para avançar na ideia. O líder, a propósito, incentivou Jackson Barreto a apresentar a proposta. Até o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), já confessou a aliados que se preocupa com a falta de um plano alternativo do PT à candidatura da ministra Dilma.

O discurso dos dois peemedebistas é uma tentativa de, pelo menos publicamente, se afinar com o governo. Integrantes do PT criticaram a apresentação da proposta, alegando que a discussão sobre um novo mandato para o presidente Lula enfraquece a candidatura da ministra Dilma. O líder da legenda, Cândido Vacarezza (SP), disse não entender os motivos da insistência na ideia, já que até o presidente Lula já se declarou contrário à possibilidade de permanecer no comando do país. Em resposta, Barreto deu o tom do clima tenso vivido entre integrantes das duas legendas: "Acho que os petistas estão com pouca confiança na nossa disposição de formalizar essa aliança. Essa desconfiança de que a ideia do meu projeto tem outros interesses reflete uma falta de afinação que não deveria existir", disse.

A trilha da volta

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Há sete meses, a Bolsa brasileira bateu no ponto mais baixo dos últimos anos. De lá para cá, já subiu 80%. Só este ano, subiu 41%. Ainda está longe do ponto máximo que aconteceu em maio do ano passado, quando o Brasil parecia estar longe da crise. Há contradições entre o brilho da bolsa e a vida real. Ele é um sintoma de volta à realidade, mas não estão afastados os riscos de novos sustos.

Em maio de 2008, o índice Ibovespa disparou para 73 mil pontos. Naquela época, o país crescia a taxas acima de 6%, o desemprego estava em queda, a renda e o crédito estavam crescendo, o tão sonhado grau de investimento havia sido conquistado. A previsão dos economistas de mercado para o PIB brasileiro em 2009 era de 4,60%. Hoje, a estimativa é de -0,53%. E no começo do mês que vem o Brasil saberá o tamanho do tombo do primeiro trimestre. O Bradesco calcula que o PIB tenha caído 3,1% em relação ao primeiro trimestre de 2008, e 2,2% em relação ao último trimestre do ano passado.

O grau de investimento veio no dia 30 de abril. Naquele pregão, o Ibovespa disparou 6,3%. Até o dia 20 de maio, subiu mais 15,2%, batendo no pico de 73 mil. A melhora na classificação de risco adicionou 10 mil pontos à bolsa.

De acordo com o economista Álvaro Bandeira, da Ágora Corretora, depois de maio, os sinais da crise financeira começaram a ficar evidentes. A crise atingiu também bancos ingleses e japoneses. Isso provocou uma redução de cerca de 20 mil pontos no Ibovespa, que caiu para a casa dos 50 mil.

- No início de 2008, o mercado calculava que o tamanho do rombo dos ativos ligados ao subprime era de US$150 bilhões. Em maio, essa estimativa já havia saltado para US$500 bi, com as suspeitas se espalhando por vários bancos do mundo - explicou.

Em setembro, houve o pânico. O marco foi dia 15, quando quebrou o banco de investimentos americano Lehman Brothers. A bolsa brasileira afundou nos meses seguintes até bater em 29 mil pontos.

Descobriu-se então que o rombo não era de US$500 bilhões, como sonhava o mercado. Mais de US$4 trilhões foram despejados no sistema financeiro em ações coordenadas por vários bancos centrais. Tudo para impedir que os bancos quebrassem. Do ponto mais baixo, em outubro, até o fechamento de ontem, o índice Ibovespa ganhou cerca de 23 mil pontos, voltando aos 53 mil. Isso significa que a bolsa levou sete meses para recuperar a metade do que perdeu.

Segundo o economista Bruno Marinho, da Prosper Corretora, o que mudou do final do ano passado para o início deste ano é que o sistema financeiro não quebrou. Isso fez com que as expectativas dos economistas para 2009 fossem refeitas para melhor.

- Olhando para frente, são duas as principais variáveis que vão definir o futuro da bolsa: a própria crise financeira mundial, que ainda não está resolvida, e os efeitos que ela terá sobre a rentabilidade das empresas, ou seja, como a demanda menor e o crédito menor vão afetar a lucratividade de cada uma - explicou Bruno.

Parte dessa retomada também é fruto da volta dos investidores estrangeiros. Para se ter uma idéia, em janeiro, entraram R$544 milhões na bolsa. Em fevereiro, esse montante subiu para R$1,44 bilhão, saltando para R$3,77 bilhões, em março.

- Quando veio a crise, esses investidores correram para comprar títulos do Tesouro americano. Agora, eles estão voltando ao mercado de renda variável. O Brasil se beneficia porque está melhor que outros países em desenvolvimento e também porque tem juros muito altos - explicou o economista-chefe da Ativa Corretora, Arthur Carvalho.

Álvaro Bandeira acha que as ações subiram agora porque as previsões para as empresas em 2009 foram feitas no final do ano passado, quando o pessimismo era maior. Mas, o fato é que, olhando para a economia real, as luzes amarelas ainda estão acesas no painel. O setor imobiliário, por exemplo, sofreu um baque em plena temporada de lançamentos. Inúmeros lançamentos continuam suspensos, mas Rogério Chor, da Ademi, dá um bom sinal da melhora recente:

- Neste segundo trimestre, por exemplo, minha empresa voltou a conseguir antecipação de recebíveis, que tinham secado no final do ano passado e no início deste ano - explicou Chor.

O setor siderúrgico acumula fortes altas em 2009. A CSN disparou 65%; a Usiminas, 37,85%; a Gerdau, 29,1%. Mas o setor enfrenta dois problemas: a concorrência com o aço chinês, que está chegando ao país mais barato que o produzido aqui, e os estoques elevados, que mantém altos-fornos parados.

- A tonelada do aço laminado importado, por exemplo, custa aqui no Brasil cerca de R$1.200,00. Já o aço produzido aqui dentro sai por R$1.700,00. Podemos dizer que temos uma liquidação de aço chinês e croata chegando - afirmou Marinho.

A ação da Vale, no pico, era vendida por R$55, chegou a R$19 e ontem estava em R$32. Melhorou, mas está longe do que já foi. A Bovespa como um todo ainda está longe do que foi. A alta dos últimos meses e a volta do investidor estrangeiro são bons sinais, só não podem ser vistos como o fim da crise.

Câmbio e juros

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

As queixas são totalmente procedentes. A forte valorização do real (queda do dólar no câmbio interno) é um fator que prejudica o desempenho do setor produtivo e das exportações.

Um dólar mais barato em reais incentiva a importação e enfraquece as exportações. Em outras palavras, tira a competitividade do produtor brasileiro.

O problema é que, quando a valorização do real se acentua, os exportadores exigem o remédio que pouca eficácia tem na reversão da situação. Pedem invariavelmente redução dos juros.

Quem defende essa redução afirma que um dos principais fatores que atraem dólares no Brasil e levam à valorização do real, que vem em seguida, é o jogo financeiro da arbitragem com juros. Simplificadamente, os especuladores tomam moeda estrangeira a juros baixos lá fora (digamos que seja a 3% ao ano), trazem para cá, compram reais e os aplicam no mercado financeiro a juros superiores a 10% ao ano.

São inúmeras as formas de arbitragem que podem até dispensar a entrada de dólares. Basta que os recursos que naturalmente sairiam permaneçam por aqui para tirar proveito dos juros altos. No entanto, é improvável que as operações de arbitragem expliquem a valorização do real.

Desde 1999, os juros vêm caindo no Brasil. Se esse movimento fosse importante para explicar a entrada de dólares, o tombo posterior deveria ao menos sinalizar arrefecimento na queda das cotações do dólar em relação ao real. O gráfico mostra que isso não ocorre.

Os juros vêm arrastando o dólar para baixo junto com eles. Esse movimento sugere que a forte queda dos juros aumenta a confiança na qualidade da economia brasileira e atrai mais dólares.

Uma conta tosca mostra que a juros básicos, que em pouco mais de uma semana irão para a faixa dos 9,5% ao ano, as operações de arbitragem não são tão atrativas quanto se propala.

A esse nível de Selic, um grande aplicador talvez consiga um retorno de 10% ao ano sobre os quais incidirá um Imposto de Renda na fonte de 15%. Isso significa que o resultado líquido da operação seria de 8,5% ao ano. Como a inflação é de 4,5%, o lucro líquido desse aplicador não seria superior a 4% ao ano, que cairia para 1% ao ano se for levado em conta o "seguro" estabelecido pelo índice de risco Brasil, de 3 pontos porcentuais.

Este não é um retorno relevante, considerando que o aplicador corre o risco do câmbio, o mesmo que estragou a saúde financeira de Sadia, Votorantim e Aracruz.

As aplicações em curto prazo (só US$ 2,2 bilhões no quadrimestre) parecem demonstrar que as operações de arbitragem com juros não explicam a atração que o mercado brasileiro exerce sobre os afluxos de moeda estrangeira.

Os juros vão continuar caindo, mas ninguém espere que mais dia menos dia se transformem em fator importante para garantir uma virada na trajetória do câmbio.

Confira

Não aconteceu - No depoimento que deu ontem no Senado, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não chegou a contestar o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, na questão do câmbio, como alguns anunciaram.

Mantega limitou-se a dizer que os juros estão altos no Brasil, mas que continuarão caindo. Não chegou nem a enfatizar que os juros altos estimulam a especulação com moeda estrangeira.

E avisou que as reservas subirão bem mais do que seu nível atual de US$ 205 bilhões. Isso aumentará a percepção de solidez da economia.

Câmbio: de volta para o futuro

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

"Dólar a R$ 1,99" ressuscita debate tedioso sobre câmbio, discussão que não resulta em alternativa técnica ou política

A DISCRETA despiora da economia global inverteu a direção da taxa de câmbio, que volta a se encaminhar para o seu nível de costume nos últimos seis anos: para baixo (no gráfico, a curva descendente indica valorização do real. A linha da "cesta de moedas" mostra a variação do real diante de um conjunto de moedas dos países com os quais o Brasil tem mais comércio).

A reviravolta ressuscita um debate tedioso a respeito do que fazer, ou não, do câmbio. Tedioso porque sem sentido prático: técnico ou político.

Não se trata de dizer, como o fez o presidente do Banco Central, que a experiência dos países que manipulam o câmbio deu errado. Se faz tal coisa na Ásia, na China. O problema maior da adoção da "via chinesa" no Brasil seriam os efeitos colaterais graves. Mas os adeptos do câmbio controlado não apresentam os detalhes de suas propostas. De resto, reduzir a valorização do real ao efeito da discrepância ainda abissal entre os juros brasileiros e os do resto do mundo também é argumento muito fraco, considerados os fatos das contas externas dos últimos seis anos.

Talvez o aspecto mais crítico do debate seja o seu vazio político. Para começar pelo mais óbvio: a política do BC não mudará pelo menos até 2011, afora catástrofes. A partir daí, imagine-se que venha José Serra ou Dilma Rousseff. Dilma nada fala sobre BC. Mas, dada a sua extração política e o que já disse sobre economia, parece mais próxima de Serra do que do "mainstream". Serra diz horrores sobre os BCs desde FHC.

Mas Serra e/ou Dilma vão nomear um BC "exótico", pelo padrão de hoje? Ou vão reduzir a autonomia do BC? Isso feito, o que farão da política fiscal de modo a evitar besteira geral na política econômica? Pisar fundo no freio dos gastos públicos? Mexer na Previdência? Uma política industrial e/ou comercial revolucionariamente "agressiva"? Qual o "mix" de políticas da alternativa? Mistério.

Voltando à economia, um cenário razoável para os próximos dois, três anos, é o de recuperação chinesa com lentidão no G3: EUA, Europa e Japão. Um mistério maior nesse cenário é o futuro da liquidez e o momento em que virá uma alta dos juros pelo mundo. Ainda assim, é razoável acreditar em mais valorização do real, excetuados desvarios econômicos no Brasil. Imagine então se o petróleo do pré-sal der certo.

Há setores avariados pelo câmbio. Mas a grita atual nem se deve à virada do dólar -empresas exportam menos devido ao colapso no comércio mundial, o que pode ter adicionado insulto a injúrias cambiais antigas, mas isso é outra história.

Quem razoavelmente acha que o câmbio é problema deve parar com conversa mole. Remendos monetários são picuinha diante da dimensão de reformas a fazer e ignoradas por Lula (nada a ver com a baboseira dita "neoliberal"), mudanças que vão além do BC e mesmo de política fiscal. Mas quede o debate político?

Câmbio e juros, faces de uma mesma moeda

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Juros reais muito mais altos do que em outros países tornarão a valorização do real superior à das outras moedas

TENHO ESCRITO com frequência sobre uma nova dinâmica da formação da taxa de câmbio no Brasil. O real faz parte hoje de um seleto grupo de moedas emergentes que se colocam como alternativas de reserva de valor para os investidores internacionais.

Esse movimento foi interrompido em setembro passado. No pânico que se seguiu à quebra do banco Lehman Brothers, todos correram para o abrigo seguro que ainda é o dólar. Agora, com a sensatez voltando para os mercados e o espectro, real ou imaginário, de uma crise fiscal nos Estados Unidos, um novo movimento de diversificação de riscos começou.

Ainda nesta semana circulou a informação de que a Nomura Securities, um dos grandes intermediários financeiros no Japão, estaria liderando a criação de mais um fundo de investimento para aplicação em títulos públicos em várias economias emergentes. O total chegaria a US$ 4 bilhões, e o Brasil receberia uma grande parte desses recursos.

Com nossa moeda próxima a romper a barreira psicológica de R$ 2 por dólar, voltamos à velha discussão sobre a necessidade de garantir uma taxa de câmbio competitiva. O presidente do Banco Central brasileiro tem reafirmado que a instituição que preside tem como mandato a manutenção da inflação dentro da meta fixada pelo governo e que não pode, por isso, cuidar também da taxa de câmbio. Sabemos que em um sistema de metas de inflação, como temos no Brasil, isso é verdade. O câmbio entra apenas indiretamente na decisão do BC em relação aos juros, na medida em que influencie a inflação.

Mas também é preciso que se diga que essa nova situação internacional de nossa moeda não permite ao BC trabalhar com uma gordura excessiva na sua taxa de juros de intervenção. O BC brasileiro, escaldado por um passado muito difícil na gestão da política monetária, prefere sempre errar para mais. Essa posição mais conservadora revelou-se correta no passado e foi um dos fatores para a consolidação da estabilidade da economia brasileira nos anos recentes.

Mas o Brasil mudou muito. A gestão da política monetária hoje é mais eficiente em razão principalmente da penetração das importações no nosso aparelho produtivo e da maturação da economia brasileira. Por isso poderíamos trabalhar com um prêmio menor nos juros Selic. E isso ainda não aconteceu. O diferencial de juros entre o Brasil e o G7 permanece praticamente igual à média dos últimos anos. Isso parece excessivo, tendo em vista o quadro de inflação benigno e o excepcional sucesso da economia brasileira, que passou no teste da crise.

O sucesso do Brasil reforçou a confiança internacional. O corolário é que não podemos ter uma taxa de juros real desproporcionalmente alta em relação aos outros países que fazem parte desse novo grupo.

Se isso acontecer, o fluxo de recursos financeiros para nosso mercado vai ganhar contornos especulativos. E, nessa situação, a valorização do real será muito superior à das outras moedas, que parece ser a referência adotada pelo BC para uma política de intervenção no câmbio.

O presidente Meirelles tem razão em não concordar com os que, dentro do governo Lula, defendem uma ação direta sobre o nível da taxa de câmbio, buscando um patamar mais desvalorizado. Mas também é preciso reconhecer que o Brasil não está isolado do mundo. O BC precisará aceitar uma convergência para taxas de juros mais baixas. E que a política fiscal atue no sentido de ajudar a compatibilizar esses objetivos.

Luiz Carlos Mendonça De Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Polícia chilena prende assassino de Victor Jara

AFP, Santiago
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Militar confessa ser um dos que fuzilaram músico após golpe de 73

A policia chilena prendeu na terça-feira a noite o militar JoseAdolfo Paredes Marquez, de 54 anos, que confessou ter participado,em 1973, do assassinato do cantor e compositor chilenoVictor Jara, fuzilado com 44 tiros em um estádio convertidoem campo de prisioneiros políticos, em Santiago. A execuçãoocorreu cinco dias depois do golpe de Estado que levou AugustoPinochet ao poder (1973-1990) e marcou um dos períodos maisViolentos da história política recente do Chile.

Paredes confessou a Justiça ser um dos soldados que fuzilaramo musico - que tinha 40 anos e equivalia na cultura popularchilena a artistas como o brasileiro Chico Buarque ou aargentina Mercedes Sosa, pelo engajamento político e oposiçãoa governos militares.

O militar tinha 18 anos quando recebeu ordens de um superiorpara disparar contra Jara, mas se negou a assumir a culpasozinho. ''Procurem os comandantes'', disse ele enquanto eralevado pela policia. ''Eu era só um soldado raso.''

A viúva de Jara, a inglesa Joan Turner, que ha anos fazcampanha contra a impunidade dos envolvidos no crime, voltoua cobrar das autoridades a busca pelos responsáveis.''Quero que cheguem aos verdadeiros culpados. Não me parece que um jovem de 18 anos possa ter toda culpa'', disse ela.

ATROCIDADES

Depois do golpe de 11 de setembro de 1973 e da morte do ex-presidente chileno Salvador Allende - que se suicidou no palácio presidencial quando estava sob ataque aéreo das forcas comandadas por Pinochet -, mais de 600 estudantes e professores se rebelaram na Universidade Técnica do Estado, em Santiago.

Entre eles estava Jara, que também era professor. Os militares invadiram o local e levaram os amotinados ao Estádio Chile, renomeado Estádio Victor Jara, em homenagem ao musico.Segundo Paredes, um tenente do Exército ''começou a brincar de roleta-russa com seu revolver apoiado contra a cabeça do músico. Assim saiu o primeiro disparo''.

O tenente ordenou, segundo Paredes, que os soldados descarregassem seus fuzis contra o corpo de Jara. Além do artista, outras 14 pessoas foram mortas da mesma forma, segundo o militar detido.

O relato de Paredes coincide com testemunhos dados no passado por outros prisioneiros políticos que também estavam no local.

Segundo ele, antes da execução, Jara foi levado aos vestiários do estádio onde foi torturado.

Paredes contou que soldados fraturaram as duas mãos do musico, usando a culatra de um fuzil como pilão. A técnica era usada pelos militares como exemplo de punição aos opositores.

Músico inspirou resistência a regime de Pinochet

O cantor, compositor e poeta chileno Victor Jara foi torturado e morto no dia 16 de setembro de 1973, apenas cinco dias depois do golpe de Estado que derrubou o presidente Salvador Allende.

As musicas e textos de Jara serviram de símbolo para parte da geração de chilenos que enfrentou a repressão. A ditadura que se seguiu, comandada pelo general Augusto Pinochet, deixou mais de 3mil mortos em 16 anos.

Ventos Vadios (poema)

Graziela Melo

Ventos incertos
Tardios,
Errantes
Vadios

Abruptos
Bravios

Que vagam
Na imensidão

Me levem
Em suas azas
Esguias

Bem longe
Da multidão

Às águas negras,
Profundas

Dos mares
Da solidão...

Rio de Janeiro, 7 de julho de 2002

Manifestações Operárias e Socialistas em Pernambuco (das origens aos anos 60)

Michel Zaidan
Universidade Federal de Pernambuco
Programa de Pós-Graduação em Ciencia Política
Núcleo de Estudos Eleitorais Partidários e da Democracia
(Neepd)

PROGRAMAÇÃO / PARTICIPANTES

PROFº. ANTONIO PAULO DE MORAES REZENDE. “Aspectos do movimento operário e sindical em Pernambuco (1914-1922)”

PROFº. MICHEL ZAIDAN FILHO. “A fundação do PCB em Pernambuco e a década de 20”

PROFª. BRASÍLIA CARLO FERREIRA. “0s trabalhadores e a Revolução de 30 em Pernambuco”

PROFª. NADJA BRAYNER. “O movimento operário na década de 30 em Pernambuco”

PROFº. FLÁVIO BRAYNER. “O Partido Comunista na década de 60 em Pernambuco”

PROFª. MARIA DO SOCORRO ABREU. “O sindicalismo rural em Pernambuco na década de 60”

LOCAL: AUDITÓRIO DO PROGRAMA DE CIÊNCIA POLÍTICA, Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE

DIA: 12 De Junho, às 14h00min

Otávio Luiz Machado
Coordenador de Atividades do PROENGE e Pesquisador do NEEPD
PROENGE/UFPE


Av. Acadêmico Hélio Ramos, s/n, 14º andar
Cidade Universitária
56.370-000 - Recife, PE - Brasil
TELEFONES:
55 (81) 2126-7351 (UFPE)
55 (81) 9715-7846 (Celular)
SKYPE: otavioluizmachado

Cortázar inesperado

Janaína Figueiredo
DEU EM O GLOBO / Segundo Caderno


Nos 25 anos de morte do autor argentino, chega ao leitor edição com textos inéditos

A descoberta ocorreu às vésperas do Natal de 2006, após três dias de longas conversas. Era quase meia-noite quando Aurora Bernárdez, viúva de Julio Cortázar, decidiu mostrar ao editor argentino Carlos Álvarez Garriga “uns papeizinhos” guardados numa cômoda de seu apartamento, em Paris. Quando começou a ler o que Aurora tinha para lhe mostrar, o editor, especialista na obra de Cortázar, não conseguia acreditar no que estava vendo. Eram textos inéditos de um dos maiores nomes da literatura latino-americana do século XX, que morreu há 25 anos: contos, autoentrevistas, poemas, cartas para amigos, histórias nunca contadas, discursos, prólogos, textos jornalísticos e artigos políticos. Depois de um cuidadoso trabalho realizado por Aurora e Garriga, o material se transformou no livro “Papeles inesperados” (Papéis inesperados), lançado no início do mês pela editora Alfaguara na Feira do Livro de Buenos Aires e quarta-feira na Espanha. No Brasil, o livro será publicado pela Civilização Brasileira (do grupo Record), mas a data ainda não foi confirmada.

— O leitor que coleciona Cortázar terá agora sua obra completa — declarou Garriga, que catalogou “Papéis inesperados” como o “Cortázar definitivo”, à imprensa espanhola.

Para ele, que escreveu uma tese de doutorado sobre o autor de “O jogo de amarelinha” (1963), existem três tipos de leitores: os que nunca leram Cortázar, os que leram pouco e os cortazarianos incondicionais. Para esse último grupo, afirmou o editor argentino, “a leitura de ‘Papéis inesperados’ será uma festa, um presente saboroso e longo”, já que o livro tem quase 500 páginas.

— Os que nunca leram (Cortázar) ou conhecem pouco sobre ele terão a oportunidade de abrir novas vias, porque este é um livro polifônico, que inclui textos de todas as épocas e de todos os registros — comentou o organizador.

Aurora foi a primeira mulher de Cortázar (o casamento foi em 1953), mas hoje é considerada sua viúva oficial. O escritor, filho de argentinos que nasceu em Bruxelas e voltou à terra de seus pais aos 4 anos de idade, morreu em 12 de fevereiro de 1984, vítima de leucemia. Seu corpo está enterrado no cemitério de Montparnasse, na França, ao lado de sua terceira mulher, Carol Dunlop, também descansa. Em seus últimos anos de vida, Aurora foi sua grande companheira e, por decisão de Cortázar, sua principal herdeira. Durante anos, a tradutora argentina guardou textos inéditos, que somente agora poderão ser apreciados pelos amantes de sua obra.

Dois biógrafos do autor de “Bestiário” (1951) e “Histórias de cronópios e de famas” (1962), entrevistados pelo GLOBO, mostraram-se pouco surpresos pelo surgimento de textos inéditos de Cortázar. Para Emilio Fernández Chico, que escreveu “El secreto de Cortázar” (“O segredo de Cortázar”, editora Universidad de Belgrano), o conjunto “não chama a atenção, porque Cortázar foi um escritor prolífico, gostava muito de escrever”.

— O que deveríamos nos perguntar é se Cortázar, que chegou a queimar um livro, gostaria de que esses textos fossem publicados — argumentou Fernández Chico.

Segundo ele, “é importante avaliar se ‘Papéis inesperados’ faz bem ou mal à obra de Cortázar”.

— Ele se negou a publicar muitos textos, sobretudo anteriores à década de 40, quando ainda não era o famoso Cortázar — lembrou o biógrafo argentino, que em seu livro conta como Cortázar queimou a novela “Soliloquio”, na qual contava a história real de seu amor platônico por uma aluna, chamada Coca.

Na biografia, Fernández Chico incluiu uma entrevista com a misteriosa aluna de Cortázar, que revelou alguns detalhes interessantes sobre a personalidade do escritor, como por exemplo sua extrema timidez (pelo menos em sua juventude). O romance ocorreu nos anos em que Cortázar trabalhou como professor em várias cidades do interior da Argentina, entre elas Bolívar, Chivilcoy e também na província de Mendoza. Fernández Chico visitou as cidades por onde o escritor passou e entrevistou antigos alunos e colegas de trabalho.

— “Soliloquio” foi escrita quando Cortázar era professor (entre 1939 e 1940). Ele mesmo queimou a novela e esse texto nunca mais será recuperado — afirmou o biógrafo.

De acordo com Fernández Chico, outra das obras que Cortázar evitava mencionar em seus anos de glória era “Presença”, seu primeiro livro, assinado sob o pseudônimo de Julio Denis.

— Foram publicados pouquíssimos exemplares. Cortázar tinha vergonha desse livro, que era basicamente de sonetos — contou o biógrafo. Na visão de Mario Goloboff, autor de “Julio Cortázar, a biografia” (editora Seix Barral), o célebre escritor argentino “era muito crítico com ele mesmo, muito exigente, e por isso escrevia muito mais do que publicava”.

— Muitos textos de Cortázar foram publicados após sua morte. Ele era extremamente autocrítico, lembre-se de que publicou seu primeiro livro de contos (“Bestiário”) aos 37 anos — assegurou Goloboff, que conheceu o escritor em Paris, alguns anos antes de sua morte. — Conversávamos muito sobre política, porque eram os anos da ditadura, e Cortázar estava muito comprometido com a luta em defesa dos direitos humanos.

Os textos publicados em “Papéis inesperados” foram escritos entre 1930 e 1980. Os seguidores de Cortázar encontrarão, por exemplo, um capítulo de “O Livro de Manuel” e também um capítulo em que o escritor conta como suprimiu uma parte de “O jogo da amarelinha”. Outras joias preservadas por Aurora e editadas com a ajuda de Garriga são o “Discurso do Dia da Independência”, recitado por Cortázar a seus amigos em 1938, e “Entrevista diante de um espelho”, na qual o escritor fala sobre o regime cubano e faz comentários que refletem seu profundo interesse pela revolução liderada por Fidel Castro: “Uma das mentiras básicas divulgadas no exterior consiste em afirmar que o avanço do poder popular em Cuba é comédia.


Veja bem, se todas as comédias fossem assim, eu seria sócio pelo resto da minha vida dos teatros nos quais elas são representadas”.

Abaixo, o poema inédito "A mosca", publicado em "Papéis inesperados"


"Vou ter de te matar de novo.
Te matei tantas vezes, em Casablanca, em Lima, em Cristianía,
em Montparnasse, numa estância do partido de Lobos,
num prostíbulo, na cozinha, em cima de um pente,
no escritório, nesta almofada,
vou ter de ter matar de novo,
eu, com minha única vida."

Filme de José Padilha falha ao analisar a fome no Brasil

Ricardo Calil
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

Documentário mostra que problema ainda persiste, mas entra em contradição
Os três longas-metragens realizados por José Padilha até aqui -"Ônibus 174", "Tropa de Elite" e "Garapa"- não têm uma unidade de linguagem evidente, mas possuem estratégias em comum bastante significativas.

Em primeiro lugar, há sempre a abordagem de algum tema social maiúsculo -respectivamente, a Exclusão, a Violência, a Fome.

Depois existe a tentativa de trazer à tona uma verdade inconveniente ao espectador, em particular o de classe média alta, que hoje forma o grosso do público de cinema.

Em "Tropa", por exemplo, era a ideia de que o consumidor de drogas é também responsável pela violência do tráfico. Em "Garapa", a lembrança de que a fome, embora ausente das manchetes dos jornais e das preocupações da maioria, continua a atingir uma enorme fatia da população brasileira.

Por fim, Padilha transforma esses conceitos em teses a serem didaticamente comprovadas. Se em "Tropa" havia a narração em off do capitão Nascimento, em "Garapa" há outros procedimentos. De um lado, há o didatismo da imagem. Um exemplo: as cenas de crianças com feridas abertas atacadas por mosquitos aparecem várias vezes, para que o público "sinta na pele" a miséria dos famintos.

São tantas e tão longas repetições que em algum momento o espectador pode achar que é a criança -e o filme, o incômodo inseto.

Curto-circuito

De outro lado, há o didatismo da palavra: cartelas no começo e no fim oferecem pensamentos e números sobre a fome e desnutrição no Brasil e no mundo, comprovando que o problema ainda existe -e que, apesar de avanços, está longe de ser sanado pelo programa Bolsa Família.

Ao final, porém, a palavra aparece não para explicar, mas para provocar um curto-circuito no filme. Se na maior parte da projeção Padilha adota os procedimentos do cinema direto americano (escola documental que, grosso modo, prega a observação de uma realidade com a mínima interferência da equipe de filmagem), no fim ele decide perguntar diretamente a uma das personagens algo como: "Se vocês não têm comida para alimentar a família, por que continuam tendo filhos?".

É como se o filme dissesse: se "eles" continuam se reproduzindo como coelhos, por que "nós" deveríamos nos preocupar? Nesse momento, o incômodo é apaziguado, a consciência esquece a culpa, e o filme entra em pane.

Último roteiro de Antonioni ganhará as telas

da reportagem local
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

O último roteiro escrito pelo cineasta italiano Michelangelo Antonioni, morto em 2007, aos 94, será levado às telas de cinema pelos produtores Jeremy All e Zev Guber. "Due Telegrammi" (dois telegramas), que o diretor escreveu pouco antes de morrer, conta a história de um triângulo amoroso e suas disputas de poder.

Antonioni, aliás, deixou outro projeto não realizado. "Tecnicamente Doce" é um filme que o cineasta planejou rodar na Amazônia brasileira e em Brasília. O diretor chegou a visitar o país nos anos 60 para escolher locações e tinha escalado Jack Nicholson e Maria Schneider para os papéis principais.

Poesia e som em Adagio Sostenuto

Crítica Luiz Zanin Oricchio
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Longa-metragem do cineasta Pompeu Aguiar tem na atriz Dedina Bernardelli a presença quase exclusiva na tela

Adagio Sostenuto, de Pompeu Aguiar, demonstra com folga as virtudes e riscos de uma aposta no cinema poético. Méritos óbvios, ao fugir da narrativa naturalista convencional, mainstream suposto do cinema contemporâneo. Problemas, ao intelectualizar demais, como a colocar cimento conceitual em uma narrativa de natureza obrigatoriamente porosa.

O filme concentra-se na presença permanente na tela da personagem Anna, vivida por Dedina Bernardelli. Em off, ouvem-se as vozes de Alexandre Borges e Priscilla Rozenbaum. Anna evoca a figura do seu marido, aparentemente uma vítima da violência urbana. Acresce que Anna e José, o ausente, são, ou eram, parceiros na construção de um filme que fala numa vida longa, um casal de professores que, ao sentir a proximidade do fim, a miséria do naufrágio final que é a velhice, suicida-se. Boa parte dos diálogos é consumida na discussão desse final. Se seria lógico ou pessimista; trágico ou niilista; inevitável ou desesperançado.

Há um traço no filme, e que não funciona a contento - a relação com o tempo. No fundo, é o próprio tema, ou, no mínimo, um dos seus subtemas mais importantes. O casal jogado no tempo, o envelhecimento, na "ficção dentro do filme". Já no caso da narradora, Anna, e seu companheiro José, o tempo é cortado pela brutalidade contemporânea. No entanto, o próprio filme é vítima do tempo, pois demora demais a engrenar, a dizer a que vem. As imagens recorrentes da praia, do mar batendo, do luar, parecem menos destinadas a estabelecer um estado de espírito do que preencher vácuos de estrutura.

Da mesma forma, desafinam os apelos à forma musical, como a justificar o título que se refere a um andamento comum nas anotações de partitura. Lento e sustentado, é a tradução da notação italiana. Mas acontece que a lentidão nem sempre é sustentada pela coerência da forma. Daí a impressão de espaços mortos, citações e um tom hierático que nem sempre se justificam no conjunto da obra. A frequência de citações intelectuais também leva a pensar em um excesso. Parece que, num tipo de projeto como esse, referências funcionam melhor se apenas sugeridas. Quando jazem abaixo da linha de superfície e assim produzem melhor seus efeitos. Ostentadas, perdem eficácia e se transformam em pedantismo. Quebram o enlevo do espectador em vez de conduzi-lo a um estado poético de receptividade, como talvez fosse a intenção.

Adagio Sostenuto não é mau filme. É sensível e inteligente. Ma non troppo.

Promessa de fidelidade

Ricardo Schott
DEU NO JORNAL DO BRASIL / Caderno B

Uma coincidência aconteceu durante a elaboração de O pagador de promessas, história em quadrinhos desenhada por Eloar Guazzelli tendo como base o texto original da peça do dramaturgo Dias Gomes (1922-1999), para a série Grandes clássicos em graphic novel, da Editora Agir. Trabalhando durante a madrugada com a televisão ligada, o artista gaúcho radicado em São Paulo concentrava-se nos desenhos quando, por obra do acaso, surgiu na tela da TV a célebre versão cinematográfica do texto, dirigida por Anselmo Duarte.

Mesmo seguro de que seu trabalho estava fiel ao original de Gomes, Guazzelli decidiu se preservar. E desligou o aparelho.

– Já tinha visto o filme e tem muito dele no meu trabalho, mas a história está tão presente no imaginário da gente que achei melhor não me deixar influenciar pelas imagens – conta o autor, que também é montador de cinema e dedicou-se a um profundo trabalho com cores, diferente do preto-e-branco do filme. – Para dinamizar a história, até para apresentá-la ao público jovem, decidi valorizar bastante as imagens da cidade.

Na peça, os cenários de Salvador, onde a história se passa, estão sempre presentes. Decidi usá-los como recurso.

Apesar da força do filme, ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1962 – a única que o Brasil já recebeu até hoje – a atenção de Guazzelli voltou-se mesmo foi para a peça de Gomes. Encenada pela primeira vez em 1960 em São Paulo, O pagador de promessas conta a história de um sertanejo que carrega por sete léguas uma enorme cruz nas costas, com o objetivo de depositá-la dentro da Igreja de Santa Bárbara, em Salvador, em agradecimento à santa pela melhora do animal (um burro) que o ajudava na lavoura. Zé do Burro, como passa a ser conhecido, é impedido pelo padre de entrar na igreja, até por haver elementos do candomblé mediando sua promessa – e vê um carnaval de poderosos, policiais e jornalistas formar-se ao seu redor.

‘O bem-amado’ no livro

A fidelidade ao original foi condição necessária para que a HQ figurasse na série da Agir, que já editou, vertidos para os quadrinhos, O alienista, de Machado de Assis (por Fábio Moon e Gabriel Bá) e O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry (este, adaptado pelo francês Joann Sfar). Mas o quadrinista conseguiu dar ao texto um toque autoral.

– Incluí até cartazes com o rosto do Odorico Paraguassu, personagem de O bem-amado. Foi a obra que me introduziu ao Dias Gomes, na TV, quando eu era criança – recorda Guazzelli.

– Também fiz questão de usar a Igreja Católica como elemento arquitetônico, já que ela é personagem da peça, como instituição. Coloquei imagens no portal da igreja, até para fazer uma referência à Paixão de Cristo.

O trabalho inicial passou pelo crivo dos herdeiros de Dias Gomes, que viu os primeiros desenhos de O pagador de promessas. Para caber nas quatro linhas do quadrinho, no entanto, o texto teve que sofrer alguns cortes. Nessa tarefa, Guazzelli diz ter sido ajudado por sua experiência no cinema, além, claro, de seu know how de novelista gráfico. Antes de entregar-se ao teatro de Dias Gomes, refizera em desenhos Apólogo brasileiro sem véu de alegoria, do escritor modernista Alcântara Machado (1901-1935) para a série Domínio público, do coletivo de desenhistas pernambucanos Ragú. Em ambas as realizações, uniu o universo da película ao das tintas e do papel.

– O filme precisa de um fluxo, de um determinado ritmo, e a HQ precisa de outro, porque se ancora em outros elementos – explica. – Na narrativa cinematográfica, a montagem tem que ser cruel, porque não dá para usar todas as cenas interessantes que foram feitas. Tem diretor que termina o filme e já deixa tudo na mão do montador, nem fiscaliza o trabalho para não haver sofrimento. O mesmo se deu em O pagador.

Guazzelli, que começou nas HQs durante os anos 80 na revista gaúcha Kamikaze – cujos números são tidos hoje como raridades – encara como natural a aproximação cada vez mais recorrente entre quadrinhos e outras formas de expressão, como o cinema.

– Na verdade, cinema e quadrinhos meio que começaram na mesma época, são artes contemporâneas. Natural que elas tenham o hábito de conversar. Só não pode é o quadrinho virar storyboard de futuros filmes, como tem acontecido às vezes – afirma.

Como professor de desenho e artes gráficas, lamenta que o quadrinho ainda seja visto com preconceito.

– É encarado como uma coisa adolescente e não é isso. A HQ é uma forma de arte. O quadrinho argentino, por exemplo, alcança quase a densidade máxima da literatura. Para defender as HQs, fala-se coisas como "Fellini adorava quadrinhos". Mas é uma linguagem que tem que ser respeitada.

O cenário, porém, está sendo gradativamente modificado por séries como a da Agir – que vem ao encontro de uma demanda do Ministério da Educação e Cultura para a distribuição de obras em quadrinhos em bibliotecas públicas.

– Já é uma grande melhora – afirma. – Nos anos 70 até havia quadrinhos no ensino, mas era uma coisa rígida, controlada, permitida pela ditadura.

Além do aval do MEC, Guazzelli também busca temas eternos presentes em O pagador de promessas como forma de se aproximar dos leitores mais jovens.

– O caso que aconteceu em Pernambuco, o da menina de 9 anos que teve de fazer um aborto e cuja família foi excomungada, mostra que a Igreja continua de portas fechadas, como no texto de Dias Gomes. É o terror dos terrores – relata ele, que não tem religião, mas diz ter aprendido a respeitar todas as formas de crenças.
– O Brasil é um país em que as pessoas dizem ter religião, mas praticam muito pouco o perdão. Preferem exercer só a punição. Visto por esse aspecto, O pagador está mais atual do que nunca.