domingo, 26 de julho de 2009

PENSAMENTO DO DIA – Raimundo Santos

"As correntes ligadas ao campo do marxismo político brasileiro não têm porque aceitar “marco zero” de ideias de esquerda nem aderir ao pragmatismo perigoso a que leva quem não se vale dos melhores estilos de pensar e agir deste país. No Brasil, há uma larga tradição de pensamento social e um instigante modo de ver nossas coisas a duras penas acrisolado na esquerda pecebista".

Raimundo Santos, no livro A importância da tradição pecebista, editado pela Fundação Astrojildo Pereira, Brasilia, julho de 2009).

Melhorar é possível

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O enunciado é conhecido: político não nasce em Marte nem dá em árvore. Se dispõe de mandato, está no Legislativo ou no Executivo, chegou lá por escolha do eleitorado.

Em grande parte, votantes com experiência de 27 anos no ramo, sem contar os praticantes da era anterior ao regime militar. Portanto, se escorar na teoria Pelé (brasileiro não sabe votar) ou culpar a ditadura não exime ninguém da responsabilidade pela qualidade da escolha.

O período autoritário alimentou o analfabetismo político, interditou o surgimento de novas lideranças, afastou a política da sociedade, atrasou brutalmente o processo? Verdade.

A mudança da capital do Rio para Brasília isolou os políticos num mundo à parte? Até certo ponto. Governos estaduais, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais estão "perto do povo" e nem por isso são centros de referência em termos de espírito público, boa conduta e consciência ética.

Na maioria dos casos, são instituições muito menos fiscalizadas e mais dadas a vários tipos de vícios insanáveis que aquelas localizadas na Praça dos Três Poderes e ao longo da Esplanada dos Ministérios.

Mudanças na legislação eleitoral e partidária, a chamada reforma política tal como é hoje concebida é a salvação da pátria? Nada mais falso. Se lei sozinha desse jeito em alguma coisa, o Brasil, com a forte vocação jurídica expressa numa Constituição extremamente detalhista, seria o paraíso da legalidade e da moralidade, no sentido de respeito à ética.

Menos de 30 anos corridos de democracia é muito pouco tempo face a quase um século de intermitências institucionais? Certamente, mas é essa a nossa condição e com ela é preciso lidar.

Muitas coisas são novas no Brasil e, no entanto, a sociedade aprendeu rapidamente a atuar dentro das novas regras. A adaptação à estabilidade monetária é a prova. O brasileiro incorporou o conceito e com isso consolidou um padrão de comportamento.

Não é, portanto, absurdo pensar que o cidadão possa fazer o mesmo na política: obrigar o agente público a se adaptar a um novo modelo de conduta.

Como qualquer outro mercado, o eleitoral também é regido pela lei da oferta e da procura. Se há grande volume mercadoria podre em circulação na política, é porque há aceitação do produto.

Quando a neta do senador José Sarney telefona para o pai pedindo interferência para empregar o namorado na "vaga da família" no Senado, não age diferente de uma imensidão de brasileiros que compartilha da tese de que é bobo quem não tira vantagem de uma oportunidade favorável.

Tal tipo de atitude se manifesta no cotidiano das pessoas. Pobres, remediadas, ricas, cada uma de acordo com suas possibilidades e capacidades, raramente deixa passar a chance de obter um benefício, mesmo ao arrepio da boa ética.

Se o político depois de eleito pratica o fisiologismo em parceria com quem tem o poder de beneficiá-lo, se não for parlamentar "de opinião", para se eleger é obrigado a ceder à sanha fisiológica de seus pretensos eleitores.

Mas, digamos que por força de uma hipotética e irrealista tomada de consciência coletiva ou por ação de um líder que se dispusesse a organizar o ambiente e conduzir um projeto de depuração cultural, o eleitor mudasse.

Mas mudasse de verdade, revogando a lei de Gérson nas pequenas coisas do dia a dia. Que passasse a incorporar o valor do caráter entre suas exigências eleitorais, buscando em cada candidato o mérito e não a capacidade de auferir proveitos.

Convertesse toda essa indignação à deriva em energia transformadora e dissesse: agora chega de gente de quinta. Olhasse para um deputado que se lixa para a opinião pública e sem cerimônia se orgulha da tolerância obtida em sua província, e se sentisse realmente ofendido.

Não desapareceriam os malfeitores. Mas, da mesma forma como hoje não há mais quem ouse sair defendendo que um pouquinho de inflação tem lá sua serventia, diminuiria a quantidade de políticos dispostos a abraçar a causa da transgressão de resultados.

Não precisam ser candidatos a santos. Basta apenas que renunciem às orgias de desfaçatez e se conduzam dentro dos marcos normais da civilidade, do respeito ao próximo e do acatamento das regras universais das pessoas que se pretendem razoavelmente sérias.

Político identifica a direção do vento, mede a força das marés e, quando se trata de ganhar votos, não contraria a natureza.

Imposto num patamar mais escrupuloso de demandas, a consequência natural é que a escolha recaia sobre políticos que se enquadrem à nova filosofia.

Os que não se enquadram são naturalmente expelidos, rebaixados de importância ou acabam mudando por absoluta falta de aceitação de mercadoria podre no mercado eleitoral.

Simples? Complicadíssimo. Mas, o bom é sempre difícil, o ótimo quase impossível e o excelente é o motor da humanidade na busca da construção de um mundo cada vez melhor.

Eloquência e delinquência

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A loquacidade do presidente Lula não é para ser levada a sério. O próprio presidente sabe disso, por isso contraria os assessores mais prudentes e solta o verbo. Suas improvisações retóricas não se destinam à posteridade, servem para uso imediato – no máximo as manchetes do dia seguinte.

Ao contrário de Churchill, não pretende legar uma coletânea de peças retóricas definitivas, tampouco um livrinho de máximas como aquele de Mao Tsé-Tung. O presidente não quer esclarecer, quer confundir, desarmar. Surpreender. Com isso ganha tempo: enquanto os exegetas perdem precioso tempo interpretando os significados do que acabaram de ouvir, Lula preencheu todos os espaços vazios, criou novos fatos políticos e mantém-se no comando do processo.

Na última semana deitou falação sobre biografismo sem se importar que matava Plutarco pela segunda vez. Na cerimônia de posse do novo Procurador Geral da República pretendeu dar um peteleco nos investigadores preocupados tão-somente em abrilhantar suas biografias, desatentos à biografia dos investigados, mas acabou por armar uma tremenda confusão entre currículo funcional e folha corrida criminal.

Richard Nixon mudou o desenho geopolítico mundial e, apesar da façanha, foi obrigado a renunciar porque mentiu e trapaceou. Seu algoz, o ex-diretor do FBI, Mark Felt, não estava interessado em brilhar e manteve em segredo sua identidade durante 30 anos. Para evitar que as proclamações do chefe da Nação sejam tão facilmente contestadas, seria necessária uma reciclagem do seu repertório metafórico. Há sinais evidentes de fadiga do material.

Novo surto oratório no dia seguinte inspirou-se em Cesare Beccaria, o jurista do iluminismo que soube distinguir entre pecado e crime e, principalmente, soube armar uma proporcionalidade entre delitos e penas: "É preciso saber o tamanho do crime. Uma coisa é roubar, matar, outra é pedir emprego e [PRATICAR]o tráfico de influência, o lóbi. O que não se pode é vender tudo como crime de pena de morte" disse o presidente.

Irretorquível, impecável, à primeira vista uma aula de filosofia do direito com amigável entonação de conversa de botequim. A comparação entre o que foi dito e a realidade cotidiana desvenda uma perigosíssima complacência diante da dinâmica da ilicitude. Atrás do tapume pichado por farra geralmente esconde-se crime maior, às vezes hediondo. A delinquência se autoalimenta, degradação contínua, crescente. Também a impunidade: começa microscópica, acaba telescópica.

O presidente é o supremo magistrado, sua jurisprudência, embora baseada no senso comum, não pode conflitar com os estatutos penais em vigor sob pena de degradar o conceito de lei e desnortear a cidadania no tocante ao que é certo e errado, decente e indecente.

Ao providenciar um inocente emprego para o namorado da neta querida, o senador José Sarney cometia uma clara infração – traficava influência – porém ninguém pediu a pena de morte para o generoso avô. O clamor público que domina o país há seis meses não pretende levar o aliado de Lula ao paredón. O que se pretende apenas – inclusive no âmbito do PT – é preservar a lisura da República e recuperar a dignidade da sua mais alta casa legislativa. O suplente do suplente Paulo Duque não tem currículo e não tem biografia para ser o fiscal da ética e do decoro. Tem apenas folha corrida.

Nesta nova fornada de transcrições de telefonemas do clã Sarney, além de empreguinhos e verbinhas que, como no mensalão, são pecadilhos triviais, há uma escancarada inconstitucionalidade: Sarney pai e Sarney filho comemoravam a concessão de uma nova repetidora de TV para o conglomerado de TV da família. Um parlamentar que teoricamente fiscaliza as concessões de serviço público não pode simultaneamente ser concessionário de um serviço público. Tal delito tem nome: prevaricação. E o prevaricador, mesmo com passado impoluto – o que não é o caso –, não pode escapar da punição devida.

Cada vida deve ser continuamente lustrada, não existem biografias definitivas. A do presidente Lula, no auge da sua carreira política, não pode ser maculada com a suspeita de favorecer a impunidade.

» Alberto Dines é jornalista

Fim da convergência

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O golpe militar em Honduras mobilizou a comunidade internacional de "a" a "z" no apoio ao presidente eleito Manuel Zelaya e na condenação ao regime golpista de Roberto Michelletti. A volta de Zelaya ao país e mesmo ao poder, porém, não resolve a crise interna.

Muito pelo contrário.

Dos EUA à Venezuela, passando pelo Brasil, os países integrantes da OEA (Organização dos Estados Americanos) se bateram firmemente por um princípio: o do respeito às normas democráticas e aos presidentes constitucionalmente eleitos. O apoio, porém, para aí. Apoiar um princípio não é apoiar uma pessoa, nem um governo.

Por isso, toda a convergência que Zelaya conseguiu com o golpe tende a virar divergência no pós-golpe, mesmo com a volta dele ao poder. Por quê? Porque o impulso de Zelaya será pela radicalização e pelo aprofundamento do "bolivarianismo" em Honduras, com revisão constitucional, plebiscito para se eternizar no poder, nacionalização de setores da pobre economia.

Assim, tenderá a ir mais e mais na direção de Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua, sob a órbita da Alba (a alternativa chavista à natimorta Alca). E menos e menos na do velho parceiro e até tutor, os EUA. Além disso, o olhar que hoje é exclusivamente externo, contra um golpe estapafúrdio, irá se voltar para a situação interna, para a acomodação de forças e de interesses no país.

Creia você: a comunidade internacional toda apoiou Zelaya, mas ele sofre enormes resistências de setores hondurenhos que têm força política, como a Suprema Corte, a Igreja Católica, a mídia e a parte mais pesada do empresariado. Convenhamos, não é pouco.

O primeiro passo da crise é recompor o poder constituído, com a volta de Zelaya ao poder. O segundo é recompor os financiamentos e parcerias internacionais que hoje boicotam o país dos golpistas. Mas isso não resolve a crise. Os opositores internos não vão morrer. E os externos vão ressuscitar.

A importância da tradição pecebista

Raimundo Santos

”Certa vez Armênio Guedes chamou a atenção para o papel da militância comunista na educação e formação de uma boa parte dos quadros que nos últimos anos vêm ocupando postos de direção na vida política do país. Nessa mesma linha de valorização do PCB, este livro apresenta traços do pecebismo contemporâneo, expressão com que o seu autor se refere à propensão dos comunistas a compreender o sentido das conjunturas e a equacionar os requerimentos postos ao ator político.”

(Orelha do livro de Raimundo Santos, A importância da tradição pecebista, editado Fundação Astrojildo Pereira, Brasília, neste mês de julho de 2009)

A irredutível economia da escravidão

José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Há um cativeiro embutido nas artimanhas do trabalho livre legado pela abolição. E resiste ao tempo

Uma grave pendência da história social brasileira se manifesta com frequência em episódios de violação de direitos nas relações de trabalho. Como o que ocorreu em São Francisco de Itabapoana, no Rio de Janeiro, quando o Grupo Móvel de Fiscalização libertou 105 homens que trabalhavam em cativeiro. O endividamento forçado de trabalhadores para obrigá-los ao trabalho, com práticas de extorsão e, literalmente, de roubo, mediante manipulação de preços dos fornecimentos ou aviamentos, como alimentos, vestuário e até ferramentas, tem constituído técnica de cerceamento da liberdade e dos direitos da pessoa que trabalha. O Brasil já violara a liberdade dos índios escravizados que foram libertados em 1757. Ao deixar pela metade a abolição de 1888, deixou aberto o caminho para a nossa terceira escravidão: a maioria dos trabalhadores libertados agora no Rio, como se vê pelas fotos, é negra e mulata.

É coisa antiga. Desde a revolta dos colonos suíços, no Natal de 1856, trazidos para trabalhar na Fazenda Ibicada, em São Paulo, como substitutos dos negros escravizados, como solução para a escravidão negra que começava a agonizar com o fim do tráfico negreiro em 1850, já se via que a concepção de liberdade dos trabalhadores era restrita e condicionada. Os revoltados foram acusados pelo patrão de serem comunistas, quando o comunismo mal nascia na Europa.

O cativeiro embutido nas artimanhas e falcatruas da modalidade de trabalho livre que o fim da escravidão nos legou tem se manifestado insistentemente ao longo de mais de século e meio.

Euclides da Cunha escreveu sobre o aviamento nos seringais da Amazônia, num relato muito parecido com o do noticiário de agora sobre o caso do Rio. A partir dos anos 1970, os da expansão territorial da economia brasileira para a região amazônica, as denúncias de ocorrência de trabalho escravo se multiplicaram. As jornalistas inglesas Sue Branford e Oriel Glock, longamente familiarizadas com o Brasil, estimaram que naquele período mais de 400 mil pessoas estiveram submetidas à escravidão na derrubada da mata para abertura de novas fazendas naquela região. As violências denunciadas à Polícia Federal, naquele período, e apuradas, eram brutalmente maiores do que as sofridas pelo escravo na escravidão negra.

Havia uma razão para isso: o negro cativo era capital imobilizado de seu senhor. Feri-lo, aleijá-lo ou matá-lo era irracional prejuízo. No caso da escravidão atual, a escravidão é temporária e é mecanismo para reter o cativo enquanto se faz a derrubada, a colheita de um produto ou o corte da cana. Se ele morre, pode ser substituído por outro, sem nenhum prejuízo para quem o explora. Foram encontrados casos que iam desde o tronco, da chibata, da tortura, da humilhação, da mutilação até o assassinato puro e simples. Em julho de 1990, este jornal noticiava o assassinato de quatro trabalhadores escravizados numa fazenda de Paraopebas, no Pará. Um trabalhador fugiu e conseguiu avisar a polícia, que encontrou restos carbonizados de um dos trabalhadores mortos jogados como ração no chiqueiro dos porcos. O circo de horrores se estende pelos casos de trabalhadores feridos, amarrados em árvores, expostos a formigas-de-fogo ou feridos nos testículos e jogados em rios que tem piranha.

Neste caso do Rio, 80 dos trabalhadores eram procedentes da Bahia. No conjunto dos casos que têm ocorrido no Brasil, o Nordeste é majoritariamente a região de recrutamento desses trabalhadores. Não é raro que isso ocorra em famílias de pequenos agricultores, que aceitam o aliciamento dos traficantes pelo mero alívio das despesas de casa durante a entressafra. Bocas a menos na miséria nossa de cada dia.

Nos últimos anos, as ocorrências, antes concentradas na derrubada de matas, disseminou-se por outras regiões, também em atividades agrícolas, como o reflorestamento, o corte de cana ou a colheita, nas quais se tornou comum a sobrexploração do trabalho, o pagamento do trabalho por menos do que vale, do que o trabalhador e sua família necessitam para sobreviver. Esse é, aliás, um padrão disseminado em diferentes atividades econômicas, até mesmo na indústria de confecções na cidade de São Paulo. Essa economia da pobreza não ganhava denúncias nem visibilidade enquanto era, e em muitos casos ainda é, uma atividade sazonal e complementar da atividade agrícola familiar, aquela em que qualquer mísero salário é bem-vindo como complemento de uma agricultura rústica e de uma vida no limiar da economia moderna. Por esse meio, os mais pobres continuam subsidiando, com seu trabalho sazonal barato, a economia rica de setores prósperos da agricultura e mesmo da indústria. É muito provável que o Bolsa-Família, ao entrar na economia com essa mesma função de baratear o trabalho dos pobres, apenas acentue a vulnerabilidade das vítimas dessa exploração.

A economia dual brasileira, que articula dinamicamente a economia da pobreza com a economia da prosperidade, a economia da servidão com a economia moderna, apenas repete o que vem ocorrendo em outros países. Segundo dados apurados pela OIT – Organização Internacional do Trabalho, a escravidão movimenta hoje no mundo milhões de dólares e se tornou um atraente negócio de traficantes de mão de obra e de empresas que atuam aquém das regras do direito.

No Brasil, o governo Fernando Henrique Cardoso, logo no início, criou o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado. E foi no último ano de seu governo que se preparou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, entregue pronto e definido ao presidente Lula.

Essa terceira abolição da escravatura, no entanto, iniciada no governo anterior, emperrou no atual governo. As medidas sugeridas por uma comissão federal de alto nível, em 2002, foram ignoradas. Enquanto for mais barato pagar a multa do que cumprir a lei, tudo ficará como sempre esteve. Se alguma coisa ainda se faz é o que já vinha fazendo o Grupo Móvel de Fiscalização, que até hoje não recebeu nem medalhas nem elogios.

*Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor de Fronteira – A Degradação do Outro nos Confins do Humano (Contexto, 2009)

Mais conscientes, menos mobilizados

Antônio Gois / Sucursal do Rio
Entrevista: Alberto Almeida
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / +MAIS!

O cientista político Alberto Almeida afirma que a opinião pública tem importância crescente no país, embora tenham diminuído as manifestações de rua; o que falta, ele diz, "é uma atuação mais forte da Justiça" contra políticos corruptos

A inda que alguns deputados afirmem se lixar para o opinião pública, na prática, os políticos demonstram cada vez mais ter receio dos escândalos e da vigilância da sociedade sobre eles. Essa visão otimista é do cientista político Alberto Carlos Almeida, autor dos livros "A Cabeça do Eleitor" e "A Cabeça do Brasileiro" (ambos publicados pela editora Record).

Para ele, ainda há muito a avançar na construção de mecanismos mais eficientes de punição à corrupção, mas o eleitorado tem demonstrado, num processo gradual, que políticos cujos nomes foram associados a escândalos têm mais dificuldade na eleição para cargos majoritários.

O que diminuiu, afirma, foram mobilizações políticas de rua, como no caso das Diretas-Já, segundo ele dependentes da iniciativa de políticos dispostos a liderar o processo.

Almeida, autor também de "Por que Lula?", diz que o presidente não corre risco de ver sua popularidade afetada ao defender publicamente José Sarney e Fernando Collor. De 2002 para 2006, lembra ele, houve uma mudança no perfil do eleitor de Lula, que consolidou sua popularidade entre os mais pobres, ficando menos dependente da classe média mais escolarizada.

FOLHA - Um editorial da Folha nesta semana tratou da impressão, cada vez mais comum, de que a opinião pública se importa cada vez menos com os temas políticos, e esses se importam menos com a opinião pública. O senhor concorda?

ALBERTO ALMEIDA - Será que não se trata de uma ilusão de ótica? Minha impressão é que, hoje, os escândalos têm mais importância do que tinham no passado justamente porque cresceu a massa crítica adversa a isso. Pode ser que tenham acontecido coisas muito semelhantes ou maiores no passado e que ficaram despercebidas. Hoje, elas são mais visíveis.

O atual debate sobre financiamento público de campanha, por exemplo, expressa várias coisas. Uma delas é um certo receio, dos políticos, dos escândalos. Por que isso é debatido agora e não era no passado? Porque antes não se tinha tanto receio.

No governo Sarney [1985-90], a impressão que se tinha na época, pela leitura dos jornais, era de que a corrupção era algo completamente disseminado por todo o sistema. O Legislativo, o Judiciário, o Executivo, todos estavam envolvidos e se beneficiavam. Hoje, com Sarney no Senado, não acho que exista essa mesma impressão.

FOLHA - Mas há uma sensação de falta de punição.

ALMEIDA - Políticos que tiveram seus nomes associados a grandes escândalos têm muita dificuldade de se eleger para cargos majoritários. É o caso de [Paulo] Maluf e [Orestes] Quércia em São Paulo. É um processo lento, mas é um sinal de mudança.

O maior controle da corrupção não significa que ela irá acabar. O mau uso do recurso público é como violência. Nunca acaba. O que se pode fazer é controlar mais ou menos. Não existe taxa zero de acidente de automóvel, de assassinato ou de corrupção, mas é possível. O que pode acontecer é reduzir.

Faz algum tempo, eu li um trabalho bastante interessante sobre parlamentares de vários países. Ele mostrava que, em todos os casos analisados, eles aumentavam seus salários até chegar um ponto em que paravam. Isso acontecia no momento em que se detectava algum controle externo.

A partir daí, os atos em benefício próprio se tornavam menos visíveis, e os deputados passavam a privilegiar benefícios periféricos e mais camuflados, como passagens aéreas e verbas de gabinete.

Se não houver controle de fora, as pessoas vão agir mais em benefício próprio. É por isso que a imprensa tem poder fundamental.

O que me parece ainda faltar muito no Brasil é uma atuação mais forte da Justiça. Não há casos de políticos que tenham sido presos definitivamente por corrupção. É o eleitorado que pune esse político, não a Justiça.

FOLHA - Não foi justamente um deputado [Sérgio Moraes, do PTB-RS] que disse se lixar para a opinião pública?

ALMEIDA - Foi muito mais um caso de escracho. Não sabemos ainda as consequências que terá esse parlamentar. Será que, no íntimo de cada político, eles realmente se importam menos do que no passado com a opinião pública?

Acho que não.

Por que tantos deputados do Nordeste, por exemplo, fazem questão de aparecer no maior número de festas juninas nesta época? Porque a população valoriza isso. O mundo político é competitivo. Se o deputado não for à festa junina, algum concorrente irá. Então há, sim, uma competição pela opinião pública, e o político tem que atender ao que ela quer.

Talvez esse deputado quisesse, na verdade, dizer que se lixa para a opinião publicada nos jornais. E a opinião pública não é necessariamente a opinião dos jornais.

FOLHA - De que maneira?

ALMEIDA - Eu conduzo mensalmente uma pesquisa nacional e posso dizer que mais da metade da população não sabe que Sarney é o presidente do Senado, mas todos os jornalistas sabem.

Especialmente num país desigual, como o Brasil, essa distância dos jornais para o restante da população é mais visível. No Reino Unido, os diários colocaram tarjas pretas em suas primeiras páginas em protesto contra os parlamentares britânicos. Aqui, se todos fizessem isso, talvez não agradassem a seus leitores, que provavelmente não gostariam de ver aquela tarja no lugar de notícias que lhes parecem mais importantes.

FOLHA - Seus estudos mostram que, entre os mais escolarizados, há maior preocupação com a corrupção. O acesso à educação melhorou no país, mas a aversão à corrupção não parece ter aumentado. Não se vê mais mobilizações como nos movimentos pelas Diretas ou no Fora Collor. Como explicar?

ALMEIDA - Esta questão foi objeto de grande controvérsia nos Estados Unidos. Quanto maior a escolarização, maior a participação política. Mas a escolaridade também cresceu lá, e não se viu aumento de mobilização.O que se discutiu, a partir da literatura mais recente, é que, para acontecerem grandes mobilizações, é necessária também a participação atuante de uma elite política.

No caso das Diretas-Já, por exemplo, essa mobilização de cima para baixo foi fundamental. O governador de São Paulo na época, Franco Montoro, estava à frente da mobilização.

No Rio, o governador Leonel Brizola liberou as catracas do metrô e deu ponto facultativo aos servidores.

No caso de Collor, foi um fenômeno mais raro, pois a mobilização foi mais espontânea, mas não tão grande quanto nas Diretas.

Porém, é preciso lembrar que Collor atravessava um momento econômico difícil. Isso ajuda a explicar por que ele caiu com os escândalos da época, enquanto Lula sobreviveu bem ao mensalão.

Collor não tinha o apoio da elite nem da classe média ou pobre. Já Lula perdeu apoio das camadas mais altas, mas a população mais pobre estava satisfeita com o desempenho da economia. Isso fez toda a diferença nos dois casos.

A preocupação de uma pessoa muito pobre está muito associada à sobrevivência, ao emprego, à saúde, à própria vida.

Para nós, da elite, jornalistas, isso já está resolvido e outras questões aparecem como mais importantes. São dois mundos diferentes.

FOLHA - Mas o fato de Lula defender publicamente políticos como Sarney e Collor não pode abalar sua popularidade?

ALMEIDA - É preciso ter em mente que houve uma grande mudança no perfil do eleitor de Lula. Ele se elegeu em 2002 com o voto da classe média e dos mais pobres.

Em 2006, após o mensalão, perdeu muito apoio dessa classe média mais exigente com a ética, mas consolidou seu apoio na classe mais baixa, por causa de suas políticas sociais. É por isso que Lula pode muito bem sair em defesa de Sarney sem que isso cause prejuízos a sua popularidade.

O mesmo não pode ser dito do PT, que ainda depende desse voto ético. O gesto de Lula pode, sim, desgastar os candidatos do partido nas próximas eleições.

Esse desgaste já se verificou, por exemplo, quando o PT perdeu a maioria das eleições municipais nas cidades maiores.

Mas Lula está pensando em dois jogos. No eleitoral, essas atitudes podem ter efeito. Mas, no político, em que ele precisa do apoio do PMDB, isso é fundamental em suas articulações.

AS PENAS DA VIDA

Graziela Melo

As penas
Da vida

São tantas

Me seguem
Ao caminhar

São fortes
E conseqüentes

Às vezes
Espalham
Sementes

Que ficam
Soltas
No ar!!!

Se repetem
Se refletem

Nas sombras
Do caminho

Às noites
De luar!!!

Nos
Emaranhados
Da vida

Nas
Profundezas
Do mar!!!

Fazer a coisa certa

Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Pesquisa da Conferência das Nações Unidas (ONU), aplicada em mais de 240 multinacionais, aponta o Brasil como o 4º país de preferência dessas empresas para seus investimentos nos próximos dois anos. À frente do Brasil estão China, EUA e Índia. Segundo a pesquisa, as multinacionais decidem onde alocar investimentos a partir do tamanho do mercado (China, com 1,3 bilhão de habitantes, e Índia, com 1,1 bilhão, batem de longe os demais países) e da expectativa de crescimento econômico. Nos dois itens o Brasil apresenta desempenho mais fraco do que China e Índia, mas tem se saído bem na crise, o mercado de consumo foi ampliado e é animadora a expectativa de voltar a crescer no segundo semestre.

O Brasil saberá tirar proveito do vento a favor e atrair investimentos estrangeiros com a intensidade de China e Índia nos próximos dois anos? Na pesquisa, os próprios executivos das multinacionais já dão a dica, apontando os pontos fracos do Brasil: a ineficiência do governo e a deficiência da infraestrutura. É nesses dois itens que nosso país deve concentrar esforços se quiser seguir os passos das economias de China e Índia, que crescem continuamente a taxas entre 7% e 10% há mais de uma década. Eficiência e infraestrutura dependem fundamentalmente de ações e decisões do governo. E o governo tem agido? A direção está correta? É preciso corrigir rumos?

O governo Lula acertou em preservar a política econômica de FHC e resistir a tentações que trariam a inflação de volta. Com isso, desfez dúvidas construídas no passado irresponsável e sem rumo de Lula e do PT e garantiu condições para investidores continuarem acreditando no Brasil. Além disso, os programas de expansão do crédito e de transferência de renda para os mais pobres têm ampliado o consumo e ajudado a impulsionar o crescimento econômico.

Mas o governo Lula tem errado muito quando é desafiado a pensar, planejar e tomar decisões que atraiam investimento em infraestrutura:

Levou mais de dois anos tonto, batendo cabeça até aprender a executar investimentos em energia elétrica. O apagão só não aconteceu porque São Pedro foi generoso e mandou chover todos os anos.

Acabou com as privatizações e as substituiu por Parcerias Público-Privadas, as famosas PPPs, que nunca saíram do papel por absoluta incompetência para arquitetar projetos. Perdeu tempo, teve de recuar e voltou a privatizar rodovias e usinas elétricas.

Contratos de concessão de vários portos e hidrelétricas estão vencidos ou por vencer em breve e o governo não define regras para a renovação da concessão ou novas licitações. Sem saber como e o que fazer, o governo mergulha na insegurança e a omissão tem paralisado o investimento nesses empreendimentos. O atual concessionário não investe porque há dúvidas se continuará explorando o porto ou a hidrelétrica e o novo investidor não se mexe porque não há decisão se haverá ou não nova licitação.

Semana sim outra também o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, anuncia para breve as regras para exploração de petróleo do pré-sal. Passou mais de um ano e nada. Lula impôs prazos, todos ultrapassados. A falta de rumo é tanta que, depois de repetir por mais de um ano que seria criada uma nova estatal para o pré-sal, agora a ministra Dilma Rousseff acena com a ideia de entregar a exploração para a Petrobrás.

O PAC continua empacado e o governo culpa a lentidão da máquina administrativa. Contratou mais de 100 mil novos funcionários, inflou a folha de salários e a ineficiência piorou.

Mas o pior fez com as agências reguladoras. No mundo inteiro elas atuam com independência para separar o técnico do político, afastar a regulação de serviços públicos da influência e dos interesses políticos do governo. Mas o governo marchou na contramão: politizou as agências, entregou a gestão a partidos políticos, atrofiou sua força e as transformou em meros departamentos dos ministérios.

As multinacionais continuam acreditando no Brasil. Em 2008 a entrada de divisas para projetos de investimento atingiu a cifra de US$ 45,1 bilhões; até maio de 2009 o ingresso foi de US$ 11,23 bilhões; e a projeção do Banco Central é encerrar o ano com US$ 25 bilhões. Sem dúvida esses números seriam potencializados se o governo Lula derrotasse sua própria incompetência e insegurança e tomasse decisões certas para fazer deslanchar o investimento em infraestrutura. E deficiência em estradas, portos e energia costuma desencorajar investimentos estrangeiros.

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio

Vasto mundo

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O velho império deu o alerta. Para quem achava que a crise econômica global já estava acabada, o péssimo resultado do PIB inglês no segundo trimestre mostrou que ainda há um longo caminho pela frente. O comércio mundial está encolhendo este ano 16%. A maioria dos países fechará o ano com um PIB menor. O mundo é vasto e os países estão todos ligados nessa era global.

Há sinais de melhora, mas ainda há um longo caminho pela frente. Empresas americanas anunciaram, nos últimos dias, lucros, ou prejuízos menores. O mais brilhante dos resultados, o da Apple, prova apenas que, mesmo numa crise, uma empresa que está num setor dinâmico, com um produto novo e com um bom marketing, tem bons resultados.

Quem puxou o resultado foi o novo iPhone e não a recuperação da economia.

O que de fato melhorou? O fim do pânico financeiro que havia dominado o mundo no final do ano passado foi o primeiro passo. O segundo foi a redução do risco de uma nova depressão.

O economista que ganhou fama de vidente por ter previsto a crise, Nouriel Roubini, até disse que a recessão começará a acabar no fim de 2009 e isso provocou comemorações. Apressadas.

A segunda frase que ele sempre agrega a esta primeira afirmação é que o ano de 2010 será anêmico, o mundo vai ter um desempenho muito abaixo do potencial.

Na terceira frase, ele volta a ser o Roubini assustador de sempre: alerta que há um risco de uma nova queda recessiva em 2011. Ele e vários outros economistas estão alertando que os excessos de liberação fiscal por meios ortodoxos, ou não, podem provocar bolhas e pressões inflacionárias. A OCDE em seu último relatório tem um gráfico impressionante do crescimento do déficit público e da dívida dos 30 países que compõem a organização.

São enormes e crescentes. É impossível que não cobrem a conta, de uma forma ou outra.

A economia americana continua produzindo desempregados: meio milhão no mês passado. O mercado de trabalho está fraco, com queda de renda e horas trabalhadas.

Roubini diz que há uma relação direta entre emprego e mercado imobiliário.

Os preços dos imóveis que já caíram 45% desde o pico, terão, segundo o economista, mais 13% a 18% de queda pela frente. Ele prevê também que oito milhões de devedores deverão chegar ao fim do ano sem renda para pagar a hipoteca.

O secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, falou que o maior desafio agora é evitar o pior no mercado de imóveis comerciais.

Esse foi o ponto inicial da crise e ainda não parou de piorar. O mundo está longe de poder comemorar, ainda que já possa dizer que dois fantasmas foram evitados: o colapso financeiro e a nova depressão.

A maneira superficial com que as autoridades brasileiras fazem a análise da situação econômica não nos ajuda em nada. A conjuntura tem sinais contraditórios.

Aumentou o otimismo dos empresários e subiu a ocupação da capacidade ociosa. Mas não está no nível que garanta o retorno dos investimentos.

Eles continuam suspensos ou cancelados.

Nos últimos meses houve uma queda da aversão ao risco, os investidores vieram principalmente para os países emergentes. Isso elevou a bolsa e os humores.

Porém, comparados com os outros Brics crescemos menos nos anos de boom; e agora somos o segundo pior em crescimento econômico.

À frente apenas da Rússia, que terá uma forte recessão no ano. O Brasil passou bem pelo pior da crise, por avanços conseguidos em anos anteriores, nas áreas fiscal, monetária, cambial. Mas o avanço fiscal está sendo revertido sem uma visão estratégica.

Estamos gastando mais sem um propósito definido.

Pior é a enorme dependência do setor privado ao setor público que se aprofunda no Brasil: nas mentes em geral e nas receitas das grandes empresas. O último dado de desemprego foi bom. Ele caiu pela primeira vez desde dezembro. Mas onde houve aumento do emprego foi no setor público civil e militar. As empresas e setores que estão melhores receberam dinheiro público, ou através dos bancos ou de renúncia fiscal. Quem ainda não recebeu está na fila. Esperando o governo.

Nos Estados Unidos foi divulgada, na sexta-feira, uma pesquisa feita pela Atlantic Media que traz alguns pontos de reflexão. Sete em cada dez entrevistados disseram que a economia quando se recuperar vai parecer e funcionar diferente do que era. No Brasil, quais são os sinais de que a economia está se transformando, enquanto se recupera? Perguntados se as oportunidades seriam geradas pelo governo, pelas empresas ou por esforço pessoal, a maior parte dos entrevistados, 40%, disse que elas virão do esforço próprio. A maioria, 52%, acha que o governo mais atrapalha que ajuda, mas 38% acham que o governo pode ajudar. Curioso é que metade dos que acham que o governo pode ajudar explica que é ficando menor.

Para quem imagina que é o espírito anglo-saxão funcionando, está enganado. Os hispânicos foram os que mais demonstraram acreditar que é esforço pessoal que leva às oportunidades.

Aqui no Brasil, é difícil encontrar um grupo de jovens que não comente sobre concurso público. Eles esperam que o governo crie as oportunidades e um emprego estável. Da mesma forma como é difícil encontrar uma empresa no país que não esteja aguardando alguma facilidade a ser criada pelo governo.

A crise global continua, apesar dos pequenos sinais de melhora. Aqui, muitos aguardam que o governo nos tire dela. O governo ajudaria bastante se não pusesse esqueletos nos armários.

Custou muito limpar estes armários