Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 25 de julho de 2009
Dilemas do realismo político
Marco Aurélio Nogueira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Observadores isentos e cidadãos comuns terão certamente dificuldade para entender a passividade com que os políticos brasileiros estão a enfrentar a situação de desgaste que vem corroendo o Senado Federal desde ao menos o final do mês passado. Como entender que aquele que é considerado o fecho de ouro do sistema político brasileiro possa ser mantido em banho-maria, sangrando a céu aberto, largado à própria sorte? Terá o Senado ficado sem aura e relevância, a ponto de as turbulências que ocorrem em seu interior nem sequer alterarem a rotina política e governamental? E onde andará a "autoestima" dos senadores, que não parecem se importar com a perda de prestígio da instituição?
A crise do Senado é visível, mas não se limita a ele. Podemos qualificar com rigor sua amplitude, até para não abusar da palavra "crise". Não estamos diante de uma situação terminal, muito menos na antessala de uma bancarrota política. Também não estamos na presença de uma "crise orgânica", do Estado em seu conjunto, ou de uma "crise de hegemonia", a partir da qual tudo estaria fora de eixo.
Mas procede falar em crise porque as instituições não estão respondendo ao que delas espera a sociedade e começam a se converter numa caricatura de si mesmas. Não se trata de um problema do senador Sarney, deste ou daquele partido, ou mesmo do Poder Legislativo. O Judiciário persegue há tempos a sua reforma. Nem a Presidência da República funciona a contento, em que pesem a popularidade do presidente e os acertos de seu governo.
Se quisermos escapar do peso negativo da palavra "crise", podemos dizer que existe hoje, no País, um grave mal-estar político e institucional.
Isso ocorre não somente porque o presidente do Senado se entalou numa esparrela que a cada dia fica mais sufocante e lhe dilapida o patrimônio político acumulado ao longo de décadas de atuação. É difícil acreditar que um político experiente e sagaz como o senador Sarney não se tenha dado conta do ambiente que se propôs a presidir e não consiga achar uma saída que o salve de uma despedida melancólica da vida pública. Afinal, ele se empenhou para ser eleito, teve de brigar para isso, não foi um nome consensual. É impossível que não perceba que o terreno para manobras e protelações encurtou dramaticamente nos últimos dias. A diluição da autoridade moral da presidência da Casa alastra-se por todo o Senado, com direito a respingar nas demais instituições políticas, do Legislativo ao Executivo.
A crise, que à primeira vista parece represada e assim é tratada, revela-se então de corpo inteiro, impregnando e maculando a estrutura institucional e os quadros políticos.
Não fosse assim, o sistema já teria reagido. Não estaria a assistir passivamente a seu enfraquecimento. O cenário é preocupante: se o sistema político não reage, não será porque o País dele não necessita e nele não se reconhece? Ou seja, para que as coisas continuem como estão, nessa malemolência irritante e normalizada, não é preciso que as instituições funcionem bem. Não cairemos no precipício, mas também não iremos para a frente. Daqui a pouco aparecerá alguém propondo acabar com elas.
O Senado responde por uma função importante na engenharia institucional brasileira. A ele é atribuído o papel de amortecer eventuais falhas ou "arroubos" da Câmara, equilibrar a representação e engrandecer a República. Não tem feito uma coisa nem outra. E se não funciona, ou funciona mal, a institucionalidade fica capenga e tem suas deficiências, que não são poucas, agravadas. Falhando a institucionalidade, vêm à tona a mediocridade e o vazio. Só não fica pior porque é também nesses momentos que aumentam as chances de que os melhores quadros assumam suas responsabilidades.
Por tudo isso, há uma interrogação pendurada sobre a cabeça do Poder Executivo e do principal partido de sustentação política do presidente, o PT. Por que blindar a presidência do Senado e banalizar a crise? Para manter a aliança com o PMDB e evitar que as oposições se apossem do comando do Senado. É a resposta mais fácil, fiel ao "realismo político" que se tem tentado imprimir às ações da Presidência. Mas tal resposta prolonga o sofrimento do Senado e injeta turbulência na vida política nacional. Não pacifica, não melhora a situação, não soluciona nenhum dos problemas políticos do País.
O realismo é precioso em política. Nesse universo, nem tudo o que brilha é ouro e nem sempre as coisas certas são feitas pelas melhores pessoas ou o mal deriva do mal. Max Weber falou isso no famoso ensaio sobre a política como vocação. E todo mundo sabe que nos ambientes políticos as evidências não correspondem necessariamente aos fatos. Que há desejo de oposição por trás da carga contra Sarney é óbvio. Que as oposições acabarão por se beneficiar com um seu eventual afastamento é igualmente esperado, dado o pacto de sangue que a Presidência selou com o senador e seu partido. Mas um pouco de oposição é tudo o que um governo democrático necessita, até para não se acomodar ou não achar que manda na sociedade toda. As oposições querem usar a crise do Senado para crescer eleitoralmente e melhorar sua performance em 2010? Que o façam, qual o problema? O que não dá para aceitar é que o governo acredite que sairá incólume com a blindagem do Senado.
Nenhum realismo se pode chocar demais com as tradições que dão caráter aos partidos e aos políticos, sob pena de destroçá-las. Nossa época não é muito favorável a identidades doutrinárias, lealdades ou fidelidades. Os partidos e os políticos que se querem coerentes, porém, precisam lutar contra isso. No mínimo, para manter atados os fios que os ligam à sua própria história e com isso dar mais vigor ético à política.
Nenhum realismo, além do mais, pode ir contra as expectativas da opinião pública democrática, o bom senso ou a voz das ruas. Não deve obedecer servilmente a essas coisas, claro, mas não tem como ignorá-las, sob pena de deixar de ser realismo. É uma questão de sintonia.
Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política da Unesp.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Observadores isentos e cidadãos comuns terão certamente dificuldade para entender a passividade com que os políticos brasileiros estão a enfrentar a situação de desgaste que vem corroendo o Senado Federal desde ao menos o final do mês passado. Como entender que aquele que é considerado o fecho de ouro do sistema político brasileiro possa ser mantido em banho-maria, sangrando a céu aberto, largado à própria sorte? Terá o Senado ficado sem aura e relevância, a ponto de as turbulências que ocorrem em seu interior nem sequer alterarem a rotina política e governamental? E onde andará a "autoestima" dos senadores, que não parecem se importar com a perda de prestígio da instituição?
A crise do Senado é visível, mas não se limita a ele. Podemos qualificar com rigor sua amplitude, até para não abusar da palavra "crise". Não estamos diante de uma situação terminal, muito menos na antessala de uma bancarrota política. Também não estamos na presença de uma "crise orgânica", do Estado em seu conjunto, ou de uma "crise de hegemonia", a partir da qual tudo estaria fora de eixo.
Mas procede falar em crise porque as instituições não estão respondendo ao que delas espera a sociedade e começam a se converter numa caricatura de si mesmas. Não se trata de um problema do senador Sarney, deste ou daquele partido, ou mesmo do Poder Legislativo. O Judiciário persegue há tempos a sua reforma. Nem a Presidência da República funciona a contento, em que pesem a popularidade do presidente e os acertos de seu governo.
Se quisermos escapar do peso negativo da palavra "crise", podemos dizer que existe hoje, no País, um grave mal-estar político e institucional.
Isso ocorre não somente porque o presidente do Senado se entalou numa esparrela que a cada dia fica mais sufocante e lhe dilapida o patrimônio político acumulado ao longo de décadas de atuação. É difícil acreditar que um político experiente e sagaz como o senador Sarney não se tenha dado conta do ambiente que se propôs a presidir e não consiga achar uma saída que o salve de uma despedida melancólica da vida pública. Afinal, ele se empenhou para ser eleito, teve de brigar para isso, não foi um nome consensual. É impossível que não perceba que o terreno para manobras e protelações encurtou dramaticamente nos últimos dias. A diluição da autoridade moral da presidência da Casa alastra-se por todo o Senado, com direito a respingar nas demais instituições políticas, do Legislativo ao Executivo.
A crise, que à primeira vista parece represada e assim é tratada, revela-se então de corpo inteiro, impregnando e maculando a estrutura institucional e os quadros políticos.
Não fosse assim, o sistema já teria reagido. Não estaria a assistir passivamente a seu enfraquecimento. O cenário é preocupante: se o sistema político não reage, não será porque o País dele não necessita e nele não se reconhece? Ou seja, para que as coisas continuem como estão, nessa malemolência irritante e normalizada, não é preciso que as instituições funcionem bem. Não cairemos no precipício, mas também não iremos para a frente. Daqui a pouco aparecerá alguém propondo acabar com elas.
O Senado responde por uma função importante na engenharia institucional brasileira. A ele é atribuído o papel de amortecer eventuais falhas ou "arroubos" da Câmara, equilibrar a representação e engrandecer a República. Não tem feito uma coisa nem outra. E se não funciona, ou funciona mal, a institucionalidade fica capenga e tem suas deficiências, que não são poucas, agravadas. Falhando a institucionalidade, vêm à tona a mediocridade e o vazio. Só não fica pior porque é também nesses momentos que aumentam as chances de que os melhores quadros assumam suas responsabilidades.
Por tudo isso, há uma interrogação pendurada sobre a cabeça do Poder Executivo e do principal partido de sustentação política do presidente, o PT. Por que blindar a presidência do Senado e banalizar a crise? Para manter a aliança com o PMDB e evitar que as oposições se apossem do comando do Senado. É a resposta mais fácil, fiel ao "realismo político" que se tem tentado imprimir às ações da Presidência. Mas tal resposta prolonga o sofrimento do Senado e injeta turbulência na vida política nacional. Não pacifica, não melhora a situação, não soluciona nenhum dos problemas políticos do País.
O realismo é precioso em política. Nesse universo, nem tudo o que brilha é ouro e nem sempre as coisas certas são feitas pelas melhores pessoas ou o mal deriva do mal. Max Weber falou isso no famoso ensaio sobre a política como vocação. E todo mundo sabe que nos ambientes políticos as evidências não correspondem necessariamente aos fatos. Que há desejo de oposição por trás da carga contra Sarney é óbvio. Que as oposições acabarão por se beneficiar com um seu eventual afastamento é igualmente esperado, dado o pacto de sangue que a Presidência selou com o senador e seu partido. Mas um pouco de oposição é tudo o que um governo democrático necessita, até para não se acomodar ou não achar que manda na sociedade toda. As oposições querem usar a crise do Senado para crescer eleitoralmente e melhorar sua performance em 2010? Que o façam, qual o problema? O que não dá para aceitar é que o governo acredite que sairá incólume com a blindagem do Senado.
Nenhum realismo se pode chocar demais com as tradições que dão caráter aos partidos e aos políticos, sob pena de destroçá-las. Nossa época não é muito favorável a identidades doutrinárias, lealdades ou fidelidades. Os partidos e os políticos que se querem coerentes, porém, precisam lutar contra isso. No mínimo, para manter atados os fios que os ligam à sua própria história e com isso dar mais vigor ético à política.
Nenhum realismo, além do mais, pode ir contra as expectativas da opinião pública democrática, o bom senso ou a voz das ruas. Não deve obedecer servilmente a essas coisas, claro, mas não tem como ignorá-las, sob pena de deixar de ser realismo. É uma questão de sintonia.
Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política da Unesp.
Salve-se quem (ainda) puder
Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Na quinta-feira, o presidente da Câmara, Michel Temer, e o senador Eduardo Suplicy abriram oficialmente a temporada "salve-se quem puder" do navio que faz água por todo lado na presidência do Senado.
Suplicy nem esperou a decisão da bancada petista, já francamente disposta a rever os termos do contrato de subserviência firmado com o presidente Luiz Inácio da Silva. Divulgou nota manifestando sua posição em prol do afastamento do senador José Sarney.
Na Câmara, o movimento de Temer não foi tão explícito nem direcionado apenas ao Senado.
O anúncio de que serão abertos 44 processos contra servidores e uma investigação específica, para averiguar a participação de quatro deputados no desvio de passagens aéreas da cota da Câmara para venda no mercado paralelo de agências de turismo, é uma boa notícia.
No tocante à Câmara, serve para neutralizar a repercussão negativa da viagem de parlamentares à França com despesas pagas por uma das empresas que disputam a venda de aviões caça para a Força Aérea Brasileira.
No quadro geral de imposturas, é uma atitude diferenciada. Não obstante o presidente da Câmara tenha atuado conforme mandam suas atribuições, na atual conjuntura até a obrigação é celebrada e recebida como exceção à regra. O normal, claro, serio o oposto.
Muito provavelmente Michel Temer não agiu de caso pensado para atingir Sarney. Mas, na prática, quando toma uma providência objetiva em relação a infrações e ainda incluiu a responsabilização de deputados, traça uma risca de giz entre duas bandas conhecidas como "PMDB do Senado" e "PMDB da Câmara".
Uma ala nunca foi exatamente santa da devoção da outra. Uniram-se formalmente depois da reeleição de Lula, quando o grupo de Temer aderiu ao governo e o partido se fortaleceu. Dentro da regra de que a família unida poderia obter muito mais vantagens, os pemedebistas viveram tempos de convivência pacífica.
Profícuos. Expandiram seus territórios na administração pública federal, fizeram bonito nas eleições municipais de 2008 quando puderam se apresentar como canal de ligação com o Planalto, tornaram-se os parceiros mais disputados da República, cobiçados pelo governo e pela oposição, assumiram o comando da Câmara e do Senado e aí as coisas começaram a dar errado.
Não por falta de aviso, pois o "PMDB da Câmara" era adepto do cumprimento integral do compromisso de deixar ao PT a presidência do Senado.
Informalmente, esse grupo continuou "fechado" com a candidatura do senador petista Tião Viana. Formalmente, estavam todos juntos com Sarney. Quando a crise estourou primeiro no Senado, depois na Câmara e, em seguida, se estabeleceu violenta no Senado, particularmente nas costas do presidente, o PMDB como um todo ficou discreto.
À exceção da tropa de choque de senadores, o restante do partido tratava de cuidar do futuro nas negociações para 2010. Temer, presidente licenciado do PMDB, fez uma única - imprópria, mas moderadíssima - declaração de apoio a José Sarney, corroborando a tese de que empregar parentes não seria nada diante de biografia tão incomum.
Na quinta-feira, ao anunciar abertura de processos e indicar que há deputados envolvidos, foi como se Michel Temer dissesse ao público "veja como somos diferentes".
Na Câmara, a punição; no Senado, tolerância e protelação. A ação de um lado ressalta a inação do outro, conferindo moldura institucional ao isolamento.
O gesto não pode ser visto como de ruptura nem de abandono formal de Sarney por parte do PMDB. É algo mais sutil, que transfere aos leitores da cena a interpretação sobre a retirada de mais um pilar de sustentação.
Os outros pilares que ainda restam a Sarney fragilizam-se a olhos vistos. O maior e mais poderoso, o presidente da República, tem sido criticado numa dimensão nunca vista nos seis anos e pouco de mandato, tornando-se sério candidato a vítima do abraço do afogado.
O batalhão de defesa no Senado não consegue reunir uma bancada partidária completa nem pode contar com porta-vozes de reputação ao menos razoável.
No PMDB há dissidentes, o DEM está contra, o PDT caiu fora, o PSDB assina representações no Conselho de Ética assim como o PSOL, o PSB desembarcou, o PT oficializou a retirada do tapete, considerou "graves" as acusações contra Sarney e pede seu afastamento do cargo e "rigor" no exame das acusações no Conselho de Ética.
Um caso sem salvação, diante do qual se estabelece o tempo de murici: cada qual trata de si, salvando-se como puder.
Essa história de contraofensiva de Sarney na base de medidas de impacto e ameaças de arrastar à lama outros senadores, pode ocupar espaço no noticiário, mas não tem o menor efeito prático.
Pela absoluta carência de crédito de quem se apresenta ao serviço com a credencial de chantagista e falta de condições do Senado de a essa altura simplesmente dar o dito pelo não dito.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Na quinta-feira, o presidente da Câmara, Michel Temer, e o senador Eduardo Suplicy abriram oficialmente a temporada "salve-se quem puder" do navio que faz água por todo lado na presidência do Senado.
Suplicy nem esperou a decisão da bancada petista, já francamente disposta a rever os termos do contrato de subserviência firmado com o presidente Luiz Inácio da Silva. Divulgou nota manifestando sua posição em prol do afastamento do senador José Sarney.
Na Câmara, o movimento de Temer não foi tão explícito nem direcionado apenas ao Senado.
O anúncio de que serão abertos 44 processos contra servidores e uma investigação específica, para averiguar a participação de quatro deputados no desvio de passagens aéreas da cota da Câmara para venda no mercado paralelo de agências de turismo, é uma boa notícia.
No tocante à Câmara, serve para neutralizar a repercussão negativa da viagem de parlamentares à França com despesas pagas por uma das empresas que disputam a venda de aviões caça para a Força Aérea Brasileira.
No quadro geral de imposturas, é uma atitude diferenciada. Não obstante o presidente da Câmara tenha atuado conforme mandam suas atribuições, na atual conjuntura até a obrigação é celebrada e recebida como exceção à regra. O normal, claro, serio o oposto.
Muito provavelmente Michel Temer não agiu de caso pensado para atingir Sarney. Mas, na prática, quando toma uma providência objetiva em relação a infrações e ainda incluiu a responsabilização de deputados, traça uma risca de giz entre duas bandas conhecidas como "PMDB do Senado" e "PMDB da Câmara".
Uma ala nunca foi exatamente santa da devoção da outra. Uniram-se formalmente depois da reeleição de Lula, quando o grupo de Temer aderiu ao governo e o partido se fortaleceu. Dentro da regra de que a família unida poderia obter muito mais vantagens, os pemedebistas viveram tempos de convivência pacífica.
Profícuos. Expandiram seus territórios na administração pública federal, fizeram bonito nas eleições municipais de 2008 quando puderam se apresentar como canal de ligação com o Planalto, tornaram-se os parceiros mais disputados da República, cobiçados pelo governo e pela oposição, assumiram o comando da Câmara e do Senado e aí as coisas começaram a dar errado.
Não por falta de aviso, pois o "PMDB da Câmara" era adepto do cumprimento integral do compromisso de deixar ao PT a presidência do Senado.
Informalmente, esse grupo continuou "fechado" com a candidatura do senador petista Tião Viana. Formalmente, estavam todos juntos com Sarney. Quando a crise estourou primeiro no Senado, depois na Câmara e, em seguida, se estabeleceu violenta no Senado, particularmente nas costas do presidente, o PMDB como um todo ficou discreto.
À exceção da tropa de choque de senadores, o restante do partido tratava de cuidar do futuro nas negociações para 2010. Temer, presidente licenciado do PMDB, fez uma única - imprópria, mas moderadíssima - declaração de apoio a José Sarney, corroborando a tese de que empregar parentes não seria nada diante de biografia tão incomum.
Na quinta-feira, ao anunciar abertura de processos e indicar que há deputados envolvidos, foi como se Michel Temer dissesse ao público "veja como somos diferentes".
Na Câmara, a punição; no Senado, tolerância e protelação. A ação de um lado ressalta a inação do outro, conferindo moldura institucional ao isolamento.
O gesto não pode ser visto como de ruptura nem de abandono formal de Sarney por parte do PMDB. É algo mais sutil, que transfere aos leitores da cena a interpretação sobre a retirada de mais um pilar de sustentação.
Os outros pilares que ainda restam a Sarney fragilizam-se a olhos vistos. O maior e mais poderoso, o presidente da República, tem sido criticado numa dimensão nunca vista nos seis anos e pouco de mandato, tornando-se sério candidato a vítima do abraço do afogado.
O batalhão de defesa no Senado não consegue reunir uma bancada partidária completa nem pode contar com porta-vozes de reputação ao menos razoável.
No PMDB há dissidentes, o DEM está contra, o PDT caiu fora, o PSDB assina representações no Conselho de Ética assim como o PSOL, o PSB desembarcou, o PT oficializou a retirada do tapete, considerou "graves" as acusações contra Sarney e pede seu afastamento do cargo e "rigor" no exame das acusações no Conselho de Ética.
Um caso sem salvação, diante do qual se estabelece o tempo de murici: cada qual trata de si, salvando-se como puder.
Essa história de contraofensiva de Sarney na base de medidas de impacto e ameaças de arrastar à lama outros senadores, pode ocupar espaço no noticiário, mas não tem o menor efeito prático.
Pela absoluta carência de crédito de quem se apresenta ao serviço com a credencial de chantagista e falta de condições do Senado de a essa altura simplesmente dar o dito pelo não dito.
PT desobedece a Lula e já vê envolvimento de Sarney
Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO
Partido apoia reunião extraordinária de conselho; PSDB encampa denúncia
DEU EM O GLOBO
Partido apoia reunião extraordinária de conselho; PSDB encampa denúncia
Um dia após o presidente Lula relativizar crimes para reforçar a defesa do aliado José Sarney, a bancada do PT divulgou nota, agora apoiando a proposta de antecipar a convocação do Conselho de Ética, ainda no recesso, para discutir as denúncias contra o presidente da Casa. Na nota, Aloizio Mercadante, líder do partido, diz que "é grave essa nova denúncia porque há indícios concretos da associação do presidente do Senado em ato secreto de nomeação do namorado de sua neta". O PSDB decidiu encampar a proposta de seu líder, Arthur Virgílio, de representar formalmente contra Sarney no Conselho.
PT ensaia abandonar Sarney
Bancada desobedece a Lula e pede convocação do Conselho; PSDB encampa denúncias
Depois de o presidente Lula mais uma vez defender o aliado José Sarney (PMDB-AP) e de a líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (PT-SC), ter admitido que ficou complicada a situação do presidente do Senado, o líder do PT, Aloizio Mercadante (SP), divulgou ontem nota apoiando a proposta de Cristovam Buarque (PDT-DF) e Pedro Simon (PMDB-RS) de antecipar a convocação do Conselho de Ética para uma reunião ainda durante o recesso. Para Mercadante, o Conselho terá que investigar "com rigor a possibilidade de participação direta" de Sarney na edição de atos secretos.
A mudança de tom do PT ocorre após a divulgação de diálogos, gravados pela Polícia Federal, entre Sarney e seu filho Fernando. As gravações mostram a intervenção direta do senador junto ao ex-diretor-geral Agaciel Maia para conseguir um emprego no Senado para o namorado da neta Maria Beatriz, filha de Fernando.
A nota do líder petista é mais um sinal de que o partido poderá abandonar Sarney, a despeito do esforço que o presidente Lula tem feito para defender o presidente do Senado. Na nota, Mercadante atesta que "é grave essa nova denúncia porque há indícios concretos da associação do presidente do Senado, José Sarney, em ato secreto de nomeação do namorado de sua neta". Embora o petista também defenda a apuração da divulgação de conversas telefônicas do senador, "que constam em inquérito que tramita sob segredo de Justiça", ele conclui a nota reiterando que a bancada do PT "reafirma a sua posição de que o melhor caminho seria o pedido de licença da presidência da Casa por parte do senador José Sarney".
PSDB quer tirar Duque do Conselho
Já o presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE), deixou clara a disposição de seu partido de apoiar o líder da bancada tucana, Arthur Virgílio (AM), nas ações contra a permanência de Sarney no comando da Casa. O PSDB decidiu ontem que apoiará a iniciativa de transformar em representações formais do partido as quatro denúncias individuais que Virgílio apresentara contra Sarney no Conselho de Ética.
Guerra defendeu ainda a destituição do senador Paulo Duque (PMDB-RJ) da presidência do Conselho de Ética, por suas declarações polêmicas. Duque, semana passada, disse não se importar muito com a opinião pública porque ela é "muito volúvel":
- Aparentemente, o senador Paulo Duque não tem a menor condição de presidir o Conselho.
Até no PMDB a situação de Sarney se complica. Em entrevista à rádio CBN, ontem, o ex-presidente do Senado Garibaldi Alves (PMDB-RN) disse acreditar que "uma maioria vê como solução a saída do senador José Sarney" do cargo de presidente. Perguntado se a população espera a saída de Sarney do cargo, respondeu:
- Acredito que a grande maioria veja como solução a saída do presidente Sarney, apesar de se saber que não seria ainda a solução total para o problema, que é mais abrangente e mais grave.
Tropa de Renan ameaça partidos
Mas o grupo peemedebista liderado por Renan Calheiros (AL) reagiu energicamente ontem à movimentação do PT.
- O Senado ainda nem sabe direito o que é ato secreto. Mas, pelo jeito, Mercadante gostaria de ser filho de cigano para prever o futuro. Aí, solta uma nota para tentar adivinhar o que vai acontecer. A cada fumaça, tem uma nota dele. Isso é insegurança total - criticou o senador Wellington Salgado (PMDB-MG).
Em tom de ameaça, Wellington Salgado deixou claro que, se o PT retirar seu apoio a Sarney, terá de arcar com as consequências:
- Se o PT acha bom trabalhar para que Marconi Perillo (PSDB-GO) assuma a presidência, é um problema do PT. Até porque, tem problema pior do que o Arthur Virgílio, que é réu confesso? Ele tem a cara de pau de apresentar uma nova representação! Ele já está no corredor da morte, aguardando a senha. Cria fato novo todo dia para desviar o foco dele - disse, referindo-se ao fato de Virgílio ter admitido que empregou um funcionário fantasma.
Para Salgado, a nomeação do namorado da neta de Sarney para um cargo no Senado não é motivo para a abertura de uma representação contra o presidente da Casa no Conselho:
- Não vejo razão para representação por causa da nomeação desse playboy. Há um ano esse rapaz não é mais namorado da neta de Sarney. Se houvesse essa ligação, ele teria perdido o cargo, o que não aconteceu.
DEM pode assinar representação
O líder do DEM, José Agripino (RN), antecipou que defenderá na próxima reunião da bancada, em 4 de agosto, que o partido também assine representação contra Sarney, caso ele não dê explicações sobre sua ligação com os atos secretos:
- Diante dos fatos, não havendo reparo, vou defender que o DEM represente contra Sarney por quebra de decoro parlamentar.
O PSOL também está disposto a fazer nova representação contra Sarney após o fim do recesso.
- A chantagem que alguns do PMDB andam fazendo, ameaçando com um festival de representações, não nos afeta e só revela o caráter rebaixado dos que mandam nesse partido, que só tem projeto de poder. Só denunciar por conveniência, com zelo ético de ocasião, é quebra de decoro também! - afirmou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
Moralidade, Hitler e paisagens
Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
SÃO PAULO - Há momentos em que gostaria de ser de fato amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como ele me classificou em entrevista à revista "Piauí". Não, presidente, não é para pedir emprego que estou velho demais para mudar de lado no balcão da vida.
É que amigo, ao menos do meu ponto de vista, é quem diz as verdades, as agradáveis e as desagradáveis. Desconfio que, no entorno de Lula, ou falta coragem para dizer verdades desagradáveis ou o presidente não as ouve. Só assim se explica a catarata de bobagens em que se especializou.
A mais recente delas é esta: "Uma coisa é você matar, outra coisa é você roubar, outra coisa é você pedir um emprego, outra coisa é relação de influências, outra coisa é o lobby". Pior: dito assim como se fosse a mais fantástica descoberta da mente humana desde que Moisés exibiu as tábuas da lei.
Perdão, presidente, mas é ridículo, muito ridículo. Até minha netinha Alice, de quatro meses, é capaz de produzir uma frase com obviedades menos galopantes.
Está na hora de Lula entender que está saindo do palanque para entrar na história. Por enquanto, a catarata de bobagens passa incólume porque a popularidade continua elevada e a maior parte dos que conferem a Lula os índices de aprovação conhecidos não liga a mínima para frases tolas.
Mas os livros de história podem não ser tão condescendentes. Aliás, nem todos os que gostam do governo Lula o são, a julgar pelo que escreve Raphael Portella, professor aposentado de universidades públicas: "No geral, aprecio o governo Lula, mas no aspecto moral, de defesa da honestidade, dos princípios republicanos, fico do outro lado".
Acrescenta uma frase mortal: "A biografia de Hitler não é melhor porque ele pintava paisagens".
Cuidado, pois, amigo Lula, com as paisagens que pinta.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
SÃO PAULO - Há momentos em que gostaria de ser de fato amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como ele me classificou em entrevista à revista "Piauí". Não, presidente, não é para pedir emprego que estou velho demais para mudar de lado no balcão da vida.
É que amigo, ao menos do meu ponto de vista, é quem diz as verdades, as agradáveis e as desagradáveis. Desconfio que, no entorno de Lula, ou falta coragem para dizer verdades desagradáveis ou o presidente não as ouve. Só assim se explica a catarata de bobagens em que se especializou.
A mais recente delas é esta: "Uma coisa é você matar, outra coisa é você roubar, outra coisa é você pedir um emprego, outra coisa é relação de influências, outra coisa é o lobby". Pior: dito assim como se fosse a mais fantástica descoberta da mente humana desde que Moisés exibiu as tábuas da lei.
Perdão, presidente, mas é ridículo, muito ridículo. Até minha netinha Alice, de quatro meses, é capaz de produzir uma frase com obviedades menos galopantes.
Está na hora de Lula entender que está saindo do palanque para entrar na história. Por enquanto, a catarata de bobagens passa incólume porque a popularidade continua elevada e a maior parte dos que conferem a Lula os índices de aprovação conhecidos não liga a mínima para frases tolas.
Mas os livros de história podem não ser tão condescendentes. Aliás, nem todos os que gostam do governo Lula o são, a julgar pelo que escreve Raphael Portella, professor aposentado de universidades públicas: "No geral, aprecio o governo Lula, mas no aspecto moral, de defesa da honestidade, dos princípios republicanos, fico do outro lado".
Acrescenta uma frase mortal: "A biografia de Hitler não é melhor porque ele pintava paisagens".
Cuidado, pois, amigo Lula, com as paisagens que pinta.
Choque e eufemismo
Cesar Maia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
"AURÉLIO" diz que "choque" é o "embate; o encontro de dois corpos em movimento ou um deles em repouso; o recontro violento entre forças militares; a querela violenta, briga; conflito; luta".
A palavra "choque" expressa, assim, uma ação unilateral, de força, de um elemento contra o outro. É o contrário de mediação, negociação, entendimento. Como eufemismo, tem tido historicamente um uso militar, associado a terror (doutrina militar baseada na utilização de poder esmagador).
Na Idade Média, o choque de terror militar intimidava a população civil. Na Guerra de Secessão nos EUA, ficaram célebres as ações desse tipo do general Sherman. Na Primeira Guerra Mundial, o Exército alemão criou as tropas de assalto, que deram origem, depois, às SA. O choque como terror tem o objetivo de intimidar pelo exemplo.
A repressão por choque é, sobretudo, a exaltação do ato de reprimir. Da mesma forma, em nível policial, a palavra choque passou a ser usada adaptando seu uso militar: batalhão de choque, tropa de choque, carro de choque, com toda a cenografia requerida, de roupas negras, escudos, armas.
O choque elétrico, produto de uma descarga, foi introduzido na tortura, tendo a dor e a vida como intimidação. Os regimes ditatoriais usam técnicas de choque e terror dessa forma. Na medicina, choque passou a ser usado como eufemismo, para situações extremas: choque anafilático, choque circulatório, estado de choque, tratamento de choque.
Nesse ultimo caso, ganhou um uso difundido quando se quer mudar radicalmente e à força uma situação. Na economia, Friedman chamou de economia de choque a aplicação de suas ideias, no início do governo Pinochet. Usam-se as expressões choque de oferta, choque fiscal, choque anti-inflacionário como eufemismo, traduzindo situações unilaterais e impositivas.
O paradoxal, num ambiente democrático, onde o contraditório, o interativo e o acordo são qualidades constituintes, é a palavra choque como eufemismo passar a ser usada pelos políticos, como virtude e publicidade. Na eleição de 1989, usou-se a expressão choque de capitalismo.
Vários governos usam a expressão choque de gestão, sepultando a expressão clássica "reforma administrativa".
Usa-se nas cidades choque de ordem como forma de expressar as ações relativas às posturas, ao uso de solo e de espaços públicos. E até choque de ética e de cidadania, como se fossem possíveis por ações unilaterais de governos. O uso extensivo e até abusivo da palavra choque, como eufemismo, nas ações político-administrativas, deve ser medido e cuidado, pois vai introjetando na população a ideia de estado policial e onipotente e de população errática e passiva. Cesar Maia escreve aos sábados nesta coluna.
Serra dará bolsa e curso a desempregados
Programa do tucano em SP beneficia também jovens e assistidos pelo Bolsa Família federal
SÃO PAULO. Líder nas pesquisas de intenção de voto para a sucessão presidencial, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), prepara um pacote de ajuda financeira para desempregados, estudantes e até beneficiados pelo Bolsa Família no estado. Segunda-feira, anunciará a distribuição de 40 mil bolsas de qualificação de R$210, por três meses, para desempregados. Em 2010, serão pelo menos 90 mil beneficiados.
Outro programa, feito em parceria com a prefeitura de São Paulo, prevê geração de renda para jovens treinados em informática. O terceiro projeto se destina a assistidos pelo Bolsa Família, do governo federal:
- Já temos socorrido gente do Bolsa Família pelo Banco do Povo (programa de microcrédito), mas logo teremos um programa específico - disse o secretário estadual de Trabalho, Guilherme Afif Domingos.
O primeiro programa a ser lançado será o Bolsa Qualificação. Além do auxílio de R$210 e vale-transporte por três meses, os beneficiados serão treinados com 120 horas/aulas de reforço do ensino fundamental e mais 80 horas/aula de habilitações específicas. O investimento em 2009 será de R$100 milhões.
- Não serão bolsas crônicas, mas condicionadas e com alta sustentabilidade. A bolsa é apenas um instrumento de melhoria, para que a pessoa consiga se qualificar e voltar para o mercado de trabalho - disse Afif.
O programa é destinado a "desempregados endêmicos", já sem direito a seguro-desemprego, chefes de família com baixa escolaridade, entre 30 e 59 anos, que aceitem participar de cursos de qualificação em unidades de Senai, Senac e Fatecs.
- As ocupações com maior nível de demanda no estado são de baixa escolaridade, mas com exigência de qualificação. Vamos qualificá-los para que consigam trabalho - disse Afif.
Em São Paulo, o desemprego caiu, segundo o IBGE. Em junho, a taxa na Região Metropolitana ficou em 9%, ante 10,2% em maio. O número de desocupados diminuiu 12,5% (menos 127 mil desempregados).
O PT reagiu ao novo programa tucano:
- Entendo essa iniciativa do Serra como uma autocrítica, já que nos atacou por causa das políticas de transferência de renda - disse o presidente estadual do PT, Edinho Silva.
Afif contestou:
- Não estamos fazendo nada eleitoreiro. O programa está previsto há dois anos. E não é como o programa federal, que joga rios de dinheiro fora, sem nem avaliar os beneficiados. Aliás, não estamos fazendo programas para competir com o PT, e sim para atender à população.
Lula tenta enquadrar PT nos estados
Soraya Aggege
DEU EM O GLOBO
Partido não acatou decisão de priorizar palanques para Dilma
SÃO PAULO. O presidente Lula está irritado com a condução do PT nas articulações para 2010 nos estados. Em vários deles, o PT não aceitou a decisão de que a prioridade do partido é a formação dos palanques nacionais para a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Em São Paulo, líderes afirmam que o presidente quer sacrificar os pré-candidatos do partido em seu berço político em prol de uma candidatura do deputado Ciro Gomes (PSB-CE). O objetivo seria dar exemplo a outros estados.
- Desde que Lula aceitou a candidatura de Tarso Genro (ministro da Justiça) no Rio Grande do Sul, agravaram-se os problemas no Pará, em Pernambuco, na Bahia, no Rio e por aí afora. Ninguém aceita o sacrifício para fazer palanques para a Dilma. Mas a bronca é só para São Paulo, porque ele (Lula) quer dar o exemplo - afirmou um líder do PT paulista.
- Lula está irritado com o PT inteiro, por causa dos palanques para a Dilma, e acha que se começar por São Paulo o resto do PT obedecerá - disse outro líder.
O presidente do PT paulista, Edinho Silva, no entanto, não acredita em resistência ao nome de Ciro, e diz que as articulações para a sucessão estadual ainda estão em andamento.
- Estamos conversando com os aliados e queremos sim, criar um campo de diálogo com Ciro. Agora, é preciso ser tático no processo e garantir que o PT saia unido para a campanha - disse Edinho.
Ontem, o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, que se mantém como articulador da corrente política do PT à qual Lula está ligado, reclamou da rebeldia petista nos estados e discorreu sobre os pontos que Lula mais tem reclamado. Para Dirceu, o PT caminha para uma eleição sem alianças com o PMDB.
Em artigo no blog do Noblat, no site do GLOBO, Dirceu afirma que, na prática, o PT não está acatando as regras, embora todos os seus companheiros concordem que "a sucessão do presidente Lula e um terceiro mandato têm nome e título de eleitor: eleger Dilma". O presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), não foi encontrado ontem para comentar o caso.
DEU EM O GLOBO
Partido não acatou decisão de priorizar palanques para Dilma
SÃO PAULO. O presidente Lula está irritado com a condução do PT nas articulações para 2010 nos estados. Em vários deles, o PT não aceitou a decisão de que a prioridade do partido é a formação dos palanques nacionais para a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Em São Paulo, líderes afirmam que o presidente quer sacrificar os pré-candidatos do partido em seu berço político em prol de uma candidatura do deputado Ciro Gomes (PSB-CE). O objetivo seria dar exemplo a outros estados.
- Desde que Lula aceitou a candidatura de Tarso Genro (ministro da Justiça) no Rio Grande do Sul, agravaram-se os problemas no Pará, em Pernambuco, na Bahia, no Rio e por aí afora. Ninguém aceita o sacrifício para fazer palanques para a Dilma. Mas a bronca é só para São Paulo, porque ele (Lula) quer dar o exemplo - afirmou um líder do PT paulista.
- Lula está irritado com o PT inteiro, por causa dos palanques para a Dilma, e acha que se começar por São Paulo o resto do PT obedecerá - disse outro líder.
O presidente do PT paulista, Edinho Silva, no entanto, não acredita em resistência ao nome de Ciro, e diz que as articulações para a sucessão estadual ainda estão em andamento.
- Estamos conversando com os aliados e queremos sim, criar um campo de diálogo com Ciro. Agora, é preciso ser tático no processo e garantir que o PT saia unido para a campanha - disse Edinho.
Ontem, o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, que se mantém como articulador da corrente política do PT à qual Lula está ligado, reclamou da rebeldia petista nos estados e discorreu sobre os pontos que Lula mais tem reclamado. Para Dirceu, o PT caminha para uma eleição sem alianças com o PMDB.
Em artigo no blog do Noblat, no site do GLOBO, Dirceu afirma que, na prática, o PT não está acatando as regras, embora todos os seus companheiros concordem que "a sucessão do presidente Lula e um terceiro mandato têm nome e título de eleitor: eleger Dilma". O presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), não foi encontrado ontem para comentar o caso.
Sonda errada
Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO
Tudo o que foi divulgado até agora sobre a nova regulação do petróleo mostra que o governo pegou a sonda errada. A decisão de conceder à Petrobras o direito de ser a operadora única do pré-sal e ser uma sócia obrigatória nas áreas estratégicas transfere renda de toda a sociedade brasileira para os acionistas da Petrobras, em grande parte, acionistas privados. Tira de todos, para alguns.
A Petrobras é controlada pela União, mas tem sócios privados. O governo finge não saber disso e tem a tendência de dar a ela o que é público. Quando faz isso, está arbitrariamente beneficiando particulares. O monopólio é da União e não da empresa.
Os atuais administradores do país esqueceram que essa diferença fundamental está na Constituição.
Com mais de um ano de atraso, e perigosamente perto da campanha na qual pode vir a concorrer para presidente, a ministra Dilma Rousseff vai entregar em agosto o marco regulatório do petróleo que cria uma nova estatal; dá privilégios à Petrobras; e retira visibilidade do sistema de escolha dos exploradores das áreas.
No pré-sal e áreas onde há mais chance de haver petróleo, as áreas estratégicas, o governo não usará o atual sistema de leilão de concessão, que tem a vantagem de ser aberto, com lances públicos e escolha pelo maior valor. O sistema passará a ser escolha, e a exploração será pelo regime de partilha, com a empresa entregando parte desse petróleo para a nova estatal.
Será criada, portanto, nova estatal, que vai ter função de vender petróleo e conceder áreas sem licitação. O primeiro risco é o óbvio. As estatais, órgãos públicos, bancos públicos, transformaramse em cabides de emprego, e terreno para que os políticos instalem seus indicados. O país não pode correr esse risco na nova empresa. Já chega o que tem acontecido com a Petrobras.
A escolha técnica, de funcionário de carreira, de pessoa que venceu na empresa pelo mérito — em vez de ser pela atuação sindical — não garante tudo. Mas é uma esperança de gestão mais racional e cuidadosa.
Esse sentimento é compartilhado por funcionários da empresa, que também estão cansados de tanta interferência político-partidária que a Petrobras tem sofrido na atual gestão.
Imagina o que será uma nova empresa, criada do zero, no meio de um ano eleitoral, por um partido político que demonstrou nos últimos anos não saber separar o que é interesse público do que é objetivo partidário; grupo que levou ao paroxismo o velho vício do apadrinhamento político, inchaço da máquina, favorecimento e tráfico de influências.
É preciso ser um marciano para não ter informações sobre os abusos divulgados diariamente.
As reportagens publicadas em todos os jornais esta semana mostram que o governo tende a dar à Petrobras o poder de ficar com as melhores áreas sem licitação, e ser a sócia de toda a exploração em áreas estratégicas.
Essa sociedade obrigatória com a Petrobras é ruim para todos os sócios. A estatal é a escolha preferencial de qualquer investidor que venha para o Brasil ou já esteja aqui, como mostraram os consórcios formados em outras rodadas de licitação. E isso pelo conhecimento que ela tem do Brasil, pelo domínio que tem de exploração em águas profundas e porque é a empresa monopolista em vários segmentos do petróleo no Brasil.
O que uma boa regulação deveria fazer é forçar os grupos a se formarem sem a Petrobras, para começar a construir um mercado competitivo no país. Esse casamento forçado é cômodo para todos os investidores, é confortável para a Petrobras, mas ruim para o mercado de petróleo que eternizará o monopólio.
O novo modelo tem também o problema apontado pelo governador do Rio, Sérgio Cabral. Pode significar uma expropriação dos estados produtores. Na produção atual, os prejudicados seriam principalmente Rio e Espírito Santo; na exploração do pré-sal, outro prejudicado seria São Paulo.
O Rio perde mais. Perde pelos motivos levantados pelo governador do estado que produz 80% do petróleo extraído no Brasil. O sistema de ICMS estabelece que o imposto se paga no estado de origem. Exceto em petróleo e energia elétrica. Essa injustiça se corrigiu através dos royalties e participação especial.
O novo sistema não pagará a participação especial aos estados e municípios.
Parte dos royalties é pago ao governo federal, e desta forma a riqueza do petróleo vai para todo o país.
A ministra Dilma Rousseff pediu calma ao governador Sérgio Cabral, aliado íntimo do atual governo. Ao distinto público, disse que os comentários devem ser feitos quando a proposta for divulgada. É o próprio governo que tem divulgado pedaços das suas ideias. E esses pedaços formam, até agora, um frankenstein.
O monstro que está sendo costurado é estatista, cria nova empresa sem blindá-la contra o assalto dos políticos; dá poderes extraordinários e ativos a uma empresa que tem sócios privados; transfere para uma estatal poder de regulação que hoje cabe à Agência Nacional de Petróleo (ANP); cria uma sistema de “escolha” de investidores, em vez da disputa pública e transparente que existe hoje; e federaliza receitas estaduais. Por ter demorado tanto a sair, a proposta virá com a impagável marca da disputa eleitoral. O que a torna ainda pior.
Com Alvaro Gribel
DEU EM O GLOBO
Tudo o que foi divulgado até agora sobre a nova regulação do petróleo mostra que o governo pegou a sonda errada. A decisão de conceder à Petrobras o direito de ser a operadora única do pré-sal e ser uma sócia obrigatória nas áreas estratégicas transfere renda de toda a sociedade brasileira para os acionistas da Petrobras, em grande parte, acionistas privados. Tira de todos, para alguns.
A Petrobras é controlada pela União, mas tem sócios privados. O governo finge não saber disso e tem a tendência de dar a ela o que é público. Quando faz isso, está arbitrariamente beneficiando particulares. O monopólio é da União e não da empresa.
Os atuais administradores do país esqueceram que essa diferença fundamental está na Constituição.
Com mais de um ano de atraso, e perigosamente perto da campanha na qual pode vir a concorrer para presidente, a ministra Dilma Rousseff vai entregar em agosto o marco regulatório do petróleo que cria uma nova estatal; dá privilégios à Petrobras; e retira visibilidade do sistema de escolha dos exploradores das áreas.
No pré-sal e áreas onde há mais chance de haver petróleo, as áreas estratégicas, o governo não usará o atual sistema de leilão de concessão, que tem a vantagem de ser aberto, com lances públicos e escolha pelo maior valor. O sistema passará a ser escolha, e a exploração será pelo regime de partilha, com a empresa entregando parte desse petróleo para a nova estatal.
Será criada, portanto, nova estatal, que vai ter função de vender petróleo e conceder áreas sem licitação. O primeiro risco é o óbvio. As estatais, órgãos públicos, bancos públicos, transformaramse em cabides de emprego, e terreno para que os políticos instalem seus indicados. O país não pode correr esse risco na nova empresa. Já chega o que tem acontecido com a Petrobras.
A escolha técnica, de funcionário de carreira, de pessoa que venceu na empresa pelo mérito — em vez de ser pela atuação sindical — não garante tudo. Mas é uma esperança de gestão mais racional e cuidadosa.
Esse sentimento é compartilhado por funcionários da empresa, que também estão cansados de tanta interferência político-partidária que a Petrobras tem sofrido na atual gestão.
Imagina o que será uma nova empresa, criada do zero, no meio de um ano eleitoral, por um partido político que demonstrou nos últimos anos não saber separar o que é interesse público do que é objetivo partidário; grupo que levou ao paroxismo o velho vício do apadrinhamento político, inchaço da máquina, favorecimento e tráfico de influências.
É preciso ser um marciano para não ter informações sobre os abusos divulgados diariamente.
As reportagens publicadas em todos os jornais esta semana mostram que o governo tende a dar à Petrobras o poder de ficar com as melhores áreas sem licitação, e ser a sócia de toda a exploração em áreas estratégicas.
Essa sociedade obrigatória com a Petrobras é ruim para todos os sócios. A estatal é a escolha preferencial de qualquer investidor que venha para o Brasil ou já esteja aqui, como mostraram os consórcios formados em outras rodadas de licitação. E isso pelo conhecimento que ela tem do Brasil, pelo domínio que tem de exploração em águas profundas e porque é a empresa monopolista em vários segmentos do petróleo no Brasil.
O que uma boa regulação deveria fazer é forçar os grupos a se formarem sem a Petrobras, para começar a construir um mercado competitivo no país. Esse casamento forçado é cômodo para todos os investidores, é confortável para a Petrobras, mas ruim para o mercado de petróleo que eternizará o monopólio.
O novo modelo tem também o problema apontado pelo governador do Rio, Sérgio Cabral. Pode significar uma expropriação dos estados produtores. Na produção atual, os prejudicados seriam principalmente Rio e Espírito Santo; na exploração do pré-sal, outro prejudicado seria São Paulo.
O Rio perde mais. Perde pelos motivos levantados pelo governador do estado que produz 80% do petróleo extraído no Brasil. O sistema de ICMS estabelece que o imposto se paga no estado de origem. Exceto em petróleo e energia elétrica. Essa injustiça se corrigiu através dos royalties e participação especial.
O novo sistema não pagará a participação especial aos estados e municípios.
Parte dos royalties é pago ao governo federal, e desta forma a riqueza do petróleo vai para todo o país.
A ministra Dilma Rousseff pediu calma ao governador Sérgio Cabral, aliado íntimo do atual governo. Ao distinto público, disse que os comentários devem ser feitos quando a proposta for divulgada. É o próprio governo que tem divulgado pedaços das suas ideias. E esses pedaços formam, até agora, um frankenstein.
O monstro que está sendo costurado é estatista, cria nova empresa sem blindá-la contra o assalto dos políticos; dá poderes extraordinários e ativos a uma empresa que tem sócios privados; transfere para uma estatal poder de regulação que hoje cabe à Agência Nacional de Petróleo (ANP); cria uma sistema de “escolha” de investidores, em vez da disputa pública e transparente que existe hoje; e federaliza receitas estaduais. Por ter demorado tanto a sair, a proposta virá com a impagável marca da disputa eleitoral. O que a torna ainda pior.
Com Alvaro Gribel
Zelaya cruza a fronteira, mas volta à Nicarágua
Ricardo Galhardo
DEU EM O GLOBO
DEU EM O GLOBO
Presidente hondurenho deposto desafia governo golpista ao vivo nas TVs internacionais
PARTIDÁRIOS DE ZELAYA tentam se aproximar da fronteira, mas são impedidos por policiais
MANUEL ZELAYA posa diante de uma placa que diz "bem-vindos a Honduras", do lado hondurenho da fronteira com a Nicarágua: teatro político diante de jornalistas
Como numa novela transmitida ao vivo para todo o mundo, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, desafiou o governo golpista, atravessou ontem à tarde a fronteira com a Nicarágua e, por alguns minutos, esteve alguns metros dentro de seu país. Diante de cinegrafistas e fotógrafos da imprensa internacional que se acotovelavam, Zelaya levantou a corrente que marca a fronteira entre os países, posou sorridente e entrou em Honduras, onde permaneceu por minutos.
Com um chapéu de vaqueiro na cabeça, e sempre falando num celular, Zelaya ficou por aproximadamente 30 minutos no lado hondurenho da fronteira, cercado de jornalistas, sem que um grupo de militares em uniforme antimotim agisse para cumprir a promessa do governo interino de que o prenderia caso entrasse no país.
Ele se aproximou de uma placa com os dizeres "Bem-vindos a Honduras" para ter mais fotos tiradas. Depois, retornou ao seu jipe, no lado nicaraguense, e ameaçou atravessar a fronteira de novo, desta vez de carro. Porém, ele teria desistido de tentar entrar à força diante dos soldados.
- Não farei isso em respeito aos princípios dos militares - justificou.
Antes de atravessar, o presidente deposto conversou com o tenente-coronel Manuel Pelaya, comandante do posto fronteiriço, que respondeu:
- Quem tem o dever de prender é a polícia, não o Exército.
A entrada de Zelaya teve momentos que foram interpretados de formas diferentes. Seus seguidores afirmam que ele demonstrou coragem, ao desafiar os militares na fronteira. Já seus inimigos políticos consideraram a forma como ele atravessou a divisa uma prova do caráter populista de Zelaya. Emissoras internacionais de TV usaram termos como "circo", "surreal" e "curiosa" a ação do político.
Lula conversa com presidente deposto
Assim que souberam que Zelaya entrara no país - não pelas TVs abertas, que ignoraram o incidente - pela primeira vez desde que foi rendido por militares dentro da residência oficial e deportado para a Costa Rica, em 28 de junho, milhares de seus partidários comemoraram nas ruas de várias cidades. Foram reprimidos pela polícia com cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo. Pouco depois, defensores do governo golpista também saíram às ruas da capital, Tegucigalpa, onde se manifestaram tranquilamente.
Poucas horas antes de Zelaya chegar à fronteira com a Nicarágua, o governo interino decretou toque de recolher na região. A ordem exigia que todos permanecessem em suas casas entre meio-dia de ontem e 4h30m de hoje. A maior parte das pessoas soube da ordem às 12h05m, quando o toque de recolher foi divulgado em cadeia nacional. No resto do país, o toque de recolher começou às 22h, como tem acontecido quase todos os dias desde o golpe.
Bloqueios militares foram montados nas estradas que vão até a fronteira com a Nicarágua, e ninguém teve permissão para viajar até o país vizinho. Na estrada que leva até o posto de fronteira de Las Manos, várias centenas de seguidores de Zelaya foram impedidos de prosseguir. Os soldados atiraram bombas de gás lacrimogêneo para dispersar a multidão.
- É injusto que os soldados nos reprimam. Também são do povo - protestou a sindicalista Karen Palencia.
Zelaya chegara na área do posto de controle de fronteira de Las Manos no início da tarde, dirigindo um jipe e seguido por centenas de jornalistas, alguns partidários hondurenhos e do chanceler da Venezuela, Nicolás Maduro. O presidente deposto se aproximou lentamente da linha que demarca a fronteira entre os países, parando dezenas de vezes para falar com pessoas no seu celular ou em telefones passados para ele, e também para dar entrevistas.
Zelaya conversou com diversos líderes políticos, como o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, José Miguel Insulza, e com a presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dialogou por dez minutos. Segundo o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, Lula desejou sorte para Zelaya, mas pediu para que tomasse cuidado para evitar derramamento de sangue. As respostas de Zelaya a Lula foram transmitidas ao vivo por rádios locais.
Diante da falta de apoio internacional e da negativa do comando das Forás Armadas em dialogar, Zelaya retornou ao território nicaraguense.
Apesar das manifestações pontuais - algumas das quais marcadas por confrontos entre manifestantes pró e contra Zelaya - a situação em Tegucigalpa era aparentemente tranquila. A calma nas ruas, no entanto, esconde a extrema polarização da população. O principal ponto de conflito é a suposta ingerência do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em Honduras.
- O grande culpado desta situação não é Zelaya, é Chávez. Zelaya é um fantoche deslumbrado - disparou o comerciante José Ramón Contreras.
Ontem à tarde o governo interino de Honduras divulgou um comunicado no qual responsabiliza Chávez e o nicaraguense Daniel Ortega pela crise.