quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Notas sobre marxismo, intelectuais e democracia

Bruno Gravagnuolo
Tradução: Josimar Teixeira
Fonte: L'Unità & Gramsci e o Brasil.

1. Bobbio, um mestre de esquerda

Agora, até Alberto Asor Rosa, na entrevista da ed. Laterza a Simonetta Fiori, o reconhece: Bobbio tinha razão contra Togliatti e Della Volpe sobre a relação política e cultura. Questão dos anos 1950, mas ainda válida, que vale a pena retomar cem anos depois do nascimento do filósofo turinense. Isto é: o intelecto crítico, laico e racional é soberano em relação à política e aos seus fins. E com ela mantém uma relação de autonomia, que não é de indiferença, mas de participação responsável, ativa e sem atos de fé. E que se renova em cada oportunidade: não orgânica e orgânica. Rebelde e leal, e voltada para interrogar os fundamentos da política, para melhor escolhê-la e quem sabe servi-la, mas em liberdade. Ao longo da história e dos seus conflitos.

Mas não é só este o legado de Bobbio. Há muito mais. Da descoberta do direito como continente em si (técnicas, objetivos, funções, formas de governo) até a distinção fatos/valores e a crítica à inexistência de uma teoria marxista do Estado, com a correspondente redescoberta daquilo que faz de uma democracia uma democracia: procedimentos universais, garantias, não violência. E até chegar à lúcida elaboração do par direita/esquerda de 1994. Direita como desigualdade e hierarquia. Esquerda como igualdade, dinâmica e não niveladora. E mais: o antifascismo. Antifascismo como Grund Norm à Hans Kelsen. Isto é, o valor metajurídico que funda — por referências e implicações — o edifício jurídico da Constituição republicana.

Por fim, a paz. Apreendida por Bobbio, e paradoxalmente, entre dois opostos: Hobbes e o Jusnaturalismo. Hobbes encarna a exigência da autoconservação civil, cada vez mais cosmopolita. O Jusnaturalismo, ao contrário, é o valor da pessoa humana, cristão mas laicizado e agora trans-confessional (kantiano).

Há muitas razões para voltar a Bobbio, laico, socialista liberal de esquerda. E defensor intransigente do nosso Estado parlamentar. Contra todo e qualquer populismo decisionista. De direita ou mesmo progressista moderado.

Intelectuais, adeus. O pensamento é pó

Há dias, olhando as ofertas turísticas no encarte de um importante jornal, dava-se de cara com um curioso anúncio. Um famoso historiador da filosofia iria trabalhar como guia de um cruzeiro no Egeu, entretendo os clientes sobre filosofia grega durante todo o tour. Preço módico. Nada mau. Mas se poderia começar por aqui para resenhar O grande silêncio, o livro-entrevista com Alberto Asor Rosa sobre o “silêncio dos intelectuais”, organizado por Simonetta Fiori. O exemplo, ao lado daquele de um outro grande estudioso, autor há anos de (verdadeiros) menus gastrofilosóficos, resume ironicamente um dos temas-chave do livro: o esgotamento do intelectual clássico. A liofilização do seu papel de outrora. Sintético e pedagógico, e baseado no nexo cultura e política. E também na ideia de uma cultura alta e crítica. Vocacionada para distinguir o que é relevante daquilo que não é. Logo, silêncio dos intelectuais ou entretenimento verboso, na era “pós-moderna”, termo ao qual Asor prefere o de “civilização ascendente” de massas.

Volume de qualidade. Por variados motivos. Primeiro, é bem conduzido pela organizadora. Segundo, tem como protagonista pensante um insigne italianista, versado em política e cultura, cuja biografia é emblemática da intelligentsia italiana do pós-guerra. Terceiro, enfrenta um tema crucial. Quarto, trabalhamos com Asor nos tempos de Rinascita, e, por isso, falar dele significa também falar de coisas vividas em comum (de modo diverso). Por exemplo, a virada PCI-PDS [Partito democratico della sinistra], que nos surpreendeu a ambos, ao lançarmos, ele diretor, a última edição do semanário fundado por Togliatti.

Mas vamos ao ponto central: os intelectuais. Asor descreve sua gênese entre iluminismo e revolução industrial. Figuras-chave da reprodução capitalista dentro da moderna sociedade civil, sempre foram de algum modo enciclopédicos, conflitivos ou orgânicos. E sempre “expressivos” de um salto: dos saberes especializados para o intelecto geral. Sociologicamente, para Asor, aquela função se extinguiu, em benefício de papéis técnicos, midiáticos ou gerenciais. E no quadro de uma mutação “pós-fordista”, que massificou camadas e classes, tornando inúteis mediações e conflitos, dos quais os clérigos foram porta-bandeiras através das tempestades ideológicas do século XX.

Como pano de fundo, para Asor, existe agora a “civilização ascendente”, o “monstro moderado” de que fala Raffaele Simone, afim à “ditadura da maioria”, sobre a qual escreveu Tocqueville: sociedade da imagem, individualismo de massa, homologação, populismo light, Grande Irmão, etc. Matrizes de uma gigantesca degradação, seja do progresso civil e democrático, seja da inteligência crítica. Apocalipse? Sim e não, para Asor. Embora exegeta no passado do Apocalipse de João, ele rejeita jeremíadas passadistas e, antes, busca os pontos de força para uma retomada da política e da cultura (vividos à Bobbio, em concórdia/discorde) e para um relançamento do melhor da tradição democrática ocidental.

Asor teria razão? Tem muitas razões e talvez cometa alguns equívocos (mais no sentido de omissões). Desde logo, é correta a percepção geral da idade pós-fordista, com o corolário justíssimo da barbárie italiana berlusconiana, feita de desagregação da memória, prepotência carismática e ameaças à divisão dos poderes. Corretíssima, igualmente, é a crítica aos intelectuais italianos, inermes ou muitas vezes acima das partes, depois de terem estado à esquerda talvez de modo ingênuo e ortodoxo. E sobretudo tem razão sobre uma coisa: a falha na virada PCI-PDS. Esta, para Asor, afinal teria jogado fora a criança e a água suja, sem um balanço sério do que foi o PCI na história da Itália: um grande fator de progresso, apesar de limites e atrasos. Realidade liquidada sem pars construens, a ponto de privar as classes subalternas de organização, identidade e perspectivas. E com a consequencia de ter desimpedido o campo para o bloco social e o senso comum da direita.

E, no entanto, em conclusão, a análise de Asor peca em pelo menos dois pontos. A saber, não é verdade que a homologação seja afinal assim tão forte, a ponto de tornar quase desesperada a busca de pontos de ataque e resistência. De fato, o trabalho assalariado cresceu, em paralelo ao grande exército de reserva dos flexíveis, imigrados ou não. O contra-ataque — além da escola de massa — pode ser retomado a partir da redescoberta do trabalho moderno, avançado, infeliz e dominado. Potencialmente rebelde às receitas liberistas, que querem fazer dele uma coisa marginal e etérea, não mais garantido e “humano-relacional”.

Enfim, o PCI-PDS. Operou-se mal a virada em 1989. Mas devia ser feita — dado o colapso do comunismo —, e não rejeitada, como o fez a frente do “não”, que agiria melhor tentando orientá-la de outro modo, em vez de recusá-la. Na verdade, depois do desconcerto e da recusa, Asor Rosa tentou com honestidade um caminho construtivo e positivo, que salvasse o núcleo racional da esquerda e do comunismo italiano. Mas foi derrotado, e todos nós ainda devemos recomeçar daí.

3. Kolakowski e o Marx partido ao meio

Leszek Kolakowski, um grande crítico do marxismo, de origem marxista. No entanto, incapaz de formular uma verdadeira “revisão” do seu objeto teórico, tendo terminado numa posição cética, entre a dúvida crítica e a transcendência religiosa. Foi esta a parábola do filósofo polonês, nascido em Lodz, em 1927, e falecido em Oxford, no último 17 de julho, depois de ter emigrado em decorrência das agitações polonesas de 1968, nas quais se destacou como líder do dissenso.

O que nos deixa? Sem dúvida, uma crítica ao “totalitarismo” latente em certas zonas da lição marxiana. Por exemplo, no “mix” de filosofia da história e determinismo positivista, que se encontram na Crítica da economia política de Marx. Deste modo, em Nascimento, desenvolvimento e dissolução do marxismo (SugarCo, 1980-1985), Kolakowski desmonta com facilidade tal “mix”, referindo-o a Platão, a Plotino e também à “gnose” e ao profetismo bíblico. E criticando simultaneamente o aspecto de “necessidade” da estrutura econômico-social, que se impõe sobre ideias e representações do mundo (sobre o fator subjetivo).

Todavia, trata-se de críticas a Marx que não são novas e já estão presentes em gente como Weber, Bernstein, Croce, Gramsci. E críticas, as de Kolakowski, que cometem o erro de não tomar em consideração que existe também um outro Marx. O Marx da “subjetividade”, contra a economia alienada. O Marx que fala da consciência como fator resolutivo das “inversões dialéticas”. E que levanta a hipótese de um mundo novo no qual todos e cada qual possam desenvolver criativamente suas personalidades, sem as mutilações da dominação e da desigualdade, que transformam os indivíduos em mercadoria e joguete de um destino imposto.

Talvez a questão verdadeira, que Marx não captou e Kolakowski também não fixa, seja outra: a democracia. Em outras palavras, a cotidiana libertação associada, dentro da sociedade civil e do Estado representativo. Contra o populismo e os mitos da democracia direta, que engendram ditadura e fanatismo, entre outras antigas mistificações demagógicas.

Democracia universalizada é explosiva, diz cientista social

Maria Inês Nassif, de Caxambu (MG)
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A constitucionalização dos Estados Nacionais teve pleno êxito no Século XX e, se a globalização foi o grande arranque da universalização de valores democráticos, que trata legalmente iguais como iguais, ela também é parte da reprodução de um sistema desigual. A formação de uma sociedade global conseguiu levar a idéia de democracia e direitos aos cantos mais recônditos do mundo, mas os Estados nacionais que assimilaram conceitos de democracia também foram dialeticamente submetidos por normatizações globais - ou por ações políticas que passam ao largo das institucionalizações nacionais e internacionais, como a base americana de Guantânamo, em Cuba -, que funcionam acima das democracias. A institucionalidade do executivo global é falha e faz prevalecer liberdades que fogem ao controle, segundo o alemão Hauke Brünkhorst, da Universidade de Flensburg, da Alemanha.

Para ele, o movimento dialético entre avanços normativos nacionais e globalização produziu dois grandes efeitos negativos: o de despir os Estados nacionais de capacidade para resolver desigualdades de forma eficaz no plano econômico - apesar de ter incorporado nacionalmente leis que definem iguais - e de ter, no âmbito da universalização de liberdades, levado à explosão da liberdade religiosa. "Parece que nada é suficiente para conter o fundamentalismo religioso", disse o cientista político, em seminário, ontem, no segundo dia da Reunião Nacional da Anpocs.

Brünkhorst deu todos os créditos aos progressos normativos do Século XX, cujos resultados foram a consolidação da democracia universal e leis constitutivas de um institucionalismo global. Se as violações de direitos humanos e a exclusão social não desapareceram em regiões do mundo, de outro lado isso passou a ser tratado como um problema comum, universal, "nosso". E se o século passado foi o palco de grandes problemas humanitários - como as grandes guerras, os campos de concentração e outras guerras "que jamais deveriam acontecer"--, de outro lado também ocorreram movimentos inclusivos na direção da democracia global.

Do lado político, o século XX ganhou com a institucionalização da democracia americana, como ganhou também com a Revolução de 1917 da Rússia, que unificou o Leste Europeu numa União Soviética. O Ocidente, segundo Brünkhorst, foi obrigado a incorporar demandas sociais depois da Revolução Russa; a União Soviética, com o passar do tempo, acabou sendo obrigada a incorporar a gradativa institucionalização nas relações internacionais.

Dessa nova ordem, no entanto, segundo o cientista político, emergem grandes contradições. A aproximação das institucionalizações dos Estados nacionais e das leis internacionais, no período de emergência de atores globais, define o declínio do poder dos Estados Nacionais de resolver de forma eficaz as desigualdades. Segundo ele, houve uma transformação completa do mercado no capitalismo financeiro regional e global. Escapando da institucionalização, os direitos explodem globalmente o mercado - e a situação torna-se mais explosiva a partir da crise financeira do ano passado. O custo de concorrência também explode. "Correrá sangue", disse Brünkhorst.

Segundo ele, ocorre algo semelhante em relação a valores religiosos. Existem efeitos negativos da liberdade religiosa - a transposição da liberdade total de mercado como valor universal para a religião define uma realidade explosiva, aparentemente sem controle. "Há sangue", repetiu o cientista social.

Segundo ele, o poder executivo globalizado está transformando o mercado e a religião de forma semelhante. Esse poder executivo cresce descolado das regras democráticas nacionais, a nível internacional, e tende a ser novo foco de privilégios - Brünkhorst sugere que essa acaba sendo uma permanente fonte de confrontos entre os poderes Executivo e Judiciário. "Temos que agir localmente e globalmente em concerto", afirmou o pesquisador alemão, sugerindo que é necessária uma institucionalização dessa nova realidade, de forma a definir controles desse Executivo que ganhou muita autonomia por um Legislativo e um Judiciário.

Queda do muro mudou violência política

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Caxambu (MG) - O mundo contemporâneo - e as ciências sociais desse tempo - assumiram como marcos simbólicos a queda do Muro de Berlim, início do fim do socialismo real representado pela fúria popular que derrubou pedra por pedra do muro que separava as duas Alemanhas, em 1989, e o 11 de setembro de 2001, quando uma brigada fundamentalista derrubou as duas torres gêmeas de Nova Iorque, no maior atentado terrorista já ocorrido no mundo ocidental. Se há um consenso entre os especialistas de que estes marcos transformaram o mundo política e geograficamente, e de que, na esteira das modificações sofridas nas articulações entre os grupos sociais, produziu-se também formas de manifestação diversas de demandas políticas, eles ainda não conseguiram um terreno comum para compreender as novas articulações e a convivência com antigos elementos da ordem pré-muro, segundo Osmar Ribeiro Thomaz, da Unicamp, que ontem coordenou a mesa redonda "20 anos sem muro de Berlim: novas faces da violência política", no segundo dia do Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs).

Os elementos da velha ordem nas novas configurações geográficas e nas estratégias políticas contemporâneas do poder imperialista foram trazidos pelo antropólogo Florian Mühlfried, do Max Planck Institute for Social Anthropology. O estudo antropológico de uma guerra de passaportes é uma tentativa de entender, a partir da particularidade do conflito da Rússia com a Geórgia em torno das repúblicas separaristas de Ossétia do Sul e Abcásia, os dilemas de construção democrática no Cáucaso pós-queda do Muro de Berlim.

As duas repúblicas declararam independência da Geórgia no final dos anos 90; em 2000, alegando questões humanitárias, a Rússia passou a distribuir passaportes e nacionalidade russa aos cidadãos de ambas as repúblicas. Em agosto de 2008, a Georgia atacou a Ossétia do Sul - e a Rússia, alegando que tinha por dever defender cidadãos seus em qualquer lugar do mundo, entrou no conflito com aquele. Naquelas alturas, a Ossétia do Sul já tinha 70% da população com nacionalidade e passaporte russos.

Essa política de anexação informal foi completada pela extensão de direitos sociais dos cidadãos soviéticos às minorias da Ossétia do Sul e da Abcássia que pouco a pouco foram sendo incorporadas, novamente, a um mundo de domínio russo, via nacionalidade e passaportes; por um quase controle de seu comércio pelas Rússia; por pesados investimentos da estatal de petróleo russa - com os empregos que isso representa. Cerca de 80% da economia do país, segundo Mühlfried, gira em torno das articulações políticas e econômicas com a Rússia.

A guerra dos passaportes foi uma política assumida pela Rússia assim que os dois países separatistas declararam independência em relação à Geórgia. Sem serem reconhecidas internacionalmente como repúblicas autônomas, ficaram impedidas de emitir passaportes, com grandes limitações não apenas à circulação de pessoas, mas também de mercadorias. As minorias étnicas dos dois países também foram vítimas de políticas de extermínio da Geórgia. A Rússia, país hegemônico da União Soviético, na construção do seu capitalismo e de sua democracia vai regionalmente assumindo-se numa nova etapa de imperialismo.

Para o sociólogo português João de Pina Cabral, embora a democracia tenha sido a marca das últimas décadas, o otimismo não é recomendável. "Isso não é nostalgia, mas avaliação lúcida", afirmou. No início dos anos 90, a queda do Muro de Berlim e a revolução na informação, que apontavam para uma nova ordem mundial mais humanizada, levaram à ganância da globalização financeira. A crise financeira do ano passado - que segundo ele ainda não terminou - não resultou numa mobilização internacional para mudar a "ganância suicida", mas em instrumentos que foram suficientes apenas para evitar um colapso. O fim do ciclo neoliberal e a eleição de Barack Obama não conseguiram conter esse processo, o que mostra uma "incapacidade dos EUA de reestruturar-se internamente" e que os conflitos apenas foram estendidos, sem solução previsível.

Se surgem atores que a médio prazo podem substituir o protagonismo dos EUA no cenário mundial, também não é essa uma razão para apostar na felicidade certa no futuro, pois estão entre os países que se colocam em ascensão a China e a Rússia. (MIN)

Papel das Forças Armadas divide cientistas políticos

Maiá Menezes* Enviada especial
DEU EM O GLOBO


Divergência é sobre como o Brasil deve exercer sua liderança na América do Sul

CAXAMBU (MG). Discussões sobre o papel das Forças Armadas no país e as implicações da liderança do Brasil na América do Sul esquentaram ontem os debates entre intelectuais reunidos no 33oEncontro anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu.

Para a cientista política Maria Celina D’Araújo, da PUC-RJ, o Brasil precisa primeiro arrumar a casa para, depois, exercer esse protagonismo local. Segundo ela, há um “mantra” que cobra o exercício dessa liderança: — É uma visão de Brasil que acaba relegando os problemas internos. Isso me incomoda: o Brasil tem que exercitar sua liderança, e a educação continua a mesma coisa, as pessoas estão morrendo nas filas dos hospitais... O país pode liderar uma região se ele não é capaz de tratar bem seu povo? Do ponto de vista estratégico, o Brasil, segundo a pesquisadora, vem se equiparando, nas escolhas feitas pelos planos de Defesa, à Venezuela e à Bolívia. E se distanciando de modelos mais modernos, como o do Chile.

Apesar de frisar que o país ainda não chegou à situação já vivida nos países andinos, onde as Forças Armadas estão sendo usadas para “projetos políticos”, ela disse considerar preocupante que o país mantenha na Estratégia Nacional de Defesa o conceito da instituição como “berço da cidadania”, como se estivesse pronta para um ataque inimigo.

A cientista social Maria Regina Soares Lima, do Iuperj, defendeu que o papel de liderança do Brasil é inevitável, mas que pode ser exercido de forma coercitiva ou cooperativa. Usou números para atestar o crescimento do país na região: de 1980 a 1984, o PIB argentino era 27% do da América do Sul e o brasileiro, 34%. Hoje, o argentino corresponde a 11% e o brasileiro, a 50%.

— Certamente, a América do Sul sempre será pequena para o tamanho da economia brasileira — avalia a pesquisadora.

O cientista político Tullo Vigevani, da Unesp, diz que o papel brasileiro é fundamental neste momento da América do Sul: — Há uma mudança de atitude da sociedade sul-americana em relação ao Brasil. Isso já vinha se desenvolvendo no governo Fernando Henrique. Hoje, a exigência em relação ao Brasil é que se torne um líder. Ainda que (a exigência) tenha contradições e se manifeste na forma de luta contra o imperialismo brasileiro, caso da Bolívia, do Paraguai

Trabalho de Sísifo

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O ex-presidente de Portugal Jorge Sampaio, que é o Alto Representante da ONU para a “Aliança das Civilizações”, teve mais uma das muitas demonstrações de como sua tarefa é difícil aqui no Cairo, no início da semana. Ele, que participava do encontro da Academia da Latinidade, foi convidado para dar uma palestra na universidade Al-Azhar, considerada “o centro do Islã”. Na plateia superlotada, uma clara divisão: estudantes homens para um lado e mulheres para o outro.

Sampaio não se cansou de contar esse fato a quem podia, especialmente a homens do governo egípcio que tentam vender uma imagem mais liberal do país do que a realidade mostra a qualquer um que passeie por suas ruas.

A Aliança das Civilizações é um movimento pacificador organizado pela ONU a partir de um apelo do então recém-eleito presidente de governo da Espanha, José Luiz Zapatero, que assumira o cargo em 2004 em circunstâncias especiais.

O caso espanholto rnouse exemplar da reação da sociedade civil, com o uso de novas tecnologias, à tentativa de manipulação dos governos.

Com receio de que a repercussão de um atentado na estação de trens em Madri, que matou 192 pessoas, fosse negativa para o seu partido, que era o favorito para a eleição de dias depois, o primeiroministro José Maria Aznar direcionou as investigações para a suspeita de que ele fora realizado pelos separatistas bascos do grupo terrorista ETA.

No entanto, as suspeitas de que o atentado havia sido de autoria dos terroristas islâmicos da al-Qaeda, em represália ao apoio do governo espanhol aos Estados Unidos na invasão do Iraque, foram espalhadas pela internet e pelas mensagens dos telefones celulares, e o governo acabou tendo que admitir a verdade.

Essa tentativa de manipulação e a forte rejeição da sociedade espanhola à invasão do Iraque fizeram com que o Partido Socialista, que se posicionava contra a guerra e a favor da retirada das tropas espanholas do Iraque — o que acabou acontecendo —, vencesse as eleições.

Eleito, Zapatero fez um apelo para que a ONU estabelecesse um Grupo de Alto Nível para levar adiante uma Aliança das Civilizações, em oposição à “ guerra das civilizações”, conforme definida pelo historiador americano Samuel Huntington.

O ex-presidente de Portugal, Jorge Sampaio, foi nomeado para coordenar um grupo de 20 intelectuais de diversas partes do mundo — entre eles o brasileiro Cândido Mendes —, que apresentou um primeiro planode ação no final de 2006 e hoje tem em torno de si uma rede de 101 estados e organizações que formam o “Grupo de Amigos”. A terceira reunião mundial da Aliança das Civilizações será realizada no ano que vem no Rio de Janeiro.

O documento principal do movimento tem críticas diretas à tese do “choque de civilizações”, dizendo que ela provocou “ansiedade e confusão” e que “a exploração da religião por ideólogos levou a uma interpretação equivocada de que a religião por si mesma é a raiz do conflito intercultural”.

Destaca ainda o documento que o fundamentalismo “nem sempre é violento” e é comum “a várias fés tradicionais”. O extremismo, por sua vez, “não é religioso por natureza”, e é descrito como a defesa de “medidas radicais na busca de objetivos políticos”.

O embaixador José Augusto Lindgrem Alves é o representante do Itamaraty na Aliança das Civilizações, e trata o tema com o mesmo pragmatismo com que Jorge Sampaio enfrenta seu “inferno” particular.

O embaixador brasileiro deixou claro na palestra que fez na reunião da Academia da Latinidade que “ninguém espera que essa iniciativa erradique as causas do terrorismo contemporâneo. Nem a crença de que culturas tendem a se confrontar.

No mínimo, cria condições para um melhor entendimento mútuo”.

Mas, ressaltou o embaixador, “enquanto tenta conter a disseminação de estereótipos, certamente não alimenta condições para o surgimento do que Amin Maalouf (escritor libanês) chama de ‘identidades assassinas’”.

Classificando-se como “um político”, o ex-presidente Jorge Sampaio diz que não existem “civilizações”, mas culturas diferentes de uma mesma civilização.

Ele considerou os debates das sessões da Academia da Latinidade como uma “metafísica dos tempos modernos ou talvez pós-modernos”. Do ponto de vista operacional, Sampaio se disse interessado nos debates “para formular políticas de boa governança da diversidade cultural” e des envolver “ condições práticas que permitam mudar a realidade”.

Referindo-se ao Egito e ao tema central do debate, a “pós-laicidade”, o representante da ONU perguntou: “Estamos aqui na ‘pós-laicidade’ ou ainda a ‘pré-laicidade’?” Para Jorge Sampaio, vivemos “um momento de transiçoes oe estamos à procura de um novo paradigma”.

Um paradigma “ da racionalidade , da complexidade, do social, do cultural, do religioso, da natureza, de um novo humanismo”.

Em um mundo “cada vez mais comprimido e ao mesmo tempo alargado”, ele define o trabalho da Aliança das Civilizações como o de dar “à democracia novos instrumentos para compor com sociedades em profunda mutação, cujas aspirações são contraditórias”.

Um verdadeiro “trabalho de Sísifo”, define o Alto Representante da ONU Jorge Sampaio, entre esperançoso e cético.

Elogio ao escapismo

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Da constatação do presidente Luiz Inácio da Silva de que "não é fácil" acabar "rapidamente" com a violência no Rio, ou em qualquer parte do planeta, não se pode discordar. Inclusive porque é impossível, mesmo vagarosamente, banir o crime do mundo.

Só não é possível se conformar que autoridades públicas se limitem a constatar obviedades e depois mudem de assunto sem se sentirem minimamente na obrigação de dizer como e quando pretendem cumprir o dever constitucional de zelar pela segurança do cidadão.

Muito menos é possível aceitar que fujam de suas responsabilidades com discursos de puro escapismo à falta de elementos para estabelecer um diálogo sério com a sociedade, em particular com aqueles que vivem em áreas conflagradas sob ameaça diária da ação do banditismo e do desnorteio do Estado.

O uso do plural justifica-se porque tal conduta não é apenas do atual presidente, mas é ele o responsável no momento.

De alguém há sete anos no comando da Nação é de boquiabrir escutar que "a presença do narcotráfico tirou o romantismo das favelas cariocas, locais sempre citados por sua ligação com o samba".

Em que mundo vive o presidente da República, cujo maior atributo é sua comprovada identificação popular, sua proclamada capacidade de compreender as aflições dos desvalidos?

"Hoje, o narcotráfico é uma realidade e, com ele, não tem poema", acrescentou, parecendo não compreender que tal conceituação poética há muito deixou de fazer parte daquele cotidiano.

Evidentemente o presidente Lula sabe disso. O que não sabe é o que dizer e o que fazer diante disso. Por isso, diz o que lhe vem à cabeça e que lhe pareça mais apropriado para falar sem se comprometer com uma questão em tudo e por tudo pertencente à sua alçada, atinente à sua condição de condutor dos processos de mudanças aos quais, diga-se, prometeu fazer frente na campanha eleitoral e depois repetiu nos discursos das duas posses.

É bem verdade que, em ambas as ocasiões, passou quase ao largo do tema para quem sucedia um governo que havia fracassado assumida e fragorosamente no atendimento a uma das maiores angústias dos brasileiros.

Disse Lula em janeiro de 2003: "Crimes hediondos, massacres e linchamentos crisparam o País e fizeram do cotidiano, sobretudo nas grandes cidades, uma experiência próxima da guerra de todos contra todos. Por isso, inicio este mandato com a firme decisão de colocar o governo federal em parceria com os Estados, a serviço de uma política de segurança pública muito mais vigorosa e eficiente."

Disse Lula em janeiro de 2007: "Sinto que, em matéria de segurança pública - um verdadeiro flagelo nacional - crescem as condições para uma efetiva colaboração entre a União e os Estados da Federação, sem a qual será muito difícil resolver esse crucial problema."

E, sobre isso, das frases de efeito não passou, a despeito das inúmeras vezes em que celebrou o trabalho da Polícia Federal no combate ao "crime organizado" para fins de autoexaltação.

Fiscais de Lula

O comando do PSDB assegura que não aceitará o convite do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, para a oposição vistoriar as obras do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.

A posição do líder do partido na Câmara, José Aníbal, que manifestou vontade de ir "por ser uma boa ocasião para a gente fiscalizar", não será seguida pelo partido e é considerada ingênua ou produto de simulação de nobreza.

Na avaliação do alto tucanato, essa fiscalização a favor iria a se somar a uma série de gols contra que o PSDB acredita ter cometido nos últimos dias. Ao assistir quase embevecido à turnê eleitoral de Lula e Dilma pelo São Francisco e escutar praticamente em silêncio (conivente) o presidente alçar a simbologia de Judas à condição de paradigma de conduta dos políticos nacionais.

Carochinha

Se a oposição quer mudar de posição e apoiar a entrada da Venezuela no Mercosul, é bom que o faça sem tentar embromar a plateia, invocando um acordo de procedimentos pelo qual o governo Hugo Chávez assinaria um "compromisso de respeito aos protocolos políticos e econômicos" do grupo, como "respeito à oposição e à propriedade privada".

Eleito em 1998 para cumprir um mandato de quatro anos, Hugo Chávez desrespeitou todas as instituições venezuelanas e quem não conseguiu cooptar destruiu ou tentou desmoralizar.

De posse desses instrumentos mais a "autoridade" conferida pelo poder econômico do petróleo, refez boa parte da Constituição do país e, mesmo tendo perdido em plebiscito, ganhou em referendo o direito de concorrer a sucessivas e infinitas reeleições.

Não será um acordo de grupo setorial cujo presidente do principal país signatário aceita suas barbaridades que Chávez vai respeitar.

Um eleitorado mais exigente

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Em 2006, a política eleitoral foi marcada pelo fenômeno de descolamento do voto dos humores da classe média urbana que, ao longo da história da República, funcionou como uma caixa de ressonância das elites econômicas. A ascensão ao mercado de consumo de uma grande parcela de excluídos, por meio do Bolsa Família, produziu uma autonomia do voto dos menos favorecidos em relação ao poder econômico e reduziu o papel de formadores de opinião das classes médias. De lá para cá, as políticas de valorização do salário mínimo adicionaram um outro componente social à realidade política: o ingresso nas classes médias de cidadãos originários da base da pirâmide que já estavam no mercado de consumo, mas que tinham acesso limitado a bens e mercadorias.

Foram, portanto, dois dados importantes de mobilidade social distintos, cada um deles com poder de repercussão em uma eleição diferente. Nas eleições de 2006, o dado social predominante foi o ingresso ao mercado de consumo de grande parcela da população. Nas eleições de 2010, terá forte influência sobre o pleito a ascensão à classe média de grandes contingentes das camadas populares.

Nos últimos sete anos, o país passou de uma situação de reduzidas classes médias e alta e amplas camadas na base da pirâmide - com forte concentração, nessas últimas, de famílias com baixíssima ou nenhuma renda. Quase às vésperas das eleições de 2006, as estatísticas começaram a acusar um forte efeito de desconcentração de renda do programa Bolsa Família, que atingia então os situados no último degrau da pirâmide de renda. Esse dado apenas tornou-se visível no auge do chamado Escândalo do Mensalão e o mundo institucional custou a entender que algo acontecia de diferente no universo social. A política foi sacudida por traumas intensos, cujo epicentro era o Congresso Nacional - em especial uma CPI que alimentava grandes cenas midiáticas que em algum momento chegaram a consolidar, entre letrados, a idéia de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era tão destituído de sustentação política que caminhava para um impeachment, ou uma renúncia.

Foram quase simultâneas as divulgações das pesquisas de opinião que acusavam um constante aumento de popularidade de Lula, em plena crise, e a divulgação de indicadores que comprovavam um efeito grande de mobilidade do Bolsa Família. Os fenômenos foram tão vinculados que foram necessárias várias pesquisas de opinião acusando aumento da popularidade de Lula para que a oposição se convencesse que o presidente não apenas estava no páreo, como era o franco favorito na disputa pela reeleição.

O aumento da classe média brasileira no período seguinte é um dado ainda de difícil avaliação, que precisará ser devidamente considerado nas definições de estratégias de campanha de todos os candidatos às eleições presidenciais. O fato de os dois fenômenos terem acontecido num período governado por um único partido, e não ter ocorrido até o momento - nem no período de crise - um forte refluxo das condições objetivas de consumo desses setores, pode indicar que a candidata governista entra no mercado eleitoral como depositária de um legado. O conservadorismo da classe média, no caso dos ascendentes no governo Lula, tende a favorecer a candidata - o status quo agora é o PT, ao contrário de 2002.

De outro lado, a ascensão à sociedade de consumo significa também acesso a bens de consumo ideológicos que mantinham esses setores à margem até agora. A informação, o acesso a tecnologias por onde elas transitam rapidamente e a exposição a diversas outras mídias expõem esses setores emergentes a conteúdos dos quais foram marginalizados enquanto estavam excluídos dessas tecnologias - e cuja inclusão não era alguma coisa que estava na agenda das elites políticas, que partiam do pressuposto, no jogo eleitoral, de que essas camadas eram cooptáveis via movimentos de emocionalização de uma classe média mais conservadora. Outro fator que pode contribuir para isso é o aumento progressivo de escolaridade, que caminha de forma constante desde os governos Fernando Henrique Cardoso. Os ganhos de distribuição de renda podem acelerar o processo de aumento de anos de estudo da população.

Num contexto de maior escolaridade e maior renda, portanto, imagina-se que mudem também os critérios de escolha do voto. O julgamento do eleitor tende a passar por crivos que superem o simples ganho de renda - esse é um ganho passado e entram no cenário expectativas de ascensão social diferentes.

Nesse contexto, pode adquirir importância grande a adesão a candidatos de setores da mídia convencional e não convencional - veiculada pela internet - e ganham peso maior os programas de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Esse é um elemento novo no processo eleitoral. Dificilmente se volte a uma realidade onde as classes médias representem simplesmente uma caixa de ressonância das elites econômicas mas não necessariamente esse eleitorado tenderá à esquerda por ter ascendido no governo Lula. O dado concreto, no momento, é que esse eleitorado obrigará uma campanha eleitoral que agregue mais informações e argumentos eleitorais mais convincentes.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Golpe tucano

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Sob a liderança do PSDB, os ruralistas tentaram dar um golpe ontem no processo de votação do Código Florestal. A discussão do Código em si já é uma ameaça. Pior é o golpe tucano, porque ele tentava atropelar tudo e votar já a anistia para desmatadores e a permissão de plantar espécies exóticas na Amazônia. O barulho das sirenes do Greenpeace parou a votação, por uma semana

O mundo todo está discutindo como proteger as florestas tropicais, um dos itens centrais da maior e mais aguardada negociação climática do mundo. E no Brasil há uma escalada na direção oposta: a de como destruir mais facilmente.

O golpe tucano foi imaginado assim: o Código Florestal tem várias ideias ruins, mas está ainda no começo do processo. Das 45 sessões, foram realizadas apenas três.

No debate democrático pode, quem sabe, ser melhorado. É uma esperança. O golpe foi pegar um outro projeto que está quase terminando a tramitação, colocar nele todas as ideias floresticidas e votar, atropelando o novo Código.

O instrumento usado para o golpe foi o PL 6.424, do senador do PSDB Flexa Ribeiro, que desde 2005 tramita no Congresso. Ele surgiu de uma péssima ideia do senador: usar palmácias em vez de espécies nativas na recomposição da reserva legal de 80% na Amazônia. O projeto abria espaço para que a Malásia, que já fez um enorme estrago por lá, plantando palmas em áreas de vegetação nativa, viesse fazer o mesmo no Brasil. Assim, quem desmatou mais do que os 80% permitidos poderia constituir reserva legal com essas plantas exóticas. Seria um convite ao desmatamento para a plantação de espécies com uso comercial.

O projeto de Flexa Ribeiro foi aprovado no Senado e estava dormindo na Comissão de Meio Ambiente da Câmara. Recentemente, a bancada ruralista depôs o relator e nomeou o deputado Marcos Monte, do PSDB de Minas. O substitutivo dele é coincidentemente muito parecido com um documento da Confederação Nacional da Agricultura. Se fosse aprovado na Comissão de Meio Ambiente da Câmara — recentemente dominada pelos ruralistas — não precisaria ir para o plenário, poderia voltar para o Senado na reta final da aprovação. Aí nem seria necessário mais discutir o Código Florestal porque aquelas ideias já estariam no projeto. Em torno do substitutivo juntaram-se ruralistas de outros partidos e o presidente da Comissão, deputado Roberto Rocha, do PSDB do Maranhão. Queriam pôr em votação de qualquer maneira ontem.

Foi quando os manifestantes do Greenpeace se acorrentaram nas mesas com o corpo cheio de sirenes.

O barulho acordou algumas lideranças tucanas e a votação passou para a semana que vem, mas como único item da pauta.

O que diz o projeto floresticida? Pelo cálculo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, a proposta representaria a anistia de quem desmatou algo como 34 milhões de hectares na Amazônia e no Cerrado, inclusive em áreas de preservação permanente.

Existe desmatamento legal e ilegal. O legal respeita a reserva e obtém autorização de manejo no Ibama. O Ipam acha que no estado de Mato Grosso, em 2008, apenas 15% do desmatamento foram feitos de acordo com a lei. O projeto permite que todo o desmatamento feito até 2006 possa ser reconstituído com árvores exóticas, entre elas, as palmácias.

O projeto, na prática, segundo o Ipam, acaba com a função de fazer o zoneamento econômico ecológico e delega aos estados o poder de decisões na área ambiental, que hoje é de órgãos federais, com o Ibama. Retira o poder de polícia dos órgãos ambientais e anula a função do cadastro rural georeferenciado.

O curioso do documento do deputado é que ele justifica seu substitutivo dizendo que é uma forma de proteção do meio ambiente. Estabelece inclusive no início que é proibido desmatar, para, durante todo o documento, criar os meios de melhor destruir a vegetação nativa.

O argumento de que o Brasil é grande, e tem ecossistemas diferentes, e que, por isso, os estados devem decidir, é falacioso. A diversidade brasileira é fato, e por isso há normas diferenciadas.Mas topo de morro, encostas e beira de rio têm que estar protegidos em qualquer lugar do mundo. Não há relatividade estadual possível.

O argumento velho e mentiroso de que tudo isso é para legalizar quem desmatou quando a reserva legal era 50% está lá também.

Ele sempre está neste tipo de documento. A reserva na Amazônia passou a 80% há 12 anos. De lá para cá, foram destruídos ilegalmente mais de 100 mil km.2 Portanto, não é do passado que se trata e sim de desmatamento recente.

É estranho o Brasil ter tantas iniciativas para aumentar a possibilidade legal de destruir a floresta exatamente quando está tão perto da reunião de Copenhague. Ou é alienação absoluta ou é provocação explícita da bancada ruralista. É uma tentativa também de atropelar a discussão do novo Código Florestal.

Os diretores do Greenpeace foram ao relator do novo Código, deputado Aldo Rebelo, e entregaram a ele um documento inesperado: cópia da primeira tentativa de implantar uma reserva legal no Brasil, estabelecendo que um sexto da floresta teria que permanecer intocado. Na época, os brasileiros estavam todos concentrados na faixa da Mata Atlântica. O autor do documento: José Bonifácio, o Patriarca da Independência!

Dilma, a verde

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Katerine Mendes, de São Paulo, não estava sozinha ao abrir o "Painel do Leitor" de ontem com sua perplexidade diante da escolha de Dilma Rousseff para chefiar a delegação brasileira à Conferência do Clima em Copenhague.

Órgãos e entidades ambientalistas estão igualmente perplexos.

Dilma tem muitas qualidades, mas se há uma que ela definitivamente não tem é essa: não entende nada da questão climática. Aliás, não entende e até despreza.

Ela sempre se opôs a uma agenda ambiental, passou o PAC por cima da Amazônia, impôs a Marina Silva as suas maiores e mais doídas derrotas enquanto ministra do Meio Ambiente.

Não é exagero dizer que Marina enfrentou muitos e poderosos adversários no governo, mas que saiu, tanto do cargo como do PT, depois de bater de frente várias vezes com Dilma.

O sucessor de Marina, Carlos Minc, também não tem vida fácil. E está polarizando com os "pragmáticos", Dilma à frente, nas discussões sobre Copenhague, para onde o governo, por ora, voa dividido. Minc defende uma meta de 40% na redução nos gases-estufa até 2020 em relação à trajetória de emissões do Brasil. Já Dilma quer mudar o cálculo da própria trajetória, reduzindo o esforço de corte. Além de deixar a agropecuária de fora.

Se não é do ramo, se não gosta do tema, se vai sempre na contramão dos experts em nome do "progresso", por que então Dilma será a chefona da delegação brasileira? A resposta é simples. Basta olhar, por analogia, a escolha de Toffoli para o Supremo: ele tinha inúmeras desvantagens e nenhum atributo formal para o cargo, mas... Lula quis.

Os holofotes de todo o mundo estarão em Copenhague, e Lula está menos interessado na chatice de carbono no ambiente e mais em aproveitar para lançar sua candidata no ambiente internacional. Dilma, porém, tem de ajustar o discurso e a maquiagem. Até porque Marina também vai estar lá.

Paz dos cemitérios

Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Os líderes do PT, Cândido Vaccarezza (SP), e do PSDB, José Aníbal (SP), articulam um amplo acordo na Câmara para retirar de pauta todos os temas que possam levar a um confronto aberto entre governo e oposição. A negociação é patrocinada pelo presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), cuja eleição foi uma espécie de pacto de convivência entre os líderes dos principais partidos. Com isso, seria estabelecida uma agenda light para as votações de temas com ampla repercussão eleitoral e poucas divergências de fundo. Tal agenda seria votada no rastro da aprovação do novo marco regulatório do petróleo, que o governo espera votar nas próximas quatro semanas.

A trégua, na verdade, é um acordo que interessa mais ao PT e ao PSDB do que aos demais partidos. O governo venceu por antecipação a batalha da mudança do regime de exploração do petróleo, com a adoção do sistema de partilha para a exploração da camada pré-sal, mas surgiram contradições no interior da base governista que ainda estão fora do controle. Além disso, PT e PMDB estão medindo forças e enfrentam dificuldades para fechar suas alianças nos estados. Derrotado na defesa do sistema de concessões para exploração de petróleo adotado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o PSDB procura ganhar tempo e administrar suas contradições internas. O governador paulista José Serra (SP) adiou para março a definição em relação à candidatura presidencial. O governador mineiro Aécio Neves (MG) quer antecipá-la para dezembro. O DEM e o PPS também andam se estranhando.

PSDB negocia definição interna para janeiro

De Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Negociação conduzida por um grupo de políticos do PSDB tentará levar a data de definição da candidatura do partido à Presidência da República para janeiro de 2010. Nem tão longe quanto quer o candidato José Serra, governador de São Paulo, que gostaria de tratar da campanha presidencial efetivamente só a partir de fevereiro ou março, mesmo que dê atenção maior a ela até lá; e nem tão perto como desejam o governador de Minas e também candidato, Aécio Neves, e o presidente do Democratas, Rodrigo Maia (RJ), que defendem uma providência até dezembro, no máximo. Aécio já havia acertado com Serra um ponto de equilíbrio para os dois mas a entrada em cena do presidente do DEM quebrou a harmonia que se avaliava estar em 80%.

Em janeiro, segundo a avaliação que se tem feito desde ontem, a partir dos argumentos de um e outro grupo, haverá tempo para fazer tudo o que for necessário. Será possível agradar a quem acha que a candidatura nacional pode ajudar a definição local das disputas, não haverá abandono precipitado dos governos estaduais conduzidos pelos dois principais candidatos tucanos, Serra e Aécio, e haverá disponibilidade para tentar alcançar a dianteira que a candidata do PT, Dilma Rousseff, ganhou na campanha do último mês.

Enfim, creem esses políticos que dá para aplacar a ansiedade geral de todos os que desejam antecipar uma definição da oposição.

O barulho que tem feito o DEM, aliado do PSDB na política nacional e em alguns Estados, sendo São Paulo o principal, não está causando maior preocupação ao PSDB, por enquanto. Tem-se no partido a convicção de que boa parte do movimento do presidente do Democratas tem origem numa questão interna mal resolvida entre Rodrigo Maia e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

A pressão decorreria também da angústia em que se encontra o DEM do Rio de Janeiro onde Cesar Maia, ex-prefeito e pai de Rodrigo Maia, ficou com sua candidatura ao Senado no vácuo depois do lançamento da candidatura a presidente da senadora Marina Silva, que tirou tucanos e demistas do palanque carioca do deputado Fernando Gabeira.

Convencidos de que têm que administrar melhor a insatisfação do presidente do DEM e ao mesmo tempo preservar seus dois candidatos a presidente o máximo possível, tucanos começarão a negociar a convergência de interesses para uma definição de candidatura em janeiro.

Indefinição tucana amarra oposição em 12 Estados

Marcelo de Moraes, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os três principais focos de insatisfação são Minas, Rio e São Paulo, que reúnem o maior número de eleitores

A indefinição da candidatura presidencial do PSDB deixou os partidos de oposição à beira de um ataque de nervos e ameaça causar divisões políticas internas com efeitos nas campanhas regionais. Esse impasse está travando a definição das coligações locais em pelo menos 12 Estados, que aguardam a resolução da candidatura presidencial para desembaraçar suas pendências locais.

Existem graves focos de insatisfação em Minas, no Rio e em São Paulo. Mas há problemas em pelo menos mais nove Estados: Rio Grande do Sul, Paraná, Pará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará, Amazonas e Maranhão.

Nos três focos principais, que reúnem o maior número de eleitores do País, as queixas são abertas. Em Minas, o governador Aécio Neves (PSDB) reclama da demora para a escolha do candidato e também do tratamento de indiferença que setores tucanos vêm dando à sua pretensão de concorrer ao Palácio do Planalto.

Outro foco está em São Paulo, onde os tucanos Geraldo Alckmin e Aloysio Nunes Ferreira desejam ser os indicados para concorrer ao governo, mas precisam aguardar pela definição do futuro do governador José Serra. Eles perceberam a movimentação em torno de uma terceira alternativa como candidato a governador - o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM).

Oficialmente, Kassab nega que participe de articulações a esse respeito, mas a boa aceitação de seu nome em pesquisas de intenção de voto pôs efetivamente essa possibilidade na mesa de discussões.

O terceiro foco de atrito está no relacionamento do PSDB com o DEM, seu principal aliado. O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), tem cobrado publicamente pressa pela definição da candidatura presidencial, avaliando que isso tem provocado dificuldades na montagem das alianças regionais.

Depois de relatar sua "angústia" com a situação, Maia foi mais longe e chegou a anunciar a preferência por Aécio, o que irritou o PSDB paulista.

PROTESTOS

Os aliados de Serra se queixam da pressão exercida sobre ele, líder nas pesquisas. Avaliam que o governador tem de ser respeitado na avaliação que tiver sobre o momento mais estratégico para anunciar se concorrerá à Presidência ou não.

Acreditam também que pôr a candidatura imediatamente nas ruas atrairia no mesmo instante a fuzilaria dos governistas, criando o risco de desgaste e queda nas pesquisas.

Esses problemas, reconhecidos por dirigentes do PSDB e do DEM, podem fazer com que a chapa de oposição acabe chegando enfraquecida à campanha, apesar de hoje ter em Serra o líder em todas as pesquisas de intenção de voto. Na prática, existe a preocupação de que essas discussões acabem produzindo conflitos pessoais irreversíveis, que minem a adesão de aliados importantes.

De acordo com um dirigente tucano, não adianta, por exemplo, esperar o apoio de Minas se a candidatura de Aécio for esmagada no processo de definição de quem será o escolhido. Ele completa dizendo que isso deve ser construído numa discussão consensual, sob pena de o eleitor de Aécio se sentir humilhado com esse desfecho e desembarcar da campanha.

Um claro desconforto para o governador mineiro ocorreu com o vazamento de uma pesquisa feita por setores do PSDB em que seu nome foi testado como candidato a vice-presidente de Serra. Aécio cobrou explicações do comando do partido e reagiu duramente.

MAIA

No lado do DEM, a demora na definição da candidatura produz forte insatisfação.

Depois de Rodrigo Maia reconhecer a angústia do partido, ontem foi a vez de o ex-prefeito do Rio, César Maia (DEM), reafirmar essa preocupação e o reflexo que a indefinição possa ter na conclusão dos acordos nos Estados.

"O problema de raiz foi o PSDB ter decidido por fazer prévias oficialmente e o processo ir atrasando e prejudicando os ajustes regionais", afirmou César Maia ao Estado. "Na medida em que as regras das prévias não eram conhecidas, era natural e esperado que seus parceiros tivessem opinião a respeito. Algumas publicadas pelo maior destaque de quem as fez e centenas não publicadas pelo menor destaque de quem as fez", acrescentou o ex-prefeito.

Essa incerteza vem produzindo ruídos internos para todos os gostos dentro da oposição. Em São Paulo, onde a hegemonia do PSDB vem desde 1994, a simples menção à possibilidade da candidatura de Kassab causou reação irritada dos tucanos, que não admitem abrir mão de encabeçar a chapa para o governo, cedendo a vaga para um político de outro partido, mesmo sendo um aliado direto, como o prefeito.

'Tenho nervos de aço', reage Serra

Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Indagado sobre pressão, diz que só fica impaciente "com fila de elevador e banheiro de avião"

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), disse ontem que tem "nervos de aço" para política e as pressões dentro e fora de seu partido para que decida ainda este ano se será ou não candidato à Presidência em 2010 não o abalam. "Eu tenho nervos de aço em política", afirmou.

Depois de se negar a fazer comentários sobre a disputa presidencial, Serra foi indagado se ficava impaciente com os pedidos de antecipação de um anúncio de candidatura do PSDB. "Minha impaciência é com fila de elevador, banheiro de avião", respondeu com risos.

O tucano defende a tese de que o candidato do PSDB seja definido somente em março do ano que vem, quando vence o prazo fixado pela Lei Eleitoral para ele se afastar do governo paulista caso queira disputar o Planalto. Seu concorrente à vaga de presidenciável do PSDB, o governador de Minas, Aécio Neves, disse na terça-feira mais uma vez que espera uma decisão da legenda até janeiro, ou então anunciará sua postulação ao Senado.

Não é a primeira vez que Serra manda um recado público àqueles que defendem uma definição antecipada. Na semana passada, ele fez um desabafo pela internet em seu microblog na rede social Twitter. "Estou cansado de NÃO responder à pergunta sobre a Presidência", escreveu. Até sinalizou que poderá fazer anúncio em primeira mão na própria rede.

Ontem Serra insistiu na defesa da tese de que ainda é cedo para decisões. "Você sabe se o Ciro Gomes vai ser candidato? A Dilma já se declarou candidata? Então, por que essa ansiedade?", argumentou com os jornalistas. Para ele, "não há nada definido no Brasil". "E também não há necessidade, porque é muito cedo."

PESQUISAS

A resistência do tucano em declarar-se candidato tem uma razão. Ele teme virar alvo dos adversários cedo demais, por isso adia o quanto pode um anúncio de pré-candidatura. O assunto foi alvo de sondagem do PSDB paulista. Pesquisas qualitativas encomendadas pelo partido revelaram que o eleitor tende a ver com antipatia anúncios fora de época de postulações, principalmente quando o candidato está governando.

Serra reclamou ainda do assédio da imprensa. "Ontem (anteontem) eu fiz um comentário de que é importante o pessoal saber o que nós estamos fazendo na educação e deu primeira página de um jornal porque entenderam que era uma colocação política", disse, referindo-se à declaração em que defendeu o uso de realizações de sua gestão para "colher dividendos políticos". "A gente saber o que nós mesmos fizemos é muito importante para poder explicar, defender e inclusive colher dividendos políticos, o que é legítimo dentro de uma ação governamental", afirmara na terça-feira.

''É sempre a mesma fofoca'',ironiza Aécio

Ivana Moreira, Belo Horizonte
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Um dia depois de informar à direção do DEM que pretende desistir de sua pré-candidatura à Presidência caso o PSDB não defina o candidato até o fim de dezembro, o governador de Minas, Aécio Neves, não quis comentar o assunto ontem. "É a mesma fofoca de sempre", brincou com os jornalistas, recusando-se a falar sobre o tema.

O governador deve voltar a falar sobre sua decisão hoje, aproveitando a oportunidade que terá de estar com a imprensa para um ato de governo. O objetivo do mineiro é, antes de se pronunciar publicamente sobre o assunto, avaliar a reação do tucanato diante das notícias sobre seu desabafo com o presidente do DEM, Rodrigo Maia, anteontem, em Brasília.

Segundo interlocutores do governador, sua preocupação é esperar tempo demais pela decisão do PSDB e acabar tendo de, em março, começar a construir apressadamente sua candidatura ao Senado.

Também tem o caso da sucessão ao Palácio da Liberdade. A equipe do governador acredita que, como candidato à Presidência, Aécio terá visibilidade e capital político para eleger com facilidade seu sucessor. O vice-governador Antônio Anastásia é, até o momento, o candidato natural à sucessão de Aécio. O problema é que o vice continua sendo pouco conhecido da população, como era na eleição de 2006.

Do lado petista, os possíveis candidatos - o ministro Patrus Ananias e o ex-prefeito Fernando Pimentel - são nomes com grande apelo eleitoral.

Record é vítima de "preconceito", diz Lula

Raphael GomideDa Sucursal do Rio
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em visita a novos estúdios da emissora, no Rio, presidente brinca com câmeras e "filma" Dilma e Cabral

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que a TV Record, ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, é "vítima de preconceito", como ele diz já ter sido. A declaração foi feita durante discurso na inauguração de dois estúdios da rede de televisão no centro de produções RecNov (Record Novelas), em Vargem Grande, na zona oeste do Rio.Lula mexeu em câmeras e claquetes e, sem saber que microfones à sua volta estavam ligados, perguntou pelo bispo Edir Macedo, fundador da Universal e da Record, que está em viagem à África.

No primeiro momento em que se referiu ao suposto preconceito, Lula citou a atriz Cristina Pereira, contratada da Record que militou pelo PT e fez campanhas ao seu lado. "Cristina saía para bater bumbo com um metalúrgico, vítima de preconceito, como a Record é vítima de preconceito", disse.

Mais à frente, Lula fez referência a adversários que torciam contra seu governo.

"Ainda não era muita gente que acreditava no Brasil em 2005 [quando a Record comprou o complexo]. Aqueles que em 2002 não tinham votado em mim ficaram em 2003, 2004, 2005 torcendo para que o governo não desse certo. Tem um certo tipo de gente no Brasil que não se contenta com o exercício da democracia e com perder; quer que quem ganhe não faça nada, para ele poder justificar o discurso de campanha. Acompanho os meios de comunicação no Brasil e sei o quanto a Record e o povo da Record foram vítimas de preconceito. Vocês, fazendo este investimento, estão dando demonstração extraordinária de que acreditam no Brasil", disse.

Lula defendeu a concorrência entre empresas de TV, o que elevaria o nível do jornalismo e da cultura nacional. "É essa opção que permite que o povo brasileiro não seja vítima de alguns formadores de opinião que querem conduzi-la para formar um pensamento único."Ao chegar de helicóptero ao RecNov, Lula fingiu filmar uma cena de beijos entre o governador do Rio, Sérgio Cabral, e a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Antes, atrás de uma câmera, brincou. "Estou gostando. Este programa é chamado jornalismo de verdade."

Já no palco, Lula ganhou uma claquete e se passou por diretor de cena. "Atenção: gravando!

"Take" dois!", disse, provocando risos nos convidados, parte deles artistas.

A próxima novela da emissora, "Ribeirão do Tempo", será rodada nos novos estúdios. O RecNov tem 280 mil m2, dez estúdios no total (dois deles inaugurados ontem) e cerca de 2.000 funcionários. Inaugurado em 1995, o Projac (Projeto Jacarepaguá), da TV Globo, tem 1,65 milhão de m2 e em torno de 6.000 funcionários.

Honduras aciona o Brasil na Corte Internacional de Haia

Gilberto Scofield Jr.
Correspondente
DEU EM O GLOBO


Governo Micheletti acusa país, que recebeu Zelaya na embaixada, de ingerência nos seus assuntos internos

WASHINGTON. O governo interino de Honduras entrou ontem com um recurso na Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, na Holanda, no qual acusa o Brasil de ingerência indevida nos seus assuntos internos.

O Ministério do Exterior hondurenho afirmou que pode exigir uma indenização financeira do Brasil devido à presença do presidente deposto Manuel Zelaya na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa.

De acordo com o representante de Honduras na CIJ, Julio Rendón, o recurso é uma “solicitação para iniciar ações”. O tribunal deverá decidir se aceita o recurso. Somente se fizer isso, o mérito deverá ser julgado.

Segundo uma nota divulgada pelo governo golpista hondurenho, a solicitação à CIJ contra o Brasil ocorre “por questões jurídicas relativas às situações diplomáticas e ao princípio de não intervenção nos assuntos que são da competência interna do Estado”.

O ministro do Exterior do governo golpista, Carlos López, disse que os “chamados à insurgência” de Zelaya são uma “ingerência nas atividades internas de Honduras”.

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, minimizou a intenção do governo interino de Honduras, mencionando o assunto com ironia ao chegar num jantar com políticos do PP: — O governo golpista deve explicações à comunidade internacional sobre o golpe antidemocrático.

O Brasil não está interferindo em nada. O Brasil só acompanha o assunto. Nossa posição representa a nossa convicção de respeito aos direitos humanos, direito internacional e respeito ao que é estipulado sobre direito de abrigo. Não podemos levar a posição do governo golpista como consequente.

EUA enviam representantes para negociar solução O governo interino de Honduras não foi reconhecido por nenhum país ou organização multilateral.

O Conselho de Segurança da ONU chegou a aprovar uma resolução que condenou um ultimato dado pelos golpistas ao Brasil dias depois da chegada de Zelaya à embaixada.

Na primeira ação direta do governo dos EUA desde que Zelaya foi deposto, em 28 de junho, o secretário assistente para o Continente Americano do Departamento de Estado americano, Thomas Shannon, e o assessor da Casa Branca para a América Latina, Dan Restrepo, desembarcaram em Tegucigalpa com a missão de trazer de volta à mesa de negociações o presidente deposto e o presidente interino, Roberto Micheletti.

Diplomatas americanos se apressaram a dizer ontem que o país não foi para Tegucigalpa com uma “solução americana” e que a saída deve ser costurada pelos próprios hondurenhos.

Mas, diante do que parece ser um impasse incontornável, Shannon e Restrepo querem que Zelaya e Micheletti trabalhem com um acordo que tenha como ponto central as eleições, consideradas por muitos dentro e fora de Honduras como uma das opções menos traumáticas para que o país volte à normalidade.

Abrigado desde setembro na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, Zelaya havia dito na semana passada que as conversas com o governo golpista haviam fracassado por falta de disposição de Micheletti para reconduzilo ao poder antes das eleições presidenciais, em novembro. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, ligou na sexta-feira para Zelaya e Micheletti avisando que o governo americano estava disposto a enviar suas duas mais altas autoridades sobre América Latina para o país.

— Neste momento, não há espaço para o reconhecimento de um resultado eleitoral num país dividido, mas se as partes concordarem com uma saída que ponha as eleições como ponto de partida para a legitimação de um novo governo, então será possível negociar com a comunidade internacional a aceitação do novo governo — diz um diplomata americano.