terça-feira, 4 de agosto de 2009

Kolakowski e o Marx partido ao meio

Bruno Gravagnuolo
Tradução: Josimar Teixeira
Fonte: L'Unità & Gramsci e o Brasil

Leszek Kolakowski, um grande crítico do marxismo, de origem marxista. No entanto, incapaz de formular uma verdadeira “revisão” do seu objeto teórico, tendo terminado numa posição cética, entre a dúvida crítica e a transcendência religiosa. Foi esta a parábola do filósofo polonês, nascido em Lodz, em 1927, e falecido em Oxford, no último 17 de julho, depois de ter emigrado em decorrência das agitações polonesas de 1968, nas quais se destacou como líder do dissenso.

O que nos deixa? Sem dúvida, uma crítica ao “totalitarismo” latente em certas zonas da lição marxiana. Por exemplo, no “mix” de filosofia da história e determinismo positivista, que se encontram na Crítica da economia política de Marx. Deste modo, em Nascimento, desenvolvimento e dissolução do marxismo (SugarCo, 1980-1985), Kolakowski desmonta com facilidade tal “mix”, referindo-o a Platão, Plotino e também à “gnose” e ao profetismo bíblico.

E criticando simultaneamente o aspecto de “necessidade” da estrutura econômico-social, que se impõe sobre ideias e representações do mundo (sobre o fator subjetivo).

Todavia, trata-se de críticas a Marx que não são novas e já estão presentes em gente como Weber, Bernstein, Croce, Gramsci. E críticas, as de Kolakowski, que cometem o erro de não tomar em consideração que existe também um outro Marx.

O Marx da “subjetividade”, contra a economia alienada. O Marx que fala da consciência como fator resolutivo das “inversões dialéticas”. E que levanta a hipótese de um mundo novo no qual todos e cada qual possam desenvolver criativamente suas personalidades, sem as mutilações da dominação e da desigualdade, que transformam os indivíduos em mercadoria e joguete de um destino imposto.

Talvez a questão verdadeira, que Marx não captou e Kolakowski também não fixa, seja outra: a democracia. Em outras palavras, a cotidiana libertação associada, dentro da sociedade civil e do Estado representativo. Contra o populismo e os mitos da democracia direta, que engendram ditadura e fanatismo, entre outras antigas mistificações demagógicas.

Guerra suja

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A crise de valores que domina a política brasileira, que está sendo explicitada com maior agudeza no momento pelo impasse em que se encontra o Senado, imobilizado por inúmeras denúncias contra o seu presidente, teve ontem, no primeiro dia de volta do recesso parlamentar, uma síntese de sua tragédia na "tropa de choque" que se mobilizou para defender a permanência do senador José Sarney no cargo.

Representantes do que há de pior na prática política brasileira, a chantagem, o corporativismo, o populismo, o fisiologismo, o patrimonialismo uniram-se para atacar o senador Pedro Simon, que pedia da tribuna do Senado a renúncia do presidente Sarney como saída para que sejam encaminhadas soluções para a reforma profunda que o funcionamento do Senado - e também da Câmara - está a exigir.

A belicosidade exibida por todos os defensores da permanência de Sarney indica que ele foi convencido a encarar uma guerra aberta para permanecer no cargo.

Como esquizofrênicos que vivem num mundo particular, esses senadores passaram a difundir a ideia de que o que está em jogo neste momento é a disputa de 2010 pela sucessão do presidente Lula, o que leva a crer que o próprio Palácio do Planalto alimenta essa visão, que transforma a necessidade de refundação moral de nossas instituições políticas em meros movimentos estratégicos para a sucessão presidencial.

Aderindo surpreendentemente coeso a essa tese, a ponto de seu presidente Michel Temer ter divulgado uma nota em que sugere a saída de seus dissidentes do partido, a exemplo do que o PT fez com os seus, o PMDB assumiu a parceria com o governo Lula, trocando o apoio da base governista à permanência de seu representante na presidência do Senado pelo seu apoio à candidatura oficial à sucessão de Lula.

A reunião do Conselho de Ética que está prevista para hoje, onde estarão em análise diversas representações contra o presidente José Sarney e, previsivelmente, várias outras contra representantes da oposição, ocorrerá em ambiente de agressividade descontrolada, como ficou claro ontem.

Senadores instáveis emocionalmente, além de agressões extemporâneas, passaram a sugerir chantagens em frases incompreensíveis, mensagens cifradas de ameaças.

O espírito do baixo claro tomou conta do plenário do Senado, demonstrando que a base governista se transformou num bando que se utiliza dos recursos mais baixos para defender seus interesses.

Transformar a campanha pela moralização das atividades do Congresso em uma simples questão pontual de política partidária tem a finalidade de desqualificar as acusações, transformá-las em coisas menores que sempre aconteceram, e deixar tudo como está.

Também a tese de que há um complô midiático para derrubar o senador José Sarney, justamente porque ele se transformou no maior suporte do projeto sucessório do presidente Lula, faz parte dessa tentativa de levar a opinião pública a acreditar que não há nada de errado no que está sendo relatado pela imprensa.

Essa tática imobilista dos governistas tem a ver com o debate sobre o papel da opinião pública na atualidade, e até onde é possível manipulá-la, tema que abordei no último fim de semana e que provocou muito debate entre os leitores.

Geraldo Tadeu Moreira Monteiro, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social, com a experiência de ter realizado mais de 300 pesquisas de opinião pelo IBPS nos últimos 5 anos, parafraseando o sociólogo francês Pierre Bourdieu - que diz que só existe opinião "mobilizada", a das elites e dos grupos de pressão -, acha que não existe "opinião pública", mas feixes de opiniões públicas, "correntes de opinião que se formam circunstancialmente a partir de posições políticas e ideológicas de grupos sociais politicamente mais organizados".

Hoje em dia, diz ele, porta-vozes de diferentes grupos (idosos, gays, mulheres, sindicalistas, ambientalistas, indígenas, etc) se fazem ouvir em todos os meios de comunicação, produzindo uma espécie de "polifonia discursiva", que torna as opiniões cada vez mais heterogêneas.

"Podemos dizer que as "opiniões públicas" são posicionamentos provisórios, não necessariamente contínuos e heterogêneos, sobre temas pertinentes à arena pública", analisa Tadeu Monteiro.

Em pesquisa recente (23 a 27/07/09, com 2.000 entrevistas em todo o Estado do Rio), o IBPS apurou que somente 17% da população demonstram interesse pela política acima da média (4% têm interesse "muito grande" e 13% têm interesse "grande"), e, embora a maioria (52%) informe-se sobre política pela televisão, 21% o fazem através dos jornais, 9% em conversas com amigos e 7% pela internet.

Segundo Geraldo Tadeu Monteiro, "a informação política chega a todos, mas a compreensão dos movimentos da política, do que está em jogo, só chega a 17% dos entrevistados".

Seriam esses que, por diferentes redes sociais de relacionamento (faculdade, empresa, botequins, salões de cabeleireiro, etc), difundem suas visões e opiniões dando sentido à informação política que chega a todos, num processo que Monteiro considera "muito semelhante" ao que fazem os jornalistas, só que num processo "muito mais difuso e heterogêneo".

Um dos dados mais impressionantes da pesquisa IBPS, diz ele, é o aumento do voto nulo (em junho havia 9% de votos nulos, e em julho houve 12%) e em branco (de 2% em junho foi para 4% em julho).

"A sucessão de escândalos políticos produz mais uma sensação de desalento que uma reação uniforme", conclui Geraldo Tadeu Monteiro, do IBPS.

Pelo que está sendo montado no Senado, esse desalento só fará aumentar.

Patrões querem a intervenção de Lula

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


As quatro confederações patronais que abandonaram o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) vão pedir uma conversa ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para os próximos dias. Querem discutir a volta das entidades ao colegiado - um órgão tripartite - que administra o dinheiro do FAT.

Não é nada, não é nada são R$ 47 bilhões, dos quais 73% de dinheiro oriundo da iniciativa privada. Os empresários querem que Lula determine ao ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que a gerência do Codefat volte às mãos de uma das quatro e obedeça à regra do rodízio, na presidência, entre governo, patrões e empregados, feita tábula rasa por Carlos Lupi, na última eleição à presidência do conselho.

Para as quatro confederações (CNI, da indústria, CNA, da agricultura, CNC, do comércio, e Consif, representante do sistema financeiro), o próximo presidente nem precisa ser necessariamente da CNA, como eles haviam decidido, e que Lupi abortou com uma chicana só para impedir que a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da entidade, passasse a tomar conta dos R$ 47 bilhões.

Em 19 anos, só a CNA ainda não ocupou a presidência do conselho, mas as quatro confederações estão de acordo que o novo presidente possa sair de uma das outras três - é claro, só não aceitam as duas que Lupi cooptou para fazer a chicana condenada até pela CUT, que já presidiu o Codefat (aliás, com Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT, que fez uma gestão sem escândalos). O que importa é a manutenção do sistema tripartite e a regra do rodízio implodidos por Carlos Lupi.

A saída das quatro confederações é um absurdo. A montanha de dinheiro do FAT passa a ser gerida por maiorias eventuais que o ministro articular no conselho, como fez agora na eleição de seu novo presidente. Faz sentido, portanto, quando as quatro confederações alegam que não saíram por pirraça.

Trata-se do óbvio ululante: os conselheiros do Codefat podem ser pessoalmente responsabilizados judicialmente por desvios que ocorram eventualmente. Com a manobra de Lupi, as quatro perderam totalmente o controle sobre as decisões do conselho.

As confederações alegam que se Lupi, que é ministro do PDT, e o PT não queriam Kátia Abreu, senadora eventualmente citada como presidenciável do DEM ou candidata a vice numa chapa encabeçada por José Serra, poderiam ter entrado em acordo para a indicação de outro nome. O deputado Armando Monteiro (PTB-PE), presidente da CNI e da base de apoio governista, por exemplo

O ministro Carlos Lupi, na realidade, desarrumou o Codefat por pura politicagem. É inaceitável quebrar uma administração tripartite que já tem problemas para conseguir manter enquadrada gente que não tem cuidado com o dinheiro público, mesmo com uma parte controlando a outra nas decisões.

A relação de confiança do governo e do setor público com a sociedade passa pela aceitação de mecanismos de controle. Mecanismos de controle tripartite, rígidos e cada vez mais profissionais. O que ocorreu no Codefat foi um atraso, andou-se para trás. Não se trata de uma questão de oposição e governo. O patrimônio, seja ele do trabalhador, do empresário ou do país, precisa ser fiscalizado. Profissionalmente.

O horror à fiscalização é um dos grandes equívocos de sindicalistas e de boa parte da esquerda que povoou o governo Lula. Há ONGs que recebem milhões e não prestam contas. Mas o fato é que qualquer dinheiro público tem que ter a sua aplicação fiscalizada. Após quase sete anos, o governo Lula ainda precisa aprender a se deixar fiscalizar. É da essência da coisa pública. Sejam R$ 10 ou R$ 100 milhões.

É pedagógico o exemplo do ex-presidente americano Bill Clinton que abriu todas as suas contas porque sua mulher, Hillary, seria nomeada para o governo Barack Obama. No Brasil criou-se o hábito de o homem público não prestar contas.

Isso só amplia a relação de desconfiança com que a sociedade olha para os Poderes. E o resultado é ruim porque a sociedade não confia ou passa a confiar cada vez menos nos seus homens públicos. É por essas e por outras que há uma crise corroendo as entranhas do Senado - aliás, cabe perguntar, por que ato secreto? É dizer que a sociedade não pode saber o que se faz em Brasília. Só pode pagar, é isso?

O pior de tudo é que os conselheiros do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) temem que algo parecido venha a acontecer na administração do fundo, diante da movimentação de Lupi, um ministro que parece "vir de longe", não na acepção usada por Leonel Brizola, o criador do PDT, mas de um Brasil que teima em não se expor à luz do sol.

O acadêmico e o sindicalista

De passagem por Brasília, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), lamentou que o "status quo" do Congresso tenha "sentado em cima" da reforma política. Acha que a falta dessa reforma é que gerou a sucessão de crises no Senado e na Câmara. "E há dúvidas até se a próxima eleição vai consertar isso". A crise "é estrutural e não conjuntural", diz Hartung.

Ex-senador, Hartung vê com apreensão a atual crise do Senado: "Imagine, em plena crise econômica, quando se precisa de uma ação anticíclica". Junto com a reforma política, Paulo Hartung acha que o próximo Congresso deve "aproveitar um pouco e mexer no Estado brasileiro".

O governador acha que o maior problema é o sistema eleitoral. Hartung defende o financiamento público das campanhas. "Imagine que o Brasil teve nos últimos anos dois bons presidentes. Um do PSDB e outro do PT. Um acadêmico e o outro, sindicalista. E os dois tiveram o mesmo problema: assumiram sem ter uma maioria estável no Congresso".

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Lula blinda aliado de olho em 2010

Daniel Pereira e Flávia Foreque
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Presidente aposta na defesa de Sarney a fim de afastar os peemedebistas de uma aliança eleitoral com os tucanos

A contra-ofensiva deflagrada ontem em defesa do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), contou com o aval do Palácio do Planalto. E, como nas semanas anteriores, foi orquestrada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em conversas com ministros e parlamentares nos últimos dias, Lula lembrou que a manutenção de Sarney à frente do Congresso trará benefícios à candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em 2010. Por exemplo: afastará os peemedebistas das negociações eleitorais com o PSDB, aproximando-os ainda mais da chapa a ser encabeçada pela “mãe do PAC”.

“Em política, você não pode ser ingênuo. É claro que tem relação com 2010”, disse um dos ministros mais influentes do governo, referindo-se aos discursos dos líderes do PSDB e do DEM no Senado — Arthur Virgílio (AM) e José Agripino Maia (RN), respectivamente — pelo afastamento de Sarney do comando da Casa. A auxiliares, Lula também lembrou que, se Sarney renunciar ao cargo, o governo correrá o risco de sofrer retaliações do PMDB na CPI da Petrobras. Apesar de instalada formalmente, a comissão não começou a trabalhar. A meta do Planalto é mantê-la sob controle, impedindo danos à candidatura de Dilma e aos projetos da empresa. Cabe à Petrobras a maior parte dos investimentos públicos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Senha

O presidente e ministros monitoraram no fim de semana os ânimos de Sarney. Ouviram do senador a disposição de enfrentar o que ele chamou de calvário. “Eu tenho história. Não vou sair da vida pública pela porta dos fundos”, teria afirmado o peemedebista, conforme o relato de um ministro. A declaração serviu de senha para Lula reforçar os recados endereçados à tropa governista.
Agora, num tom mais contundente. O presidente está impaciente com senadores do PT. Além de tachá-los de ingênuos, ressalta que a sucessão presidencial está em jogo e será a mais suja da história. Por isso, não haveria espaço para encenações, como defender em público o afastamento temporário de Sarney, como fez, entre outros, o líder petista Aloizio Mercadante (SP).

“Suplicy, você está há 18 anos no Senado e não sabia de nada do que acontecia lá de errado?”, perguntou Lula ao colega de partido, num misto de ironia e reprimenda. Ontem, depois da reunião da chamada coordenação política, o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, elogiou a solidariedade de Sarney com o governo. “Tenho conversado com o presidente Sarney, e ele está disposto a enfrentar. Cada denúncia que surge tem sido investigada, e a ele interessa também que seja esclarecido”, afirmou Múcio. Horas mais tarde, Lula aproveitou a cerimônia de sanção da nova lei sobre adoção para criticar a cobertura negativa feita pela imprensa.

"Firmíssimo"

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Como estava escrito nas estrelas, o fim do recesso e o reinício dos trabalhos do Senado providenciaram um triste espetáculo para a opinião pública. Mais um. Antes, atos secretos. Agora, palavras explícitas. Atos e palavras mostrando o quanto o Senado se torna inútil, inchado de funcionários, caríssimo na sua distribuição de favores e agora palco de agressões e de revisão da história.

Sentado solenemente na presidência, José Sarney assistiu a parte da sessão, enquanto sua tropa de choque recuperava velhas histórias para distribuir agressões e insinuações aos que insistem na renúncia. Em vez de presidir uma instituição, preside uma guerra que tende a se transformar numa guerra de pizzas.

Renan Calheiros, que não tem muito a perder depois de meses de pressão, da renúncia melancólica e da volta pelas urnas, é não apenas o líder da reação para manter Sarney na presidência que já foi sua e lhe escapou pelas mãos. É também o autor do script "bateu, levou".

Aliás, ao lado de Fernando Collor, outro que também já passou por tudo isso e aproveitou a confusão para apresentar ao vivo e em cores a sua versão de que tudo o que gerou CPI, renúncia e caras-pintadas, 15 anos atrás, foi uma farsa "urdida nos subterrâneos".

Renan luta para sobreviver e se agarrar à importância que, em simbiose com Sarney, ainda tem no PMDB e nos caminhos do partido em 2010. Collor luta para renascer de fato e lavar sua biografia para além dos limites de Alagoas.

A novidade no quebra-quebra de ontem é que Pedro Simon, que sempre jogou a pá de cal em cargos e mandatos moribundos, desta vez não pôde brilhar sozinho. Enfrentou duras reações, atrapalhou-se mais de uma vez, cansou.

Cristovam Buarque no seu novo papel de acusador, Wellington Salgado se destacando como defensor, Mão Santa com ar de sono presidindo o final da sessão. Tudo surreal. E todos afundando juntos.

Senado em guerra

Maria Lima - Brasília
DEU EM O GLOBO

Simon pede renúncia de Sarney e é ameaçado por tropa de choque comandada por Collor e Renan

Depois de seis meses de crise, o Senado voltou ontem do recesso de julho e foi tomado por uma guerra entre os que defendem a saída do presidente José Sarney e os integrantes de sua tropa de choque, comandada por Fernando Collor e Renan Calheiros. Dispostos a tudo para manter o poder, os aliados de Sarney tentaram intimidar quem defendeu a renúncia, começando por Pedro Simon, que chegou a sofrer ameaças. No bate-boca, Collor, que fora citado por Simon em discussão com Renan, voltou ao velho estilo e, exaltado, gritou: "São palavras que não aceito. Quero que o senhor as engula e as digira como achar conveniente." O presidente Lula reafirmou seu apoio a Sarney.

Cenas indigestas no Senado

Simon pede saída de Sarney e é atacado e ameaçado por tropa de choque de Collor e Renan

No primeiro dia de funcionamento do Senado após o recesso, o plenário da Casa foi incendiado ontem por duros ataques e ameaças dos grupos pró e contra a permanência do presidente José Sarney (PMDB-AP) no cargo. Depois de rápida passagem de Sarney pelo plenário, o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), juntamente com o expresidente e senador Fernando Collor (PTB-AL), arregimentou sua tropa para contra-atacar, jogando pesado. O alvo principal foi Pedro Simon (PMDBRS), que fazia mais um apelo para que Sarney renunciasse, num gesto de paz, para preservar o Senado.

Municiados com informações sobre a vida política dos críticos de Sarney, a dupla Renan/Collor partiu para a guerra e, aos gritos, defendeu o presidente do Senado e tentou intimidar seus críticos, até com ameaças.

Simon foi surpreendido por duros ataques de Renan. Depois foi a vez de Collor, que, transtornado, aproveitou o bate-boca para atacar a imprensa e rememorar fatos que levaram ao seu impeachment na Presidência.

— Só lamento que seu esporte favorito nos últimos 35 anos tem sido falar mal do presidente Sarney. Desde que ele foi indicado vice do Tancredo (Neves), V. Excelência fala mal dele. V.

Excelência queria ser o candidato a vice, mas perdeu a indicação no partido — disparou Renan.

Exaltado, Simon reagiu: — V. Excelência está inventando isso. É mentira! Uma calúnia! Renan prosseguiu, dizendo que nunca entendeu por que Simon saiu do hospital, onde se recuperava de uma cirurgia, para pedir o afastamento de Sarney, depois de ter ido a seu gabinete dizer que estava solidário com o presidente da Casa.

Precondição da vida, diz Mão Santa

Em resposta, Simon disse que Renan é que era um líder contraditório, e relembrou a ida do peemedebista à China, para combinar com Collor a candidatura dele à Presidência, em 1989. Mas, quando Collor estava sendo cassado, lembrou Simon, Renan o abandonou e depois foi ministro do governo Fernando Henrique Cardoso: — V. Excelência foi à China fazer acordo com o Collor. Na véspera de o Collor ser cassado, V. Excelência largou o Collor. Lá pelas tantas, apareceu como ministro da Justiça do Fernando Henrique. Lá pelas tantas, largou o FHC. Agora, é o homem de confiança do Lula.

Simon também disse que Collor foi ao Rio Grande do Sul lhe propor que formassem uma chapa, mas ele não quis. Imediatamente, Collor chegou correndo ao plenário, com os olhos saltados e arfando muito. Voltando ao estilo “faca na bota”, que inaugurou na sua campanha presidencial, Collor mandou Simon engolir as palavras, ameaçando revelar coisas que o deixariam em situação constrangedora.

— São palavras que não aceito! Quero que o senhor as engula e as digira como achar conveniente! — gritou. — Evite pronunciar meu nome, porque da próxima vez que tiver que pronunciar o seu, eu gostaria de relembrar alguns fatos e momentos extremamente incômodos para V. Excelência! — Fale agora! — desafiou Simon.

— Falarei quando for oportuno — respondeu Collor, que permaneceu, até o fim do discurso de Simon, sentado logo abaixo, encarando-o de forma ameaçadora, sem desviar o olhar.

Depois dos ataques, Simon tentou reagir, ainda que moderadamente, mas foi massacrado por outros como Wellington Salgado (PMDBMG) e Epitácio Cafeteira (PTB-MA).

Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e Renato Casagrande (PSB-ES) saíram em defesa de Simon.

— Não há outro caminho a não ser o aprofundamento das investigações sobre o presidente Sarney — disse Casagrande.

— Um senador da República mandar o outro engolir e digerir as palavras como achar que deve? — reagiu Jarbas, pedindo que Mão Santa (PMDB-PI), que presidia a sessão, determinasse a retirada dos termos das notas taquigráficas. Sem sucesso.

— Senador Jarbas, com todo o respeito. Eu sou professor de fisiologia.

As palavras engolir e digestão nunca foram pejorativas para mim.

Sempre as entendi até como uma precondição de vida — respondeu Mão Santa.

Durante a fala do gaúcho, Renan continuou no ataque. Insinuou que, quando era ministro da Agricultura de Sarney, Simon teria feito negócios escusos com importação de carne com uma empresa chamada Pôr do Sol.

— V. Excelência conhece a empresa Pôr do Sol? Diga senador, o que tem com essa empresa? O país conhece minhas vísceras, mas V. Excelência precisa ser conhecido pela Nação — continuou Renan.

— Quando falaram que iriam tentar buscar coisas de todo mundo, não estavam mentindo. Só que esse caso aconteceu seis meses depois que saí, já era governador do Rio Grande. É mentira! — reagiu Simon.

Quando Simon já descera da tribuna, Collor voltou ao ataque, para dizer que o que Sarney estava enfrentando na mídia era algo que conhecia bem pelas “entranhas”: — Sei o que o presidente Sarney está passando porque também já passei por isso. Sei como essas coisas são urdidas, vazadas, como correm pelos subterrâneos da imprensa que quer que esta Casa se agache.

Collor chamou os “caras pintadas” de “movimento estético-cultural” que foi saudado pelo povo como manifestação da democracia. E lembrou que depois foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal.

— Não vi algo (na fala de Simon) que pudesse ser ofensivo ao presidente Collor — disse Suplicy, dirigindose a Collor: — Participei da CPI do PC Farias, V.
Excelência cumpriu oito anos de afastamento político, se elegeu senador, veio para o Senado e tem sido tratado aqui com respeito.

Sarney nega que pretenda renunciar

Sarney assistiu à guerra do gabinete.

Mais cedo, reapareceu no plenário apenas para demonstrar força. Durante os 80 minutos em que presidiu a sessão, no início da tarde, não ouviu nos discursos uma só menção à crise ou às denúncias de corrupção que envolvem seu nome e de familiares.

Tentando aparentar tranquilidade, era o retrato do nervosismo. Chegou ao plenário quando terminara o discurso do líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), sobre sua ação contra a decisão de um desembargador de censurar o jornal “O Estado de S. Paulo”.

Depois do tucano, quando Collor se preparava para subir à tribuna, Sarney assumiu a presidência.

Sarney ouviu Collor discursar sobre uma encíclica do Papa Bento XVI e depois teve sua companhia na Mesa.

Aliados de Sarney fugiram da crise com assuntos que foram de citações ao escritor Euclides da Cunha a medidas da área da Previdência. Às 14h55m, quando Simon entrou no plenário, Sarney mudou o semblante e saiu logo depois. Na saída, declarou estar preparado para a guerra.

— Estou com o espírito muito bom.

Nunca deixei de estar confiante.

E negou que vá renunciar: — Isso não existe! Isso não existe — descartou Sarney

Lula reafirma apoio do governo a Sarney

Chico de Gois e Luiza Damé
DEU EM O GLOBO

Em reunião de coordenação, presidente diz que não vai mais interferir em decisões da bancada do PT no Senado

BRASÍLIA. De forma menos efusiva que em outras ocasiões, o Palácio do Planalto voltou a defender o presidente do Senado , José Sarney (PMDB-AP), mas não fez prognósticos sobre sua permanência ou não no cargo. Na reunião de coordenação, de manhã, o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, fez uma análise da crise no Senado e passou o recado de Sarney ao governo: apesar da pressão, não está disposto a renunciar ao cargo.

O presidente do Senado está pronto para a guerra, concluíram Lula e auxiliares.

O presidente Lula, que na semana passada sinalizara que não estaria mais tão fechado com o presidente do Senado, ontem reiterou apoio a Sarney, durante a reunião, mas disse que é preciso tomar cuidado para que a posição do Planalto não pareça interferência em questões do Legislativo.
E reafirmou que não vai mais interferir nas decisões da bancada do PT no Senado.

Pouco depois da reunião de coordenação, Lula defendeu o Congresso ao sancionar a nova lei da adoção: — (A lei) É uma dádiva para o Brasil. Isto aqui também mostra que todas as críticas que são feitas ao Congresso Nacional todo santo dia... Eu digo sempre que, se colocar numa balança as coisas boas e as coisas más que foram feitas pelo Congresso, as coisas boas são infinitamente superiores, mas muitas vezes as coisas boas não têm o destaque que a gente gostaria que tivessem.

Na reunião de coordenação, Lula reclamou que o foco das denúncias tem sido exclusivamente Sarney, enquanto, segundo ele, todos sabem que outros senadores que teriam práticas semelhantes não são citados.

A avaliação de Lula é que a saída de Sarney do cargo dificultaria a relação entre o PMDB e o PT, pondo em risco a governabilidade. O presidente não gostou da postura dos senadores petistas que, mesmo depois de uma conversa no Palácio da Alvorada, insistiram em pedir a licença de Sarney do cargo. Mas disse que não conversará mais com os senadores do partido sobre esse assunto.

A posição do governo deverá chegar à bancada por intermédio do presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP).

Ao fim da reunião de coordenação, José Múcio repetiu o discurso de Lula de que o problema é dos senadores: — Com relação ao problema do Senado, que vocês devem estar curiosos, (a avaliação) é que a partir desta semana é que vamos ter os desdobramentos (...). Vai estar, verdadeiramente, nas mãos dos senadores.

Ele não quis fazer uma avaliação de quando deve ser decidida a situação do presidente do Senado: — Isso só o Senado pode dizer.

Há 20 anos, Collor atacava Sarney em campanha para sucedê-lo no Planalto

Roberto Almeida
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Quem assistiu à calorosa defesa do senador Fernando Collor (PTB-AL) à permanência do presidente da Casa José Sarney (PMDB-AP) ontem, em plenário, estranhou. Há 20 anos, Collor, postulante à sucessão de Sarney na Presidência da República, fez ataques duros a Sarney para levar sua candidatura à vitória.

A primeira saraivada teve início ainda em 1987, quando Collor era governador de Alagoas pelo PMDB. Seus ataques qualificavam Sarney como "típico ditador sul-americano" e "o corrupto do Planalto". O atual presidente do Senado foi acusado de "tentar bater a carteira da história", ao propor uma emenda para esticar seu mandato por mais um ano.

No dia a dia da campanha presidencial, as declarações de Collor levaram Sarney a avaliar a proposição de uma ação por crime contra a honra, que por fim não foi levada adiante.

Em 27 de setembro de 1989, às vésperas das eleições, Collor lançava sobre seu eleitorado mais um discurso inflamado. "Os corruptos têm de ir à cadeia, onde só tem ladrão de galinha."

Serra unirá PSDB e DEM em viagens pelo Nordeste

Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), visitará o Nordeste na próxima semana. Em reunião ontem com lideranças nacionais do DEM, Serra acertou uma viagem à Bahia, para segunda-feira, e outra ao Rio Grande do Norte, em setembro. O objetivo é usar a presença de Serra, provável candidato à Presidência da República em 2010, para consolidar e fortalecer alianças recentes entre DEM e PSDB nos dois Estados. Há alguns meses, os partidos, juntos na oposição no plano federal, eram adversários nesses locais.

Na Bahia, Serra combinará a assinatura de um convênio na área tributária com o governo de Jacques Wagner (PT) e um evento partidário que reunirá lideranças do PSDB e DEM, que até pouco tempo estavam em lados opostos no Estado, caso do deputado Jutahy Magalhães Junior (PSDB) e ACM Neto (DEM). Os dois partidos tentarão derrotar Jacques Wagner na próxima eleição.
Na conversa de ontem com o presidente nacional do DEM, Rodrigo Maia, o senador José Agripino (DEM-RN) e o deputado ACM Neto, o governador confirmou a visita ao Rio Grande do Norte para setembro, ainda sem data definida. Lá a construção da aliança entre os dois partidos também foi conturbada.

O PSDB fazia parte da base do governo Wilma de Faria (PSB) até há poucos meses. O DEM sempre foi oposição. No início deste ano, os tucanos selaram uma parceria com o DEM para 2010 e anunciaram o desembarque da máquina estadual. O problema é que parte do tucanato local continua no governo e a ida de Serra ao Estado para um evento com o DEM ajuda a descolar a imagem do PSDB do governo de Wilma.

"Não há dúvida de que a presença dele no Estado ao lado das lideranças do partido (DEM) vai fortalecer e muito a aliança que firmamos há pouco tempo", disse Agripino. A cúpula do DEM deixou a sede do governo paulista sem dar entrevista. O acerto desses palanques regionais é considerado peça-chave para organizar a campanha presidencial da chapa DEM-PSDB e derrotar a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

O retorno de Serra ao Nordeste acontecerá uma semana após a última visita, quando esteve em Pernambuco e Ceará. O PSDB já traçou um plano para "nordestinizar" seus pré-candidatos à Presidência, Serra e o governador de Minas Gerais, Aécio Neves. As visitas à Bahia e Rio Grande do Norte também têm esse objetivo.

Fé na mídia

Marcos Nobre
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

ONDE HÁ pluralismo religioso, a alternativa para a guerra é a tolerância. E, para impedir que uma crença chegue a ocupar a posição de única fé verdadeira e extermine as demais, estabeleceu-se a separação entre Estado e igreja e se atribuiu à religião o espaço da vida privada.

Mas esse espaço estreito do privado nunca foi aceito pacificamente pelas religiões. Principalmente porque ficou ainda mais exíguo com o declínio da família como lugar privilegiado de formação de identidades e de socialização. A competição por fiéis invadiu a esfera pública de uma maneira selvagem.

É claro que, respeitado o princípio da tolerância, a esfera pública deve estar aberta a todo tipo de manifestação de pensamento. A necessária laicidade do Estado não pode e não deve restringir o pluralismo da esfera pública, mesmo sendo muitas vezes fluidos e sutis os limites entre essas duas instâncias.

Só que a tolerância não é lei nem política de Estado. Só arrefece a pretensão de uma religião de se impor sobre as demais se a tolerância passa de fato a fazer parte da prática cotidiana pública. Por via indireta, essa também é uma maneira de medir o grau de democratização de uma sociedade. Por aí se vê o quanto o Brasil anda longe de ser exemplo de tolerância religiosa, apesar da lenda da convivência pacífica.

Há já algum tempo, a esfera pública brasileira se viu tomada por uma disputa midiática entre credos rivais que não se pauta pelo fomento da tolerância, mas simplesmente pela busca do maior número possível de fiéis. É uma disputa desigual. Está em jogo a aquisição de canais de televisão, de emissoras de rádio e de jornais. É o jogo bruto da busca pelo maior poder midiático possível, o que inclui o recurso a crentes famosos, como jogadores de futebol.

Se seitas protestantes costumam ser mais bem-sucedidas na aquisição direta de meios de comunicação de massa, a Igreja Católica responde com seu poder secular. Em 1997, durante o governo FHC, conseguiu aprovar a lei que garante o ensino religioso nas escolas do nível fundamental. Recentemente, o governo Lula firmou um acordo com o Estado do Vaticano que privilegia abertamente a crença católica sobre as demais. É de esperar que a Câmara dos Deputados o rejeite.

A guerra por fiéis tem muita bala perdida. Como fez Juca Kfouri em sua coluna da semana passada, "Deixem Jesus em paz", ainda vai ser preciso que muita gente reclame de ser vítima involuntária dessa guerra para que a tolerância conquiste de fato o seu lugar na vida pública brasileira.

Compulsão por propaganda

José Aníbal
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Teria sido prudente o ministro se, antes de escrever, olhasse o site da secretaria que dirige. E que o desmente

EM ARTIGO publicado neste espaço no dia 8 de junho, o ministro da Comunicação Social, jornalista Franklin Martins, afirmou que o governo Lula gasta "em torno de R$ 1 bilhão ao ano" com publicidade e que esse é o mesmo patamar de gasto do governo Fernando Henrique Cardoso.

Teria sido prudente o ministro se, antes de escrever, olhasse o site da secretaria que dirige -e que o desmente. Lá está: em 2009, a soma dos contratos do governo (administração direta e indireta) com agências de publicidade é de R$ 1.374.359.194,90.

E a lista não menciona contratos de publicidade de oito ministérios e muitos órgãos. Pelo menos três deles -Ministério das Cidades (R$ 120 milhões), Ministério da Previdência Social (R$ 26 milhões) e Secretaria Especial da Pesca (R$ 21 milhões)- têm contratos firmados.

O ministro tampouco considerou os aditivos -só o Ministério da Agricultura aditou R$ 10,3 milhões em 2009, revela o Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira). Ele ainda esqueceu de computar os generosos patrocínios culturais e esportivos que o governo Lula distribui, em grande parte, a apaniguados. São R$ 867,3 milhões em 2009, que, somados ao bolo publicitário, elevam a conta para R$ 2,4 bilhões -duas vezes e meia o "em torno de R$ 1 bilhão" alardeado pelo ministro.

Um estudo sobre a evolução da despesa com publicidade da administração direta no período 1996 a 2009, feito pela liderança do PSDB na Câmara com base no Siafi, mostra que o total executado, a preços corrigidos pelo INPC, entre 1996 e 2002 (governo Fernando Henrique Cardoso), foi de R$ 1.270,6 milhões, e, entre 2003 e 2009 (governo Lula), de R$ 2.173,1 milhões. Lula gastou 92,5% a mais.

Com sua compulsão por propaganda, Lula concentrou no Palácio do Planalto os recursos para publicidade institucional. Com isso, a rubrica deu saltos: R$ 188,2 milhões em 2003, R$ 289,5 milhões em 2004, R$ 331,4 milhões em 2005 e R$ 274,3 milhões em 2006. Caiu em 2006 porque a lei limita os gastos publicitários em anos eleitorais à média dos três anos anteriores. Mas, no primeiro semestre do ano eleitoral de 2006, Lula gastou R$ 476.774.103,89, 68% do que a lei permitia no ano todo. Exagero acidental? Os números são eloquentes e revelam que os gastos com publicidade do governo Fernando Henrique Cardoso foram muito menores do que os do governo Lula.

Computando apenas a administração direta, em média, o governo Lula gasta simplesmente o dobro do que gastou o governo Fernando Henrique, atestando a marca maior do seu chefe -a obsessiva compulsão pela propaganda, que é a essência de sua ação política.

O ministro Franklin Martins diz que 70% da publicidade do governo vem de empresas estatais que concorrem no mercado, sugerindo que elas têm foco comercial e não atuam para alavancar a ideologia oficial lulo-petista. Falso. Os Correios e a Petrobras não competem com ninguém.

Ademais, nunca na história deste país a publicidade oficial foi tão controlada pela Presidência. Ninguém aprova uma peça ou um plano de mídia de qualquer setor do governo sem a bênção do ministro Franklin.

O conceito ufanista da propaganda "comercial" das estatais é a chave para combiná-la com efeitos da propaganda oficial, seja de forma direta, seja com reprovável caráter subliminar. A campanha da Petrobras para festejar a suposta autonomia petrolífera, por exemplo, foi conjugada com a intensa "comemoração" do governo, otimizando a duplicidade oficialista. A campanha da Caixa para o programa Minha Casa, Minha Vida foi outro exemplo de "mídia casada", ao usar slogans e chavões lulistas.

Por último, o governo Lula usa dois truques maliciosos. Em 2003, 499 veículos recebiam propaganda do governo. Em 2008, esse total foi para 5.297. Ao redirecionar a publicidade para milhares de pequenos jornais e rádios, Lula mirou na dependência publicitária de boa parte desses pequenos veículos para acertar na escravização dos espaços editoriais -pequenos veículos do interior remoto são mais suscetíveis à pressão política do poder federal do que a imprensa tradicional, que compunha a lista dos 499.

Outro truque foi maximizar as tiragens dos jornais, auditadas ou não, como "critério técnico" para justificar a distribuição de verbas publicitárias a veículos sindicais, como o "Jornal da CUT". Escandalosamente partidarizados, esses "jornais" disputam publicidade com a imprensa independente de forma desigual. Não são imprensa livre, não buscam a pluralidade de fontes, exaltam uma só ideologia -o lulo-petismo-, não auditam suas tiragens e ainda são financiados pelo imposto que você, cidadão, recolhe com o seu suado trabalho.

José Aníbal Peres de Pontes , 61, economista, é deputado federal pelo PSDB-SP e líder de seu partido Câmara dos Deputados. Foi presidente nacional do PSDB de 2001 a 2003.

Dados e sensações

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Que eu me lembre, o primeiro semestre de 1990 foi pior do que este que passou. Houve o auge da hiperinflação e o confisco num semestre só. Sem dinheiro algum, a economia despencou. Nos seis primeiros meses de 2009, o Brasil até melhorou um pouco mês a mês. Estatística é diferente de sensação, e a queda de 13,4% da indústria no primeiro semestre deste ano é maior até do que a de 8,2% de 1990.

O dado de ontem foi apresentado como a pior queda da produção industrial desde o começo da série, em 1975. E no número foi mesmo.

Mas, como sempre, os números precisam de explicação e contexto. Pegando o dado por outro ângulo, podese dizer que o Brasil teve seis meses seguidos de sutis melhoras.

Em junho, foi de apenas 0,2% em relação a maio, mas um dos setores mais afetados pela crise, o de bens de capital, teve aumento de 2,1% na produção.

O resumo de todos os números divulgados pelo IBGE é que a grande queda foi mesmo no fim do ano passado e começo deste ano, e que no segundo trimestre houve até uma alta na comparação com o trimestre anterior. Mas o Brasil ainda está longe de chegar aos níveis em que estava antes da crise. O economista Alexandre Schwartsman tinha dito numa entrevista que me concedeu na semana passada que a produção havia caído 20%, se recuperado 7%, e que só em meados de 2010 voltaria ao ponto de partida. Os números de ontem confirmaram o cálculo dele: a recuperação até agora foi de 7,9%, mas está longe de zerar a perda.

As duas piores quedas do PIB de 1975 para cá ocorreram no começo dos anos 80 e no começo do governo Collor. Na recessão de 1981, após o colapso cambial e a maxidesvalorização, a retração foi de 4,25%.

Em 1990, o Brasil viveu todos os desaforos possíveis: um governo que chegava ao fim completamente desgovernado, aquela inflação disparada, e depois, o confisco do Plano Collor. Pior impossível.

No ano, a recessão foi de 4,35%. Por isso, deve ser relativizada a ideia de que esta foi o pior queda da série num primeiro semestre. No final deste ano, a queda do PIB será menor que 1%.

Isso não significa que a crise atual é um passeio. A tentativa frequente de subestimála é perigosa porque isso leva a erros no tratamento.

A recuperação que houve até agora foi turbinada por renúncias fiscais para setores específicos. Como se comportará o consumo quando acabar o efeito dessas reduções tributárias? O mercado, que atualmente demanda otimismo, e o governo, por razões políticoeleitorais, têm tentado supervalorizar cada número bom e desprezar os negativos. Mas o melhor é não desprezar nada que os dados trazem. A produção de bens de consumo duráveis, onde estão os produtos mais beneficiados pelas renúncias fiscais, está ainda com uma queda acumulada de 19%. A produção de bens de capital está um quarto menor; no primeiro semestre do ano passado estava crescendo a 25%.

O nível de produção industrial neste primeiro semestre foi igual ao que ocorreu no primeiro semestre de 2006, um recuo de três anos. Esta crise bateu violentamente na indústria brasileira e o país está fazendo lentamente o caminho da volta. Em outubro do ano passado, quando até as pedras já sabiam que o Brasil tinha sido atingido pela crise, o Focus previa que em 2009 o país teria uma alta de 4% na produção industrial. Bom, agora, a previsão é de queda de 6%.

A Abimaq acredita que o pior momento da crise ficou para trás, em janeiro, mas ainda não consegue prever com clareza qual será o resultado do setor no final do ano. Na melhor hipótese, não haverá mais demissões, além dos 20 mil empregos perdidos no ano. Na pior, mais 10 mil postos podem fechar.

Por isso, o vice-presidente da entidade, Carlos Pastoriza, afirma que a alta de 2,1% no segmento de bens de capital entre maio e junho não é ainda o início de uma recuperação forte.

— O nosso sentimento não é de melhora na margem principalmente porque o real se valorizou frente ao dólar no período. Isso prejudica as exportações, que representam um terço da produção.

Além disso, continuamos sofrendo com o excedente de produtos, principalmente chineses, que têm entrado no Brasil a preços de liquidação — afirmou.

Dos 30 setores que compõem a Abimaq, apenas dois tiveram aumento no faturamento este ano, movidos por investimentos da Petrobras. Todos os outros caíram, com quedas que chegam a 70% no primeiro semestre, como no caso de Máquinas e Equipamentos para Madeira.

— Os investimentos foram cortados pelas empresas junto com o cafezinho.

Até mesmo quem cresceu neste ano, como o setor de alimentos, cancelou investimentos.

Por isso, nosso faturamento despencou 20% no primeiro semestre na comparação com 2008 — afirmou Pastoriza.

Em setembro de 2008, o faturamento do setor foi de R$ 8 bilhões. Em janeiro deste ano, caiu para R$ 3,8 bi, e agora, em junho, voltou para R$ 5 bi. Ainda longe do topo, mas mais perto da média de 2008, que foi R$ 6,6 bi.

A esperança da entidade está na nova linha de financiamentos promovida pelo BNDES para pequenas e médias empresas. Elas poderão pegar crédito para a compra de máquinas, com carência de dois anos e prazos de pagamento de até 10 anos.

Mas recuperação mesmo só acontecerá quando o país voltar a investir.

Com Alvaro Gribel

Imprensa sob ataque

Janaína Figueiredo Correspondente • Buenos Aires
DEU EM O GLOBO

Governo venezuelano envia projeto de lei midiática a Congresso. Emissora é atacada por chavistas

Em meio aos protestos desencadeados pela decisão da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) da Venezuela de fechar 34 emissoras de rádio, medida confirmada sexta-feira passada, a Assembleia Nacional (o Congresso) começará a debater hoje um polêmico projeto de lei sobre “delitos midiáticos”, considerado uma gravíssima ameaça à liberdade de expressão por importantes intelectuais do país.

Paralelamente, o governo do presidente Hugo Chávez está elaborando um projeto de lei sobre o exercício do jornalismo e, segundo informações extraoficiais, uma reforma da Lei de Telecomunicações de 2000, que incluiria a proibição de que grupos locais e internacionais possuam mais de três emissoras de rádio.

Num clima de forte tensão, ontem um grupo de pelo menos 35 militantes chavistas armados invadiu o canal de TV Globovisión e lançou granadas e bombas de gás lacrimogêneo, ferindo um empregado da emissora e uma policial.

Seguranças da empresa foram dominados por homens com pistolas que carregavam bandeiras do partido UPV, que apoia Chávez.

Entre os militantes estava a líder do UPV, Lina Ron, próxima de Chávez. O ministro da Justiça, Tareck El Aissami, condenou a ação “violenta e delitiva” e ordenou investigações.

— Quem esteja envolvido, seja quem for, deve ser posto diante da Justiça — disse ele.

O canal é acusado de golpista pelo governo, que ameaçou suspender sua concessão, como fez com a RCTV.

Semana passada, o vice-presidente da Globovisión, Carlos Alberto Zuloaga, denunciou em Washington que o governo Chávez está usando procedimentos administrativos, autuações da Receita e limitações técnicas para enfraquecer a TV e retirá-la do ar.

— Nossos repórteres estão sendo ameaçados na rua, a empresa é alvo constante de ações de apreensão da polícia sem autorização judicial e estamos sendo multados em US$ 4 milhões devido a normas técnicas nebulosas ou por exibirmos reportagens críticas ao regime — disse Zuloaga

Correa pode tirar rádios do ar

Seguindo os passos de seu colega venezuelano, o presidente do Equador, Rafael Correa, anunciou sua intenção de anular várias concessões de rádio e TV, por supostas irregularidades em processos de licitação. De acordo com Correa, a medida será adotada com base num relatório elaborado pela Comissão de Auditoria das Frequências de Rádio e TV, criada em novembro passado.

A divulgação de projetos de lei sobre meios de comunicação, somado ao fechamento das 34 emissoras de rádio e o risco cada vez maior de que sejam adotadas medidas contra outras 240 estações de rádio e TV, que segundo a Conatel não cumpriram as exigências estabelecidas por uma investigação, aprofundou a preocupação entre representantes da imprensa venezuelana.

Em entrevista ao GLOBO, o jornalista e ex-candidato presidencial Teodoro Petkoff, diretor do jornal “Tal Cual”, assegurou que o projeto de “delitos midiáticos” enviado ao Congresso e defendido, entre outros, pela procuradorageral da República, Luisa Ortega Díaz, busca “calar não só os meios de comunicação, o que o governo chavista pretende é calar o país”.

O artigo número 4 do documento que está circulando há vários dias em Caracas define o que seria considerado um delito midiático pelo governo do presidente Chávez: “acusações ou omissões que afetem o direito à informação oportuna, veraz e imparcial, que atentem contra a paz social, a segurança e a independência da nação, a ordem pública, a estabilidade das instituições do Estado, a saúde mental ou moral pública, que gerem sensação de impunidade ou de insegurança e que sejam cometidas através de um meio de comunicação social”.

Embora o texto ainda possa ser modificado pelos deputados, Petkoff acredita que a essência do documento será mantida.

— É um texto muito astuto, porque sua ambiguidade deixa em mãos do governo a determinação do que será considerado ou não um delito — explicou o jornalista venezuelano.

Segundo Petkoff, “se este projeto for aprovado, o governo poderia considerar delito a divulgação da taxa de inflação, dados sobre o desabastecimento de alimentos ou até mesmo a descoberta de armas venezuelanas em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc)”. Na visão de Petkoff, “uma lei como esta levará muitos meios a se autocensurarem, para evitar punições”.

O texto que começará a ser discutido hoje na Assembleia Nacional prevê, por exemplo, quatro anos de prisão para quem “divulgar através de um meio de comunicação social notícias falsas que provoquem uma grave alteração da tranquilidade pública ou pânico na população”.

— Com esta lei, opinar será um delito — disse o deputado Juan José Molina, do Podemos, único partido opositor do Congresso venezuelano.