quinta-feira, 23 de julho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA (Gramsci)

“Marx significa a entrada da inteligência na história da humanidade, significa o reino da consciência”.

(Antonio Gramsci, nos Cadernos do Cárcere, Civilização Brasileira, 2002).

Capitania hereditária

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Agora não falta mais nada: está provado que o presidente do Senado, José Sarney, mentiu ao negar a existência de atos secretos, que descumpriu a Constituição no tocante à prática do nepotismo e que foi o mandante de pelos menos parte dos ilícitos imputados ao ex-diretor Agaciel Maia.

Se o Senado, o Conselho de Ética, a tropa de choque, presidente Luiz Inácio da Silva e agregados ainda assim continuarem sustentando que Sarney é vítima de uma conspiração e sua permanência na Casa deve ser defendida, é porque estão dispostos a daqui em diante serem tratados como cúmplices.

Não que isso lhes renda algum prejuízo imediato, mas só por uma questão de nitidez de procedimentos e de respeito aos fatos.

O primeiro e mais eloquente deles remete a uma declaração do já diretor-geral afastado do cargo, avisando que não poderia nem admitiria ser responsabilizado sozinho pela edição de decisões administrativas validadas ao arrepio do preceito constitucional da publicidade.

"Ninguém pode dizer que não sabia", afirmou Agaciel há pouco mais de um mês. No dia 13 de junho, três depois de o Estado revelar a existência dos atos, coincidentemente no mesmo dia 10 em que o ex-diretor casou a filha numa cerimônia à qual compareceram três ex-presidentes da Casa: Renan Calheiros, Garibaldi Alves e, no altar como padrinho, José Sarney.

As denúncias sobre os desmandos já eram divulgadas havia quatro meses e, havia dois Agaciel estava afastado do posto. Ainda assim, aos senadores não ocorreu a inadequação das presenças que confirmavam os laços de intimidade com o funcionário de conduta já condenada. Bem como os organizadores da festa não atinaram para a impropriedade do fundo musical com a trilha sonora do filme O Poderoso Chefão.

Descuido de quem não deve? Não, descaso de quem não teme a lei por acreditá-la forte apenas para as pessoas comuns.

As gravações dos diálogos entre o filho do senador, o empresário Fernando Sarney, a filha dele, Maria Beatriz, e o patriarca da família - obtidas com autorização judicial pela Polícia Federal durante uma investigação de tráfico de influência tendo Fernando Sarney como principal alvo - valem por um compêndio em matéria de malversação de poder político.

Mas não revelam só a total sem-cerimônia de uma família no tocante ao uso privado do bem público. Não deixam a menor dúvida a respeito dos modos e meios de atuação do presidente do Senado e a forma pela qual formou seus descendentes dentro do mesmo conceito.

Não é o único? Não, mas é a síntese.

Em meio às conversas em que um avô, um filho e uma neta consideram-se donos de um feudo no Senado Federal, uma frase de Agaciel Maia é definitiva: "Fernando, isso daí só você conversando com o presidente (Garibaldi Alves) ou com seu pai, eu não tenho autonomia."

Referia-se ao pedido que lhe fazia Fernando para "segurar" para o namorado da filha a vaga antes ocupada pelo filho. O empresário, por sua vez, atendia ao apelo da moça que, conforme lhe ensinara a família, achou que o posto pertencia ao clã.

Estava certa. Dias depois, mediante "uma palavrinha" do avô, o rapaz estava devidamente empregado. De qualificações, funções, tarefas a serem exercidas, de nada disso se tratou nos telefonemas.

Ao contrário. Numa outra gravação, esta reproduzindo diálogo entre Fernando Sarney e o filho João Fernando, o que se registra é a zombaria de ambos pelo fato de o rapaz ter sido chamado ao gabinete empregador, do senador Epitácio Cafeteira, para ele dar uma olhada no funcionário.

Nas conversas sobre emprego, só interessa quem deveria falar com quem para fazer de alguém o beneficiário da "colocação". E, como informou o diretor-geral, para isso seu poder era restrito. Decisões dessa ordem cabem ao chefe.

Ou chefes, pois as quatro palavras fatais - "eu não tenho autonomia" - de Agaciel Maia deixaram bem claro que quaisquer nomeações relativas a senadores eram liberadas mediante autorização superior.

Além da responsabilidade específica de José Sarney, fica estabelecido também o nexo entre as ações do ex-diretor geral e as decisões dos senadores que ficam, assim, sob suspeição passível de investigação para que se possa iniciar o tão reclamado trabalho de separação do joio do trigo. Isso na otimista hipótese de existir tal divisão.

Lassidão

Nos dois casos recentes envolvendo repasses de verbas da Petrobrás - o desvio de recursos de um patrocínio à Fundação Sarney e o contrato de financiamento com uma empresa em cujo endereço funciona um canil -, a empresa diz que não tem nada com isso.

No primeiro, a fiscalização caberia ao Ministério da Cultura e, no segundo, à Prefeitura do Rio.

Ainda que possa ter razão formal, a Petrobrás teria no mínimo a obrigação de demonstrar algum interesse sobre o emprego do dinheiro que distribui. Por essas e várias outras, a CPI.

Lula e Dilma lançam plano safra com comício e criança no colo

Paulo de Tarso Lyra, de Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O lançamento, ontem, do Plano Safra 2009/2010, que destina R$ 15 bilhões para a agricultura familiar, transformou-se num grande ato de campanha da candidatura Dilma Rousseff à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, ambos presentes ao evento. Imagens foram projetadas em um telão encadeando trabalhadores e empresários para fazer elogios ao governo, somados a discursos de representantes sindicais enaltecendo os avanços do setor durante a gestão petista e até crianças sentando no colo de Lula e de Dilma.

Diante de um auditório com cerca de 1,5 mil pessoas, Lula fez um alerta aos presentes: "Daqui a um ano vamos ter eleição. Temos que colocar pessoas que possam melhorar as coisas. Precisamos travar este debate ao invés de dizer que não gostamos de política, porque, se isto acontecer, a gente sabe bem onde vai dar". Disse ainda que os presentes não poderiam permitir que "voltasse a governar este país alguém para o qual a Marcha dos Prefeitos é uma afronta, conversar com reitores é uma afronta". E completou: "Este povo ficou tanto tempo na miséria porque faltava gente que entendesse e desse oportunidades para eles", declarou o presidente.

Como o montante total do financiamento já era conhecido, o evento serviu exclusivamente para a celebração política. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, falou por quase 40 minutos. A cada ponto do discurso, um discurso ufanista surgia na grande tela: por ela, desfilaram o presidente da Anfavea, Jackson Schneider; da Abimaq, Luiz Auberto Neto; do Banco do Brasil, Aldemir Bendini; o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias; além de pequenos produtores beneficiados com financiamento para tratores e até merendeiras que utilizam alimentos oriundos da agricultura familiar no lanche das crianças.

Depois da longa exortação, Cassel deu a deixa da principal motivação do encontro: "Ministra (Dilma Rousseff), nós queremos continuar caminhando e queremos muito mais que isto", dirigindo-se à candidata do PT à sucessão de Lula. Ao começar seu discurso, o presidente falou de si próprio, sem rodeios. "Eu me levantei porque o meu ego não cabia mais na cadeira. Eu fui inchando, inchando, inchando, é muito orgulho. Todo mundo gosta de ser reconhecido".

Lula aproveitou para fazer uma ode a toda sua gestão. "Pode ser que algum governo tenha feito, em algum momento, coisas iguais ao que nós fizemos. Mas fazer mais do que a gente fez, em qualquer área, eu duvido", desafiou. O presidente retomou um de seus temas favoritos da campanha de 2006, ao dizer que as pessoas perceberam que, quando um pobre ganha, os ricos também ganham. "Temos que acabar com este antagonismo imbecil de que tem que haver uma maioria pobre e uma minoria rica".

Outro discurso fundamental para a vitória de 2006 também foi lembrado quando Lula citou as dificuldades que o Banco do Brasil tinha para emprestar dinheiro aos pequenos produtores: "Era uma cultura disseminada desde a época em que queriam privatizar o Banco".

DEM quer, e precisa, voltar a ser governo

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Ser oposição foi um desastre para o DEM, ex-PFL. O partido encolheu eleitoralmente nos sete anos que esteve fora do poder e tem assistido a uma gradativa e persistente redução da sua influência regional. O DEM não tem hoje a hegemonia sobre o eleitorado das regiões mais pobres do país. Foi desbancado pela influência direta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do seu programa de transferência de renda, o Bolsa Família, junto ao eleitorado de menor renda. Nas últimas eleições municipais, conseguiu fincar uma bandeira em solo paulista, onde não tinha expressão até então, devido a uma sólida aliança com o PSDB do governador José Serra (PSDB). Este, todavia, é um ganho que não compensa a perda de votos e prestígio que sofreu principalmente no Nordeste, e nem é uma consagração definitiva de um eleitorado identificado com o partido em São Paulo. O prefeito da capital, Gilberto Kassab (DEM), jamais seria prefeito se, como vice, não tivesse assumido o cargo quando Serra se elegeu governador. Kassab tem aproveitado a "carona" na popularidade tucana na capital e cultivado os seus próprios eleitores - foi reeleito em 2008, afinal - mas ainda assim cresce como linha auxiliar do PSDB.

Sair da oposição tornou-se um imperativo de sobrevivência: o DEM precisa voltar a ser partido da situação, segundo avaliação interna. O PFL trocou seu nome para DEM, mas não conseguiu mudar a realidade: pela sua natureza, seu desempenho eleitoral e sua influência política dependem fundamentalmente da relação com o governo federal. Eram os seus líderes regionais, principalmente nos Estados mais pobres, que o alimentavam de governadores e bancadas na Câmara e no Senado, quando o partido estava no poder (e esteve sempre antes de Lula), e essas lideranças não sobrevivem sem apoio oficial. O DEM é um PMDB - que também encolhe quando se afasta do poder - na sua versão ideológica.

O ex-PFL apenas conseguiu manter a sua influência regional enquanto exerceu o papel de mediador de verbas e favores do governo federal para os chefes locais. E não conseguiu contrariar a sua história mesmo vestindo outro nome e guindando aos principais postos do partido a "nova geração" - os novos líderes, afinal, são herdeiros diretos dos antigos chefes pefelistas nos Estados (filhos, netos, sobrinhos etc). A lógica de poder dentro do partido não mudou: os que chegam tentam retomar os espaços perdidos por seus parentes na política regional.

O partido perdeu muito nesses dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 2002, quando o candidato petista venceu o tucano Geraldo Alckmin, o então PFL já sentiu um baque na sua representação. Nas eleições de 1998, em coligação com o PSDB de Fernando Henrique Cardoso, conseguiu eleger a maior bancada na Câmara: 105 deputados. Quatro anos depois, a aliança PSDB-PFL foi derrotada depois de governar por dois mandatos consecutivos. O PFL, que foi para as eleições como partido no poder e saiu como oposição, pagou o primeiro preço: perdeu o status de maior bancada da Câmara, ao eleger 84 deputados federais, para o PT, que conseguiu 91. E pagou outro preço em seguida: a força de atração do governo sobre os eleitos do DEM produziu baixas até o dia da posse, em fevereiro de 2003: assumiram apenas 75 pefelistas. Os demais foram para outros partidos da base governista.

Nas eleições de 2006, quando completava três anos na oposição ao governo federal, o então PFL elegeu apenas 65 deputados e perdeu três deles para a base aliada. Foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar uma debandada. Tornou-se a quarta bancada na Câmara. É ainda a segunda força no Senado porque as eleições passadas renovaram apenas um terço da Casa. Se não reverter a tendência ao encolhimento, no entanto, o partido pode ser fatalmente abalado nessas eleições, quando serão renovados dois terços do Senado. A retração do DEM também atingiu o número de governadores: elegeu apenas um nas eleições passadas, José Roberto Arruda, do Distrito Federal. Se sofrer novo grande impacto na sua representação, nas eleições de 2010 corre o risco de tornar-se um "nanico".

A ordem agora é sair da oposição, afirma uma fonte do partido. A debacle do partido vinculou seu destino mais ainda ao do PSDB, com quem, aliás, disputa votos conservadores em algumas regiões. Como voltar a ser governo é uma questão de sobrevivência, o DEM apoiará qualquer candidato que os tucanos escolham, sem nenhuma exigência prévia, exceto a de vencer.

O partido não disputa a vice-presidência. Nas avaliações internas do ex-PFL, considera-se que o lugar tem que ser reservado para composições futuras - dos dois candidatos do PSDB à Presidência ou com o PMDB. Avalia-se que uma chapa "puro sangue", com José Serra e o governador de Minas, Aécio Neves, tem chances maiores de vitória contra a candidata de Lula, Dilma Rousseff, porque pode evitar ou neutralizar o apoio do PMDB ao PT. Aécio, pela sua proximidade com a legenda, poderia ser o pretexto definitivo para o PMDB rachar em dois, como tem feito em todas as eleições presidenciais, e não dar o apoio oficial pretendido pelo PT, segundo essa análise. Sem coligação formal, Dilma não se beneficiaria do tempo de propaganda eleitoral gratuita do partido, que é maior do que todos os outros, e poderia desequilibrar a disputa a seu favor. A tática número um seria evitar que o PT consiga esse tempo de televisão.

A outra seria capitalizar os votos de Aécio Neves em Minas e somá-los à influência de Serra no Sul e no Sudeste. Pelas contas de um dirigente, Minas compensaria os votos que o DEM perdeu, e Lula tem, no Norte e no Nordeste. No Sul, o único Estado que poderia desequilibrar em favor do PT tem chances de reverter essa tendência: no Paraná, o governador Roberto Requião (PMDB-PR) negocia sair da aliança governista e compor com o PSDB e o DEM no Estado para garantir a sua eleição ao Senado.

Por enquanto, a única coisa que os demistas podem fazer no momento é torcer. E acenar com apoio incondicional a qualquer candidato tucano, em qualquer circunstância. Agora, como nunca, o destino do ex-PFL está nas mãos do PSDB.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

De alfinetes e ameaças

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Um minuto depois de jurar que jamais colocaria "um alfinete para atrapalhar uma investigação" [do Ministério Público], o presidente Luiz Inácio Lula da Silva jogou um caminhão inteiro de mísseis, não de alfinetes, no caminho dos procuradores.

Disse o presidente, na posse do procurador-geral da República: "Um dia vai aparecer alguém que vai achar que vocês são demais e vai propor mudanças no Congresso Nacional. Sabemos que a mudança nunca será por mais liberdade e sim por mais castramento".

Lula sabe perfeitamente que o Congresso Nacional está discutindo limites à atuação dos procuradores, ou seja, que já apareceu alguém que quer "castrar" esse pessoal que, descontados alguns abusos, tem sido de extraordinária valia para a República.

A frase de Lula roça até na ameaça, ainda mais que ela está claramente vinculada à descabelada tese segundo a qual nem todos são iguais perante a lei, posto que um político como José Sarney não pode ser tratado como "pessoa comum".

Ante os procuradores, Lula insistiu nessa rematada tolice, ao dizer que o investigador "tem que pensar não apenas na biografia de quem está investigando, mas na de quem também está sendo investigado" (a reprodução é literal de uma frase algo pedregosa).

Não, presidente, quem tem que pensar na biografia é o próprio biografado, que não pode cometer crimes, trambiques ou imoralidades. É correto, presidente, o investigador inocentar um assassino só porque, nos 50 anos anteriores, sua biografia era exemplar?

A insistência nesse despautério fez um ouvinte da CBN enviar mail à emissora ontem suspeitando que Lula está, na verdade, impetrando um habeas corpus preventivo para a sua própria biografia quando deixar o Palácio do Planalto. Homens públicos pagam o preço pelo que fazem e também pelo que dizem.

Gravações complicam Sarney no Senado por falta de decoro

Adriana Vasconcelos e Jailton de Carvalho Brasília
DEU EM O GLOBO

PF descobre que filho de senador tinha informante até na Abin

Aumentaram os pedidos de abertura de processo contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), por quebra de decoro parlamentar, depois que foram divulgadas gravações que o ligam diretamente ao escândalo dos atos secretos. As conversas mostram Fernando Sarney, filho do senador, pedindo a interferência do pai junto ao então diretor-geral da Casa, Agaciel Maia, para garantir a nomeação do namorado da filha Maria Beatriz Sarney, a Bia, para um cargo na instituição. O rapaz acabou nomeado por ato secreto.

A PF requisitará as fitas para investigar o caso. Sarney culpou o PT pelas denúncias, e disse que não renuncia. Outras gravações mostram que Fernando Sarney tinha informantes até na Abin.

Na posse do procurador-geral da República, Lula pediu cuidado com a biografia dos investigados.

E agora, José?

Gravações ligam Sarney a atos secretos e podem levar a processos no Conselho e no STF

Apressão para que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), se afaste do cargo voltou a crescer ontem com a divulgação, pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, de gravações de conversas telefônicas nas quais seu filho Fernando Sarney pede sua interferência junto ao então diretor-geral da Casa, Agaciel Maia, para garantir a nomeação do namorado da filha Maria Beatriz Sarney para um cargo na instituição. As gravações ligam diretamente Sarney ao escândalo dos atos secretos, já que o namorado da neta foi nomeado por um deles, assinado pelo então diretor-geral Agaciel Maia, já afastado do cargo.

A nomeação de Henrique Dias Bernardes, namorado da neta de Sarney, assim como a exoneração do irmão dela, Bernardo, foram feitas por ato secreto. O de Henrique foi no dia 11 de abril de 2008, e o do Bernardo Brandão Cavalcanti Gomes, irmão da Bia por parte de mãe, no dia 23 de março de 2003.

— Sarney deveria renunciar ao mandato de presidente — voltou a defender o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que vai pressionar a cúpula do seu partido a se unir ao PSOL na representação contra o senador no Conselho de Ética.

Em outra frente, Cristovam e o senador Pedro Simon (PMDB-RS) se reunirão hoje para tentar garantir uma reunião extraordinária do Conselho de Ética no recesso para discutir a situação de Sarney.

Renato Casagrande (PSB-ES), exintegrante do Conselho de Ética, disse que as gravações são a peça que faltava para provar que Sarney teve participação na edição de atos secretos, base da representação que já existe no Conselho pedindo abertura de processo contra ele por quebra de decoro parlamentar.

— A conversa de Sarney com o filho, e depois a nomeação do namorado da neta por ato secreto oito dias depois, reforçam a representação por quebra de decoro. Ele dizia que não tinha nada a ver com isso, o que foi desmentido pelas gravações da PF. É a impressão digital de Sarney nesse processo. E como aconteceu no ano passado, o presidente do Conselho não pode arquivar a representação do PSOL com o argumento de que são fatos anteriores a seu mandato — disse Casagrande.

Para o líder do DEM, José Agripino (RN), a situação de Sarney ficou ainda mais delicada: — As gravações demonstram uma proximidade excessiva de Agaciel e Sarney, e relações de empregos com viés doméstico inconvenientes e reprováveis.

E isso, claro, piora a situação do presidente do Senado.

A disposição do PMDB é de continuar dando sustentação ao presidente do Senado. Mas, cientes de que o clima de confronto poderá piorar após o recesso, os aliados começaram a articular uma reação, reforçando as ameaças que vinham fazendo de maneira mais discreta até agora: se Sarney cair, levará consigo pelo menos meia dúzia de senadores.

O grupo já estaria, inclusive, reunindo dados para a apresentação de representações no Conselho de Ética contra os principais críticos de Sarney.

Entre os alvos está o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), que anunciou ontem sua intenção de protocolar a quarta denúncia contra Sarney no Conselho de Ética. Ele encaminhou ainda um pedido ao novo procuradorgeral da República, Roberto Gurgel, solicitando investigação sobre a responsabilidade penal de Fernando Sarney e Agaciel Maia na denúncia de tráfico de influência para nomeação de servidores no Senado.

O senador Tião Viana (PT-AC), que perdeu no início no ano a disputa pela presidência do Senado, também estaria na mira dos aliados de Sarney.

No DEM, o alvo mais provável deverá ser o senador Efraim Morais (PB), que ocupou a 1aSecretaria.

O delegado da Polícia Federal Gustavo Buquer, responsável pelo inquérito sobre atos secretos, decidiu ontem pedir à Justiça Federal do Maranhão cópias das gravações em que Sarney intercede em favor da nomeação do namorado da neta para um emprego na Casa. A partir daí, o presidente do Senado, que até então tentava se manter distante dos abusos cometidos pelo ex-diretor-geral Agaciel Maia, pode se tornar um dos principais alvos das investigações criminais sobre nomeações secretas.

Para a polícia, os diálogos contêm indicações de suposta ligação de Sarney com crimes investigados no inquérito aberto em maio para apurar nomeações, demissões, transferências e concessões de benefícios para senadores e funcionários em atos sigilosos.

Caso a expectativa dos investigadores se confirme, o inquérito será transferido da Justiça de primeira instância para o Supremo Tribunal Federal (STF), instituição que tem, entre suas atribuições, oficiar investigações relacionadas a pessoas com foro privilegiado, como é o caso do presidente do Senado.

Num primeiro passo, Buquer pedirá à Justiça Federal cópia dos diálogos gravados pela PF, na chamada Operação Boi Barrica, ano passado.

A partir daí, Buquer e o procurador Gustavo Velloso vão fazer nova análise dos trechos em que Sarney é mencionado. Mas a mudança de foco é dada como certa. Numa das conversas, Sarney afirma que vai conversar com Agaciel para acertar a nomeação do namorado da neta, que ocuparia a vaga de um meio-irmão de Beatriz.

— A divulgação dos diálogos foi um tiro na investigação. Provavelmente o inquérito sobre atos secretos vai subir para o Supremo. Não há como não se fazer o vínculo entre o presidente do Senado e os atos secretos que estão sendo investigados — disse ao GLOBO uma autoridade que está acompanhando o caso de perto.

Transferência para STF atrasa apuração

A PF apontará formalmente os vínculos entre Sarney e os atos secretos a contragosto. Para investigadores do caso, a transferência do inquérito para o STF atrasará a apuração. Pela lei, depois de remetido ao STF, os autos terão que ser apreciados pelo procuradorgeral da República, Roberto Gurgel.

Caberá a ele decidir se os indícios são realmente suficientes para abrir inquérito contra Sarney e, com isso, manter as investigações no STF. No STF, as investigações criminais são, naturalmente, mais lentas que na primeira instância do Judiciário.

Desde o início das investigações, a PF vinha fazendo levantamentos sobre os responsáveis e os beneficiários dos atos secretos. O trabalho tinha como ponto de partida as investigações de uma comissão de sindicância do próprio Senado. Há duas semanas, Sarney enviou ofício pedindo que a PF apurasse as responsabilidades pelos atos secretos. A PF respondeu que o inquérito já estava aberto.

Lula pede cuidado com 'biografia de investigados'

Felipe Recondo e Leonencio Nossa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente já havia dito que Sarney não é uma "pessoa comum"

Na solenidade de posse do novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu cuidado com a história dos investigados. "O Ministério Público tem o dever de agir com a máxima seriedade, não pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação, mas pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado", afirmou. Lula já tinha declarado que o presidente do Senado, José Sarney, alvo de uma série de denúncias, não pode ser tratado como “pessoa comum”. O novo procurador-geral prometeu lutar contra propostas que limitem o poder de investigação do Ministério Público. "É preciso que o órgão continue tendo a liberdade para combater todas as ameaças aos direitos dos brasileiros", disse Gurgel

Frase

"No Brasil, dependendo da carga de manchetes da imprensa, a pessoa já está condenada"

Presidente Lula

Lula pede cuidado com ""biografia dos investigados""

Na solenidade de posse de novo procurador, ele pede que Ministério Público aja com ""máxima seriedade""

Em meio à série de denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem ao novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que o Ministério Público deve levar em consideração a biografia dos investigados. Em 18 de junho, do Casaquistão, Lula já fizera apelo similar, ao questionar a ligação do senador com os atos secretos e declarar que Sarney tem histórico e não pode ser tratado como "pessoa comum".

"A única coisa que eu peço é que uma instituição que tem o poder que tem o Ministério Público brasileiro, garantido pela Constituição, tem o dever e a obrigação de agir com a máxima seriedade, não pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação, mas pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado", afirmou Lula ontem, na última cerimônia de posse de um procurador-geral em que participa como presidente.

"No Brasil, dependendo da carga de manchetes da imprensa, a pessoa já está condenada. Depois, não adianta ser absolvida, porque não valeu nada aquilo, a pessoa já está condenada", afirmou o presidente.

A declaração está afinada com apelo do próprio Sarney aos colegas, em 16 de junho, no seu primeiro discurso sobre a crise no Senado. "É injustiça do País julgar um homem como eu, de postura austera, família bem composta", declarou, à época, o senador. "Nunca neguei um voto que fosse a não ser no sentido de avançarmos na melhoria dos costumes da Casa."

À tarde, porém, quando questionado pela imprensa sobre as interceptações telefônicas reveladas ontem pelo Estado, que reforçam as suspeitas sobre Sarney, Lula evitou voltar ao assunto. Após participar do lançamento do Plano Safra de Agricultura Familiar 2009/2010, no Museu da República, ele passou direto pelos jornalistas, que perguntavam se o governo continuaria defendendo Sarney.

A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que no decorrer da crise também deu declarações a favor do presidente do Senado, também saiu do evento sem dar uma palavra sobre o aliado no Congresso.

""CASTRAMENTO""

No primeiro evento de que participou, ao lado de Gurgel, Lula também alertou que o Congresso pode se sentir motivado, ante abusos, a promover alterações na Constituição para reduzir os poderes do Ministério Público. "Sabemos que a mudança nunca será por mais liberdade, mas por mais castramento."

Apesar do apelo e de criticar o "show de pirotecnia" em alguns casos, Lula avisou que jamais vai interferir em investigações feitas pelo Ministério Público. "Eu não tenho dúvida de que neste um ano e meio que vamos ter pela frente jamais farei um pedido, um alfinete para impedir investigação."

Prova disso, segundo ele, foi o fato de ter indicado, desde o primeiro mandato, os procuradores mais votados pela categoria e incluídos em lista tríplice não-oficial encaminhada ao Palácio do Planalto.

"Isso foi por garantia minha. Se amanhã alguém disser que o procurador não é bom, a culpa é da categoria", disse o presidente, arrancando risos da plateia. Pela Constituição, Lula poderia escolher livremente um membro da carreira para comandar o Ministério Público.

A rebeldia do PT gaúcho

Jarbas de Holanda
Jornalista

O lançamento do ministro Tarso Genro como candidato ao governo do Rio Grande do Sul, feito na semana passada, bloqueia de vez uma composição entre o PMDB e o PT local e constituiu a primeira decisão de um diretório regional deste partido contrária ao comando do presidente Lula para a subordinação da montagem de alianças regionais à prioridade da campanha nacional de Dilma Rousseff. Tal decisão, ademais de reforçar as resistências de setores peemedebistas de vários estados ao apoio formal a Dilma, dificultará outro objetivo do Palácio do Planalto: uma reversão da debilidade do PT e do próprio lulismo na região sul, especialmente no eleitorado gaúcho, por meio de composições com o PMDB centrista. O diretório petista justificou a precipitação da candidatura com o argumento de que o nome de Tarso Genro lidera as pesquisas de intenção de voto, ignorando que ele fica bem abaixo da soma dos dois pré-candidatos do PMDB – o prefeito de Porto Alegre José Fogaça e o ex-governador Germano Rigotto. E o próprio Genro apressou-se em declarar, buscando reduzir a irritação do Planalto, que sua campanha e a do peemedebista a ser escolhido poderão funcionar como dois palanques da campanha de Dilma, que ele sabe bem que não ocorrerá. Na verdade, o lançamento da candidatura própria do PT, que torpedeou os esforços de Lula e de Dilma para a composição com um dos pré-candidatos do PMDB, facilitado pela tradição de conflitos que o contrapõem aos petistas, tem significado e implicações mais amplas.

De um lado, o fato reflete a predominância no PT do Rio Grande do Sul da corrente Mensagem ao Partido sobre o grupo hegemônico na direção nacional, Construindo um novo Brasil , sucessor da antiga Articulação, que é dirigido, também, pelo ex-ministro José Dirceu e está bem afinado com a prioridade da candidatura presidencial de Dilma Rousseff. De outro lado, a iniciativa antecipou a disputa do controle da direção central do partido, no pós-governo Lula, nos cenários de vitória ou de derrota da candidatura oficialista, entre as duas correntes. A de Dirceu-Berzoini, que dá sustentação ao pragmatismo lulista e é associada ao mensalão e outros recentes escândalos político-administrativos. E a Mensagem, que se apresenta combinando um discurso ético a posições ideológicas com as quais busca uma recomposição da esquerda petista.

O que funcionou a contento na defesa da candidatura de Tarso Genro contra as pressões de Lula. Com a frustração do apoio do PMDB gaúcho a Dilma, mas, certamente, sem que isso tenha peso e repercussão suficientes para impedir a formalização do apoio nacional do partido à campanha dela (que Lula está fechando com as duas principais bandas da legenda – a da Câmara e a do Senado).

Prévias em São Paulo entre Alckmin e Aloysio

Reportagem do Valor, de ontem – “PSDB-SP avalia prévias para escolha dos candidatos ao governo e ao Senado” – caiu como uma bomba no universo dos tucanos paulistas. Abertura da matéria: “A exemplo do que deve correr com os governadores de Minas, Aécio Neves, e de São Paulo, José Será, o PSDB avalia transferir a solução encontrada para a existência de dois candidatos a presidente para a sucessão estadual paulista. A hipótese começa a ganhar força e é tida como a melhor saída para que os dois pretendentes ao cargo, o secretário da Casa Civil, Aloysio Nunes, e o secretário de Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, não façam com que o partido entre dividido em mais uma eleição no estado. Assim, como na disputa em plano nacional, os principais defensores da idéia são aqueles que estão com o mais baixo índice de intenção de votos, no caso os tucanos ligados a Aloysio...” Mais adiante: “A fórmula que ora prevalece é que votem os 4.004 delegados do partido distribuídos entre os 645 municípios. Também se avalia a possibilidade de um processo eleitoral interno que restrinja a disputa a 150 integrantes do diretório regional, composto em sua maioria por integrantes de cargos eletivos nos planos federal e estadual”. Em outro trecho, a reportagem informa que as prévias poderão ser aplicadas também para a indicação que o PSDB deverá fazer de um dos candidatos ao Senado (e a aliança por ele dirigida), pois a outra vaga de postulante deverá ser de Orestes Quércia, conforme o acordo feito pelo governador Serra para o apoio do PMDB a Gilberto Kassab, na eleição para prefeito da Capital.

Honduras é a segunda Colômbia de Chávez

Demétrio Magnoli
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Honduras, em si mesma, não tem importância econômica e perdeu uma efêmera relevância estratégica desde o encerramento da Revolução Sandinista, na Nicarágua, há duas décadas. Mas no pequeno país se joga a sorte do projeto de expansão da "revolução bolivariana" de Hugo Chávez.

No Parque Central de Tegucigalpa ergue-se a estátua equestre de Francisco Morazán, herói nacional hondurenho e líder da República da América Central, o Estado de inspiração bolivariana que unificou, entre 1823 e 1840, quase todo o istmo centro-americano. O Morazán histórico era um liberal e tinha nos EUA o modelo para sua República federalista. Contudo Eduardo Galeano e Gabriel García Márquez, artesãos de uma mitologia latino-americanista, incorporaram-no a um panteão lendário de personagens anti-imperialistas. Chávez, por sua vez, enxergou na Honduras de Manuel Zelaya a oportunidade para restaurar a República da América Central como uma das peças de seu almejado bloco antiamericano.

A República da América Central desmoronou sob os efeitos do conflito oligárquico entre liberais e conservadores. As duas correntes coagularam-se em Honduras como os Partidos Liberal (PLH) e Nacional (PNH), que configuraram um duopólio e governaram o país durante quase todo o século 20, numa dinâmica interrompida apenas por ciclos de regimes militares. O último desses ciclos se encerrou pela elaboração de uma Constituição que, expressando um consenso entre os dois partidos, estabilizou a democracia oligárquica hondurenha.

A Constituição de 1982 é um documento curioso. Vazada em linguagem democrática, ela assegura a hegemonia do duopólio partidário e a alternância de poder entre o PLH e o PNH. Para evitar a ascensão de um caudilho subordina a realização de consultas populares à aprovação de uma maioria de dois terços do Congresso. O ferrolho completa-se com os artigos 373, que só permite emendas constitucionais pelo voto de dois terços dos parlamentares, e 374, que define o mandato único presidencial de quatro anos como cláusula pétrea. Adicionalmente, o artigo 42 prevê a punição de perda de cidadania pelo crime de "incitar o continuísmo ou a reeleição" presidencial, o artigo 239 determina a "cessação" imediata das funções públicas de quem "proponha a reforma" da cláusula do mandato presidencial único e o artigo 272 consigna, entre as funções das Forças Armadas, a defesa da alternância na presidência. Zelaya, um integrante da elite do PLH, rico criador de gado e comerciante de madeira, elegeu-se em 2005 e sonhou elevar-se a caudilho. A sua pretensão envolveu Honduras no turbilhão da "revolução bolivariana".

Zelaya não se permitiria sonhar, não fosse o chavismo. Mas o candidato a caudilho alinhou Honduras à Aliança Bolivariana das Américas (Alba), o bloco geopolítico liderado por Chávez, incorporou o país à Petrocaribe, um sistema de fornecimento de petróleo a preços subsidiados pela estatal petrolífera venezuelana, e, quando perdia apoio popular, lançou-se à aventura de reformar a Constituição por meio de um referendo. Em Honduras o presidente é pouco mais que um funcionário administrativo da elite política liberal-conservadora. A deposição de Zelaya, por um golpe militar apoiado pelo Congresso e pela Corte Suprema, evidenciou a força do consenso oligárquico num país cuja legislação não prevê o instrumento do impeachment.

A condenação consensual do golpe esconde a divergência de fundo entre as condutas dos EUA e da Venezuela. A Carta Democrática da Organização dos Estados Americanos (OEA), instituída como plataforma para a reinvenção da organização pan-americana no pós-guerra fria, determina a suspensão da participação de Estados que sofrem ruptura da ordem democrática. Em consonância com ela, Washington votou pela suspensão de Honduras. O gesto de coerência com os princípios da democracia inscreve-se na política de preservação da OEA como ponte entre os EUA e a América Latina e estabelece parâmetros a serem aplicados também nos casos de Cuba e, eventualmente, da própria Venezuela. Mas o governo Obama não cortou o tratado comercial bilateral com Honduras. Ele pressiona por um acordo entre Zelaya e o governo de facto que propicie a realização de eleições e afaste o intento continuísta.

Chávez precisa de um outro desfecho da crise: a reinstalação incondicional de Zelaya na presidência e uma ruptura política que o eleve à condição de caudilho. Antes do golpe, o venezuelano providenciou as cédulas para o referendo hondurenho, que havia sido declarado ilegal pela Corte Suprema. Depois, coordenou a tentativa frustrada de retorno de Zelaya, em avião cedido pela Venezuela. Agora, dirige indiretamente os confrontos entre os apoiadores do presidente deposto e as forças do governo de facto no território de Honduras. Diversos indícios sugerem que militantes chavistas ingressam em Honduras, através da Nicarágua de Daniel Ortega, um firme aliado do chavismo.

As iniciativas ousadas de Chávez no teatro hondurenho não refletem o avanço, mas o impasse da "revolução bolivariana" que se desenhou com o fracasso na Colômbia. Há pouco mais de um ano, o desfecho da crise dos reféns na selva colombiana destruiu o projeto chavista de alcançar o reconhecimento internacional das Farc como força beligerante. Hoje, por uma das proverbiais ironias da História, a recessão econômica global corta as rendas petrolíferas que possibilitaram a projeção regional da influência da Venezuela. Na América Central, Honduras tendia a abandonar a Alba após o final do mandato de Zelaya, reduzindo o bloco a uma Cuba que ruma sem leme para o desconhecido e à Nicarágua do governo impopular e autoritário de Ortega.

A "revolução bolivariana", como toda revolução, só tem as alternativas de se expandir ou de estagnar e morrer. Chávez não pode admitir uma segunda Colômbia. Por isso precisa cobrir o cavalo de Morazán com a bandeira da Alba.

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP.

Carne com crime

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O BNDES é réu em ação no Pará porque é sócio da Bertin, um dos vários frigoríficos processados pelo Ministério Público por comprar gado de área de desmatamento. Ontem, o BNDES anunciou uma série de exigências ao setor de carne, mas com prazos longos. Só em 2012 exigirá rastreabilidade de seis meses do rebanho; só em 2016 exigirá rastreabilidade desde o nascimento.

A Nike ontem anunciou que não compra couro de gado proveniente do bioma Amazônia, até que haja “um sistema de governança confiável”.

O Wal-Mart anunciou na segunda-feira que nem com o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelos frigoríficos com o MP do Pará, a rede retomaria as compras. Exige uma auditoria independente para voltar a confiar nos fornecedores.

O cerco se fecha, o mercado pressiona, empresas que querem zelar pela sua imagem não querem aparecer como sócias do desmatamento da Amazônia.

Tudo isso teve origem no trabalho do Ministério Público do Pará. Um trabalho lento, minucioso, difícil. Começou há quase três anos, no meio da ausência absoluta de informação. O Ibama fiscalizava, autuava e multava. Em geral, o que aparecia era um laranja. O MP processava um por um, mas a lei permite que a pessoa saia pagando uma cesta básica. O MP tentou saber coisas simples como onde estava o gado do Pará, quem era dono de cada fazenda.

Mas nada era fácil.

— Nos cartórios, as informações mostram propriedades que somadas dão três vezes o estado do Pará.

Não há nenhum órgão público com informação organizada sobre os produtores, quem são, onde eles estão, limites da fazenda — disse o procurador Daniel César Azeredo Avelino, que está à frente do caso.

Surgiu a ideia de ir pela cadeia produtiva, tentando saber quem comprava das fazendas embargadas pelo Ibama. O fio da meada foram os documentos de Guia de Transporte de Animal (GTA) da Secretaria de Fazenda: — As GTAs são guias em papel, precárias, com cópia feita com carbono e tudo o que o vendedor do gado tem que informar é o CPF do proprietário, nome da fazenda e quantidade de bois.

Começamos analisando esses documentos de carbono apagado, gastamos um ano analisando 100 mil GTAs. Depois, cruzamos isso com os ilícitos ambientais.

São 2.300 fazendas embargadas pelo Ibama.

O governo do Pará havia lançado o Cadastro Rural Ambiental, em que o produtor tinha que registrar nome, documentos, a fazenda e suas coordenadas. Nem precisava de georeferenciar. Das 110 mil fazendas do estado, só 600 aderiram a esse pedido de informação porque a Federação da Agricultura do Pará (Faepa) orientou que elas não dessem os dados: — Elas preferiram ficar invisíveis aos olhos do estado e por incentivo dos representantes de classe.

O MP então procurou os frigoríficos e outros clientes que compravam das fazendas que estavam na lista dos que desmatavam. Foi assim que se chegou aos grandes supermercados, a Bertin, Minerva, Frigol, e outros 11 frigoríficos, Sadia, Perdigão, Seara, Vulcabras-Reebok. O MP recomendou às empresas que não comprassem de fazendas embargadas e dos frigoríficos que compram delas, sob o risco de responder solidariamente pelo crime.

Enquanto isso, o Greenpeace lançou seu estudo de todos os outros estados amazônicos denunciando outros grandes frigoríficos como Marfrig e Friboi, Quatro Marcos.

O BIRD anunciou a suspensão de um financiamento a Bertin. Marfrig anunciou que não compraria de pecuaristas que desmatassem.

Os supermercados suspenderam a compra de carne de frigoríficos envolvidos nesse assunto. Eles então procuraram o Ministério Público para fazer um Termo de Ajustamento de Conduta. Os supermercados falaram em voltar a comprar, mas o WalMart disse que só o faria depois da contratação da auditoria independente para ter certeza de onde vem a carne.

O procurador concorda.

— A auditoria independente é fundamental. No Mato Grosso, por exemplo, os produtores têm licenciamento ambiental e o estado é campeão de desmatamento. Nós não queremos, no Pará, apenas cumprir formalidades.

Nada foi simples. Nas audiências públicas realizadas com a Câmara e o Senado os defensores do ruralismo disseram algumas barbaridades.

O deputado Abelardo Lupion (DEM-PR) disse e repetiu uma frase estranha: — Dr. Daniel, o senhor é jovem e teria um belo futuro pela frente.

Disse que foi ao procurador geral com a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) e Demóstenes Torres (DEM-GO) reclamar da ação dele. Admitiu que ouviu que o procurador tinha autonomia.

Lupion disse que pediria o afastamento do procurador e que os produtores haviam tomado a decisão de processálo por abuso de poder, quebra de sigilo fiscal de empresas.

Acrescentou que ninguém poderia exigir a rastreabilidade do rebanho: — Vamos às últimas consequências contra quem quiser obrigar os produtores, ninguém pode ser obrigado a fazer a rastreabilidade do rebanho.

O único documento que eles têm que ter é o Guia de Transporte Animal.

É assim a lavoura brasileira.

Arcaica ainda e lutando para continuar arcaica. Felizmente alguns começam a mudar. Mas a pressão do consumidor será a grande arma para que o país não tenha que continuar engolindo carne com crime.

Com Alvaro Gribel

Arias dá ultimato para volta de Zelaya ao poder

DEU EM O GLOBO

Mediador pede retorno do presidente deposto a Honduras e avisa que é sua última proposta

SAN JOSÉ. O Nobel da Paz e presidente da Costa Rica, Oscar Arias, apresentou ontem uma nova proposta para solucionar a crise política de Honduras — sua última como mediador do conflito — que inclui a restituição do presidente deposto Manuel Zelaya ao poder em dois dias e a anistia aos golpistas que o derrubaram. Apesar de ter, até ontem de tarde, ameaçado insistentemente Zelaya de prisão caso o presidente, exilado na Nicarágua, voltasse ao país, o governo interino mostrou à noite o primeiro sinal de abertura ao dizer que enviaria a proposta ao Congresso e ao Judiciário.

— Vamos enviar o rascunho do acordo a nossas autoridades para que o diálogo continue — disse Mauricio Villeda, delegado do governo interino.

A Suprema Corte e o Congresso estiveram por trás do golpe militar que derrubou Zelaya e da indicação do presidente interino Roberto Micheletti. Até agora, as instituições resistiram à pressão da comunidade internacional para reverter o golpe.

— O relógio está batendo, e contra o povo hondurenho — alertou Arias.

Cerca de 500 partidários de Zelaya voltaram às ruas ontem exigindo seu retorno ao país.

Mas o destaque do dia ficou por conta da manifestação em favor dos golpistas, que reuniu dezenas de milhares de simpatizantes, aumentando a tensão.

Após se reunir ontem em Brasília com o chanceler de Israel, Avigdor Lieberman, o ministro das Relações Exteriores Celso Amorim fez um apelo pela volta de Zelaya e disse que os golpistas precisam entender o clamor da comunidade internacional, que, segundo ele, nunca mostrou tanta unanimidade.

Brasil e EUA divergem sobre mediação Mas, nos bastidores, Brasil e EUA divergem sobre a forma como a negociação está sendo conduzida por Arias. Isso configura o primeiro arranhão nas relações entre os dois países desde a posse de Barack Obama.

Enquanto a Casa Branca dá sinais de apoio a um governo de coalizão entre Zelaya e os autores do golpe, o governo brasileiro acredita que essa saída seria um prêmio aos golpistas e poderia abrir um precedente na região, pondo em risco a democracia.

Essa preocupação será levada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à reunião de presidentes do Mercosul, que começa hoje em Assunção com chefes de Estado de outros países sul-americanos.

Colaborou Eliane Oliveira