sábado, 6 de junho de 2009

Faleceu Paula Beiguelman

Paula Beiguelman
José de Souza Martins

Faleceu e foi sepultada neste 5 de junho a Professora Paula Beiguelman, Professora Emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, por onde se formou em Ciências Sociais. Paula foi incluída na lista dos professores cassados e aposentados compulsoriamente, em 1969, pela ditadura militar, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, em consequência proibidos de lecionar em universidades públicas brasileiras. Nessa lista foram incluídos os Professores Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, José Arthur Gianotti, Bento Prado, Emília Viotti da Costa e Ada Natal Rodrigues. Ela retornaria à Faculdade com a decretação da anistia política, para se aposentar definitivamente pouco depois, desencantada com a escola que encontrou, muito diversa da de seu e do meu tempo.

A Heloisa e eu fomos alunos da Paula, como a chamávamos todos, lá na velha Faculdade da Rua Maria Antônia. Mantivemos contatos durante todos os anos que se seguiram à cassação, ela sempre firme nas suas inquietações nacionalistas, tema de vários dos artigos jornalísticos que escreveu nesse período. Esse fora e continuou sendo o tema de sua militância política, especialmente junto aos velhos militantes da campanha “O Petróleo é nosso”, que resultou na criação na Petrobrás por Getúlio Vargas.

Foi assistente do Professor Lourival Gomes Machado, a quem substituiu na Cadeira de Ciência Política quando ele assumiu o cargo de diretor da Unesco. Sua tese de doutorado foi sobre Teoria e Ação no Pensamento Abolicionista. Obteve duas livre-docências em Ciência Política, com a tese Contribuição à Teoria da Organização Política Brasileira e, mais adiante, com a tese sobre A Formação do Povo no Complexo Cafeeiro: aspectos políticos. Publicou os seguintes livros: Formação Política do Brasil (2 volumes), A Formação do Povo no Complexo Cafeeiro, O Pingo de Azeite: a instauração da ditadura, Companheiros de São Paulo: ontem e hoje; Pequenos Estudos de Ciência Política.

Paula fez parte de uma geração de mulheres que se tornaram as primeiras docentes da USP, em condições nem sempre fáceis porque adversas ao trabalho intelectual da mulher. Passou por uma grande decepção quando propôs o nome de Celso Furtado para examinador de uma de suas teses. Furtado era vorazmente lido pelos estudiosos e estudantes de ciências sociais na década de sessenta, por sua articulada interpretação da história do Brasil, particularmente no agitado ambiente intelectual da Rua Maria Antônia. Furtado aceitou o convite e na sessão pública de arguição da tese declarou que não a havia lido. Pediu à Paula que lhe fizesse um resumo oral do texto para que ele pudesse propor-lhe algumas questões. Na verdade, Furtado não se mostrou à altura nem da examinanda nem da instituição que o acolhia no que era para todos nós o soleníssimo salão nobre da Faculdade.

Paula foi notável pesquisadora. Conhecia a história do Brasil com grande erudição, não raro pela leitura direta de documentos. Desenvolveu um rico método próprio de reconstituição e explanação da história política e de compreensão de processo político. Aprendi muito com ela e sua metodologia de compreensão do presente no marco de uma história em curso. Suas aulas eram preciosidades de um artesanato intelectual fecundo, fundamentado e documentado, de pesquisadora minuciosa, que reconstituía os fatos até o sumo dos pequenos detalhes para descobrir neles as conexões de sentido que os remetiam para as grandes dimensões da história social e política, uma história ao mesmo tempo viva e significativa.

Novas ameaças

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Um esqueleto de R$36 bilhões ameaça a Previdência. O risco cresce pelos conflitos na base parlamentar, pelo medo do governo em relação à CPI da Petrobras, e esse clima antecipado de campanha eleitoral. A área econômica teme o esqueleto, mas o próprio PT é autor da proposta. Curioso é que a Fazenda aceita negociar o fim do fator previdenciário, que provocará outro esqueleto.

Vai sendo muito bem sucedida a articulação no Congresso para a derrubada do veto do presidente Lula a uma proposta de 2006 do senador Paulo Paim (PT-RS), que estende para todos os aposentados que ganham acima de um salário mínimo o mesmo aumento de 16,6% dado ao salário mínimo daquele ano. O presidente vetou essa proposta. Se o veto for derrubado, e ele deve ir a votação em breve, o governo terá de pagar retroativamente todo o reajuste. Assim nascem os esqueletos, nesta tendência brasileira incurável de tornar até o passado imprevisível.

Há outro esqueleto ainda pior que é o fim do fator previdenciário. O jornalista George Vidor, em coluna recente, chamou esse movimento como uma verdadeira "contrarreforma". A feliz expressão de Vidor era acompanhada da explicação: o país não fez uma reforma da Previdência decente, e o pouco que conseguiu está sendo derrubado no Congresso.

Pior é que a área econômica acha razoável e está negociando uma fórmula que derruba o fator previdenciário. A fórmula cria o fator 95 e 85. Explico: se a soma da idade da pessoa que pede aposentadoria com o tempo de serviço der 95 anos (se for homem), ou 85 anos (se for mulher), essa pessoa pode se aposentar pelo valor integral da média do que contribuiu nos últimos 36 meses. Exemplo: uma mulher com 55 anos e 30 anos de contribuição pode se aposentar pelo valor integral da média que contribuiu nesses últimos meses. Pelo fator previdenciário, ela receberia 75% do valor. Supondo-se que essa mulher fosse se aposentar hoje recebendo R$750 com o fator previdenciário; sem o fator ela passaria a receber R$1.000. Na prática, significaria um aumento de 37%.

Pode-se argumentar que é mais justo, já que ela contribuiu para receber R$1.000, e não R$750.

Mas o fator previdenciário é feito exatamente para incentivar a aposentadoria mais tarde. Se essa nova fórmula for aprovada, imediatamente será criado um passivo que virará no futuro um grande esqueleto. Todo mundo que se aposentou de 1995 para cá, com o fator previdenciário, vai reclamar na Justiça. Com toda razão. E qualquer leigo pode imaginar qual será a decisão do Judiciário. Afinal, será um tratamento discriminatório a quem se aposentou nos últimos 14 anos.

O custo do fim do fator previdenciário é pequeno num primeiro momento, mas, do ponto de vista demográfico, a tendência é ele ir aumentando ao longo dos anos. As pessoas vivem cada vez mais, as mulheres mais que os homens, no Brasil não há idade mínima de aposentadoria, a conta da Previdência já é 11% do PIB, e ainda tem muita gente fora do sistema que precisa ser incluída. O que acontecerá quando a população ficar mais velha?

Já o custo da derrubada do veto presidencial é imediato. Se o veto cair, instantaneamente cria-se uma despesa daquela ordem - R$36 bilhões - pelo efeito retroativo da medida a 2006. Uma reportagem sobre este assunto saiu aqui no GLOBO, ontem, contando que o governo argumentou, ao vetar, que a proposta era inconstitucional porque não dizia de onde viriam os recursos, e também era contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, por criar uma despesa continuada. Mas esses argumentos valem pouco diante de um Congresso que tenta salvar a própria pele, com medidas de apelo popular, para abafar os ruídos dos próprios escândalos.

É tendência universal que o Legislativo seja mais generoso em concessões onerosas ao Tesouro do que o próprio Executivo. Nada parece mais justo do que aumentar o ganho dos aposentados e ninguém quer falar nada contra isso. A oposição certamente não vai querer fazer esse trabalho de enfrentar o partido do governo para defender a manutenção de um veto presidencial a uma proposta de um senador do partido do governo.

Esta semana, ouvi do diretor de uma grande consultoria internacional - como escrevi na coluna de quarta-feira - que entre as várias vantagens do Brasil para crescer nos próximos 20, 30 anos, é que a população de idosos é pequena. Não quis contrariar o simpático consultor, mas o fato é que: apesar de ter uma população jovem, o Brasil tem um custo previdenciário de país com população idosa. Isso pelos erros cometidos até agora: aposentadorias precoces, regimes exageradamente generosos aos funcionários públicos, desigualdades dentro do sistema. Os aposentados do INSS são os que ganham proporcionalmente menos em média, mas como são a maioria dos aposentados, uma vinculação ao salário mínimo faria uma destas duas coisas: estouraria as contas da Previdência que já são deficitárias; impediria reajustes reais do salário mínimo.

É isso, no Brasil até o passado é incerto, e até o passado recente pode produzir esqueletos.

Collor e Dilma se aproximam

Ana Maria Campos
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Quase vinte anos depois do confronto eleitoral entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, ex-presidente é tratado como aliado pelo atual governo e mantém conversas com ministra

O ano era 1989. O programa de televisão do então candidato à Presidência da República Fernando Collor de Mello desestabilizou a campanha adversária ao exibir um depoimento da ex-namorada de Luiz Inácio Lula da Silva, Miriam Cordeiro, mãe de Lurian, a filha mais velha do petista. Considerado uma das maiores baixarias eleitorais, o pronunciamento denunciava uma proposta de aborto, nunca confirmada. Lula ficou tão abalado que foi ao último debate do segundo turno com Collor fragilizado a ponto de não ter resposta para a provocação de que teria um sofisticado aparelho de som importado.

Vinte anos depois, o hoje senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) é tratado como um aliado do governo Lula e também tem se comportado como integrante da base. Na última quarta-feira, durante apresentação do balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no Itamaraty, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, fez questão de prestigiar o petebista, presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, com um cumprimento especial. Ele retribuiu com um gesto de gentileza, abaixando a cabeça em sinal de reverência. Collor recebeu também um aperto de mão dos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo.

Esse foi o segundo encontro do ex-inimigo de Lula com Dilma em menos de um mês. Na semana passada, o ex-presidente da República esteve com a ministra numa reunião que durou mais de uma hora. O assunto era o depoimento da petista marcado por Collor na Comissão de Infraestrutura para discutir as obras do PAC. Ele prometeu uma “análise construtiva” do programa que é a menina dos olhos da ministra. “Ele (Collor) é um aliado do governo”, garante o líder do PTB no Senado, Gim Argello (DF). “Foi indicado para integrar a CPI da Petrobras porque entende a responsabilidade que temos de preservar a empresa”, acrescenta o petebista. O líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO), considera a aproximação natural. “O PTB é aliado do governo Lula na Câmara e no Senado. A postura do ex-presidente Collor é harmônica com a postura do partido”, analisa Jovair.

Entre petebistas, não se descarta até mesmo uma candidatura de Collor à Presidência da República. O senador petebista também cogita disputar o governo de Alagoas, mas, como tem mandato assegurado no Senado até 2015, poderia se aventurar numa nova experiência nacional. A avaliação entre petebistas é de que Collor poderia atrapalhar a performance do tucano José Serra em São Paulo e, indiretamente, ajudar Dilma. No estado onde o tucano tem mais força política, Collor teve votação expressiva. Em 1989, derrotou Lula na principal base eleitoral petista. Isso, no entanto, aconteceu antes das denúncias que marcaram seu governo e levaram ao impeachment em 1992.

MemóriaDerrocada em 1992

Três petistas tiveram papel fundamental na CPI do PC Farias que resultou numa onda de escândalos até a derrocada do então presidente da República, em 1992. José Dirceu, Aloizio Mercadante e Eduardo Suplicy foram destaque na investigação sobre o esquema de tráfico de influência, caixa 2 e corrupção montado no governo do presidente Fernando Collor de Mello.

O relatório final da CPI apontou a existência de uma série de contas fantasmas usadas para transferência de recursos arrecadados com pagamento de propina e desvio dos cofres públicos para as contas da secretária de Collor, Ana Accioly. Segundo a investigação, o dinheiro era usado para bancar as despesas da Casa da Dinda, a residência oficial, e da primeira-dama, Rosane Collor. Essas denúncias motivaram a população a sair às ruas com o rosto pintado para pedir a saída do presidente da República. Foi um movimento, que teve expressivo apoio de integrantes do PT, e tomou o país com palavras de ordem como “Fora Collor” e “Impeachment Já”.

Em setembro de 1992, a Câmara dos Deputados aprovou por 441 votos favoráveis, 38 contrários, 23 ausências e uma abstenção, a abertura de processo de impeachment contra Collor. Ele foi afastado da Presidência. Em dezembro, Collor renunciou ao mandato. Mesmo assim, teve os direitos políticos suspensos por oito anos. Em 2000, ele ainda tentou concorrer à prefeitura de São Paulo, mas a Justiça Eleitoral negou o registro de sua candidatura. (AMC)

Contra o 3º mandato

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a dizer ontem que não apoia a proposta de criação do terceiro mandato. “Não preciso mudar de opinião (sobre o terceiro mandato) porque tenho uma posição definitiva. Acho que o Brasil tem pouco tempo de democracia e alternância de poder é importante. E eu já fui presidente por oito anos”, disse ele, após participar de cerimônia de comemoração do Dia Mundial do Meio Ambiente em Caravelas, na Bahia.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, também reafirmou ontem ser contrário à adoção de um terceiro mandato para o cargo de presidente da República. “Isso dificilmente se compatibiliza com o princípio democrático e republicano”, comentou.

A proposta de emenda à Constituição que prevê o terceiro mandato foi reapresentada na quinta-feira à noite pelo deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), com 182 assinaturas, sendo que seis foram retiradas até a meia-noite. Com a confirmação de 176 assinaturas, cinco a mais do que o mínimo necessário (171), a proposta começa a tramitar na Câmara. Será encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania que analisará sua admissibilidade.

O líder do DEM na Câmara, deputado Ronaldo Caiado (GO), não aceitou a decisão do presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), de permitir a reciclagem de assinaturas e recorreu à CCJ. Na quinta-feira, em plenário, Temer indeferiu o pedido de Caiado para arquivar a primeira proposta de emenda constitucional encaminhada pelo deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), alegando que ela havia sido rejeitada por insuficiência de assinaturas. Temer respondeu que é comum o deputado poder colher novamente assinaturas.

Oposição reage à emenda que permite o 3º mandato a Lula

Catia Seabra e Maria Clara Cabral
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tucanos temem que discussão congele a montagem de palanques para 2010

Serra e Aécio minimizam o fato de a proposta ter sido protocolada; o presidente do PSDB, porém, afirma não ver "geração espontânea"

A oposição reagiu ontem à a apresentação de PEC (proposta de emenda constitucional) que possibilitaria um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.Dentro do PSDB, a reação teve tons distintos. Os dois principais nomes do partido para a eleição do ano que vem minimizaram o fato de a proposta ter sido protocolada, mas o presidente do partido, não.

"É uma questão fora do lugar e que não vai prosperar. Não é uma questão principal", afirmou o governador de São Paulo, José Serra, hoje o líder nas pesquisas para suceder Lula.Ele estava ao lado do governador mineiro, Aécio Neves, em evento do PSDB no Paraná. "Não há tempo hábil nem mobilização política efetiva, séria, do governo. Não é algo que deva nos preocupar", disse Aécio.

Com a reação de seus pré-candidatos, o PSDB tenta neutralizar o impacto da notícia entre potenciais aliados.

Mas o presidente do partido, Sergio Guerra (PE), disse crer que essa seja a estratégia do PT. Se frustrada a candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), "a alternativa não é Palocci nem Patrus Ananias, mas o golpe do terceiro mandato". "Isso está sendo desenvolvido. Não é geração espontânea."

A PEC do deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) começou a tramitar ontem, depois de ser apresentada pela segunda vez. Na semana passada, ele já havia protocolado o mesmo texto, devolvido depois que vários deputados tiraram as assinaturas.

O peemedebista aproveitou as assinaturas dos deputados que não desistiram da ideia e conseguiu novas. Ele reapresentou a PEC anteontem com 176 nomes (o mínimo são 171).

No PSDB, o medo é que a possibilidade de Lula concorrer novamente congele a montagem de palanques com tucanos. Para o presidente nacional do DEM, Rodrigo Maia (RJ), o governo tenta reverter o cenário nebuloso provocado pelo anúncio da doença de Dilma.

Antes sob tensão, os aliados de Lula ficam atraídos pela ideia de um terceiro mandato. Já o presidente do PPS, Roberto Freire (PE), disse não acreditar que a medida tenha inspiração de Lula. Mas afirmou: "Ovo de serpente é bom matar antes que a serpente nasça".

Em Brasília, o líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO), entrou com recurso para que a PEC seja arquivada. Ele alega que o deputado não poderia reapresentar assinaturas colhidas na primeira PEC.

O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e a área jurídica entendem que o regimento garante ao deputado a possibilidade de reaproveitar as assinaturas do primeiro texto. Por isso, o recurso do DEM não deve ser acatado.

A proposta prevê um referendo, no segundo domingo de setembro de 2009, para ouvir a população sobre o terceiro mandato para governadores, prefeitos e presidentes.

Reunidos em Foz do Iguaçu (PR) para um seminário sobre o agronegócio, a oposição manifestou apreensão quanto à indefinição do candidato e quanto à desmobilização para a campanha.

Dividido sobre qual o nome ideal -Aécio e Serra- o DEM lamenta que os três partidos não tenham um discurso mais enfático de oposição.

Ao discursar ontem, Serra fez duras críticas ao governo federal. Sobre o agronegócio, afirmou: "Não é chamando produtor de vigarista que chegamos à paz no campo. Isso é falta de proposta para o setor".

Antes do discurso, Serra disse que a movimentação do adversário não deve ditar o ritmo do PSDB. Para ele, não ganha a eleição aquele "que sai na frente". "Graças a Deus, campanha não é gincana."

O Supremo e a política

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Os embates públicos entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, e o ministro Joaquim Barbosa, que ainda esta semana tiveram repercussões políticas, podem significar a introdução da ideologia nos trabalhos do Supremo, da mesma maneira que a escolha de um ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos traz sempre consigo traços claros da tendência política do governo da vez, como na recente escolha de Sonia Sotomayor, descendente de hispânicos, pelo presidente Barack Obama?

Um grupo de ativistas de um movimento denominado "Saia às Ruas" - criado depois que o ministro Joaquim Barbosa, em uma discussão com Gilmar Mendes no plenário do STF, afirmou que ele deveria ir às ruas para ouvir a opinião pública -, vaiou o presidente do STF que, momentos antes, havia dito em audiência numa comissão no Congresso que os juízes não podem julgar de acordo com os apelos da opinião pública.

Diego Werneck Arguelhes professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, acha que "não existe mais inocência possível" nos EUA quanto à ligação entre indicações para a Suprema Corte e o projeto político do governo.

"Indicar um ministro para a Suprema Corte é percebido por todos os atores políticos e acadêmicos relevantes como uma forma alternativa de empurrar, mais ou menos gradualmente, o direito constitucional do país em um sentido desejado - ou preservar certos entendimentos constitucionais como estão, protegendo-os de possíveis mudanças".

No Brasil, não é tão direta essa relação, a ponto de um presidente tido como de esquerda como Lula ter nomeado para o Supremo um conservador católico como o ministro Carlos Alberto Direito e um autoproclamado marxista como Eros Grau.

A tese de doutorado de Tatiana de Pino Albuquerque Maranhão, da Universidade de Brasília, que analisa as decisões e os votos dos ministros do STF em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) entre 1988 e 2001, que tinham como um dos requeridos o presidente da República, demonstra que o Supremo manteve na imensa maioria dos casos as decisões das quais o Executivo participou, inclusive planos econômicos.

O jurista Joaquim Falcão, membro do Conselho Nacional de Justiça e diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, ressalta que, como a autora observa, a comparação com os Estados Unidos não é simples. Lá, em sistema bipartidário, é mais fácil tentar medir a correlação entre orientação político-partidária do ministro, do presidente que o nomeou, e seus votos na Corte.

"De fato, no Brasil, com suas alianças políticas móveis e multipartidárias, o desafio é maior. Talvez o mais plausível seja procurar por alinhamento jurídico-político, e não simplesmente partidário, dos ministros do STF", avalia Falcão.

O professor Diego Werneck Arguelhes não vê maiores significados na disputa entre Mendes e Barbosa além de dificuldades de relacionamento entre os dois, mas diz que há uma pressão da política sobre o Supremo, "que se torna simultaneamente mais demandado e mais poderoso a cada dia, e é igualmente certo que isso vai exercer uma pressão sobre a maneira como a instituição percebe sua identidade e se apresenta para a sociedade. Quanto mais importante, maior a atenção e o interesse dos atores políticos no STF".

Na verdade, no momento atual, diz ele, está particularmente difícil saber o que é conjuntura e o que é tendência. Ele está começando a escrever um artigo sobre as transformações na presidência do STF, analisando as presidências de Gilmar Mendes e Nelson Jobim, "pontos fora da curva em termos do papel que geralmente se atribuía à presidência do STF".

Tradicionalmente, segundo o professor Diego Arguelhes, a presidência do Supremo era relevante, com algum poder para definir a pauta do tribunal, mas não era uma posição a partir do qual o ocupante pudesse forçar suas visões sobre seus pares.

As presidências de Jobim e Mendes representaram estilos muito mais agressivos e dinâmicos de conceber o papel institucional dessa posição. "A tendência do STF é de se tornar mais visível e mais importante, mas essa é necessariamente a tendência da presidência?", pergunta Arguelhes.

Para ele, nesse momento, é difícil saber se estamos diante de uma tendência que vai deixar marcas institucionais mais profundas e levar a outros desdobramentos na mesma direção, ou se é simplesmente um momento excepcional, um "desvio" provocado por características/projetos pessoais de Jobim e Mendes.

Também a tese de doutorado de Fabiana Luci de Oliveira, da Universidade Federal de São Carlos, sobre o Supremo e o controle da constitucionalidade das leis no Brasil de 1988 a 2003, demonstra a tendência de o STF concordar com as políticas do governo federal.

Segundo a autora, o Supremo tem declarado que "as políticas públicas e as ações do governo federal estão em conformidade com a Constituição". Muitos ministros do STF têm levado em conta os limites concretos existentes para a realização dos direitos sociais fundamentais e de alguns preceitos constitucionais.

A impossibilidade de extensão e aplicação desses direitos, devido à ausência de capacidade estrutural do Estado para arcar com as consequências, tem sido levada em conta pelos ministros, ressalta Luci de Oliveira.

Por outro lado, a autora registra que "o relacionamento direto entre direito e política se intensificou depois da Constituição de 1988, que ampliou o espaço para a atuação política do Tribunal".

Para legitimar sua atuação política, os ministros do STF se apoiam no profissionalismo, e por isso há grande consenso nas decisões do Supremo: mais de 80% das ações tiveram resultado unânime.

Com isso, produz-se a estabilidade, elemento essencial na promoção do cumprimento da "letra da lei". (Amanhã: a escolha da hispânica Sonia Sotomayor para a Suprema Corte dos EUA)

Lula e o PT em caminhos cruzados

Coisas da Política - Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Em política, a desculpa da coincidência geralmente esconde o arrependimento da atitude estabanada ou a tentativa de dissimular a crise miúda dos interesses. Agora, por exemplo, é curiosa a birra do PT com o presidente Lula, o notório dono da legenda que sem ele não existiria e talvez nem sobreviva. Mas não é por simples acaso que o PT entrou com 32 assinaturas de deputados na jogada patrocinada pelos insaciáveis aliados do PMDB para ressuscitar a proposta de emenda constitucional que escancara a porteira do terceiro mandato consecutivo para o presidente da República, governadores e prefeitos. O seu autor é o mesmo deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) que insiste em reabrir a brecha para escapar do esconderijo do anonimato.

E deve estar mergulhado numa banheira morna e com água cheirosa. Merece: a primeira emenda morreu na praia com a retirada de assinaturas de arrependidos e cautos. O autor voltou à colheita dos jamegões de deputados e chegou a 182, 11 a mais das 171 necessárias.

O repeteco não parece ter fôlego para ir longe. É mais uma cutucada no presidente para adverti-lo da necessidade de atender aos pedidos dos aliados, que só pensam na reeleição para garantir mais quatro anos de um dos melhores empregos do mundo.

Certamente o presidente não recuará, sob pena de liquidar com a sua credibilidade. No seu penúltimo giro pelo mundo e na última excursão pela América Latina, aproveitou uma entrevista a um grupo de repórteres para reiterar, em termos que não admitem recuo, que "não é, nem será candidato a um terceiro mandato". E lembrou a sua enfática declaração que correu o país que "não se brinca com a democracia". Na gangorra da calamidade que assola o Norte, Nordeste e o Sul das enchentes que inundam municípios, com milhares de desabrigados que só saltaram a vida e perderam tudo mais, inclusive parentes e a sua consolidada popularidade internacional, a insolência de petistas já recebeu a resposta indireta.

Mostrando que manda quem pode, Lula comunicou ao presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP) que não vai liberar o seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, para presidir o partido a partir de novembro. E, na mesma toada, indicou o ex-senador sergipano José Eduardo Dutra para substituir o atual presidente, que não pode mais ser reeleito. A decisão deve ser referendada neste fim de semana, em São Paulo, no seminário da corrente com o tonitruante nome de Construindo um Novo Brasil.

Com o PT não há mais nada a fazer: ordens dadas e obedecidas.

Não se deve esperar maiores danos, além de alguns arranhões, com a crise que o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, vinha cultivando com a bancada ruralista e demais interessados no desmatamento para a formação de pastos para a criação de gado. Lula teve uma conversa dura com o ministro Carlos Minc, mas decidiu mantê-lo no cargo, devidamente enquadrado, sem recuar das suas posições. É briga que rola há dezenas de anos e que continuará enquanto tiver uma moita de capim na região amazônica. Lula assinou o manifesto do movimento Amazônia para Sempre, encabeçado pelos atores Vitor Fasano e Christinane Torloni, que defende o fim do desmatamento na imensa região. E ficou bem com os dois lados.

A ministra Dilma Rousseff, candidata escolhida e lançada por Lula para substituí-lo nas eleições de 5 de outubro de 2010, embora em posição consolidada, foi mais a ser beneficiada pelo enquadramento do PT. A candidata está na metade das sessões de quimioterapia para a cura do câncer linfático, detectado a tempo. Esta semana submeteu-se à terceira sessão de fisioterapia. E em meio ao tratamento com 90% de probabilidade de cura, os novos rebeldes mansos do PT cometeram a indelicadeza de ressuscitar a especulação sobre o terceiro mandato de Lula.

A desenganada reforma política é que parece não ter salvação. O que é a melhor das saídas no momento, pois é evidente que o pior Congresso de todos os tempos não tem autoridade para uma reforma para valer, que começasse por acabar com as mordomias escandalosas, com as vantagens, muambas e mutretas que a cada reforma encontram saídas para driblar os cortes e a mágica para transformá-los em novas regalias.

Transferida para este mês, a esquálida reforma deve ficar reduzida a miudezas, ficando o financiamento público das campanhas e a extravagante votação em lista para outra oportunidade. No dia de são nunca.

Serra e Aécio pregam união, mas descartam chapa pura

Eduardo Kattah
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Governadores trocam elogios em evento e negam tensão no PSDB

Os dois pré-candidatos tucanos à Presidência, governadores Aécio Neves (MG) e José Serra (SP), asseguraram ontem que estarão juntos na eleição de 2010, mas descartaram a possibilidade de o PSDB disputar a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com uma chapa puro-sangue. "Nossa proximidade não está restrita à responsabilidade partidária, por sermos do mesmo partido. Temos muitas afinidades pessoais e uma visão de País muito parecida", disse Aécio.

O mineiro usou uma expressão do turfe para reforçar a mensagem. "A nossa unidade, estarmos Serra e eu juntos em 2010 é ?pule de dez?", afirmou, referindo-se à designação de que a aposta em determinado cavalo é uma verdadeira barbada.

Serra afagou Aécio rejeitando a tese de formação de uma chapa puro-sangue tucana. "Não tem nenhum cabimento discutir que um vai ser vice do outro", afirmou o paulista, destacando que ele e o mineiro têm todas as condições de ser candidatos à Presidência. "Nunca nós dois conversamos sobre essa hipótese."

Os tucanos assinaram um protocolo de intenções para acordos que visam a minimizar a sonegação do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) nos dois Estados. Foi o primeiro encontro após Aécio reconhecer publicamente que Serra tem maior probabilidade de vencer as eleições, mas ponderar depois que essa é apenas uma avaliação momentânea do quadro.

O paulista ressaltou que entre ele e o mineiro "não há tensão nenhuma". "Olha aqui", disse, abraçando o governador de Minas durante a entrevista. "Não vou dar um beijo no rosto do Aécio porque não dá para documentar essas coisas", brincou. O mineiro entrou no clima e continuou a brincadeira. "Isso não vai te ajudar nas pesquisas."

Aliados de Aécio afirmam que a relação entre os governadores e pré-candidatos tucanos melhorou bastante a partir do momento em que eles passaram a se reunir reservadamente e expuseram claramente suas pretensões eleitorais.

ESCOLA

As juras de unidade também avançaram para o campo administrativo. Em seu discurso no Palácio da Liberdade, Serra disse que já copiou ações do governo mineiro, como o modelo de nomeação de cargos de confiança para algumas áreas. "Hoje Minas é uma escola de quadros para a administração pública brasileira", disse. "Isso sem dúvida tem tido uma importância enorme no papel crescente que o Estado tem assumido no desenvolvimento nacional."

O governador paulista ressaltou também que independentemente de quem seja o candidato do PSDB, bandeiras históricas do partido serão mantidas. "Se o Aécio vier a ser presidente, se eu viesse, por acaso, eu não tenho dúvida nenhuma que teremos rumos semelhantes em relação às questões de política fiscal e de responsabilidade fiscal, o que, aliás, eu devo dizer sem qualquer modéstia, é um patrimônio do PSDB."

Mais tarde, em Foz do Iguaçu, onde participaram de um encontro regional do PSDB, os dois tucanos rechaçaram os pedidos para que definam rapidamente o nome que vai enfrentar a provável candidata do PT à Presidência - a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que tem percorrido várias regiões do País ao lado de Lula. "Campanha eleitoral não é gincana, graças a Deus", comentou Serra.

Segundo ele, por estarem à frente de dois Estados que representam 43% do PIB brasileiro e concentram um terço da população, contribuindo com metade da arrecadação federal, "não tem cabimento" deixar de governar para fazer campanha. "Isso (o processo sucessório) foi exageradamente antecipado", destacou. "Estamos em maio (sic) do ano anterior à eleição. O Brasil tem muitos problemas para ser enfrentados."

ESTRATÉGIA

Para Aécio, o PSDB não deve moldar sua estratégia a partir do que é definido pelos adversários. Segundo ele, seminários como o feito ontem em Foz do Iguaçu, em que foram discutidos a agricultura e o agronegócio, são fundamentais agora. "O mais importante é o PSDB construir sua proposta e, no momento certo, que certamente não será antes do fim do ano, teremos um candidato com densidade, com apoio das bases, com aliança sólida em torno de um nome e com projeto para o País", afirmou. "Assino embaixo", completou Serra.

O governador de Minas considerou natural o crescimento da pré-candidatura de Dilma. "E acho que crescerá um pouco mais", acrescentou. "Está ainda abaixo do patamar natural de uma candidatura do PT com apoio do presidente Lula." Ele ressaltou, no entanto, que o fato de o PSDB não ter anunciado o candidato não significa uma redução das possibilidades de vencer a disputa. "Nós estamos no caminho certo e vamos chegar no ano que vem com um candidato consolidado nas bases do partido, com belíssimo projeto para o pós-lulismo", disse.

Entre os partidos que devem caminhar junto com o PSDB na campanha de 2010, o presidente do PPS, Roberto Freire, defendeu a antecipação do lançamento do nome do candidato. "Independentemente de participar de campanha, que é o que a Dilma vem fazendo, se vier a anunciar, o partido terá uma coesão, pode se mobilizar em torno da candidatura", argumentou. Pensamento diferente do presidente do DEM, Rodrigo Maia, que também participou do evento do PSDB. "O tempo ideal é da nossa unidade, pois a unidade vai gerar nossa vitória", afirmou.

Tanto Serra quanto Aécio minimizaram a importância da proposta de emenda constitucional do deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), que pretende abrir possibilidade de um terceiro mandato para Lula. "É questão fora de lugar, não vai prosperar", afirmou o governador de São Paulo. "Não há tempo hábil nem mobilização política efetiva em direção a isso", reforçou o mineiro.

ATENTADO À DEMOCRACIA

EDITORIAL
DEU NO ESTADO DE MINAS


Lula diz uma coisa, aliados fazem outra. Quem diz a verdade?

O eleitor brasileiro, quase sempre o último a ser lembrado pelos representantes que envia a Brasília, acaba de ganhar um novo motivo para acreditar um pouco menos em quem elegeu. Contrariando o que tem dito o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já está em tramitação na Câmara dos Deputados uma proposta de emenda constitucional (PEC) que permite mais uma reeleição aos atuais prefeitos, governadores e, é claro, ao presidente. A emenda foi apresentada pelo deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), com 176 assinaturas, cinco a mais do que as 171 necessárias. E ocorreu só 48 horas depois de o presidente garantir mais uma vez: “Eu não brinco com a democracia. Foi muito difícil a gente conquistá-la; o que vale para mim, vale para os outros. Alguém que quer o terceiro mandato, pode querer o quarto, pode querer o quinto, o sexto”, disse ele. A PEC foi encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que, se aceitar sua constitucionalidade, abre o caminho para a matéria ser discutida e votada em comissão especial. Para produzir efeitos já na eleição de 2010, a PEC precisa ser votada duas vezes pelos deputados e igual número vezes pelos senadores até setembro deste ano.

Não será fácil. Mas, a facilidade com que o autor da emenda colheu as assinaturas sugere que é maior do que se pensa o número de políticos dispostos a quase tudo para continuar vivendo na sombra do poder e no conforto das benesses oficiais. Então, em que vai acreditar o eleitor, se o presidente diz que desautoriza a iniciativa, se chega mesmo a condená-la como prática antidemocrática e, logo em seguida, nada menos do que 176 deputados da base aliada – 53 do PMDB e 32 do PT, além representantes de todos os demais partidos que apoiam o governo – fazem exatamente o contrário? No mínimo, parecerá mais prudente quem pôr em dúvida a seriedade de todos, que, inebriados pelos índices de popularidade de Lula, tramam golpe político rasteiro para correr menos risco nas urnas. Afinal, seria mais seguro concorrer com o nome de quem já tem a consagração popular do que com qualquer outro candidato que, na melhor das hipóteses, iniciaria a campanha em igualdade de condições com a opositores mais conhecidos.

Mas, será democrático? Conforme o próprio Lula, não. “A alternância de poder é fundamental para a democracia”, disse ele, ao negar mais uma vez seu interesse no terceiro mandato consecutivo. Pelo menos no discurso, Lula está certo. O Brasil já alterou a regra uma vez para permitir a reeleição, instituto do qual o próprio presidente já se beneficiou. Se o Brasil de Lula ganhou o respeito do mundo econômico por honrar contratos e por manter, sem surpresas nem mágicas, as bases da política monetária e cambial, não terá nada a ganhar se quebrar uma regra tão cara no campo institucional. A apresentação da PEC do terceiro mandato só comprova que, depois do anúncio de que a pré-candidata oficial, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, enfrenta um câncer linfático, a movimentação dos golpistas tinha aumentado. Que Lula mande abortar mais esse atentado. A ministra Dilma e a democracia não merecem esse desrespeito.

Lula elogia referendo, mas nega 3º mandato

Tiago Décimo e Clarissa Oliveira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Presidente diz achar engraçado nervosismo da oposição

Em visita a Caravelas, no extremo sul baiano, onde comemorou o Dia Mundial do Meio Ambiente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a descartar a possibilidade de disputar um terceiro mandato em 2010 e disse que vai se reunir com a base aliada para que a discussão seja tirada do debate político. "Não vejo sentido em que as pessoas fiquem discutindo o terceiro mandato. Eu já cumpri meu papel", disse. "Acho que o Brasil é um País que tem pouco tempo de democracia. A alternância de poder é muito importante."

O presidente, entretanto, destacou que as discussões no Congresso não estariam centradas na aprovação de um terceiro mandato para ele, mas na proposição da "realização de um referendo popular" sobre a possibilidade de extensão de um governo para mais de dois mandatos.

"Acho engraçado o nervosismo da oposição com a hipótese", comentou. "As pessoas podem derrubar o referendo na hora que quiserem, mas não é uma discussão que me diga respeito." Apesar de se dizer longe da disputa pelo terceiro mandato, o presidente pediu, em seu discurso - iniciado com um minuto de silêncio em homenagem aos mortos no voo AF-447 da Air France - que "tomem cuidado" com a proximidade do ano eleitoral. "Agora, vocês vão ver as pessoas começarem a aparecer na TV como salvadores da pátria", disse. "Vocês viram o que fizeram comigo em 2005 (uma alusão ao escândalo do mensalão), mas nós demos a resposta em 2006. O que incomoda meus adversários é eles saberem que, embora eu governe para todo o povo brasileiro, eu tenho lado, é o lado do povo trabalhador, do povo mais pobre do Brasil e isso incomoda profundamente eles."

Lula aproveitou a oportunidade para listar as realizações de seu governo, sobretudo na educação, e disse que ainda há muito a ser feito até 2010. "Vamos levar uma geração e meia, de 20 a 25 anos, para consertar os estragos feitos em cinco séculos neste país."

NEGATIVAS


Os petistas correram ontem para negar a intenção do partido de endossar a emenda que viabiliza um terceiro mandato de Lula. Reunidos em São Paulo, membros do grupo de apoio ao presidente no PT voltaram a investir na tese de que o Planalto e a legenda já deixaram clara sua posição. "Está descartado. Vamos repetir mais uma vez. Não é a vontade do presidente Lula ou do grupo majoritário do partido", afirmou o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho. "Para nós está bem claro. O terceiro mandato chama-se Dilma Rousseff."

Dizendo não ser favorável sequer a um terceiro mandato na presidência nacional do PT, o presidente do partido, deputado Ricardo Berzoini (SP), disse que o PT prefere investir na consolidação do projeto de governo do presidente Lula, em vez de incentivar sua permanência no poder. "Isso só serve para fazer espuma", afirmou. "O PT não defende essa proposta e acha que é muito mais politizador defender a continuidade do projeto e não do líder político."

Líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP) afirmou que pretende reunir a bancada para que vote contra o projeto. "O PT não tem intenção nenhuma de mudar as regras do jogo com o jogo em andamento."

Fantasmas ao meio-dia

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Perfeitamente incorporado à paisagem praiana do Rio, o ministro Carlos Minc causa espécie no ambiente do planalto. Não é o primeiro nem será o último personagem que aparece na capital da República imbuído da convicção de que, sendo peculiar, fará a diferença.

De vez em quando aparece um. Chama atenção, prende todos os interesses, divide opiniões, junta sempre muita gente, é assunto por um tempo, até que começa a pecar pelo exagero e entra na mira da máquina de moer boas imagens.

Carlos Minc está nesse ponto, pronto para a inflexão.

No momento, o menor dos problemas do ministro do Meio Ambiente é a possibilidade de uma demissão. Desse mal não morre enquanto atender à necessidade do governo no tocante à concessão de licenças ambientais para as obras do PAC.

Esse risco também não corre enquanto mantiver acesa a chama da briga com os grandes produtores rurais. Coisa recente, segundo parlamentares na bancada que tiveram com Minc conversas "normais e cordiais" no ano passado.

Ao construir essa dicotomia o ministro dificultou qualquer ação contra ele, pois o menor gesto seria visto como vitória dos "latifundiários".

Fica o presidente Luiz Inácio da Silva de mãos amarradas. Daí a segurança de Minc ao informar sua permanência "até o fim do governo", antes mesmo da conversa formal marcada com o presidente para tratar da "algazarra" durante a ausência dele.

Daí a retomada do ataque, em tom de deboche, sobre o desejo da bancada ruralista de cortar o "pescocinho do Carlinhos".

Quanto mais tensão se mantiver entre ele e um grupo que não priva mesmo de boa fama, mais seguro fica no cargo, mais constrangimento as ONGs que reclamam da política ambiental do governo têm de ligar a queixa à pessoa de Carlos Minc, mais heroica parecerá sua posição, com mais consagração poderá sonhar na próxima eleição.

Enquanto se assiste ao conflito vazio, não se questiona a eficácia do ministro na administração das questões substantivas relativas ao ministério nem se contesta sua capacidade de acomodar interesses e avançar naquilo que lhe concerne: o manejo racional dos recursos do meio ambiente.

Mas, pelo jeito, Minc já percebeu que essa briga sempre esteve perdida. Ao governo importa pouquíssimo o destino do ambiente. Não é um tema que sensibilize a massa do eleitorado nem é algo que possa fazer frente a um robusto calendário de obras em cima de um palanque.

Se não quiser macular sua bem-sucedida trajetória de político e ambientalista, se não quiser sair por aí com a pecha de carimbador de licenças ambientais, Minc parece convencido de que terá de combater algum dragão da maldade para, no contraponto, ficar no papel de santo guerreiro.

Nada contra, é do jogo atuar para deleite da arquibancada. Apenas é preciso levar em conta aquele velho lema segundo o qual a esperteza, quando é muita, vira bicho e engole o dono.

Até agora, a estratégica de Carlos Minc tem dado certo. Mas a falta de sutileza, o imperativo de marcar com tintas muito fortes sua posição, pode levar ao efeito contrário.

Tudo o que é demais, até o factoide, enjoa. E o ministro não tem sido muito hábil na calibragem do estilo carnavalesco, seu maior e mais poderoso inimigo. Muito mais que qualquer integrante da bancada ruralista.

Por ora, ainda há ali alguma intimidação, uma vez que no terreno dos simbolismos Minc é do "bem" e os produtores rurais são do "mal". Ninguém em sã consciência quer briga com quem, em tese, é soldado do bom combate.

Mas, quando a insistência é muita, o público desconfia. Ele teria se saído razoavelmente bem da mais recente ofensiva - ou "algazarra" no dizer do presidente Lula - se tivesse parado no pedido de desculpas aos ruralistas por tê-los chamado de "vigaristas".

Mas, não, resolveu insistir. Jactou-se da sustentação recebida para permanecer no cargo e, contrariando a promessa de ser mais cauteloso com as palavras, deu-se à imprudência de recrudescer. E aí já em termos de pura provocação, o que levanta nos eleitos como inimigos a forte suspeita de que ao reagir apenas batem palmas para o ministro dançar.

Minc sabe perfeitamente bem que o objetivo da "turminha" não é exibir como troféu o "pescocinho" nem a "picanha do Carlinhos". Sabe que a agricultura no Brasil não é um valhacouto de vândalos interessados em transformar "nossos biomas em latifúndios, em monocultura".

Sabe que o choque real de concepções se dá no governo. As derrotas de que reclama foram todas impostas dentro e não fora do governo. Portanto, Minc está fazendo, e de maneira consciente, uma guerra com fantasmas sob o sol do meio-dia, na impossibilidade de lutar contra os reais adversários, pelos motivos e com as armas certas.

Tenta ganhar a chamada guerra da comunicação, área de sua notória especialidade.

Esquecido, porém, de que só existe um personagem na posse do salvo-conduto para exorbitar do verbo impunemente e o nome dele não é Carlos Minc.

Corte Suprema e autoritarismo

Cesar Maia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


NA AMÉRICA Latina, o populismo autoritário sempre começa pela destituição da Corte Suprema. Assim foi com Fujimori e com Chávez. Morales, na Bolívia, ainda não conseguiu. No Equador a Corte Suprema desapareceu nas quedas sequenciais de governos. Voltou antes de Correa.

Este ruge, tentando acuar e constranger os ministros.

Menem, no auge da popularidade, através de pressões irresistíveis, construiu uma maioria artificial em sua Corte Suprema. Ortega -Nicarágua-, em conluio com a direita corrupta de Arnoldo Aleman, refez a Corte, compartilhando-a. Com isso foram aprovados acordos para a mudança da legislação eleitoral, e como compensação arquivado o processo contra o "coordenador" de Aleman.

No Brasil o fenômeno é distinto.

A ampla mudança no STF ocorre por força das circunstâncias -a idade- e -na margem- por estímulo. Hoje, dos 11 ministros do STF, sete foram nomeados por Lula. Sarney nomeou um, Collor, um, Fernando Henrique, dois. A renúncia do presidente do STF, depois ministro de Lula, é o que se chama de "estimulado na margem". Da mesma forma, no governo Collor, um ministro do STF, Francisco Resek, renunciou para ser seu ministro e depois foi designado para a Corte de Haia.

Recentemente a ministra Ellen Gracie foi indicada por Lula para a OMC -Organização Mundial do Comércio- e, apesar de seus claros méritos, não foi escolhida. Se fosse, Lula teria chegado a seu oitavo ministro no STF. A delicada situação de saúde do ministro Direito poderá levar Lula a indicar seu oitavo ministro do STF, que seria o nono sem o percalço na OMC.

Olhando a história da República, só em regimes autoritários -não constitucionais ou em estado de sítio- se ultrapassou a marca de Lula. Deodoro nomeou 15, Floriano Peixoto nomeou 15, Getúlio nomeou 21, Castello Branco nomeou 8, Figueiredo nomeou 9. Pode-se dizer que Lula não provocou essa situação, mesmo incluindo os "estímulos". No entanto, apesar das coincidências, estas devem ser vistas com a melhor atenção, de forma que todos os ministros tenham amplo apoio público, para o exercício de suas autonomias, lastreadas pela garantia constitucional de permanência, até os 70 anos.

A exposição do STF, como nos casos da troca de bilhetes pela internet e, mais recentemente, pelo bate-boca, não ajuda a desestimular Lula a querer contar com o STF para alguma extravagância quase-autoritária, sul-americana, por achar que pode tentar, pela maioria ter sido de sua escolha.

O Fura-Fila de Dilma

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Enganado por FHC na aprovação da emenda da reeleição, Paulo Maluf ficou sem opções em 1996. Queria mais um mandato de prefeito em São Paulo, mas o tucanato cronometrou o casuísmo para 1998, quando só serviria ao presidente e a governadores.

Maluf então inventou Celso Pitta para sucedê-lo. Era um de seus secretários mais vistosos. Negro, não era político e foi vendido como honesto e bom administrador -esse último suposto predicado acabou desmoronando na prática.

Pitta saiu quase do zero nas pesquisas. Na campanha, exibia dois ativos. O prestígio de seu chefe, Paulo Maluf, e à época sofisticada propaganda eletrônica maquinada por Duda Mendonça. Uma imagem computadorizada fazia deslizar sobre trilhos suspensos, em São Paulo, o Fura-Fila. O simpático trenzinho acabaria com a agonia dos paulistanos. Nunca deu certo, mas o malufismo elegeu um sucessor.

Nesta semana, Dilma Rousseff fez uma apresentação sobre o PAC, as obras de infraestrutura do governo Lula. Uma delas é o trem-bala entre São Paulo e Rio. A ministra, pré-candidata a presidente, mostrou um filminho com uma linha percorrendo o trecho entre as duas maiores capitais do país.

A apresentação de Dilma foi tão virtual como a de Pitta, em 1996.

Não por coincidência, o publicitário inoculando ideias e estratégias no projeto Dilma-2010 é João Santana, que por alguns anos trabalhou com Duda Mendonça.

O trem-bala lulista sai de São Paulo, passa por Campinas e chega ao Rio atravessando montanhas, voando sobre penhascos e cortando ao meio bairros inteiros nas periferias das cidades. A promessa é colocá-lo em circulação até 2014, ano de Copa do Mundo. Como furar todos esses caminhos para o trem-bala passar? Não importa. Até porque, é sabido, a história se repete muitas vezes como farsa.

O Brasil e sua eterna fuga

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - A ideia de "torcida única" nos estádios, para evitar selvagerias como a de quarta-feira, é a típica fuga para lugar nenhum, um clássico brasileiro.Alguns exemplos desta mecânica:

1 - Você não consegue evitar a violência de baderneiros antes, durante ou depois das partidas? Fácil. Foge para a frente e proíbe uma das torcidas de ter o prazer de ver seu time jogar (e nem estou discutindo a viabilidade de reconhecer palmeirenses ou são-paulinos, por exemplo, para liberar uns e segurar outros).

2 - Você não consegue criar uma economia que dê emprego e renda decentes para a maioria? (Para todos, já seria pedir demais). Fácil.

Foge para a frente a cria a Bolsa Família ou outros mecanismos similares de compensação.

3 - Você não consegue ter um sistema de educação pública que abra à maioria oportunidades de acesso à universidade? Fácil. Cria as cotas.

O sistema de ensino continua uma droga, mas alguns escapam da condenação implícita que significa cair nas suas engrenagens.

4 - Você não consegue prover segurança à população? Fácil. Recomenda a ela que renuncie a seus bens (carro, carteira, relógio, celular, o diabo). 5 - Você não consegue dar fluidez ao tráfico de veículos? (O de drogas, este sim, é bem fluido). Fácil. Cria o rodízio.

O aspecto político relevante em tudo isso é que todas as fugas são bem intencionadas. É melhor o Bolsa Família do que matar de fome os muito pobres, por mais que eles continuem, com a bolsa, a ser obscenamente pobres. É melhor perder o jogo do seu time, a carteira, o carro, do que a vida, claro.Mas melhor mesmo, a sério, seria resolver os problemas em vez de contorná-los eternamente.

O problema é que, se fossem resolvidos, já não estaríamos no Brasil e seu eterno conformismo com a privação de direitos e prazeres.