segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O fórum e o senador

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Numa iniciativa brotada do dinamismo de estudantes que se mobilizam e organizam, ocorreu semana passada, na UFMG, o I Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política, com intensa participação de pós-graduandos de todo o país. Destacando os "desafios metodológicos" da disciplina como tema geral, ao qual se dedicou especificamente uma mesa redonda de abertura composta por profissionais brasileiros, eu mesmo incluído, é no mínimo curioso que o evento tenha coincidido com uma notícia algo surpreendente vinda dos Estados Unidos e veiculada pelo "New York Times" no dia 19 de outubro: a de que o senador Tom Coburn, do Partido Republicano, propõe que a National Science Foundation seja proibida de "desperdiçar" recursos federais para pesquisa em projetos de ciência política, dada a suposta irrelevância desta do ponto de vista do interesse público. Naturalmente, a proposta suscitou forte oposição de acadêmicos da área, além de ver-se enfraquecida por ocorrer no momento em que uma cientista política tem a importância do seu trabalho reconhecida com o prêmio Nobel. Mas a iniciativa de Coburn, como o NYT não deixa de registrar, ecoa preocupações com a relevância da disciplina que se manifestam entre os próprios cientistas políticos.

Na mesa redonda inaugural do fórum da UFMG, um levantamento de Gláucio Soares mostrava com clareza certas lacunas das pesquisas e publicações da ciência política brasileira recente: são amplamente ignorados temas como, por exemplo, os relativos à ditadura militar de 1964, ou regiões e países como os da Ásia, África e mesmo América Latina. Sejam quais forem as implicações a serem extraídas de observações como essas, a questão da relevância na área geral das ciências sociais tem assumido, no país, a feição peculiar de uma contraposição entre certa inspiração "nacionalista" e social da preocupação com relevância, por um lado, e, por outro, a busca de rigor analítico e qualidade científica no trabalho: a relevância ou urgência social (ou "nacional") dos temas e problemas justificaria o relaxamento quanto a padrões de qualidade.

Mas é patente o equívoco envolvido nisso. Os problemas socialmente importantes ou prementes são problemas cujo debate envolverá com intensidade os leigos (na condição de cidadãos, e com todo o direito); não caberia esperar que os supostos cientistas sociais e políticos, bem intencionados que sejam, simplesmente juntem seus palpites aos palpites dos leigos, com frequência condicionados fortemente pelo próprio debate leigo. A expectativa de que as ciências sociais possam trazer contribuição efetiva para o encaminhamento dos problemas práticos supõe que essa contribuição apresente uma distintiva "marca" (um "selo"?) de qualidade analítica e científica. Nessa ótica, invertendo, de certa forma, o que sugere a posição indicada acima, a qualidade se torna condição indispensável da relevância entendida de maneira adequada.

Contudo, o fato de que a posição de Coburn sobre a ciência política ressoe nos meios profissionais mesmo nos Estados Unidos redunda numa advertência especial sobre a própria ideia de qualidade. Pois a qualidade científica tem sido crescentemente entendida, entre nós, em termos do recurso a certa canônica cuja penetração se deve sobretudo justamente à influência dos Estados Unidos. Essa canônica visualiza uma ciência social (e política) de ambições generalizantes e empírico-dedutivas, em que o trabalho de elaboração conceitual sirva de bom fundamento a afirmações específicas que, em diferentes áreas de problemas, possam ser confrontadas de modo sistemático com dados de algum tipo. Ora, tem sido apontado com razão, lá como cá, a distorção em que o trabalho referido aos dados, geralmente dados estatísticos, deixa, com frequência, de ser guiado pela reflexão conceitual apropriadamente ambiciosa e rigorosa e se torna ritualista e destituído de significação (embora a ênfase torta em tecnicismos relativos a "significação estatística" seja um dos erros habituais a acompanharem a distorção).

Um aspecto saliente do problema de como obter a eventual junção qualidade-relevância é o desafio de que as questões do dia a dia, objeto de valioso registro do jornalista ou do historiador convencional, possam ser encaradas à luz de proposições de alcance geral - e seu diagnóstico "seguro" eventualmente obtido com atenção para a regra de que a apreensão mesmo do que há de específico ou peculiar em dado caso não tem como escapar da busca de "regularidades" e da comparação com outros casos de algum modo afins. Do ponto de vista da política como ramo especial de estudo, uma recomendação correlata é a de que não há como evitar o que se costuma chamar as "grandes questões" - em outras palavras, não cabe entender a ciência política senão como uma sociologia da política, empenhada em dar conta da articulação entre os processos institucionais e os do substrato dos conflitos sociais de diferentes tipos. É claro, isso não autoriza a abrir mão da modéstia: se tomamos o desafio dramático da violência brasileira crescente, por exemplo, é impossível pretender que mesmo a compreensão sofisticada das razões "estruturais" da violência no Brasil leve a receitas de pronta eficácia em termos de políticas públicas. Mas tampouco há como negar que o trabalho de especialistas pode iluminar aspectos do problema que talvez representem uma via de acesso a políticas mais efetivas. Assim como de alguma utilidade, presumivelmente, será também a reflexão mais "realista" e empiricamente orientada sobre a dinâmica da democracia e suas relações problemáticas com o substrato de um capitalismo sujeito a idas e vindas.

Seja como for, se a política é fatal e de altos custos, vale supor que cabe pensá-la com rigor. E que é bom que a tarefa atraia os jovens talentosos e dinâmicos que o evento da UFMG mostrou em ação.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Hegemonia em construção

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Quando o consórcio PSDB-PFL falava em ficar 20 anos no poder faltavam dois elementos básicos. Tucanos e pefelistas (hoje democratas) nunca tiveram um personagem como Lula funcionando como amálgama dessa associação. Tampouco eram siglas estruturadas organicamente no país.

Passa-se algo diverso com o PT e Lula. O lulo-petismo sobreviveu ao mensalão por várias razões, mas também por causa de uma obsessão em construir "o partido". Antes de uma geração de petistas ser dizimada, o tesoureiro Delúbio Soares equipou freneticamente os diretórios da sigla pelo Brasil. Comprou 5.000 computadores. Nesta semana, o PT inaugura um estúdio em Brasília no qual produzirá vídeos e áudios. Inundará a internet.

Tornou-se ocioso martelar como o PT virou um fiapo do seu passado ideológico. Todos os grandes partidos mimetizam essa geleia filosófica. O diferente agora é a forma como petistas e lulistas se aparelham -e aparelham o Estado- para não deixar o governo. Insere-se aí a política de alianças heterodoxas com Sarney, Maluf, Collor e outros.

Eram todos fiéis seguidores de FHC. Metamorfosearam-se. Viraram lulistas. Não largam o osso por uma razão singela. No comércio da política, o PT entrega mais as mercadorias do que os tucanos. Tome-se como exemplo o acordo firmado lá atrás entre o PMDB e o Palácio do Planalto visando a instalar Michel Temer na presidência da Câmara.

Motivo de chacota, o acerto foi honrado neste ano pelos petistas -para surpresa de muitos, inclusive do autor deste texto.

Agora, PT e PMDB anunciaram um compromisso maior. Querem ganhar juntos a Presidência em 2010. Alguns olham de soslaio. Duvidam. Mas as razões para desconfiança hoje são menores do que no passado. Há um jogo pesado em curso. Mira-se numa hegemonia muito mais sólida do que a um dia tentada por PSDB e PFL.

Quem se importa?

Ricardo Noblat
DEU EM O GLOBO


"Eu queria é que entendêssemos a queda do helicóptero como sendo o nosso 11/9". (José Beltrame, secretário de Segurança)


“Que semana infernal, não?” – perguntei por telefone a uma amiga que mora no Jardim Botânico, no Rio. “Exagero. Circulei livremente e não ouvi um tiro”, respondeu. De Vila Isabel, outro amigo me disse: “Fora a queda do helicóptero da polícia, não aconteceu nada de extraordinário”. E a morte do cara do Afro Reggae? “Todo dia morre gente”.

Eu estava no Rio quando foi assassinada em 22 de novembro de 2006 a socialite Ana Cristina Giannini Johannpeter. Ela dirigia sua caminhonete blindada Mercedes-Benz e parou diante do sinal fechado na esquina da Rua General San Martin com Avenida Afrânio de Melo Franco, no Leblon, a cerca de 150 metros da 14ª Delegacia de Polícia. Cristina baixou o vidro para fumar.

Dois bandidos, que estavam em uma bicicleta, encostaram-se ao carro e um deles apontou para Cristina um revólver calibre 38, ameaçando-a: “Eu não quero o carro. Só as suas coisas” Cristina entregou a bolsa, o celular e ao se preparar para tirar o relógio do pulso, tirou sem querer o pé do freio. Como o carro era hidramático, movimentou-se sozinho. O bandido atirou na cabeça de Cristina.

Fiz uma ronda por bares e restaurantes do Leblon na noite do dia seguinte. O assassinato de Cristina era o assunto na maioria deles. Mas para meu espanto, ouvi repetidas censuras ao comportamento da morta. Como uma milionária dirigia o próprio carro? Como não havia seguranças ao seu lado? Por que baixou o vidro? Como pôde ser tão descuidada a ponto de tirar o pé do freio?

A sociedade carioca está sedada pela violência que fez 46 mortos em apenas uma semana. O número de favelas cresceu de 750, em 2004, para 1.020 neste ano. Cerca de 500 são controladas pelo tráfico. Quem o sustenta é quem tem dinheiro. E quem tem dinheiro mora no asfalto. A violência é o pedágio que os cariocas pagam aparentemente conformados para que uma parte deles possa continuar se drogando.

O noticiário costuma informar: “A polícia invadiu o morro tal”. Como se os morros fossem territórios independentes da cidade, dotados de governos próprios que mantêm relações econômicas com outros países do continente, a exemplo da Bolívia, Paraguai e Colômbia. E de certa forma é o que eles são. Nessas áreas de escandalosa exclusão social, a presença do Estado é rarefeita ou inexistente.

Compete à Polícia Federal combater o narcotráfico. Quantas vezes ela foi vista escalando morros? Compete ao governo federal vigiar as fronteiras do país. É ridículo o número de policiais ocupados com a tarefa. Faltam equipamentos e gente para fiscalizar o desembarque de cargas nos portos. Até agosto, para modernizar sua polícia, o Rio só havia recebido R$ 12 milhões dos quase R$ 100 milhões prometidos pelo governo federal.

Adiantaria ter recebido mais? Em 2009, estão previstos investimentos de R$ 421 milhões na segurança pública do Rio. Só foram liquidados R$ 102 milhões até agora – 24,2% do total. Em três anos de governo Sérgio Cabral, o total de investimentos em segurança deverá ser de R$ 804.818,00. De fato, não mais do que 40% dessa grana já foram aplicadas. O governo se cala a respeito.

Vez por outra, sob o impacto de algum episódio mais brutal, contingentes cada vez menores de cariocas vão às ruas pedir paz. O poder público responde com invasões temporárias de morros, a morte de bandidos ou de meros suspeitos, a apreensão de armas e o afastamento de policiais corruptos. Quando um capitão libera um assassino em troca de uma jaqueta e de um par de tênis é porque a instituição à qual pertence apodreceu.

O problema do Rio não é de paz – é de enfrentamento. A situação de insurgência só se agravou com o descaso dos governos e a arraigada cultura local de tolerância com a malandragem e o banditismo. O Estado brasileiro carece de um plano consistente, amplo e ambicioso para salvar o Rio. E o que é pior: os cariocas parecem não se importar muito com isso

No fogo cruzado da guerra alheia

José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Força econômica, política e militar da droga torna o Brasil-clandestino imbatível e o Brasil-real, seu refém


A derrubada de um helicóptero da Polícia Militar a tiros por traficantes em uma favela na zona norte do Rio, e a morte de vários soldados que o ocupavam, assinala mais uma ultrapassagem de limites na escalada da violência e no modo de vida que ela vem impondo aos que têm sido obrigados a viver e sobreviver sob tiroteio. Cerca de 60% dos moradores de uma das favelas da área, incluídos crianças, velhos e doentes, aterrorizados, abandonaram suas casas e passaram uma noite nas ruas ao pé do morro. São anos e anos de um conflito que só se alarga, sem solução para os problemas que motivam a repressão policial.

O principal dano social dessa guerra, sem dúvida, é o crescente conformismo da população com a violência, não só no Rio, mas em outras grandes cidades brasileiras onde violência de mesma raiz se manifesta. Estamos imobilizados nessa anticidadã e generalizada concepção do "seja o que Deus quiser". É que, enquanto não quisermos (que é coisa de uma sociedade de cidadãos), dificilmente acharemos a saída. Mas como vamos nos mover na direção certa, se aqueles que têm a possibilidade da iniciativa se tornaram os principais interessados em que o conformismo permaneça?

Um episódio desse conformismo foi a reação do presidente da República ao ataque, prontamente oferecendo um helicóptero para repor o aparelho destruído, com a suposta vantagem adicional de que este será blindado. Reafirmou, no arroubo do gesto, que para ele saída não há, senão a da intensificação do enfrentamento bélico que faz do povo do Rio de Janeiro, especialmente dos favelados, o povo adjetivo de um confronto de interesses que não são os seus. O presidente tampouco explicou às famílias como vai repor as vidas destruídas dos soldados atingidos no cumprimento do dever, nem explicou por que não tomou essa providência antes que a tragédia acontecesse, já que sabia que o helicóptero deveria ser blindado. Na mesma toada, o governo do Rio não explicou à sociedade e às famílias das vítimas o motivo de que apenas dois dos soldados vestissem macacões antifogo, ainda por cima comprados com dinheiro do próprio bolso. A falta dessa providência por parte do governo estadual custou a vida ao soldado que, em trajes impróprios para enfrentar as chamas, salvou a vida de dois colegas e morreu queimado na explosão quando tentava salvar um terceiro.

Não é preciso fazer muita análise para compreender que são outras as opções preferenciais dos que deveriam cuidar do problema, do presidente ao governador e ao prefeito. Sem dúvida, a precedência é a opção milionária pela Copa de 2014 e pela Olimpíada de 2016. Na cidade vitimada pela desordem, essa opção apenas amplia o conformismo porque multiplicado pela necessidade política de ocultar aos de dentro os fatores profundos das ocorrências e aos de fora o perigo real de uma cidade em que se morre de bala perdida, mesmo no refúgio do lar. A política do cisco no olho dos outros é parte do problema e não da solução.

Segundo Jaílson de Souza, do Observatório de Favelas, há nelas 6 mil mortes por ano. Em 5 anos, o número de desaparecidos subiu de 4 mil para 9 mil. Isso é muitíssimo mais do que o número de desaparecidos sob os 20 anos da ditadura militar. Os mortos e desaparecidos da ditadura mobilizaram a consciência nacional, motivaram a abertura política, deram-nos um regime democrático. Mas os mortos e desaparecidos das favelas do Rio de Janeiro não mobilizaram consciência nenhuma, não propuseram mudanças na vida dos milhares de trabalhadores e famílias que na segregação das favelas vivem a vida dos que o descaso considera irrelevantes, sob o fogo cruzado da guerra alheia.

Enquanto as análises ficarem restritas à violência em si e ao tema da droga e do tráfico, dificilmente teremos a compreensão adequada do que está acontecendo, das suas causas profundas, das contradições que as geram, da real extensão dos becos sem saída que nos atormentam e nos empobrecem social e politicamente. E, sobretudo, dos desdobramentos dessa trama no mundo que parece dela distante. A questão da violência no Rio é cada vez mais claramente a ponta visível de questões outras que de outros modos se manifestam no país inteiro e não se restringem à violência explícita e visível. Há muito se sabe que casos como esse do Rio apenas indicam a existência de poderes paralelos no País, com suas próprias leis, sua próprias forças armadas, seus próprios tribunais de justiça, sua própria política social, seu próprio banco central. Germes de ditaduras. Faltam-nos estudos sobre a economia política da droga e do tráfico que levem em conta não apenas o traficante, grande e pequeno, que se envolve diretamente no confronto, mas o conjunto do sistema econômico, político e militar que a droga gerou, suas articulações dentro e fora do poder paralelo, os liames que atam o Brasil real ao Brasil clandestino, que tornam o Brasil clandestino imbatível e o Brasil real, seu refém.

Esse é o cenário do discurso fácil e do Estado débil. Em 1988, tivemos a melhor Constituição de nossa história política. Mas nem por isso tivemos os melhores partidos nem os melhores políticos na proporção correspondente às grandezas democráticas da Carta. Na democratização inacabada, a pretexto da democracia o antidemocrático se robusteceu; a pretexto dos direitos sociais as práticas antissociais se difundiram; a pretexto da liberdade a desordem cresceu. As reivindicações sociais foram suplantadas pelas exigências territoriais, lugares interditados à ação e à presença do Estado, das instituições e de seus agentes, lugares de ausência da democracia e do direito. Ainda que com sinais morais opostos ou diferentes, na invasão para o trabalho, no latifúndio em terra grilada, na favela controlada pelo poder paralelo do tráfico, as diferentes variantes do Estado clandestino sobrepõem-se aos direitos universais de todos e se apossam das próprias razões de Estado para disseminar repúblicas imunes ao Direito e à Lei.

*Professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade e São Paulo. Autor, entre outros livros, de A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34)

Patéticas críticas ao IOF

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O IOF sobre ações deixa claro que o governo vai aumentar seu esforço para impedir a sobreapreciação do câmbio

ACERTARAM O presidente Lula e o ministro Guido Mantega ao decidirem pela imposição do IOF de 2% sobre as entradas de capital especulativo no Brasil. O IOF é um imposto regulatório que foi criado nos anos 1970 por um notável economista desenvolvimentista -Mário Henrique Simonsen- para, através do desestímulo à entrada de capitais especulativos, corrigir a incapacidade dos mercados financeiros de arbitrar e, portanto, eliminar as diferenças de taxa de juros interna e internacional.

A novidade de Guido Mantega foi incluir no imposto os investimentos estrangeiros em ações compradas na Bolsa brasileira -um fenômeno que não existia nos anos 1970. Com isso, o governo deu clara mensagem ao mercado que pretende aumentar seu esforço para impedir a sobreapreciação da taxa de câmbio.

As críticas dos economistas e jornalistas econômicos convencionais não se fizeram esperar.

Quase todos afirmaram que a grande prejudicada será a Bovespa, porque o IOF estimulará os investidores estrangeiros a comprar ações pela Bolsa de Nova York. E a queda imediata das ações na Bovespa pareceu confirmar a crítica. Porém o que está sendo esquecido é que o mercado arbitrará a diferença de custo no Brasil e em Nova York, de forma que os 2% de custo no Brasil farão com que o preço em Nova York seja 2% maior -e em pouco tempo não haverá prejuízos para uma instituição tão importante para o Brasil como é a Bovespa.

Outra crítica é a de que as entradas não especulativas de capitais também serão prejudicadas, já que a decisão do governo não faz distinções -nem poderia fazer- entre entradas especulativas e não especulativas. Esse problema, porém, não existe. Para aqueles que pretendem investir seus capitais a longo prazo no Brasil, o custo de 2% se torna irrisório porque se diluirá à medida que aumente o tempo de permanência.

Uma terceira crítica é a de que o imposto será insuficiente para impedir a avalanche de dólares que está inundando o Brasil. Infelizmente essa afirmação é verdadeira, mas isso não é uma crítica: é o reconhecimento que mais deveria ser feito para neutralizar a tendência à sobreapreciação. Curiosamente, porém, é o oposto o que recomendam os economistas convencionais: querem apenas passividade -que o mercado resolva...- "porque", dizem eles, "contra toda evidência, é impossível administrar a taxa de câmbio a longo prazo". Na verdade, aceitam docilmente a prática danosa dos especuladores estrangeiros: como estes sabem que ao comprar ações estarão tanto empurrando para cima os preços da Bovespa como apreciando o real, eles ganham duas vezes: na Bolsa e com o câmbio. Quem perde é o Brasil, que fica sujeito à instabilidade e cresce pouco.

Com os 2% de IOF, o Brasil e os brasileiros estarão um pouco mais bem resguardados dessas práticas. Entretanto devemos ter claro que a neutralização da tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio que existe no Brasil implica a tomada de um elenco de medidas coordenadas no quadro de uma estratégia nacional de desenvolvimento. Nessa estratégia, o presidente da República e o ministro da Fazenda desempenham papel importante, mas eles necessitam do apoio da sociedade brasileira. É necessário que os brasileiros e suas elites empresariais se convençam de que o Brasil precisa dramaticamente de uma estratégia informal, mas efetiva, de competição internacional que assegure estabilidade e taxas elevadas de crescimento. E que dessa estratégia faça parte uma política de taxa de câmbio competitiva.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Um olhar - preocupado - para 2010

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU EM VALOR ECONÔMICO


Os sinais de recuperação da atividade econômica global são cada vez mais claros. Mas uma análise cuidadosa revela uma grande dispersão na forma como essa volta à normalidade está ocorrendo. Algumas economias - como a brasileira e a australiana - já operam com uma dinâmica sustentável e alguns indicadores voltaram aos níveis verificados em setembro do ano passado. É o caso da taxa de desemprego e do número de pessoas empregadas na pesquisa do IBGE no Brasil. A característica comum dessas economias é a pequena dependência das exportações de produtos industriais como polo dinâmico do crescimento. Elas dependem muito pouco da demanda dos consumidores nos países mais ricos, que continua deprimida.

Outro grupo de países tem vivido uma recuperação rápida, puxada pela volta do crescimento acelerado na China. É o caso dos países asiáticos que vivem uma verdadeira explosão da atividade industrial em função da retomada de suas exportações. Exemplos mais importantes desse grupo são a Coreia, Cingapura e Taiwan. A Rússia é outra economia que pode voltar a crescer nos próximos meses, embora as causas sejam diferentes das que afetam os países asiáticos. Altamente dependente da venda de produtos ligados ao petróleo, a recuperação dos preços é a base para a volta à normalidade. No grupo que engloba os países desenvolvidos, os sinais de uma recuperação sólida e sustentável são ainda incipientes. O processo será mais tortuoso e o risco de surpresas negativas ainda é alto nos próximos meses.

Mas, a consolidação da recuperação do mundo em 2010 depende principalmente do que ocorrerá nas duas principais economias do mundo. Portanto, é para os EUA e para a China que volto minha atenção neste nosso encontro mensal.

No caso americano o cenário para 2010 ainda está em aberto. De um lado estão os adeptos do chamado "new normal", para quem o alto endividamento do consumidor será um obstáculo praticamente insuperável para uma recuperação rápida e consistente. Para esses, a montanha de dívida - inclusive a do governo - continuará estrangulando a economia e dificilmente o crescimento será superior a 2% ao ano. Isso significa que o desemprego permanecerá alto ainda em 2010 e mesmo em 2011. Nesse cenário a fragilidade das contas públicas dificultará a adoção de novos estímulos fiscais, de modo que o risco de recaída recessiva ainda é bastante alto.

Mas, outro grupo de analistas, entre os quais me incluo cada vez mais, já considera a possibilidade de um cenário mais positivo. Para estes, é possível que o crescimento econômico seja superior a 3% - talvez até 4% - nos próximos dois anos. A estabilização das condições financeiras a partir da épica intervenção estatal nos mercados, o rápido ajuste das empresas que já acumulam recursos e reduzem seu endividamento em velocidade inédita, a manutenção já contratada de forte expansão fiscal em 2010 e, especialmente, o ciclo de estoques nos próximos trimestres, são as razões para tal desempenho. Para qualificar esse número vale dizer que, dada a queda do PIB durante os meses críticos da crise, o padrão histórico das recuperações cíclicas da maior economia do mundo apontaria para um crescimento em 2010 da ordem de 6 a 7%.

Mas, mesmo esse cenário mais otimista não é isento de problemas. O principal risco é o tão temido processo de remoção por parte do Fed da liquidez que hoje inunda o mercado financeiro.
Afinal são US$ 2 trilhões que precisarão ser recolhidos em algum momento no próximo ano. Uma bobeada da autoridade monetária americana pode se tornar uma ameaça à estabilidade financeira e abortar essa recuperação mais forte da economia.

Sabemos que o dinheiro a custo zero nos EUA é uma das razões para o desempenho excepcional de todos os ativos de risco neste ano, incluindo a valorização das moedas dos países emergentes. Enquanto essa situação perdurar, em um contexto de recuperação econômica global e inflação baixa, mais subirão os preços desses ativos. Em certa medida, a euforia atual - bolha? - guarda uma estranha semelhança com as práticas que nos levaram à crise. Quanto mais longe for esse processo, maior será o risco de brusca reversão quando o Fed e outros bancos centrais iniciarem o aperto.

Já no caso da China é preciso fugir do brilhantismo dos números dos últimos seis meses para se ter uma real dimensão do que pode representar a economia chinesa para a recuperação definitiva da atividade econômica mundial. É evidente que a inserção da China na economia mundial precisa mudar de configuração. Os vetores domésticos, em especial o consumo privado e os investimentos em serviços e bem estar social, devem liderar o crescimento nos próximos anos.

Há sinais que a demanda interna chinesa de fato esteja se tornando mais dinâmica, mas esse é um processo que está apenas no seu início. Os gastos do governo precisarão ser substituídos por demanda privada ao longo do próximo ano para perenizar seu crescimento atual. Não tenho dúvida que ele será bem sucedido no médio prazo, mas, nesse meio tempo, os riscos ainda são elevados.

Além disso, há o elemento externo. A resistência da China em aceitar uma valorização cambial é a principal manifestação exterior de sua insegurança. Mas o fato é que hoje a China não pode mais operar como se fosse uma pequena economia aberta, isto é, uma economia cujas escolhas não afetam o resto do mundo. Ao contrário, a manutenção do câmbio desvalorizado e de superávits em conta corrente representa um elemento deflacionista para outros países, que precisam de maior demanda vinda dos países credores como o gigante chinês. Como o principal país credor, a China sofrerá pressões crescentes para mudar seu regime cambial e essa também é uma fonte de tensão no tecido econômico global.

Para o Brasil, a forma como se der essa transição, terá influência decisiva. Sabemos que o dinamismo de nossa economia deve-se em grande parte a fatores internos, mas um cenário instável na China e no mundo mais rico vai nos afetar de forma importante. É preciso estar atento e deixar a euforia irresponsável para mais tarde.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

Artifício fiscal dá mais R$ 55 bi para governo elevar gastos

Cristiane Jungblut e Martha Beck
DEU EM O GLOBO

Num ano marcado por aumento de despesas queda na arrecadação, o governo adotou várias medidas para ampliar sua margem de gastos. Ao todo, elas somam R$ 55 bilhões. Um dos artifícios foi direcionar depósitos judiciais da Caixa Econômica para o Tesouro, garantindo mais de R$ 11 bilhões nas contas e de 2009 e 2010. O governo também aumentou a parcela de gastos com investimentos a ser abatida do superávit primário. O PAC e o programa Minha Casa, Minha Vida estão nesse pacote. Especialistas criticam as manobras e a qualidade dos gastos.


Artimanha fiscal soma R$55 bi

Governo usa brechas, como direcionar depósitos judiciais ao Tesouro, para ampliar margem de gastos

Num cenário de arrecadação em queda há 11 meses e despesas em alta, o governo tem feito uma série de artimanhas para raspar o tacho e conseguir fechar suas contas em 2009 e 2010. Juntas, essas medidas dão uma margem de manobra de R$55 bilhões para mais gastos. Isso sem contar ações orçamentárias e congelamento de emendas parlamentares, que somam R$42 bilhões, além da postergação na liberação de outros R$6 bilhões referentes às emendas individuais dos congressistas.

A estratégia mais recente foi inflar as receitas do Tesouro Nacional com depósitos judiciais, por meio da Medida Provisória (MP) 468. Os contribuintes que questionam o pagamento de tributos ou taxas na Justiça precisam depositar o valor num banco até que o caso seja julgado. Não há garantia de que esse montante ingressará nos cofres públicos, mas a União determinou que a Caixa Econômica Federal reúna esses depósitos e faça sua transferência para a conta do Tesouro.

Somente este ano, isso renderá ao governo R$5 bilhões em depósitos tributários. Por orientação do governo, a Câmara dos Deputados aprovou a ampliação da MP, incluindo todo o tipo de depósito - até mesmo os não-tributários - no repasse ao Tesouro, o que renderá mais R$6,4 bilhões no ano que vem. Os depósitos não-tributários envolvem qualquer receita, como taxas e aluguéis devidos a órgãos públicos.

Especialistas criticam "farra fiscal"

Para o economista José Roberto Afonso, as manobras feitas pelo governo afetam sua credibilidade. Ele crê que a equipe econômica manteve gastos elevados e que, mesmo conseguindo abrir espaço fiscal, acabou optando por aumentar outro tipo de despesas que não os investimentos:

- Fazer essas maquiagens está tendo um custo de credibilidade e de expectativa. Era melhor assumir o quanto é a despesa real do que fazer maquiagem. O problema é a qualidade do gasto. Houve uma redução inesperada da carga tributária, a arrecadação cai, e o gasto sobe. É um gasto que não tem retorno futuro.

Com previsão de quase R$70 bilhões a menos de receitas em 2009, o governo também encontrou espaço fiscal ao ampliar a parcela de gastos com investimentos que pode ser abatida da meta de superávit primário (economia para pagar juros da dívida pública). O primeiro passo foi incluir integralmente o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no abatimento.

O mesmo ocorreu com o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, que, embora reúna subsídios à população de baixa renda, também foi caracterizado como investimento. Juntos, PAC e Minha Casa permitiram abatimento adicional de R$12,9 bilhões da meta de superávit em 2009 e de R$30,3 bilhões em 2010. Esse montante, no entanto, só pode ser abatido caso as despesas sejam executadas.

A meta de superávit primário de 2009 está fixada em 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos pelo país). No início de 2009, o governo poderia abater um total de R$15,6 bilhões (ou 0,51% do PIB) da meta. Com a mudança no cálculo, esse valor subiu para R$28,5 bilhões ou 0,94% do PIB. Isso significa que o resultado primário pode ficar ainda menor: 1,56% do PIB.

Para a professora de Economia da UFRJ Margarida Gutierrez, existe uma farra fiscal. Ela argumentou que o governo se comprometeu com novas despesas - com pessoal e custeio da máquina - antes mesmo da crise e teve que adotar as medidas anticíclicas muito mais para fazer frente a elas do que para ajudar a economia.

- Essa política fiscal anticíclica não foi desenvolvida por causa da crise, mas pelo aumento do gasto. Antes da crise, o governo já havia contratado essas despesas com aumento de salários e do INSS, e usa a crise como pretexto. O governo pratica uma farra fiscal encoberto por um contexto internacional. A arrecadação não está sendo retomada - disse Margarida Gutierrez, admitindo que as medidas ajudam a segurar o PIB.

Para o economista Raul Veloso, o clima é de "total leniência".

- O governo não se preocupa com os aumentos de gastos. Num ano de crise, se faz política anticíclica, mas o que está subindo são despesas correntes, como as com pessoal - diz. Responsável pelas negociações pelo governo na Comissão Mista de Orçamento e vice-líder do governo no Congresso, o deputado Gilmar Machado (PT-MG) disse que o governo precisou fazer opções diante da falta de dinheiro. Uma delas, segundo ele, foi suspender o repasse de R$8 bilhões em emendas de bancada e usar o dinheiro no custeio da máquina:

- Tivemos uma crise e não podemos deixar o país se desorganizar. Tivemos que definir prioridades.

Ele admitiu que uma tática que vem sendo usada é a proposição de novos créditos ao Orçamento - a maior parte direcionada para o PAC. Como não haverá condições de gastar tudo este ano, a meta é contabilizar os valores como "restos a pagar". Assim, os recursos ficam livres da legislação eleitoral, que impede novos repasses e convênios a partir de julho.

- Temos ainda quase R$34 bilhões de créditos a serem aprovados. São R$16 bilhões do Orçamento mesmo e mais cerca de R$17 bilhões de estatais - disse Gilmar Machado.

A oposição vem reclamando dessa tática, além da ampliação da MP 468.

- Cada vez mais cai a arrecadação. E, ao mesmo tempo, em contradição, o governo não para de enviar ao Congresso mensagens solicitando suplementação de verbas. A Comissão de Orçamento está para apreciar pedido de crédito de R$34 bilhões. Se o PAC representa investimentos bilionários, se o governo solicita outros R$34 bilhões, se a arrecadação está em queda, e serão R$70 bilhões a menos no fim do ano, de onde sairá esse dinheiro? Eis a pergunta que não quer calar - reclamou o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), em plenário.

Tasso admite disputar o governo do CE em 2010

Rodrigo Vizeu
Da Agência FOLHA DE S. PAULO

Senador tucano diz estar à disposição para "recuperar o espaço de poder no Estado"

Tasso, também cotado para concorrer à reeleição ao Senado, teria agora como rival o governador e irmão de Ciro, Cid Gomes (PSB)

Ao eleger nova direção no Ceará, o PSDB sinalizou ontem rompimento com o governador Cid Gomes (PSB) e abriu caminho para a candidatura do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) ao governo estadual.

"Estou à disposição para fazer o necessário e assim recuperar o espaço de poder no Estado", disse Tasso, que já governou o Estado três vezes.

A declaração veio após pressão da militância e do presidente eleito do PSDB cearense, Marco Penaforte, que defendeu o fim da "fase de ambiguidades" no partido e disse que a sigla é, agora, oposição. O PSDB integra o governo Cid Gomes.

Pesa a favor de uma eventual candidatura de Tasso ao governo a formação de um palanque estadual forte para o candidato do PSDB à Presidência da República. O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, participou da convenção tucana.

"Um nome de grandes chances para o governo do Estado daria frutos positivos para um palanque nacional", avaliou o vice-presidente do PSDB-CE, deputado federal Raimundo Gomes de Matos.

Ciro Gomes

Caso confirme a candidatura a governador, Tasso -que também é cogitado como candidato à reeleição ao Senado- terá de equilibrar a disputa com o atual governador, que tentará o segundo mandato, e a relação de amizade que tem com os irmãos Cid e Ciro Gomes.

Em discurso, Tasso insistiu que dará apoio ao candidato do PSDB a presidente, apesar de "todas as ligações, carinho e amizade" que tem com Ciro, pré-candidato do PSB. Em 2002, Tasso se dividiu entre o apoio a Ciro e ao então candidato José Serra (PSDB).

Apesar de agora garantir a defesa da candidatura nacional tucana, Tasso criticou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, segundo o senador, está trabalhando para isolar Ciro da disputa para presidente, abrindo caminho para a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

PMDB gaúcho resiste a aliança nacional com PT

Graciliano Rocha
Da Agência Folha, em Porto Alegre
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Antagonismo histórico deve levar partido a integrar palanque tucano no Estado

Pesquisas apontam o petista Tarso Genro como favorito, seguido por dois peemedebistas; Serra já sinalizou apoio ao PMDB-RS

Um dos focos de resistência à aliança nacional PT-PMDB para a disputa da Presidência no ano que vem, o PMDB do Rio Grande do Sul trabalha para ser o principal destino do voto antipetista na sucessão gaúcha. No plano nacional, os peemedebistas do Estado estão mais próximos de José Serra (PSDB) do que de Dilma Rousseff (PT).

Com a governadora Yeda Crusius (PSDB) -que pode disputar a reeleição- fragilizada por uma crise política, as pesquisas de opinião divulgadas até agora mostram como favorito para a sucessão gaúcha o petista Tarso Genro, seguido por dois pré-candidatos do PMDB: o prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, e o ex-governador Germano Rigotto.

Além da provável polaridade com o PT na sucessão estadual de 2010, a resistência do PMDB-RS ao pré-acordo com Dilma é alimentada pelo fato de os dois partidos serem antagonistas históricos no Estado.

Nas últimas quatro eleições presidenciais, os peemedebistas gaúchos pediram votos para tucanos -FHC (1994 e 1998), José Serra (2002) e Geraldo Alckmin (2006)- contra Lula.

"O natural seria repetir no Rio Grande do Sul a aliança nacional, mas a possibilidade é zero se for mantido esse acordo com o PT. Se isso acontecer, estaremos à revelia da decisão nacional", diz o senador Pedro Simon, presidente do PMDB-RS.

Nos bastidores, Serra já sinalizou que está disposto a apoiar o PMDB no RS, rifando Yeda por causa do seu desgaste.

"Os tucanos já disseram que gostariam de apoiar o PMDB se for o Fogaça, mas ainda há uma grande interrogação. A decisão deve passar por ela [Yeda] e pelo PSDB nacional", diz Simon.

Na semana passada, o ex-governador Orestes Quércia (PMDB-SP), um dos operadores serristas mais ativos, telefonou para Fogaça e esteve reunido com Rigotto em São Paulo.

Quércia reclamou do pré-acordo fechado pela cúpula nacional do partido com Lula e tratou da possibilidade de o PMDB gaúcho ser o palanque de Serra no Estado.

PT e PMDB já antecipam os lances da disputa pela sucessão do Rio Grande do Sul na Assembleia Legislativa. Na oposição, os petistas miram em Yeda para acertar também no PMDB, principal fiador da governabilidade da tucana. Foi assim no processo de impeachment contra ela, arquivado na semana passada.

Embora fossem remotas as chances de afastar a governadora, que tem maioria na Assembleia, petistas apostaram na continuidade do processo para obrigar aliados, em especial o PMDB, a se comprometerem publicamente com a operação de salvamento de Yeda.

"Aqui não tem como ter aliança com o PMDB, que sempre navegou na nau neoliberal e sustenta esse governo que envergonha o Estado. Será uma extensão do palanque do Serra.

O melhor para Dilma aqui é o nosso palanque", afirma o ex-governador Olívio Dutra, presidente do PT-RS.

PPS: Diretório afirma que país vive grave crise e repudia propaganda pirotécnica do governo

Diretório do PPS se reuniu sexta, sábado e domingo, em Fortaleza.

Por: Diógenes Botelho
DEU NO PORTAL DO PPS

O Brasil vive uma grave crise e o governo Lula tenta esconder a atual situação do país com sua estratégia de marketing pirotécnico voltada exclusivamente para as eleições de 2010. A constatação é o centro da Declaração Política do PPS aprovada neste final de semana em reunião do Diretório Nacional do PPS, em Fortaleza.

O documento alerta para a preocupante situação econômica do país e denuncia o descaso do governo Lula em diversas áreas, como a segurança pública e a educação. Também critica a falta de políticas públicas para a geração de emprego e desenvolvimento.

“Competente apenas na promoção de festas e palanques, o governo tripudia sobre o sacrifício desmedido de todo um povo, cujo cotidiano de sofrimento e frustração alimenta um mero projeto de poder, exponenciado por uma fantástica máquina, na qual a propaganda busca disfarçar a realidade de uma administração inepta e irresponsável na gestão da coisa pública”, diz a nota. Leia abaixo a íntegra do documento.

Declaração Política de Fortaleza

O Diretório Nacional do Partido Popular Socialista (PPS), em sua reunião, nos dias 23 e 24 de outubro de 2009, na cidade de Fortaleza - CE, considera grave a situação do país, ao contrário do que propaga o governo, com seu estilo pirotécnico e marqueteiro.

Para resumir o quadro nacional, destaque-se que é motivo de preocupação dos brasileiros a continuidade dos baixíssimos investimentos governamentais na economia e na infraestrutura; o déficit fiscal que se acumula há quase um ano e a queda no desempenho do comércio exterior.
Isso atinge diretamente a questão do desemprego, cujos índices continuam altos, mesmo sem considerarmos que dois milhões e meio de jovens, que a cada ano, ficam à margem do mercado de trabalho e não entram nas estatísticas. Também são preocupantes as sucessivas manobras que buscam obter recursos financeiros para cobrir os gastos públicos, nunca antes tão elevados e sem controle; a angustiante realidade das capitais e regiões metropolitanas no que diz respeito à segurança pública, de que é exemplo maior o Rio de Janeiro; os altos e baixos na política educacional, agravados recentemente pelos lamentáveis episódios das fraudes em concurso e a crise na saúde pública.

Ao invés de enfrentar estas questões e agir com austeridade para realizar reformas estruturantes capazes de dar rumo ao país, o governo federal vem agindo única e exclusivamente para impor sua candidata à Presidência da República, ao arrepio da legislação eleitoral e em acintoso desafio às instituições nacionais.

Competente apenas na promoção de festas e palanques, o governo tripudia sobre o sacrifício desmedido de todo um povo, cujo cotidiano de sofrimento e frustração alimenta um mero projeto de poder, exponenciado por uma fantástica máquina, na qual a propaganda busca disfarçar a realidade de uma administração inepta e irresponsável na gestão da coisa pública.

Nesse sentido, o Partido Popular Socialista conclama a consciência democrática de nossa cidadania e as forças políticas e sociais que são contrárias à manutenção desse estado de coisas, para nos unirmos em um amplo movimento político, capaz de superar, com propostas e unidade, o engodo de que o Brasil é vítima, hoje.

Temos absoluta clareza de que é necessário reforçar o Bloco Democrático e Reformista (BDR), com o objetivo estratégico central de vencer as eleições de 2010, com base em um programa de governo capaz de mudar a agenda nacional, sintetizado em três pontos essenciais: reforma democrática do Estado, construção de uma nova economia e combate efetivo às desigualdades.

No plano específico do PPS, o Diretório Nacional conclama nossas organizações e militância ao máximo esforço para eleger representantes no executivo e no legislativo capazes de enfrentar o desafio de ajudar o novo governo a colocar o país no rumo do desenvolvimento sustentável e socialmente justo.

Fortaleza, 25 de outubro de 2009.

Roberto Freire
Presidente

Itamar Franco é eleito vice-presidente do PPS

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Diretório Nacional do PPS, reunido neste fim de semana em Fortaleza, elegeu Itamar Franco o novo vice-presidente da legenda. Filiado ao partido desde o início de julho, o ex-presidente da República ocupará o segundo cargo mais importante do partido, enquanto Roberto Freire continua na presidência do PPS, em mandato válido para o biênio 2009-2011. A secretaria-geral será comandada por Rubens Bueno, reeleito para o cargo.

Itamar Franco, ao ingressar no PPS em julho, mostrou apoio a uma candidatura a presidente da República do governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB). Segundo ele, o nome de Aécio é a "única candidatura (de oposição) efetivamente colocada", disse à época.

O encontro das lideranças do PPS, além de apontar os nomes da cúpula do partido durante as eleição presidencial de 2010, também foi marcado pelas críticas ao governo federal. Em nota, o partido afirmou que o Brasil enfrenta uma série de dificuldades, "ao contrário do que propaga o governo, com seu estilo pirotécnico e marqueteiro.

O texto assinado por Roberto Freire ressalta que o Brasil enfrenta baixos níveis de investimentos governamentais na economia e na infraestrutura, acúmulo de déficit fiscal há quase um ano e queda no desempenho do comércio exterior.

"Ao invés de enfrentar estas questões e agir com austeridade para realizar reformas estruturantes capazes de dar rumo ao país o governo federal vem agindo única e exclusivamente para impor sua candidata à Presidência da República, ao arrepio da legislação eleitoral e em acintoso desafio às instituições nacionais", destacou Freire.

Há 3 meses no PPS, Itamar Franco é eleito vice-presidente da sigla

Da Folha Online, Brasília

Após três meses de filiação, o ex-presidente Itamar Franco (MG), 79, foi eleito ontem vice-presidente do PPS e será um dos responsáveis pelas articulações do partido nas eleições de 2010.

Ele comandará o PPS ao lado do ex-deputado Roberto Freire (PE), que foi reconduzido à presidência.

Itamar não participou do encontro da cúpula da legenda, em Fortaleza, porque se recupera de cirurgia para a retirada de um nódulo na próstata, no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo. Ainda não há previsão de alta.

Ele tem sido apontado como um dos possíveis nomes para compor uma chapa em 2010 com o candidato tucano à Presidência.

Boca de urna aponta 2º turno no Uruguai

Silvana Arantes
Enviada Especial A Montevidéu
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Pesquisas de boca de urna indicam um segundo turno na eleição presidencial uruguaia entre o governista José Mujica e o oposicionista Luis Alberto Lacalle.

O próprio Mujica, favorito no pleito e que atingiu 49% na boca de urna, contra 31% de Lacalle, reconheceu não ter sido eleito ontem.

Um grande entusiasmo popular marcou o primeiro turno: o índice de votação chegou a 90%.

Apuração parcial indica segundo turno no Uruguai


O ex-guerrilheiro José Mujica (47%) enfrentará Luis Lacalle (29%) no dia 29 de novembro

"A sociedade nos exige um esforço mais", afirma candidato esquerdista; "somos a melhor opção", diz postulante opositor

Com um índice de votação que chegou a 90% dos eleitores habilitados, o Uruguai definiu ontem que haverá segundo turno na corrida presidencial entre o candidato pela coalizão governista Frente Ampla (esquerda), José Mujica, e o ex-presidente Luis Alberto Lacalle, do Partido Nacional (centro-direita).

Com 60% dos votos oficialmente apurados, os índices eram de 47,4% para a Frente Ampla, 29,2% para o Partido Nacional e 17,8% para o Partido Colorado, índices bastante semelhantes às bocas de urnas.

"A sociedade nos exige um esforco mais -participar de um segundo turno. Ficamos muito perto da maioria [absoluta]", afirmou Mujica, pouco antes da consolidação dos resultados pela Corte Eleitoral.

"Somos alheios a atitudes derrotistas ou triunfalistas. Estou francamente encantado. Sou um homem de luta. Nunca ninguém me deu nada", disse Mujica, negando desapontamento com o resultado. Seu candidato a vice, Danilo Astori, afirmou: "Como não estar contente com uma votação que indica que estamos indo à vitória? O primeiro estímulo é ter mais votos do que os dois partidos tradicionais juntos".

Lacalle, exultante, disse: "Somos melhor opção para a segurança, a certeza, a paz, o diálogo do país".

Bordaberry informou que a direção do Partido Colorado se reúne na próxima quarta para definir sua posição em relação ao segundo turno, mas anunciou à sua militância que "pessoalmente" vota em Lacalle.

O candidato do Partido Nacional agradeceu o apoio "sem condições, apenas por coincidência na maneira de ver o país e enfocar o futuro, com renovação e ideias, mas sobretudo de valores". O segundo turno será no dia 29 de novembro.

Quando Mujica reconheceu o segundo turno, ainda não estava claro, pela contagem dos votos, se a Frente Ampla obteria ou não a maioria parlamentar. "Isto não está resolvido, mas não descarto", afirmou.

Lacalle lembrou, na véspera da eleição, que governou sem maioria parlamentar em seu primeiro mandato (1990-1995). "É algo que não deve dar inveja a ninguém", disse.

A votação no Uruguai é feita por listas partidárias. O eleitor vota no presidente e nos legisladores do mesmo partido. A contagem dos votos, porém, é distinta.

O presidente é definido por maioria absoluta (o cálculo inclui votos brancos e nulos). A maioria parlamentar é definida a partir dos votos válidos.

Nas eleições de 2004, a Frente Ampla, fundada em 1971, obteve pela primeira vez em sua história a Presidência, com Tabaré Vázquez, que venceu em primeiro turno. A sigla também conquistou maioria absoluta no Congresso.

Ex-guerrilheiro Tupamaro, Mujica situa-se à esquerda de Vázquez no partido. Ontem, ao votar, o atual presidente classificou como "excepcional" o andamento da campanha e da votação, com a convivência pacífica dos militantes. Vázquez evitou comentar o anúncio feito na última sexta pelo banco Crédit Agricole de que se retiraria do país.

Na campanha, Lacalle disse que uma eventual eleição de Mujica, da "esquerda radical", desestabilizaria a economia.

Astori, que é economista, defendeu "a garantia do equilíbrio macroeconômico com aprofundamento da justiça social" como modelo de governo da Frente Ampla, citando Lula como exemplo.

O dia de eleição transcorreu com poucos incidentes -um trote de ameaça de bomba e um equívoco do Partido Colorado na distribuição de suas cédulas. Militantes dos três partidos festejaram o resultado, com as presenças dos respectivos candidatos.

Bolsa Família inibe expansão do emprego formal no interior

Regina Alvarez
Presidente Vargas (MA)
DEU EM O GLOBO (25/10/2009)

Em cidades onde o programa beneficia 71% das famílias, trabalho chega a 1,3% da população

Criado para reduzir a miséria, o Bolsa Família, maior programa social do governo federal, não gerou empregos no interior do país. Em 85 municípios onde o programa atinge em média 71% das famílias, o emprego com carteira assinada só alcança 1,3% da população. Em Presidente Vargas, no Maranhão, onde 80% das famílias são atendidas pelo programa, empregos formais são contados nos dedos de uma mão: 4, para 10,2 mil habitantes, relatam os enviados REGINA ALVAREZ e SÉRGIO MARQUES. Gestores reconhecem que o programa pode levar à acomodação e que é difícil fazer funcionar as chamadas portas de saída. E a baixa escolaridade, aliada à falta de capacitação, dificulta o crescimento profissional.

Onde o emprego formal quase não existe

Nas 85 cidades do país com maior cobertura do Bolsa Família, só 1,3% da população trabalha com carteira assinada

A estrada de chão batido, repleta de buracos e restos de asfalto ordinário, avança no meio do coqueiral e leva a Presidente Vargas, a 190 quilômetros de São Luís. A terra batizada com o nome do pai da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não tem emprego formal. O que se vê é uma legião de apartados, dependentes do auxílio oficial para o sustento da família.

O emprego formal é praticamente inexistente nos municípios no topo da lista de beneficiários do Bolsa Família.

Em Presidente Vargas, contamse nos dedos de uma mão empregos com carteira assinada no setor privado.

O município tem 10 mil habitantes e 2.292 domicílios; 1.832 famílias (80%) recebem o auxílio do governo e só quatro pessoas têm emprego com carteira, segundo o Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged), do Ministério do Trabalho.

Entre os cem municípios com maior cobertura do programa, 85 têm informações disponíveis sobre emprego formal. Juntos, abrigam um milhão de habitantes e 259 mil domicílios, sendo que 184,3 mil famílias recebem o Bolsa Família — 71%. Já os empregos com carteira assinada no setor privado somam 14,1 mil, o equivalente a 1,3% dessa população.

A precariedade do emprego formal nessas cidades — municípios pobres, com população abaixo de 30 mil habitantes — não tem relação direta com a concessão do Bolsa Família.

Existem barreiras anteriores ao programa que impedem o acesso dos trabalhadores a empregos: a baixa escolaridade e a falta de capacitação profissional.

As parcas vagas com carteira assinada no comércio de Presidente Vargas exigem ensino médio.

“Há interesse, mas falta estudo”

Mês passado, surgiu uma vaga de vendedor “fichado” no Armazém Paraíba, rede de varejo presente em cinco estados do Nordeste. O gerente Raimundo Nonato Cardoso aplicou testes em seis candidatos, mas só um se classificou para a segunda fase. Na loja, que vende móveis e eletrodomésticos, há três funcionários, todos com carteira assinada.

— Há interesse, mas falta estudo. A maioria das lojas não assina carteira. Aqui assinamos, mas exigimos qualificação — afirma Cardoso, que ganha salário mínimo mais comissão, e chega a tirar R$ 800 num mês de boas vendas.

Israelma Uchoa Mendes, de 22 anos, casada, é caixa da Credinorte, loja de móveis e eletrodomésticos, e tem salário de R$ 465 na carteira.

Faz faculdade de Pedagogia.

— Muitas moças daqui que concluíram o ensino médio trabalham em casa de família para ganhar R$ 100.

Não é só emprego formal que falta em Presidente Vargas. Faltam estradas, infraestrutura, presença do Estado e da iniciativa privada na geração de emprego.

Os beneficiários do Bolsa Família não estão no mercado formal nem no informal. O programa mantém as crianças na escola, mas a maioria das famílias está acomodada com o benefício, que varia de R$ 22 a R$ 200. Elas têm medo de perdê-lo ao adicionar outra fonte ao rendimento familiar. Assim, não demonstram interesse em cursos de qualificação profissional.

— Relutei em aceitar a ideia, mas é a realidade. As famílias estão acomodadas, e não tem sido fácil tirá-las da acomodação. Acreditam que podem se manter com cento e poucos reais — afirma Ivete Pereira de Almeida, secretária de Assistência Social da prefeitura de Presidente Vargas.

Responsável pelo Bolsa Família no município, Ivete organiza cursos de qualificação por meio do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), com apoio do Ministério do Desenvolvimento Social. Cursos de brinquedos, arranjos, alimentação alternativa foram ministrados, mas as tentativas de inserção no mercado de trabalho foram frustradas.

Exemplo é o esforço de organizar as quebradeiras de coco babaçu em cooperativa e submetê-las a treinamento para aproveitar todas as potencialida des da fruta, abundante na região. Das 70 mulheres que começaram o curso, só três concluíram e conseguiram vender a primeira produção.

— No curso, aprenderiam a retirar o mesocarpo (massa sob a casca do coco), que vale R$ 10 o quilo. Preferem quebrar o coco e vender a amêndoa por R$ 0,90 o quilo — diz Ivete.

— Quebro, uso o azeite e a casca como carvão. O curso era difícil. Dá trabalho tirar esse mesocarpo — diz Maria dos Reis Nascimento, 53 anos, cinco filhos, que vive do Bolsa Família e da pensão do INSS do marido.

Nestor Holanda, de 63 anos, a mulher, filhos e netos moram em uma casa de taipa nos arredores da cidade. A família deixou a roça. Os meninos frequentam a escola, pois se faltarem perdem o benefício. A frequência escolar é uma das condicionalidades do programa, junto com a vacinação das crianças e pré-natal de gestantes.

— A geração de trabalho e renda é opcional (no programa). Como não há condicionalidade, as famílias se acomodam — destaca Ivete.

— Não dá para exigir condicionalidade.

Não há oferta de trabalho, não estamos no mundo do pleno emprego.

Infelizmente, a política de trabalho não é universal — pondera Camile Mesquita, secretária substituta da Secretaria Nacional de Renda da Cidadania.

— Tudo isso está sendo feito. Em alguns lugares com sucesso, outros nem tanto. A preocupação não deve ser só do governo federal, mas também de estados e municípios.

'Seria melhor que o governo desse emprego'

Cajapió e Presidente Vargas.
DEU EM O GLOBO

Beneficiária reclama do preço dos alimentos e lamenta que roças estejam sendo abandonadas

Maria Raimunda Martins, de 68 anos, aposentada, recebe R$ 80 mensais do Bolsa Família, pois cria uma neta em idade escolar. Beneficiária do programa federal, está vendo as roças encolherem ou desaparecerem em Presidente Vargas.

As famílias estão se mudando para a cidade e agora compram tudo no armazém.

— Não se vê um pé de macaxeira plantado, mas tem muita pobreza, pois as coisas são caras por aqui. Um litro de óleo custa R$ 4, um quilo de arroz, R$ 2. Seria melhor que o governo desse um emprego. Todo mundo teria salário — afirma.

Araildes Rodrigues Santos, de 36 anos, coordenadora da Pastoral da Criança no município, vive no dia a dia o desafio de combater a desnutrição infantil.

Recentemente, a Pastoral promoveu um curso de alimentação alternativa, para mostrar como se usam cascas de banana, caju, folhas de mandioca e outros ingredientes disponíveis na região para fazer pratos nutritivos e saborosos e, quem sabe, tirar dali uma nova fonte de renda.

— Tinha 20 vagas, mas só cinco mulheres fizeram o curso.

As famílias não demonstram interesse nos treinamentos.

Não dão continuidade ao trabalho (de treinamento e qualificação). Recebem o recurso e se acomodam. Isso é real — afirma Araildes.

A Pastoral trabalha com 120 voluntários e produz uma multimistura que combate a desnutrição, formada por folhas e sementes de alimentos da região.

Atende, no momento, 50 gestantes, 1.500 crianças e 500 famílias.

— Antes tinha plantação de arroz e macaxeira. A roça diminuiu e agora compram os alimentos no comércio. O Bolsa Família era para ser um complemento, mas as famílias usam o benefício como única e exclusiva fonte de renda.

A própria Araildes é um exemplo de força de vontade — casada, três filhos, cuida da casa, faz trabalho voluntário na Pastoral, trabalha no programa Pró-Jovem como orientadora social e ainda estuda pedagogia num curso de extensão da Universidade do Maranhão, nos fins de semana.

Ela acredita que, se as condicionalidades aumentarem, a tal porta de saída para o Bolsa Família pode virar realidade.

— Não tem jeito. O povo só vai sob pressão.

Alunas do curso de manicure venderam os kits Em Cajapió, a realidade é semelhante.

Marinalva Petrosa, assistente social gestora do programa, conta que recentemente foi oferecido um curso de manicure, mas participantes venderam os kits fornecidos no treinamento. Outra barreira identificada nesses treinamentos é o analfabetismo.

— Às vezes, as pessoas são chamadas, mas se sentem inibidas.

Os homens, principalmente, não aceitam participar — relata o coordenador do programa em Cajapió, Alteredo Jesus Costa Filho.

Especialistas analisam Bolsa Família

Carolina Brígido
DEU EM O GLOBO

Para eles, adesão ao programa não deve ser confundida com acomodação

BRASÍLIA. Especialistas acreditam que a predominância de empregos degradantes em localidades pobres explica a preferência das pessoas em sobreviver apenas com os recursos do Bolsa Família. Conforme mostrou ontem reportagem do GLOBO, em 85 dos municípios de maior cobertura do programa, a maior parte deles na Região Nordeste, 71% das famílias - 184,3 mil - recebem o benefício federal, ao passo que as economias locais registram apenas 14,1 mil vagas com carteira assinada no setor privado.

Para os economistas especializados na área social, esta opção da população não deve ser confundida com acomodação. André Urani, sócio-fundador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), lembra que tem efeitos sociais importantes o fato de uma mãe ter a oportunidade de deixar de trabalhar como faxineira para cuidar dos filhos.

- Eu não chamaria de acomodação. As pessoas estão deixando de trabalhar em algo que não era gratificante, era mera obrigação, apenas para levar o sustento para casa. Uma mãe de família deixar de limpar banheiro dos outros para cuidar dos filhos é ótimo. Eu não vejo isso como uma coisa ruim. É uma maneira de tirar pessoas de uma atividade degradante. Quando a pessoa está numa atividade degradante, poder sair do mercado de trabalho é bom - avalia.

Mas para a secretária de Assistência Social de Presidente Vargas (MA), Ivete Pereira, o Bolsa Família tem, de fato, levado a uma acomodação dos beneficiados:

- As famílias estão acomodadas, e não é fácil tirá-las da acomodação. Acreditam que podem se manter com cento e poucos reais - disse Ivete, secretária de um município onde 80% das famílias recebem o Bolsa Família. Na cidade, só quatro pessoas têm emprego registrado em carteira.

Já o professor e pesquisador do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcelo Paixão acrescenta que estatísticas sobre emprego formal não são suficientes para concluir que as pessoas se acomodaram e não trabalham mais por receberem o Bolsa Família. Ele salienta que o desemprego é um problema anterior ao benefício e que medir quem está no mercado informal é muito difícil.

- Estatísticas de emprego formal não são bons instrumentos para medir o desemprego, principalmente na população mais pobre. Além disso, o valor do benefício é modesto, uma família não poderia se estruturar sozinha só com ele a ponto de fazer com que as pessoas desistam de participar do mercado de trabalho - pondera Paixão.

Em carta enviada ontem ao GLOBO, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combater à Fome, por meio de sua assessoria de imprensa, contestou a informação de que o Bolsa Família inibe a expansão do emprego formal no interior do país. Segundo o MDS, a própria reportagem diz que a precariedade do emprego formal nessas cidades não tem relação direta com a concessão do auxílio.

Ministério: beneficiados trabalham acima da média

Segundo o MDS, "a reportagem também não leva em conta que o Brasil e, principalmente, o Nordeste, enfrentam séculos de exclusão e que o Bolsa Família só tem seis anos". O ministério diz ainda que pesquisas constatam que beneficiados pelo Bolsa Família trabalham acima da média nacional. "Segundo estudo do Ipea, a taxa de ocupação entre beneficiários do Bolsa Família é de 77% contra 74% dos não beneficiários".