terça-feira, 23 de junho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA (Walter Veltroni)

"Creio que o apelo dos manifestantes no Irã para que não os deixemos sós deva ser acolhido também no nosso país, que tem uma maravilhosa tradição de solidariedade com todos os povos empenhados em lutar pela liberdade. Seria bom se todas as forças de centro-esquerda e democráticas promovessem, em conjunto, uma mobilização e uma manifestação para que seja garantido a quem quer que seja, e em toda parte do mundo, o direito de protestar pacificamente."

(Walter Veltroni, dirigente do Partido Democrático italiano)

Fonte: L'Unità.

Momento de decisão

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A crise do Senado deixou de ser apenas um caso de desmandos administrativos para se transformar em uma crise institucional, na qual um dos poderes da República encontra-se em xeque, completamente imobilizado pela falta de credibilidade política e sem perspectivas de uma saída honrosa, pois os principais envolvidos nos desmandos são intocáveis, membros de uma alta casta política que não compreendeu ainda que o tempo do nepotismo e do corporativismo deveria ter sido deixado para trás.

E não compreendeu por uma boa razão: mesmo com toda grita da opinião pública, mesmo com todas as denúncias dos meios de comunicação, eles continuam detendo o poder de decisão, e não apenas no Senado, mas na política brasileira.

Um país que fica nas mãos de um partido como o PMDB, cuja fortaleza política está justamente nesse tráfico de influência, nessa troca de favores que enfraquece o Legislativo, mas fortalece posições individuais de políticos, não pode ter um equilíbrio de poderes que fortaleça a democracia.

Um país que tem um presidente da República que usa sua altíssima popularidade para dar mau exemplo para os que o têm como um ídolo, que se julga no direito de absolver dos pecados seus aliados apenas para garantir apoios políticos, sem se preocupar com o enfraquecimento dos poderes das República ou, talvez, levando justamente a isso para se fortalecer cada vez mais do ponto de vista pessoal, enfraquecendo as instituições, está mal encaminhado.

A sessão de ontem do Senado foi emblemática da situação que vivemos, e mostrou que a corporação é suprapartidária.

A patética defesa corporativista do senador tucano do Amapá Papaléo Paes, explicando que não tem condições de permanecer mais dias em Brasília trabalhando porque fica preocupado em “abandonar” sua família em Macapá e não tem dinheiro para trazê-la para Brasília — falou até de um papagaio, que não sei se é verdadeiro ou metafórico — ou os discursos atabalhoados do senador Mão Santa, são a explicitação de um país arcaico, que se recusa a desaparecer e que está fortemente arraigado no plenário do Senado, que se nega em sua maioria a encarar o grave problema institucional que está vivendo.

A indignação do senador Arthur Virgílio com indicações de chantagem por parte da máquina administrativa que domina o Senado há quinze anos teve a solidariedade dos de sempre, onde se destacaram os senadores Pedro Simon e Cristovam Buarque, este também ameaçado por essa elite burocrática que está prestes a perder o poder.

Talvez nunca antes neste país tenha acontecido um entendimento tão forte entre elites que anteriormente se opunham, mas chegaram a um acordo de convivência pacífica e interdependência que garante a sobrevivência de ambas.

A nova elite, representada pela chegada de Lula ao poder e que o sociólogo Chico Oliveira, fundador do PT e hoje um dissidente do partido, chamou de “a nova classe”, está hoje unida à velha elite política representada pelas oligarquias que tomaram conta do Senado.

Esse fenômeno político já foi analisado aqui em diversas ocasiões. A aristocracia sindical acaba rapidamente criando nichos coloniais dentro do Estado, segundo observações do professor de História Contemporânea da UFRJ, Francisco Carlos Teixeira.

O objetivo deles não seria político no sentido de um projeto de Estado, mas setorial, e nisso coincidem com os oligarcas políticos, que também estão mantendo seu quinhão de poder nas negociações pontuais que fazem com o governo.

A “colonização” das estruturas do Estado acontece nesse tipo de governo de coalizão, e a disputa no Senado é o reflexo da disputa pelo poder entre os grupos do PMDB e do PT, que ocupam amplos espaços no Estado e utilizam uma ação política típica do sindicalismo, segundo Francisco Carlos Teixeira.

Essa “negociação para resultados” os torna disponíveis para acordos que representem “uma doação ou aquisição de alguma fatia do butim”.

Esses entrechoques de interesses fisiológicos, no entanto, não levam até o momento a uma ruptura entre PT e PMDB porque o projeto político montado pelo presidente Lula depende dessa união, e sempre que está ameaçado ele entra com sua força política para defender o aliado.

Foi assim quando mandou o PT apoiar o senador Renan Calheiros no escândalo do pagamento de pensão à amante com dinheiro de uma empreiteira, e assim também aconteceu agora com a defesa pública que fez de Sarney, tratandoo como um político acima das críticas.

A união tácita entre as nova e velha elites é, segundo definição do cientista político Leôncio Martins Rodrigues, professor aposentado da USP, em entrevista ao Estadão, a explicação para a série de escândalos que está surgindo no Senado desde a eleição pela terceira vez de José Sarney para a presidência da Casa. O senador nomeou Agaciel Maia para a direção da Casa e o manteve no cargo nas três vezes em que a presidiu.

O senador Simon sutilmente sublinhou esse aval de Sarney ao homem que comandou os desmandos administrativos que geraram, entre outros desatinos, os “decretos secretos”.

O senador Arthur Virgílio pediu a punição de Agaciel Maia e seus “padrinhos”, e Cristovam chegou a sugerir que Sarney se licenciasse da presidência do Senado enquanto durassem as investigações.

Podemos estar vivendo um momento de decisão. O choque entre o novo e o arcaico está sendo transmitido ao vivo para todo o país.

Vendo aquelas tristes figuras posando de pais da pátria e insistindo em defender seus privilégios, fica difícil, no entanto, acreditar que sairemos de mais essa crise renovados.

Um pontapé no rapapé

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O senador Arthur Virgílio tem um jeito que às vezes parece um tanto desatinado. Diz coisas meio fora do esquadro, não raro ameniza ou radicaliza quando a situação pediria exatamente o contrário, não se inibe de mudar de posição levando, como líder, a bancada do PSDB no Senado ao rumo oposto do esperado.

Erra, mas quando acerta o faz na mosca. Acertou em 2007, quando conduziu os tucanos ao campo que selou o fim da CPMF e acertou de novo no início deste ano, quando se opôs à candidatura de José Sarney por um motivo preciso: a necessidade de pôr fim à "era Agaciel Maia", inaugurada quando Sarney presidiu o Senado em 1995.

Ontem, o senador Arthur Virgílio acertou mais uma vez, quando foi à tribuna falar dos "bandidos", dos "meliantes", da "camarilha" que montou uma rede de ilicitudes no Senado, "certamente" tendo por trás deles senadores, "cujos nomes precisam ser averiguados, divulgados e enviados ao Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar".

Arthur Virgílio denunciou movimentos de chantagem por parte dos citados "meliantes" - Agaciel Maia e João Carlos Zoghbi - com o intuito de intimidar senadores.

Virando-se diretamente para José Sarney, sentado na cadeira da presidência, pôs o dedo na ferida: "Se vossa excelência romper com essa camarilha, me terá ao seu lado na tarefa de reerguer o Senado, mas, se não romper, vossa excelência perderá a condição de continuar a presidir esta Casa".

Momentos antes, uma frase no meio do discurso soou particularmente desafiadora: "Para mim, o clima é de abafa".

Não foi polido, não foi edificante, mas foi indispensável. Um rompimento com o pacto de mesuras e a introdução do fator conflito no Senado a fim de que a instituição não fique eternamente refém da crise por impossibilidade de dar combate às suas origens.

Virgílio chegou a ser rude ao chamar de "desculpa tola, aparvalhada e retardada" a negativa da existência dos atos secretos. O presidente do Senado, ali presente, havia sido o autor, dias antes, da desculpa tola, aparvalhada e retardada, naquele mesmo plenário.

O líder do PSDB mandou às favas os salamaleques e, diferentemente do ocorrido na semana passada, não houve silêncio nem reverência em relação a Sarney. Nos apartes, os senadores acompanharam o tom.

Atitudes peremptórias não são comuns naquele ambiente em que se transgride no escuro, mas, em público, a regra é a da cortesia, da amenidade, da fidalguia antiquada.

É verdade que o Senado já foi frequentado por cavalheiros (naquele tempo eram só homens) de mentes e modos mais refinados, mas, a despeito da queda no padrão de qualidade, conservou-se ali o hábito da polidez arcaica.

Saudável em tempos normais, para o enfrentamento de uma crise de origens profundas acaba sendo pernicioso. A lógica da contemporização permanente favorece o compadrio, leva à tolerância dos vícios e impede que a instituição confronte e seja confrontada "por dentro" com suas mazelas.

Nada se aprofunda, as coisas não ultrapassam um determinado limite a partir do qual reina a regra do pano quente, a invocação da preservação do Parlamento, o respeito a biografias alegadamente intocáveis, a acomodação de conveniências e, a fim de contornar temidas rupturas, tudo acaba se ajeitando.

Na crise seguinte, a história é retomada de um patamar mais baixo. Queira o bom senso que tanto o líder do PSDB quanto os senadores que o acompanharam na indignação de plenário façam dessas manifestações uma sistemática de procedimentos.

Tomara não seja algo direcionado só à pessoa de José Sarney (eleito, aliás, pela maioria cinco meses atrás) ou um ato motivado apenas pelo receio de comprometimento em relação ao conteúdo os atos secretos, cuja divulgação é prevista para hoje.

Se não, é como disse o senador Pedro Simon: "Ou o Senado faz as mudanças ou será atropelado por elas".

De nada adiantará se, mais uma vez, a maioria resolver contemporizar como fez - com a anuência dos que agora finalmente percebem o equívoco - quando concordou em salvar o mandato de um então presidente explicitamente transgressor e depois concordou em entregar a ele, por intermédio de Sarney, o poder das urdiduras de bastidor.

A "operação mãos sujas" que ontem se procurou desmontar no plenário obedece à mesma padronagem das tentativas de constrangimentos difamações contra senadores à época do processo por quebra de decoro contra Renan Calheiros.

O nome de Renan Calheiros não se pronuncia. E aí reside uma estranheza, pois se confere a ele a gentileza da exclusão do ataque frontal, não obstante a ciência de que é ele hoje o arquiteto principal da derrocada final.

Obra que começou a construir na presidência - emprestando ao cargo um caráter explícito de indignidade - e continua a comandar como eminência das trevas, sob o olhar complacente dos valentes e a admiração aprendiz dos coniventes.

José Sarney e sua (nova) circunstância

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A vida deu muitas oportunidades a José Sarney. Algumas ele aproveitou, como quando largou o barco da Arena para se tornar candidato a vice-presidente na chapa de Tancredo Neves a presidente da República (1985). O ex-presidente da República está destruindo a última delas: a eleição, em fevereiro, para presidência do Senado Federal.

No comando da República, após a morte de Tancredo, Sarney tirou nota zero na economia, mas sempre poderá escorar-se no argumento de que era um presidente acidental em busca permanente de legitimidade.

Já na política tirou dez: deu curso à transição democrática e entregou a faixa presidencial a um sucessor que, na campanha eleitoral (1989), dizia que ele chefiava o mais corrupto dos governos da República.

Mas no geral, Sarney sempre foi considerado um governante fraco, pusilânime e omisso.

Com a nova chance, na presidência do Senado, poderia dar o desfecho ao resgate de imagem que ganhou impulso com o apoio decidido que deu em 2002 à candidatura de um sindicalista chamado Lula - Sarney deixara o governo em 1990 debaixo de vaias, com a inflação rondando os 2.000%, mas em 2002 voltara a ser aplaudido em restaurantes e aeroportos.

Dizer que Sarney tirou zero em economia talvez seja exagero. Se o Plano Cruzado fez água para o governo garantir a eleição do PMDB em 1986 (só não elegeu o governador de Sergipe), foi seu governo que acabou com a conta-movimento (uma conta em aberto para a expansão do gasto fiscal) e criou a Secretaria do Tesouro Nacional, assentando as primeiras bases para o controle do gasto público, indispensável para a estabilização econômica.

É a falta de decisão que pode arruinar de vez o resgate biográfico que o imortal Sarney (ele é membro da Academia Brasileira de Letras) conseguiu fazer de boa parte da sua biografia.

O Senado hoje parece ser um aborrecimento para Sarney. A coluna que escreveu semana passada na "Folha de S. Paulo" transpira a incompreensão do momento: "Aqui, não tenho o Senado para atrapalhar-me, e sim o gosto de escrever". Segue-se uma atraente e atual especulação sobre o fim da palavra em papel impresso. Mas o que pasma é Sarney pensar que o Senado o atrapalha e não lhe ocorra por um instante que talvez ele esteja atrapalhando o Senado.

Semana passada o ex-presidente, em vez de assumir responsabilidade, preferiu dividir a crise com os outros 80 senadores ao afirmar que não era o senador Sarney que estava em julgamento, mas a própria instituição Senado Federal. Soou como ameaça que dá credibilidade às versões segundo as quais a crise dará em nada porque cada senador tem um pecadilho como os do clã Sarney - até o mordomo da mansão de Roseana Sarney está na folha de pagamentos da Casa.

Dá vazão também às versões sobre os motivos que levaram Sarney a se candidatar pela terceira vez. A versão mais comum é que Sarney aceitou uma convocação do senador Renan Calheiros para manter a hegemonia do PMDB no Senado. Mas há outras variantes, familiares, sobre as quais deve se deter o olhar atento de repórteres, hoje, e historiadores, no futuro.

Lula não esperava que Sarney fosse candidato. Temia o fortalecimento dele e de seu partido, o PMDB. Mas teve de engolir a solução pemedebista, inclusive porque a opção apresentada pelo PT não era tranquila. Mas Lula não ajudou em nada ao dizer que Sarney não podia ser tratado como uma pessoa comum. Espera-se de um presidente da República mais responsabilidade sobre o que diz (mais um fora entre tantos outros, como afirmar que desmatadores da Amazônia não são bandidos ou passar a mão na cabeça do presidente do Irã).

O que está em jogo é a reestruturação de poder no Senado, moldado pelo próprio José Sarney e pelo senador Antonio Carlos Magalhães, morto em 2007. O senador tem história e condições de reunir a maioria que o elegeu em fevereiro passado - e, antes disso, salvara o mandato do senador Renan Calheiros - para fazer as mudanças necessárias. Mas talvez já não baste a demissão de um diretor, como se cogita. Pode ser que ocorra o que vem acontecendo desde a crise que, em vez de cassar, preservou o mandato de Renan Calheiros (2007) - o que era ruim ficou pior.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

O virtual e o sangue (real)

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


FRANKFURT - Após o golpe de 11 de setembro de 1973, os militares chilenos fecharam o país por terra, mar e ar para não terem o testemunho incômodo de jornalistas a respeito do banho de sangue que promoveriam, com uma sanha espantosa até na história truculenta da América Latina.

Consegui chegar a Santiago apenas uma semana depois, mas ainda havia filetes de sangue no rio Mapocho, que banha a cidade.

É óbvio que a expulsão dos enviados especiais e o confinamento dos correspondentes, promovido agora pelo governo iraniano, tinha um objetivo similar. Mas os tempos mudaram e há novas tecnologias de informação, como o "twitter" e os celulares que tiram fotos ou filmam -tudo isso fez com que o banho de sangue aparecesse instantaneamente, ao contrário do ocorrido no Chile.

O jornal francês "Le Figaro" trata até como martir-ícone da web a estudante Neda Soltani, cuja morte foi a abertura também da coluna "Toda Mídia" desta Folha. Nem se sabe a idade correta de Neda. Há quem diga 20 anos, há quem rebaixe para 16, mas o fato é que, como diz o "Figaro", "Neda deu um rosto ao martírio dos opositores de Ahmadinejad", o presidente do Irã.

Sim, é aquele mesmo que seu colega Luiz Inácio Lula da Silva avalizou prontamente, com uma leviandade que os acontecimentos tornam dia a dia mais patética.

Não é a hora de discutir os defeitos e qualidades desses novos instrumentos de informação. O fato é que eles ajudaram a criar uma situação internacional complicadíssima: a difusão do sangue fez, por exemplo, a Itália orientar sua embaixada em Teerã a prestar "ajuda humanitária" aos feridos que a procurarem, à espera de que a União Europeia adote idêntica atitude, mas de forma coletiva.

Hoje, pode-se até fechar fisicamente um país, mas virtualmente ele está aberto. Felizmente.

Choques no Irã

Marcos Nobre
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

HÁ QUEM VEJA nos confrontos no Irã apenas uma luta de poder interna à elite, especialmente entre os clérigos. Há quem pense que uma revolução está em curso. E parece haver concordância de que a simbologia da revolução islâmica de 1979 não está em questão.

Para quem não sabe a língua nem conhece uma cultura em que confluem as tradições persa, grega, árabe e islâmica, não é tarefa fácil avaliar os acontecimentos. As avaliações costumam ser feitas a partir de traduções para o vocabulário político europeu, que marca presença importante na vida cultural do Irã desde pelo menos meados do século 19.

Mas o interessante é que o contrário também é verdadeiro: quem protesta procura traduzir em termos da história europeia sua versão dos acontecimentos. O que não falta são twitters, blogs, sites e cartazes em inglês que indicam paralelos com situações mais familiares para pessoas formadas segundo os cânones da história europeia.

Mais interessante ainda, também a repressão aos protestos fez o mesmo movimento. O chefe da Guarda Revolucionária declarou em tom ameaçador que "qualquer tipo de revolução de veludo não será bem-sucedida no Irã". Referia-se às demonstrações pacíficas de oposição que culminaram na derrocada dos regimes comunistas do Leste Europeu. E, com isso, reconheceu também pelo menos uma semelhança entre o atual regime iraniano e as ditaduras do antigo bloco soviético.

Seja como for, o fato é que não se trata mais simplesmente de eleições fraudadas. Ao contrário, são justamente os grupos da elite política em confronto que buscam reduzir os protestos ao processo eleitoral. Ambos os lados do grupo dirigente sabem que essa é a única maneira de conter o movimento dentro dos rígidos limites institucionais vigentes.

Há muitos elementos novos e mesmo entusiasmantes na situação atual do Irã, sem ignorar a tragédia das mortes nos confrontos.

Ao estrangulamento da esfera pública local pelo governo os manifestantes respondem com o recurso a uma esfera pública mundial, utilizando todos os novos meios de comunicação disponíveis para amplificar suas vozes. A ligação com as "revoluções de veludo" no final da década de 1980 mostra que um novo modelo de transformação social pode vir a se consolidar.

Os acontecimentos no Irã enterram definitivamente as teses regressivas de um "choque de civilizações" que se tornou um emblema da era George W. Bush. E projetam um tipo de protesto e de transformação que pode servir de modelo também para as lutas por vir. Especialmente na China.

Ex-segurança de Lula atua na Petrobras por movimentos sociais

Fernando Barros de Mello
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Envolvido no caso do dossiê contra tucanos, da eleição de 2006, José Carlos Espinoza trabalha no setor de comunicação, em SP

Petista comandou gabinete paulista da Presidência e foi um dos mais próximos auxiliares do presidente; petrolífera é alvo de CPI

Ex-chefe do Gabinete Regional da Presidência da República em São Paulo e um dos mais próximos seguranças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em campanhas políticas, José Carlos Espinoza trabalha, desde abril de 2007, na sede da Petrobras em São Paulo.A Petrobras é alvo de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), que ainda aguarda sua instalação no Senado.

Espinoza fica no setor de Comunicação Institucional da sede paulista da empresa, mas afirma que sua função é fazer a interlocução com os movimentos sociais. Ele é terceirizado, contratado pela empresa Protemp, sediada em Santo André.

O diretor de Comunicação da Petrobras é Wilson Santarosa, que tem ligações históricas com PT e movimento sindical. Espinoza é um dos 1.150 profissionais da comunicação da Petrobras, segundo quem ele foi contratado pela "vencedora da licitação para serviços de apoio profissional suplementares às atividades de comunicação".

Durante a campanha eleitoral de 2006, Espinoza se afastou do gabinete da Presidência para exercer, no comitê de Lula em São Paulo, a função de encarregado da agenda do então candidato à reeleição.

No meio da campanha, foi citado no escândalo da compra do dossiê contra tucanos. Segundo a revista "Veja", ele se reuniu na sede da superintendência da Polícia Federal com Freud Godoy, ex-assessor especial da Presidência, e Gedimar Passos, assessor da campanha, implicados na compra do dossiê. Na época, a PF e os envolvidos negaram o encontro.

Ainda em 2006, após a prisão dos envolvidos na compra do dossiê, a Folha revelou que o apartamento de Espinoza serviu de local para um encontro entre Freud Godoy e Paulo Ferreira, tesoureiro do PT.

Espinoza deixou o cargo no gabinete presidencial depois do caso do dossiê. Ele afirma que pediu a saída por razões pessoais. "Disse que não queria ficar mais no escritório da Presidência, por motivos pessoais", disse ontem à Folha.

Questionado sobre como surgiu a oportunidade de trabalhar para a Petrobras, afirmou: "Por conta exatamente do meio de campo que foi pedido para eu fazer entre os movimentos sociais e a Petrobras. Conheço o José Rainha [dirigente do MST], o presidente da Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura], o pessoal da Fetraf [Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar]".

Ele disse que tinha vontade de trabalhar na área do biodiesel e conversou com algumas pessoas do governo, entre elas Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula. Informou que hoje acompanha um projeto no Pontal do Paranapanema e um em Mato Grosso.

Por conta da CPI, entidades como a CUT (Central Única dos Trabalhadores) fizeram atos de apoio à Petrobras em vários Estados e acusaram a oposição de querer privatizar a empresa.

Espinoza esteve em um desses atos, em São Paulo.

Garotinho muda de novo e diz que apoiará Dilma

José Meirelles Passos
DEU EM O GLOBO

Com cantos religiosos e funk, ele se filia ao PR e anuncia que abrirá palanque para candidata de Lula

Cerca de mil pessoas se espremiam ontem à tarde no salão de um hotel, no Centro do Rio, com capacidade para apenas 700. O calor era intenso e houve alguns desmaios numa atmosfera de culto ecumênico, em que a multidão parecia aguardar a volta do filho pródigo. Ela era embalada por um funk e um samba eleitorais alusivos a essa pessoa, que brotavam de imensas caixas de som. E também fazia coro a cânticos religiosos entoados pelo cantor e vereador por São Paulo Agnaldo Timóteo. Até que, quase duas horas depois, chegou o homenageado: o ex-governador Anthony Garotinho.

Era a festa de sua filiação ao Partido da República (PR, resultado da fusão do PL com o Prona), o quinto em sua carreira política. E, ao mesmo tempo, o lançamento precoce — ainda que extraoficial — de sua candidatura a governador do Rio. Ao endossá-la, o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, disse: — Você plantou a flor e agora vai colher o cheiro gostoso das rosas.

Enquanto a plateia repetia “Volta Garotinho, volta Garotinho”, ele afirmou que, “apesar do preconceito da elite”, está pronto para governar o Rio novamente.

Mas, antes, vai “andar pelo estado como um peregrino”, para conscientizar os eleitores, distribuindo um livro que prepara mostrando as suas realizações, para comparar com “o nada que vem sendo feito” pelo governador Sergio Cabral (PMDB), a quem definiu como “um vendido”, dizendo que o seu antigo partido, o PMDB, na verdade deveria se chamar “PC, o Partido do Contracheque”: — Não vamos enfrentar grupos político, mas o dinheiro, o poder e o empreguismo.

Mas aqui (no PR) ninguém se vende — afirmou.

Garotinho deixou claro que suas divergências com o presidente Lula estão prestes a terminar. E que apoiará a candidatura da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República: — Acredito que tudo pode mudar, e tudo vai mudar. Militei com Dilma no PDT.

Ela tem tudo para ser a minha candidata.

Desde que ela deseje, o nosso palanque no Rio será o palanque dela.

Greve da USP

Do Blog Pitacos
Setores da intelectualidade e da esquerda brasileira assinam embaixo de todas as reivindicações do movimento grevista da USP e de suas formas de lutas, mesmo quando elas agridem ao ordenamento democrático instituído pela Constituinte de 1988.

No fundo, tais setores se comportam como se ainda estivéssemos nos tempos da ditadura, onde a fronteira entre bandidos e mocinhos era bastante nítida. À época, a polícia, fardada ou não, era a expressão do aparato repressivo ditatorial.

Os movimentos sociais, com suas reivindicações e formas de luta, eram a expressão do ideário da liberdade e da contestação a um regime autoritário e espúrio. Mesmo quando havia excessos, por parte dos manifestantes – e eles ocorreram -, era fácil justificá-los e legitimá-los pela ausência de liberdade e do direito de manifestação.

Os tempos mudaram, mas muitos movimentos reivindicatórios continuam se comportando como antigamente. Ignoram que no Estado de Direito Democrático a plena liberdade de manifestação se dá no marco da legalidade, com respeito à lei e às decisões judiciais.

Quando a legalidade é atropelada pelos movimento sociais e nada acontece em função da omissão ou cumplicidade de autoridades governamentais, não temos democracia, mas sim a permissividade que amanhã poderá servir de pretexto para o ressurgimento do autoritarismo.

Vejamos o que acontece na USP, que não é um caso isolado. No ano passado, os manifestantes invadiram e depredaram a reitoria. Era um movimento minoritário que ignorou todos os limites definidos pela lei. Para se precaver, este ano a reitoria recorreu à Justiça e requereu proteção policial. O governo do Estado e sua polícia poderiam deixar de cumprir uma determinação judicial?

Claro que não. A não ser que quisessem fazer vistas grossas e imitar a permissividade da governadora do Pará, que se recusa a cumprir quase uma centena de decisões judiciais de reintegração de posse. Se agissem assim, o governo do estado e sua polícia seriam passíveis de medidas judiciais. Seriam também responsabilizados por eventuais destruições do patrimônio público.

Mas o que passaram a reivindicar os setores que pensam que ainda estamos na ditadura militar? Querem que a polícia se retire do campus da USP, sem que haja o compromisso dos manifestantes de não invadir e não depredar suas instalações. Registre-se que algumas vozes insuspeitas, como a do jurista Dalmo Dallari, não caíram neste conto do vigário e denunciaram o autoritarismo de tendências minoritárias esquerdistas que tentam impor, pela força, seus pontos de vista.

Qualquer regime democrático do mundo tem sua polícia, que existe, entre outras coisas, para coibir manifestação que ultrapassam a fronteira da legalidade e caiam no vandalismo.

A USP não é um caso único de uma permissividade que conspira contra a democracia. O MST, a Via Campesina e MLST (aqueles dos ensandecidos que invadiram o Congresso Nacional) rotineiramente praticam atos violentos, alguns armados, e invadem terras sem que as autoridades federais ou de alguns estados tomem qualquer medida.

É evidente que a omissão do Estado tem um efeito perverso: proprietários de terra se armam ou contratam segurança particular para manter sua propriedade. É mais combustão na fogueira da violência rural. Não se questiona aqui a justeza da bandeira da reforma agrária, mas sim o absurdo dos que, em um regime democrático, tentam efetivá-la pela via da barbárie e da violência.

O pior é que a relação do governo Lula e do PT com os movimentos dos sem terra é de permissividade e cumplicidade. Eles ignoram a legislação, vigente desde a época de FHC, que define como indisponíveis para a reforma agrária terras invadidas ilegalmente. Tais movimentos ainda são agraciados por verbas públicas,com as quais financiam suas atividades ilegais.

Vejam a diferença entre o comportamento da governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, e o do governo do Estado de São Paulo. No Pará, o MST é o rei da cocada preta. A lei não vale para ele, porque a governadora ignora as decisões da Justiça. Alega, dentre outros pretextos, que a PM não tem destacamentos especializados na repressão a movimentos populares.

Já no Pontal do Paranapanema, em São Paulo, a PM executa todas as decisões judiciais e desocupa terras invadidas ilegalmente. O período dos governos do PSDB, de Mário Covas, Geraldo Alckmin, e agora de José Serra, é de vacilação zero, no cumprimento das obrigações do poder público. O temor de caracterização como governos autoritários também é zero.

Talvez essa postura diferenciada explique em parte porque o MST e outros movimentos estarão do lado de Dilma na disputa presidencial. Certamente se Serra for eleito presidente da República, essa relação leniente terá um fim e haverá o respeito à lei.

A lista de excessos e absurdos cometidos em nome da liberdade de manifestação é infindável. Laboratórios de pesquisa são destruídos, prédios públicos invadidos e depredados, índios já integrados à sociedade invadem órgãos governamentais e apelam para a violência ao sequestrar funcionários.

Como se tudo isto fosse pouco, quaisquer 200 gatos pingados podem causar uma tremenda confusão na Avenida Paulista, na capital de São Paulo, uma área onde existem dez hospitais essenciais para os paulistanos. O exemplo é gritante, mas se repete nas principais cidades brasileiras.

Na democracia, reivindicações e manifestações são muito bem-vindas, quando ocorrem em sintonia com a legalidade e de forma pacífica. A democracia suporta qualquer pleito, exceto aqueles muito poucos que ferem os princípios basilares da Constituição. Por exemplo, o “direito” de discriminar pessoas. Ou o fim da democracia.

As manifestações com vandalismo são um despropósito quando ultrapassam a barreira do bom senso. Voluntariamente, ou não, os que estimulam a permissividade estão prestando um desserviço à democracia.

Mal sabem eles que amanhã setores autoritários de direita podem polarizar segmentos expressivos da população com a idéia de que é preciso descer o porrete, como “nos bons tempos da ditadura.”

O discurso que une democracia, vandalismo e baderna, tem seus adeptos. Eles não devem ser subestimados.

Irã: As muitas faces

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Os levantes populares sempre parecem surpreendentes para quem está de fora. Mas eles são construídos devagar. Embaixo da capa de uniformidade que os regimes autoritários conseguem construir, as mudanças acontecem sem que externamente se saiba. Os iranianos rebelados perguntam: “Onde está o meu voto?” E quem está de fora pode se perguntar: onde estava este Irã?

Ontem as ruas estavam menos agitadas, mas nos últimos dias todos viram o que o governo tentou evitar que fosse visto: o Irã de muitas mulheres com seus belos rostos expostos — a maioria em fotos de manifestações — e de pessoas de idades diferentes mostrando que o sentimento de revolta não é apenas de uma geração. O movimento mostra habilidade no uso da nova tecnologia de comunicação como ferramenta aliada.

Eles não se parecem um povo fechado, obcecado por armas nucleares, que nega o fato histórico do holocausto.

A população é jovem: 75% tem 30 anos ou menos.

Segundo o “The Nation”, na véspera da eleição havia no país 75 mil blogueiros.

Os iranianos nas ruas não parecem gostar do isolamento e rompem a distância com o mundo através dos vídeos do YouTube, blogs, e principalmente do Twitter, o site de mensagens curtas, que virou o símbolo da rebelião.

O Irã já é um caso de estudo da mídia social e revoltas políticas.

Mas é também caso de um fenômeno mais clássico que acontece dentro das tiranias.

Imperceptivelmente as mudanças vão acontecendo, a corrente dos descontentes vai se adensando, até que um fato detona a explosão. A fratura exposta se dá dentro do regime dos aiatolás, já que o líder visível dos rebelados, Mir Hossein Mousavi, serviu à revolução islâmica na primeira fase e só foi candidato porque teve a aprovação do sistema. É por isso que sua mulher, Zahra Rahnavard, com véu colorido, mas rosto descoberto, uma intelectual respeitada e companhia constante do marido nos comícios, parece mais parte desse novo Irã do que o próprio Mousavi.

Tudo é complexo neste caso.

A fratura aconteceu dentro do sistema. O regime é autoritário, mas permitia eleições controladas. Em outras ditaduras, nem isso. Mahmoud Ahmadinejad tem seu eleitorado. As mulheres são tratadas como cidadãs de segunda classe, como em outros países da região, mas hoje só existem 4% de mulheres jovens (15 a 24 anos) analfabetas. Na Índia, democrática e candidata à potência, são 24%.

O Irã já enfrentou dores impostas pelo mundo ocidental.

O discurso recente de Obama admite que seu país sabotou uma breve experiência democrática em 1953. O xá Reza Pahlevi tinha, como se sabe, o apoio do Ocidente e era um ditador com polícia política feroz. Na guerra contra o Iraque, nos anos 80, os iranianos viram seu inimigo, Saddam Hussein, de braços dados com os EUA.

É preciso ponderar tudo isso para não construir uma opinião superficial como se aquilo fosse um jogo de futebol, com uma torcida chorando derrota. O regime dos aiatolá é indefensável. A ideia de um líder supremo religioso que a nenhum escrutínio popular se submete e ao qual todos se submetem é de um absolutismo intolerável.

Como em outras explosões, não é apenas a luta do bem contra o mal; é um processo que pode levar a endurecimentos ou reformas.

Nesta etapa, eles dizem a paus, pedras, passeatas, e também com o verde da cor que carregam, o que não querem.

Mas ainda não disseram que mudanças gostariam de ver. Os que poderiam dizer estão sendo presos. É hora de torcer e temer pelo Irã. É hora de admirar a coragem dos iranianos, que, como Neda Agha-Soltan, de 26 anos, a vítima cujo rosto sem vida estava nos jornais — entre no blog http://www.mirianleitao.com.br/ e veja seu rosto vivo —, lutam como podem.

Nos últimos anos, o Irã se modernizou em vários pontos.

Hoje, as mulheres são maioria nas universidades.

Quem faz um esforço assim, não há de aceitar eternamente barreiras aos seus projetos pessoais.

O país entrou em recessão com a crise, a taxa de desemprego cresceu. A inflação está em 20% e subindo, apesar dos subsídios e controles de preços. A crise econômica e a queda do preço do petróleo aumentaram a insatisfação dos iranianos, que enfrentam outras aflições como um nível crescente de poluição do ar — que faz o país suspender aulas — e um alto nível de contaminação da água.

Com os atrativos que tem do ponto de vista econômico, energético e cultural, um Irã mais aberto poderia tirar mais proveito de sua força. É isso que os rebelados parecem querer dizer nas suas mensagens curtas de aviso das barbáries dos últimos dias.

Num jantar no Canadá, no fim de 2007, com jovens de várias nacionalidades, a que mais me impressionou pela ousadia e rebeldia foi uma jovem iraniana, Tália, que estudava arquitetura em Waterloo.

Era o oposto do estereótipo da mulher submissa.

Ela me disse que não sabia se ficaria no Canadá: — Depois que se sai de sua terra pode-se ir para qualquer lugar. Sei para onde não vou: para os Estados Unidos.

Não quero ser discriminada.

No mínimo, é preciso admitir que muita gente julgava os iranianos pelo governo do Irã. Agora, as várias faces do país apareceram.

Engenheiros, taxistas e empregos

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Emprego formal novo na indústria continua em baixa; serviços e final da temporada agrícola sustentam mercado

NUM DOS COLAPSOS da economia brasileira dos anos 1980 ou início dos 1990, uma reportagem da "Economist" sobre o Brasil era ilustrada por uma foto de um congestionamento em que todos os carros, menos um ou dois, eram táxis. A reportagem, como seria clichê naqueles anos, citava engenheiros sem emprego, que se tornavam motoristas de praça ou "viravam suco" (na época, fez sensação a lanchonete aberta por um engenheiro, na avenida Paulista, com esse nome: "O engenheiro que virou suco"). A legenda da foto dizia: "Eles vão virar todos motoristas de táxi?".

Em meados de 2008, eram comuns as reportagens sobre a falta de engenheiros. Em breve, vamos nos preocupar de novo com esse, digamos, bom problema? Essa memória toda vem a propósito dos incômodos dados de emprego com carteira assinada, divulgados ontem pelo Ministério do Trabalho. Mais que a perspectiva dos engenheiros industriais, preocupa o resultado do emprego formal nas fábricas: não se move, ao contrário do caso dos serviços (os "taxistas", na metáfora).

Entre empregados e demitidos, o saldo de empregos industriais de maio foi 700 (ante 36.701 em maio de 2008). O resultado geral apenas aparentemente bom, 131 mil empregos a mais (sem ajuste sazonal), deveu-se ao setor de serviços e à temporada de contratações agrícolas (que se encerra em agosto).

Os dados espelham os do PIB. O "valor adicionado" (crescimento de fato) da indústria de transformação caiu 12,6% em relação ao início de 2008. O dos serviços cresceu 1,7%, no total.

Serviços de informação, finanças e "outros serviços" cresceram entre 5% e 7%. "Outros serviços" são aqueles do dia a dia: educação, saúde, reparos e manutenção, alimentação etc.

Em educação e saúde, foi contratada mais gente do que em 2008 (de janeiro a maio). Fora finanças, todos os demais serviços estão com saldo positivo no ano, apesar de inferior ao de 2008. No caso da indústria, foram perdidos 146 mil empregos em 2009. Tal crise, de resto, pressiona os salários dos empregos restantes para baixo.

Não podemos nos tornar todos "motoristas de táxi", profissionais de saúde e educação ou montarmos lojas de consertos e restaurantes por quilo. E nosso setor de serviços não é composto de "Googles", mas de muita informalidade e ineficiência.

Um relatório dos economistas do Bradesco nota que o setor de serviços vai se "manter relativamente bem nos próximos meses...; diante da crise, está em curso uma mudança no "mix" de consumo das famílias para itens mais dependentes de renda (bens não duráveis e serviços) em detrimento de itens mais dependentes de crédito (bens duráveis)".

De onde vem a renda? Os economistas da consultoria MB Associados têm mostrado o grande efeito de INSS, Bolsa Família e salário de servidores na manutenção do nível de consumo (reforçado pela queda do preço da comida). Melhor isso do que um colapso geral puxado pela indústria exportadora. O reforço estatal do mercado doméstico foi relevante (mas tem limite); quem consome mais serviços viu seu nível de vida subir, decerto. Mas, a cada crise, a indústria fica menor; é muito cedo, num país "atrasado" como o Brasil, para vermos a indústria encolher.

Governança global

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O mundo está agora cobrando o reforço dos controles sobre os bancos, como se o principal responsável pela crise fosse a insuficiência de controles sobre a atuação das instituições financeiras.

Esta coluna já vem chamando a atenção para uma limitação dos reforços de supervisão do sistema financeiro: a de que estão sendo feitos apenas localmente, sobre uma atividade que está cada vez mais globalizada.

É claro que é importante reforçar diques e muros de contenção ao longo das margens do rio para evitar os estragos provocados pela enchente. Mas essa providência será de longe insuficiente se as causas mais importantes não estiverem sendo atacadas.

Não basta combater as bolhas; é preciso acabar com os fatores que as vêm assoprando. O problema está no excesso de liquidez, o que se deve aos enormes desequilíbrios globais.

O principal diário de Economia e Negócios do mundo, o Wall Street Journal, trouxe domingo análise do ex-comissário de Comércio Exterior da União Europeia Peter Mandelson, que adverte para essa falha essencial no combate à crise.

O maior desequilíbrio global está em que os principais países ricos, especialmente os Estados Unidos, se dedicaram a consumir, enquanto um punhado de outros, sobretudo a China, se pôs a exportar produtos cada vez mais baratos e a acumular reservas. Elas foram aplicadas em títulos da dívida dos países ricos, notadamente em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. A enorme demanda por títulos derrubou os juros de longo prazo, aquilo que em 2005 o então presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Alan Greenspan, chamou de conundrum (enigma).

Juros de longo prazo mais baixos, por sua vez, atiçaram não só o consumo dos Estados Unidos, mas também produziram a abundância de recursos que estimulou operações cada vez mais arriscadas dos bancos... até que a bolha estourou... e aqui chegamos.

Aumentar a regulação do mercado é providência necessária que deve ser aprofundada, desde que feita também globalmente e não só nos Estados Unidos. No entanto, nada está sendo providenciado para que os grandes desequilíbrios não se repitam.

Mandelson avisa que a única forma de reduzir esses desequilíbrios e, portanto, de evitar novas bolhas é garantir um sistema de governança global.

É provável que um dia haverá uma moeda global administrada por um banco central global. Mas, como tem dito o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, "isso levará muito, muito, tempo". Enquanto esse futuro não chega, os senhores do mundo terão de prover certa coordenação global de políticas.

Boa discussão está em saber em que círculo de decisões essa coordenação terá de ser feita. Até recentemente o organismo informal para exame de matérias assim era o Grupo dos Sete (G-7) países mais ricos (Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Inglaterra, Itália e Canadá) aos quais, a partir de 2006, se somou a Rússia, no agora G-8.

As duas mais importantes cúpulas de chefes de Estado destinadas a atacar coordenadamente a crise se fizeram no Grupo dos 20 (G-20), com a inclusão de outros países em desenvolvimento. Mas alguns observadores vêm insistindo em que, para garantir eficácia, o núcleo da coordenação deva restringir-se ao G-2 (Estados Unidos e China).

Mais pessimismo ? Nunca há uma só causa do solavanco dos mercados. Ontem, um dos principais fatores da alta do dólar foi o relatório do Banco Mundial que prevê queda do PIB global em 2009 de 2,9% e não de 1,7%, como saiu em março.

Sinal amarelo para o projeto de Obama

Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Domingo, 21 de junho, o Wall Street Journal informa: as investigações de fraude apanharam mais um peixe, agora miúdo, em sua tarrafa. Miúdo, diga-se, pelos padrões contemporâneos de Wall Street. O financier texano R. Allen Stanford construiu sua fraude de US$ 7 bilhões sob os auspícios dos métodos de Charles Ponzi e o auxílio dos reguladores de Antígua e Barbuda, paraísos fiscais encravados no Caribe. Bernard Madoff tem seguidores em suas estripulias financeiras.

As aventuras de Bernie Madoff e Allen Stanford foram perpetradas sob o patrocínio de formulas manjadas e estimuladas pela mãozinha de autoridades coniventes. Os truques foram aqueles do financiamento Ponzi: aumentar o passivo para sustentar a posse de ativos que produzem um fluxo de rendimentos insuficiente para cobrir os compromissos vincendos.

Hyman Minsky usou a qualificação "Ponzi" para designar uma estrutura de financiamento situada no degrau mais elevado da escala de fragilidade financeira, acima daquela denominada por ele de "estrutura especulativa". Esta última requer o refinanciamento dos encargos financeiros decorrentes da dívida passada para que o devedor possa honrá-los. Um agente "Ponzi" deve aumentar a dívida para cumprir suas obrigações financeiras.

A SEC, Securities and Exchange Commission, foi alertada desde 1999 para as manobras fraudulentas que infestavam os mercados financeiros. Fez vista grossa para os indícios de fraude denunciados por concorrentes de Madoff. Tais indícios foram, então, descartados com a colaboração de funcionários da agência. Agora, Leroy King, administrador da agência reguladora de Antígua, é acusado de "levar bola" para encobrir os malfeitos de Stanford.

Os episódios Madoff e Stanford não são apenas frutos de desvios de caráter de indivíduos, mas o resultado natural da promiscuidade entre governos lenientes, agências capturadas e negócios espertos. Sob o manto protetor do governo permissivo, os negócios deitaram e rolaram. Exploraram as "falhas de regulação" para impor suas razões e interesses, acobertados por um clima de euforia e irresponsabilidade.

Durante a depressão dos anos 30 do Século XX, o povo americano arremeteu sua ira contra a ganância de Wall Street. Franklin Delano Roosevelt - aquele que assumiu o governo do país quando a depressão de 1929 andava brava - tratou de salvar as grandes corporações e os bancos de seus próprios desvarios e preconceitos. O New Deal era visto, naturalmente, com horror por J.P. "Jack" Morgan, o júnior. Em 1935, a multidão de desempregados e empobrecidos vivia dos programas de obras públicas e de assistência social do Estado. Ao desembarcar de uma viagem à Europa, ainda a bordo do Queen Mary, o desastrado herdeiro de John Pierpont proclamou: "Todos os que ganham dinheiro nos Estados Unidos trabalham oito meses por ano para sustentar o governo". O historiador Ron Chernow escreve em seu livro "The House of Morgan" que John Pierpont deixou de ser uma pessoa para tornar-se o símbolo político dos ricos reacionários que se opunham às reformas do capitalismo americano.

Os newdealers estenderam sua influência até os anos 50 e 60, o período da "era dourada" do capitalismo. Os bancos relutaram, como agora relutam, em aceitar a intervenção do Estado no sistema financeiro. O grand monde financeiro americano jamais se conformou com a regulamentação imposta aos bancos e demais instituições não-bancárias pelo Glass-Steagall Act, no início dos anos 30. A partir da década dos 80 do século passado, os republicanos, de Reagan a "Bushs", sem poupar o democrata Clinton, todos cuidaram de restabelecer a preeminência da alta finança nos gabinetes de Washington. O lobby de Wall Street voltou a dominar os plenários do Congresso e os escritórios do Executivo. O Legislativo colaborou decisivamente para desmontar os controles e enfraquecer a capacidade de supervisão e de controle das agências reguladoras.

Senão vejamos: a lei Sarbannes-Oxley foi aprovada a contragosto, depois da sucessão de escândalos corporativos, as peripécias da Enron, Worldcom e outras menos votadas. Considerada excessivamente rigorosa por Henry Paulson, o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, a Sarbannes-Oxley ficou na marca do pênalti até 2007. Paulson argumentava que os rigores excessivos estavam promovendo a saída das operações para mercados de regulamentação mais frouxa. Dura ou não, ela foi impotente para conter a explosão do crédito que levou à exasperação as práticas "criativas" e frequentemente fraudulentas dos mercados. Os criativos inventaram "novidades", manipularam preços de ativos e engambelaram clientes e devedores "sem lenço nem documento".

Madoff e Stanford foram tão abusados e fraudulentos em sua estratégia "Ponzi" quanto os demais protagonistas da farra financeira recente. Falo dos analistas que recomendaram aos clientes ações de suas próprias carteiras ou vendedores de hipotecas que, com o truque da taxas de juros reajustáveis, "pegaram a laço" devedores sem condições de servir as dívidas contraídas.

Sem muito esforço, os senhores da finança conseguiram atrair para sua banda os luminares da academia, com seus modelos tolos e suas desastrosas recomendações de política. Mesmo diante das provas contundentes a respeito da promiscuidade entre desregulamentação e práticas fraudulentas, os gênios da "finança criativa" estão na mídia dispostos a utilizar quaisquer argumentos para desqualificar as críticas aos métodos e procedimentos utilizados no ciclo financeiro recente.

Os mercados receberam o "pacote regulatório" de Obama com nariz torcido. Seriam necessárias páginas e mais páginas para discutir as virtudes, as falhas e as omissões da proposta apresentada ao legislativo. Seja como for, o comportamento do Congresso no passado recente e a fúria dos ideólogos não garantem uma trajetória tranquila para o projeto do presidente Barack Obama.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzz, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

Solavanco nos mercados

Felipe Frisch e Gilberto Scofield Jr.*
Rio, Washington, Londres, Brasília e São Paulo
DEU EM O GLOBO

Bird piora projeção para economia brasileira e faz Bolsa despencar 3,66%. Dólar passa de R$ 2

O Banco Mundial (Bird) divulgou ontem relatório em que piora suas projeções para o Brasil: em março, esperava que o país crescesse 0,5% este ano.

Agora, prevê que a economia vai encolher 1,1%. Para o mundo, a estimativa é de retração de 2,9%, enquanto antes esperava recuo de 1,7%. Em um dia de poucos indicadores econômicos como ontem, a notícia caiu como uma bomba no mercado financeiro. Na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o Índice Bovespa (Ibovespa, que reúne as ações mais negociadas) caiu 3,66%, para 49.494 pontos, perdendo a marca dos 50 mil pontos superada em 18 de maio. O dólar acompanhou o pessimismo e voltou a ser cotado acima de R$ 2, pela primeira vez desde 28 de maio: subiu 2,58%, para R$ 2,025.

Foi a maior queda da Bolsa e a maior alta do dólar desde 2 de março.

O principal motivo para a queda da Bolsa ontem foi o recuo dos preços das commodities (matérias-primas, como petróleo e aço) no mercado internacional, que têm peso de 50% no índice. Com a piora do humor dos investidores e o movimento de venda de ações para embolsar ganhos recentes, o saldo de investimentos (compras menos vendas) estrangeiros na Bovespa em junho está negativo em R$ 1,495 bilhão até dia 18. Se encerrar assim, será o primeiro mês negativo desde fevereiro.

Pelas previsões divulgadas ontem pelo Bird, a melhora para o Brasil só vem em 2010, com um crescimento de 2,5% (e de 4,1% em 2011). Segundo a instituição, a produção industrial brasileira vai cair 1,1% em 2009 e voltará a crescer — 2,5% — somente ano que vem. O banco destaca em seu relatório sobre a América Latina — cuja economia deverá encolher 2,2% este ano e crescer 2% em 2010 — que o Brasil é o país mais resistente na região a choques de demanda vindos do exterior por causa do peso menor das exportações em comparação com o Produto Interno Bruto (PIB, a soma de bens e serviços produzidos no país) e pelo espaço ainda grande do Banco Central (BC) para cortes adicionais de juros em sua política monetária.

Analistas também preveem recuo maior

Ainda assim, diz o Bird, com a queda de 48% no fluxo de capitais privados para os países emergentes este ano — de US$ 707 bilhões em 2008 para US$ 363 bilhões em 2009 —, as economias da América Latina, incluindo o Brasil, não reagirão a ponto de fazer suas economias voltarem a crescer. Rogério Studart, diretor-executivo representante do Brasil no Bird, diz que a análise do banco é profunda, mas num quadro de mudanças econômicas muito rápidas, as conclusões do estudo já estão defasadas: — O banco trabalha num ritmo mais lento e usa indicadores mais antigos para fazer suas previsões. Os resultados que estão sendo divulgados agora já mostram uma inversão das expectativas que o estudo não incluiu.

O governo brasileiro mantém estimativa mais otimista este ano e espera crescimento de 1%. Mas os analistas no Brasil também pioraram suas previsões. Segundo a pesquisa semanal Focus, elaborada pelo BC, os economistas estimam retração de 0,57% para o PIB em 2009, 0,02 ponto percentual maior que na semana anterior. Para 2010, a previsão permaneceu em 3,5%.

A consultoria Tendências também piorou sua estimativa: de expansão de 0,3% para este ano, para recuo de 0,6%.

Já o Itaú Unibanco melhorou e agora calcula contração de 1% este ano, contra previsão anterior de -2%.

O ritmo do PIB foi um dos principais temas da reunião fechada do BC com economistas no Rio, coordenada pelos diretores de Política Econômica, Mario Mesquita, e de Política Monetária, Mario Torós, e acompanhado pelo presidente da instituição, Henrique Meirelles, por videoconferência, de Paris.

Segundo um economista presente ao encontro, a principal preocupação do BC é o crescimento do país e não a inflação, que pode ser negativa ou próxima de zero em 2009.

Também ontem o diretor da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurria, disse que as maiores economias do mundo vão recuar em 2009 e o problema do desemprego vai se prolongar.

A organização prevê declínio de 4,3% para os 30 países do bloco este ano e queda de 0,1% em 2010.

— Quando a economia voltar a crescer, o emprego ainda estará diminuindo.

Quando você tem uma queda muito forte e profunda do emprego, são necessários anos para que ele se recupere — disse ele à TV Reuters.

Com as operações domésticas duramente afetadas justamente por pesadas perdas nos EUA e na Europa, o Citigroup tem hoje mais da metade dos seus resultados globais obtidos em países em desenvolvimento, que, nas atividades de banco comercial de varejo, têm fatia de 75% do total.

A informação foi dada ontem pelo presidente executivo do banco, Vikram Pandit, que faz sua segunda visita ao país. Na primeira vez que esteve no Brasil, em novembro, ele afirmara que os emergentes respondiam por 35% dos ganhos globais do grupo. Segundo ele, os países emergentes vão se “descolar” dos graves problemas que atingem as economias desenvolvidas, o que os torna estratégicos para a recuperação financeira do grupo.

— O Brasil é parte-chave desse processo — afirmou.

No Brasil, o bom desempenho das vendas ao exterior possibilitou o superávit de US$ 1,131 bilhão na balança comercial na terceira semana de junho, segundo o Ministério do Desenvolvimento.

As exportações somaram US$ 3,435 bilhões, enquanto as importações totalizaram US$ 2,304 bilhões. Nas três primeiras semanas do mês, o saldo positivo (US$ 3,076 bilhões) já é maior do que o registrado em todo o mês de maio (US$ 2,651 bilhões).