sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A televisão como Moderno Príncipe

Giulio Ferroni
Fonte: IHU On-Line & Gramsci e o Brasil.

Para o professor de literatura italiana da Universidade La Sapienza, de Roma, Giulio Ferroni, a concepção gramsciana do moderno Príncipe não está presente nas ideias dos atuais partidos de esquerda italianos. Ele é enfático ao dizer que, na Itália, “o moderno Príncipe atual é a televisão”. Ferroni ressalta que na política italiana Gramsci foi usado como modelo polêmico, principalmente entre 1950 e 1960. “O Partido Comunista procurou construir um modelo gramsciano”, impondo uma “hegemonia” cultural própria, ele explica. E, em seguida, dispara: “Mas aquele modelo atuou apenas em parte sobre as massas trabalhadoras e foi cancelado totalmente pelo domínio da mídia, da cultura da aparência, da publicidade, do espetáculo”.

De sua produção intelectual, citamos: Mutazione e riscontro nel teatro di Machiavelli (Roma: Bulzoni, 1972), Il comico nelle teorie contemporanee (Roma: Bulzoni, 1974) e Istruzione, cultura e illusioni della riforma (Turim: Einaudi, 1997). A entrevista a seguir foi concedida por e-mail à
IHU On-Line.


Qual é a atualidade do conceito de intelectual orgânico, cunhado por Gramsci?

Poder-se-ia dizer que o conceito de intelectual orgânico é, ao mesmo tempo, atual e inatual. Atual pela lucidez com que Gramsci estendeu a categoria de intelectual, incluindo não só as figuras tradicionais (escritores, filósofos, artistas, etc.), mas abrangendo todas as figuras de técnicos e de mediadores do consenso e das formas de consciência e conhecimento sob títulos diversos (aqueles que hoje poderíamos chamar de operadores culturais). Inatual porque hoje não podemos mais falar de intelectuais que sejam orgânicos para uma classe ou um grupo de classes. Quando muito, há intelectuais funcionários que são orgânicos em relação ao sistema de comunicação e intelectuais “não orgânicos”, que resistem ao sistema global da comunicação, sem nenhum mandato social.

Na Itália, como a intelectualidade da esquerda e a da direita se posicionaram no século XX com base neste conceito?

No fundo, os verdadeiros intelectuais orgânicos foram aqueles “políticos” com que precisamente o fascismo tentou construir, mesmo que contraditoriamente, um modelo de atividade intelectual centralizada, reunindo em torno de uma função orgânica até mesmo intelectuais divergentes e de oposição (como é o caso do Instituto da Enciclopédia Italiana e da atividade de Giovanni Gentile, ou da revista Primato, dirigida por Giuseppe Bottai). Na esquerda, foi o Partido Comunista Italiano, de 1945 a 1970, que tentou, de várias maneiras, criar um grupo de intelectuais orgânicos, empenhados no trabalho de construir o consenso para aquele “Moderno Príncipe” que era o partido. Mas diga-se que se tratou prevalentemente de intelectuais “políticos” ou de intelectuais funcionários, enquanto as contribuições mais fecundas para o pensamento e a política de esquerda vieram precisamente de intelectuais “não orgânicos”.

Como o senhor faz a análise da influência de Maquiavel no pensamento político de Gramsci? Que elementos conserva do escritor florentino e em que o supera?

Para Gramsci, Maquiavel é um grande modelo “mítico”. Gramsci vê em Maquiavel a capacidade de confrontar-se com as mais avançadas monarquias europeias da época e a busca de uma intervenção sobre a situação italiana que criasse, também na Itália, um regime centralizado e moderno: o Príncipe é aquele que sabe dar-se conta da situação e sabe pôr em campo todos os meios para agir sobre ela, conquistando no “povo” o necessário consenso. Assim, o partido moderno deve ter, como o Príncipe de Maquiavel, aquela capacidade de suscitar consenso e de intervir de modo revolucionário na situação contemporânea. Este é, precisamente, o mito do “Moderno Príncipe”. Mas Gramsci também percebeu, no cárcere, a falência do projeto de Maquiavel, acabando por também ver nele uma imagem de sua própria derrota.

Quais seriam as maiores diferenças entre a concepção de Estado de Gramsci em relação a Marx e Lenin?

A maior diferença está no fato de que, em seu pensamento mais maduro, Gramsci parece indicar a imagem de um Estado muito articulado, cuja estrutura não deve apoiar-se sobre a ditadura do proletariado, mas sobre a capacidade do proletariado de ser “hegemônico”, de impor o desenvolvimento revolucionário através do consenso e da aliança com as classes intermediárias.

Togliatti afirmou que Gramsci era o primeiro bolchevique italiano, o primeiro leninista do país. De que modo a concepção gramsciana de “Moderno Príncipe” influencia os atuais partidos de esquerda na Itália?

Bolchevique nos anos da revolução soviética e naqueles da fundação do Partido Comunista Italiano, Gramsci se afastou do bolchevismo no pensamento mais maduro dos Cadernos do cárcere, pensamento que também é animado por uma forte contraditoriedade e por uma grande tensão dramática. Quanto à concepção do “Moderno Príncipe”, os atuais partidos de esquerda, também aqueles que ainda pretendem ser “comunistas”, estão, com efeito, muito distantes disto. Na realidade, o atual “Moderno Príncipe” não é mais um partido ou o partido, mas é a televisão.

Para Lenin, os sovietes são órgãos do governo para os trabalhadores, os quais são conduzidos pelo estrato de vanguarda do proletariado e não pelas massas trabalhadoras. De que modo esta situação se apresentou na Itália? Houve na Itália uma revolução cultural do ponto de vista gramsciano?

Parece-me que, na política italiana, Gramsci tenha sido usado como modelo polêmico e lhe tenham sido atribuídos os pontos de vista mais diversos e até mesmo opostos. Sobretudo nos anos 1950 e nos primeiros anos 1960, o Partido Comunista procurou construir um modelo gramsciano, procurando impor uma “hegemonia” cultural própria, até mesmo por causa da inteligência, da rica cultura dos seus dirigentes, mas que atuou apenas em parte sobre as massas trabalhadoras e foi totalmente eliminado pelo domínio da mídia, da cultura da aparência, da publicidade, do espetáculo.

Poderia dar detalhes do contexto no qual emergem e o que eram as Comissões Internas, consideradas por Gramsci como embriões de sovietes?

Em meio aos conflitos econômicos e sociais da Itália saída da Primeira Guerra Mundial, no contexto muito vivaz e vital da Turim operária, os conselhos de fábrica foram uma grande tentativa de gestão direta da fábrica por parte dos operários (que o turinense Gobetti apreciava precisamente a partir de um ponto de vista “liberal”): certamente havia muitas semelhanças com os sovietes, mas eles emergiam num horizonte cultural, econômico e social muito diverso.

Gramsci teve influência na literatura italiana? De que forma?

A influência foi importante do ponto de vista da crítica e da teoria literária, e, sobretudo, da linguística. Um eco da reflexão de Gramsci é sentido provavelmente naquelas experiências que confrontaram a língua nacional com os diversos dialetos, que deram atenção aos encontros e conflitos entre a língua literária e a expressividade das línguas regionais (de Pasolini a Meneghello). No famoso livro de Pasolini, Le ceneri di Gramsci, há uma referência a um modelo heroico, à perspectiva histórica e política e ao empenho por uma nova humanidade que Gramsci representa, mas não se pode falar de um verdadeiro influxo de Gramsci. Sobre narradores e poetas a influência de Gramsci foi somente indireta.

'Alianças de Lula indicam populismo'

Maiá Menezes
DEU EM O GLOBO


"Ele é mais popular na Argentina do que na Anpocs", brinca sociólogo portenho

CAXAMBU (MG). Ao traçar ontem o perfil dos sistemas partidários na América Latina e compará-los com modelos europeus e com o americano, o sociólogo Torcuato Di Tella, ex-ministro da Cultura argentino, afirmou que o populismo no governo Lula pode ser identificado em um ponto: nas alianças que ele buscou e consolidou desde o primeiro mandato.

Durante conferência no último dia do 33oEncontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu, Torcuato afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é popular em seu país, mas fez a ressalva: — Lula tem origem num sindicalismo do tipo americano, que busca resultados.

Depois que chegou ao governo, fez acordo com partidos como o PMDB e com grupos religiosos (com o hoje PRB, do vice-presidente José Alencar, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus). Essas alianças é que têm elementos populistas — disse o sociólogo, afirmando que os sindicatos ligados ao PT não são “atrelados ao Estado” como os do governo populista de Getulio Vargas.

Para o ex-ministro, o presidente Lula tem características de um social-democrata, “mas não é um típico populista ou um típico social-democrata”. Ele ressaltou que, apesar da observação em relação à aliança, gosta de Lula, assim como seus conterrâneos.

— Na Argentina, o pessoal adora o Lula. A esquerda se pergunta: por que não temos alguém como ele? Já a direita diz que o presidente brasileiro é alguém com quem se pode conversar.

O Lula é mais popular na Argentina do que na Anpocs — provocou o sociólogo, diante das perguntas da plateia sobre as características populistas da gestão petista.

Em um dos debates que inauguraram o encontro, anteontem, o cientista político Luiz Werneck Vianna fez duras críticas à gestão petista e a Lula, a quem chamou de “chefe carismático”.

Segundo ele, o Brasil está retomando o caminho do passado, do desenvolvimentismo, na contramão “de uma cidadania ampla”. O que, para ele, “não é um bom presságio para a democracia brasileira”.

Torcuato Di Tella falou ainda sobre as raízes do populismo nos países periféricos.

Segundo ele, a tradição rural, que cria um tripé social formado por três pais — o pai de família, o padre e o patrão —, acaba influenciando na estrutura da sociedade, na hora em que as pessoas saem do campo para a cidade.

— Ao sair para a cidade, eles perdem os três pais. E aparecem os chamados “pais dos pobres”, como aconteceu com Getulio Vargas, (Juan Domingo) Peron, Hugo Chávez e Evo Morales — disse o sociólogo, sem citar Lula.

Para Torquato Di Tella, Lula não é populista

Maria Inês Nassif, Caxambu (MG)
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se é tentador, porém arriscado, enquadrar no conceito de populismo os governos de esquerda da América do Sul de hoje, como os de Hugo Chavez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), e Rafael Correa (Equador), fazer o mesmo com o presidente do maior país do continente, Luiz Inácio Lula da Silva, é temerário. "Lula pode ter alguns traços de populista, mas é social-democrata", afirmou ontem o argentino Torcuato Di Tella, da Universidade de mesmo nome, no último dia da reunião nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs). "A tradição do PT não é populista, mas socialista com elementos de centro-esquerda à extrema esquerda", disse.

Além disso, segundo o cientista político, se o populismo pressupõe apoio de massas trabalhadoras desorganizadas e de uma burocracia sindical descolada das bases, isso também não se enquadra no caso brasileiro. Para ele, o movimento sindical que gravita em torno do governo Lula não teve origem no Estado - não incorpora o "peleguismo", conforme é entendido o sindicalismo de burocracias ligadas ao poder mas descoladas das bases -, mas tem uma dinâmica autônoma ao poder público.

Segundo Di Tella, no populismo clássico os governantes vêm de classes altas e ascendem e se mantêm no poder graças a um enorme poder de mobilização das massas. Nas suas raízes, o populismo vem da tradição rural da população que sai do campo para as cidades, incorporando-se às suas periferias pobres. No campo, eles têm três pais: o pai de família, o patrão e o padre. Nas periferias, incorpora o quarto pai, o político "pai dos pobres" - e aí se enquadram, com precisão, Getúlio Vargas, Juan Domingos Perón, da Argentina, na primeira metade do século passado; e, na história recente, Chávez, Morales e Correa. "Não vou falar no Lula", disse seguidas vezes, apenas concordando em emitir opinião quando o simpósio foi aberto a perguntas. E brincou: "Lula é muito popular na Argentina, mas parece que não é muito na Anpocs".

Sequer o peronismo, segundo ele, conseguiu figurar como um populismo puro. Na Argentina, Perón assumiu com o apoio de um grupo militar nacionalista, com parte do clero e da indústria. Conforme mobilizava massas desorganizadas, afugentou esses apoios e agregou também uma base sindical "pelega", originária do Estado, mas que, ao contrário da burocracia sindical americana, tinha algum contato com as bases. A capacidade de mobilização das massas afugentou as indústrias mesmo no momento em que elas eram fortemente beneficiadas pela política protecionista do peronismo, que foi perdendo também o apoio da direita militar nacionalista.

Segundo o argentino, essas contingências históricas de perda de apoio entre as elites pode ter definido, por exemplo, o fato de Perón ter grande simpatias pelo fascismo mas não ter conseguido trilhar esse caminho - para ser fascista, obrigatoriamente teria de ter apoio empresarial e sustentação militar. "O grande inimigo do fascismo eram as classes operárias organizadas. Se ele queria implantar o fascismo, fracassou, porque esses grupos o apoiaram", disse Di Tella. "Os grandes inimigos do peronismo, na verdade, eram a classe alta e a esquerda ideológica", afirmou.

Empurrado por essas forças e inimigos, Perón, ao longo de 20 anos de exílio, os primeiros deles abrigado em países com governos de direita, acabou abandonando convicções direitistas e convenceu-se de que era um grande líder de esquerda. Nessa época, segundo Di Tella, costumava dizer que havia no mundo três grandes líderes: Mao Tsé-tung, Fidel Castro e ele próprio. Vinculou-se aos montoneros, movimento de guerrilha urbana de direita. E a ditadura militar, na sua política de eliminação da esquerda, privilegiou peronistas e seus simpatizantes.

A busca da utopia

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A procura de uma saída para o impasse em que as civilizações ocidental e oriental se encontram, exacerbado pelos ataques terroristas da Al Qaeda aos Estados Unidos, em 2001, continua sendo a principal motivação de diversos organismos internacionais, tais como a Aliança das Civilizações coordenada pela ONU, ou a Academia da Latinidade, que reúne há dez anos intelectuais do mundo latino e pretende ser uma ponte para o entendimento

O ex-presidente de Portugal Jorge Sampaio, nomeado alto representante da ONU para a Aliança das Civilizações, prefere falar em apenas uma civilização com diversas culturas que se confrontam.

Na XX reunião da Academia da Latinidade, que acontece no Cairo esta semana, procurou-se prever o que acontecerá além da “pós-laicidade”, no pressuposto de que já se atingiu esse ponto no relacionamento entre os dois mundos.

O ex-secretário-geral da ONU, o egípcio BoutrosBoutros Ghali, cristão copta, uma minoria significativa no país, ressaltou que o tema da conferência é muito atual, já que o Egito e o mundo árabe são confrontados com um choque identitário religioso, “um fundamentalismo agressivo exacerbado pela nova cruzada antiislâmica do mundo ocidental depois dos acontecimentos de 11 de Setembro em Nova York”.

Essa rejeição do outro, “apesar de que a revolução tecnológica nos aproxima, impõe aos nossos problemas uma visão global”, é uma posição anacrônica, na visão de Boutros-Ghali, como se as torres das igrejas e os minaretes fossem contrapostos aos satélites, e a certeza de que “a laicidade, esse fundamento da Declaração dos Direitos dos Homens será substituída por um retorno ao fanatismo, ao obscurantismo, à retomada das guerras de religião”.

Mas o ex-secretário-geral da ONU ainda acredita que, “num mundo cheio de perigos, a vontade superará o imobilismo, a esperança superará a resignação, o espírito de paz a recusa do outro”.

Para ele, esse conceito de pós-laicidade, como uma antevisão do que virá, pode ser a utopia que moverá o motor da História.

Também o presidente da Academia da Latinidade, o exdiretor-geral d a U n e s c o F e d e r i c o Mayor, ressaltou que a laicidade, “fundamento e condição da autêntica democracia”, não existe ainda na maioria dos casos, e por isso o tema da conferência é uma tentativa de avançar nesse campo ainda minado.

É o momento de grandes projetos para o futuro, com associações regionais que permitam estabelecer grandes acordos de cooperação entre Europa, África, América Latina e Liga Árabe.

Para Federico Mayor, a Europa tem que ter uma posição firme para forçar passos nesse sentido, como a normalização da co-habitação entre Israel e a Palestina .

“Diálogo em escala planetária no lugar da imposição, conversa em lugar da força”, pediu Mayor.

Uma das maneiras de superar essa situação, discutida na reunião e que já foi tema de outros encontros, é a adoção dos chamados “projetos de identidades regionais”, como a noção regi onalmediterrânea , que está sendo retomada pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy.

Essa “noção regional mediterrânea” seria uma maneira de integrar os muçulmanos no mundo europeu a partir da entrada da Turquia na Comunidade Europeia . Ou de aproximar o Marrocos de Portugal e Espanha.

A questão da uniã o mediterrânea foi abordada na reunião do Cairo pelo professor de filosofia François L’Yvonnet, segundo quem os debates em torno da questão têm como pano de fundo as disputas políticas sobre a entrada da Turquia na Comunidade Europeia.

“O Mediterrâneo não é um teatro neutro, é lugar de tensões inéditas. Não tem apenas um passado glorioso (...)”.

Do seu ponto de vista, o Mediterrâneo tem um futuro com o palco de uma “razão política”com uma importância cada vez menos geográfica e cada vez mais metafórica de “uma narração do possível”.

Embora seja uma visão profundamente europeia, e por isso mesmo deixe de lado conceitos mais modernos, como a importância maior que tem o Pacífico nas relações comerciais atuais e n t re o Ocidente e a Ásia, ela ganhou na reunião da Latinidade um reforço de peso na visão do sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, um defensor da ideia, que vê nela não apenas fatores geográficos e políticos, mas também poéticos.

Para conceber o Mediterrâneo, diz Morin em um dos seus textos sobre o tema, “é preciso conceber a uma só vez a unidade, a diversidade e as oposições; é preciso um pensamento que não seja linear, que abranja ao mesmo tempo complementaridades e antagonismos.

O Mediterrâneo é o mar da comunicação e do conflito, o mar dos politeístas e dos monoteístas, o mar do fanatismo e da tolerância, o mar onde o conflito (...) se tornou debate democrático e filosófico”.

Edgar Morin chama o Mediterrâneo em um de seus textos de “nossa ligação afetiva, místico, religioso” e faz um jogo de palavras em francês com “mer”(mar) e mère (mãe), que “através de tantas dores e misérias, de negações e injustiças, pode nos dar a alegria de sermos mediterrâneos (...) fonte de poesia vital”.

No meio do caminho

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Político a gente deve analisar assim: uma coisa é o que dizem em público, outra bem diferente é o que fazem nos bastidores.

Os governadores José Serra e Aécio Neves, ambos pré-candidatos à Presidência da República pelo PSDB, não fogem à regra que nada tem de espúria quando guardados os limites da legalidade e da boa ética na operação da estratégia político-eleitoral de cada um.

Oficialmente, Aécio exige que o partido defina se fará ou não prévias para a escolha do candidato até dezembro. Depois disso, anunciou nesta semana em Brasília, cuidará de "Minas" e da própria candidatura ao Senado.

Na véspera, já na capital, durante um compromisso social apresentara o vice-governador de Minas, Antônio Anastásia, aos convidados como candidato a governador. "E o Hélio Costa?", quis saber uma curiosa em alusão às negociações com o ministro das Comunicações, que é do PMDB.

"Será candidato a senador." E o Itamar Franco? "Também", informou o governador. Uma de três: ou dissimulava ou posava de candidato a presidente ou admitia a candidatura a vice, já que só haverá duas vagas de senador em disputa.

Serra, por sua vez, para todos os efeitos externos mantém inamovível a posição de só anunciar uma decisão em março. Na verdade, se pudesse, adiaria para junho. Quiçá julho, para ficar o menos tempo possível exposto à luz do sol e às consequências do sereno. Vale dizer, ao contra-ataque do presidente Luiz Inácio da Silva.

Mas, como entre querências e poderências, há uma distância amazônica, a nação tucana trabalha com o meio-termo e considera o mês de janeiro o marco ideal para o início das tratativas públicas dentro de parâmetros mais próximos da realidade.

Isso não quer dizer que não se movimentem nos bastidores. Cada qual faz o jogo que lhe parece mais conveniente no momento.

Serra organiza seu efetivo, Aécio administra a desvantagem procurando tirar dela as vantagens possíveis, ambos seguram os respectivos radicais e o partido cuida da "infra" - treina 2.500 militantes até dezembro e prepara a abertura de novas "turmas" a fim de chegar em julho com 10 mil cabos eleitorais qualificados -, trabalha o mapa das alianças regionais e apaga incêndios, a maioria produto da ansiedade geral pela definição da candidatura.

"Como Lula antecipou o calendário eleitoral, todo mundo quer entrar na briga logo", diz o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, um entusiasta da tese do nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Mas e por que não agora, uma vez que a antecipação contribuiria para apaziguar todos os entornos e não falta tanto tempo assim para a data marcada?

Oficialmente, porque é preciso haver um entendimento entre os governadores de São Paulo e Minas construído da maneira mais competente possível a fim de que não haja divisões fatais. Afinal de contas, atrás do cenário da disputa estão os dois maiores colégios eleitorais do País.

Se sem São Paulo não se ganha eleição, São Paulo sozinho - tendo o Nordeste todo como contraponto a favor do adversário - também não. E sem a adesão de Minas muito menos.

Essa versão peca por um detalhe: Serra e Aécio não precisam esperar janeiro para fazer o que podem fazer a qualquer tempo, sentar e acertar os termos do acordo.

O complicador crucial é que, diferentemente de Aécio Neves, que está no fim do segundo mandato, o governador de São Paulo ainda não cumpriu nem o primeiro e ainda carrega o passivo de ter rompido a promessa de não deixar a Prefeitura de São Paulo para concorrer ao governo do Estado.

Se sair de novo com antecedência para fazer campanha eleitoral, teme que a reação do paulista seja ruim, o que prejudicaria o projeto nacional.

Mas, sendo candidato, não sairá de qualquer jeito? Sim, mas se o fizer no prazo legal para representar São Paulo na eleição presidencial terá cumprido a regra do jogo com o eleitorado, que desde o início sabia de suas pretensões nacionais.

Daí a decisão de começar o ensaio geral aberto ao público em janeiro, mas só estrear mesmo o espetáculo em março, último mês antes do prazo final para governantes candidatos deixarem seus cargos.

Chapa puro-sangue? É o que 11 entre dez oposicionistas esperam e 12 entre dez governistas receiam e, por ora, parece a única peça "de trabalho" do PSDB, já que nem nas conversas mais reservadas se cogita uma alternativa.

Mas, e se não der, se Aécio se mantiver mesmo irredutível, qual será a saída?

Caso o DEM não esteja jogando com as mesmas cartas, pode haver confusão à vista, pois o tucanato acha que a dobradinha no modelo dos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, já deu o que tinha que dar.

Espelho

Falando aos catadores de lixo, o presidente Lula disse que a elite discrimina as pessoas por suas profissões.

Muita gente faz isso. Inclusive presidentes da República que elevam o presidente do Senado à condição de "pessoa "incomum".

O ovo da serpente

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - A violência no Rio é muito debatida quando há grandes fatos, crimes revoltantes. No entanto, muitas coisas acontecem numa quase surdina, e elas são o indício de que os tempos podem ser piores.

Há alguns meses, o site do jornal "O Dia" divulgou um vídeo da comemoração do aniversário de um traficante no Complexo do Alemão. Havia uma tal concentração de armas nas mãos dos participantes da festa que pareciam preparados para dominar uma boa parte da cidade.

Fuzis pendurados no peito, o aniversário parecia um momento de descanso de um exército tropical e descamisado.

Aquilo passou. Afinal é preciso tocar as obras do PAC. Agora, no auge da crise do helicóptero abatido, surgiu uma outra despretensiosa notícia no jornal da rádio Bandeirantes: um potencial candidato a deputado foi assassinado em Rio das Pedras, região dominada pelas milícias. O corpo foi encontrado na Cidade de Deus, com perfurações de bala e sinais de tortura.

Às vezes, quando se dá a crise, a sensação que temos é que tudo vai mudar. O governo anuncia medidas, Brasília envia mais dinheiro e todos tentam dormir tranquilos.

O processo não para. Enquanto se discute se a pré-campanha presidencial está nos limites da lei, uma outra pré-campanha está em curso. Ela começa com a eliminação física de adversários. Tanto no Complexo do Alemão como em Rio das Pedras, os vínculos entre política e crime passam ao largo e, quando surgem acontecimentos espetaculares, parecem relâmpago em céu azul.

Todos esses fuzis e metralhadoras estarão diante de nós na campanha de 2010. Não é difícil saber a quem servem. O foco atual é o comércio de drogas. Mas, durante o período não eleitoral, esquecemos do comércio de votos, ao qual as armas servem com grande eficácia.

Servem a quem?

O avesso do avesso

Francisco de Oliveira
DEU NA REVISTA PIAUI
37/ outubro 2009

O presidente vestiu a roupa às pressas e não percebeu que saiu à rua do avesso. Ele é o cara, e todo mundo o vê assim. O lulismo é regressão política, a vanguarda do atraso e o atraso da vanguarda.

O artigo "Hegemonia às avessas" (piauí, janeiro de 2007) pretendeu fazer uma provocação gramsciana para melhor entender os regimes políticos que, avalizados por uma intensa participação popular (a "socialização da política", segundo Antonio Gramsci), ao chegar ao poder praticam políticas que são o avesso do mandato de classes recebido nas urnas. É o caso das duas presidências do Partido dos Trabalhadores no Brasil. E da destruição do apartheid na África do Sul, por meio de uma longa guerra de posições e das seguidas reeleições do Congresso Nacional Africano, uma frente de esquerda com forte influência do Partido Comunista.

Quase sete anos de exercício da Presidência por Luiz Inácio Lula da Silva já tornam possível uma avaliação dessa hegemonia às avessas e dos resultados que ela produziu. Não se parte aqui, e não fiz essa presunção também no artigo provocador original, de que Lula recebeu um mandato revolucionário dos eleitores e sua Presidência apenas se rendeu ao capitalismo periférico. Mas o mandato, sem dúvida, era intensamente reformista no sentido clássico que a sociologia política aplicou ao termo: avanços na socialização da política em termos gerais e, especificamente, alargamento dos espaços de participação nas decisões da grande massa popular, intensa redistribuição da renda num país obscenamente desigual e, por fim, uma reforma política e da política que desse fim à longa persistência do patrimonialismo.

Os resultados são o oposto dos que o mandato avalizava. O eterno argumento dos progressistas-conservadores - caso, entre outros, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - é que faltaria, às reformas e ao reformista-mandatário, o apoio parlamentar. Sem sustentação no Congresso, o país ficaria ingovernável. Daí a necessidade de uma aliança ampla. Ou de uma coalizão acima e à margem de definições ideológicas. Ou, mais simplesmente, de um pragmatismo irrestrito.

Fernando Henrique Cardoso teve recursos retóricos para justificar uma mudança de posição ideológica que talvez não tenha paralelo na longa tradição nacional do "transformismo" (outro termo emprestado do teórico sardo). Luiz Werneck Vianna, um dos nossos melhores intérpretes da "revolução passiva" gramsciana - junto com Carlos Nelson Coutinho -, é mais sutil e tem um argumento mais complexo: não se governa o Brasil sem o concurso do atraso não apenas por razões parlamentares, mas porque a estrutura social que sustenta o sistema político é conservadora, e não avalizaria avanços programáticos mais radicais. Além disso, as fundas diferenças e desigualdades regionais, bem como o modo como, desde a Colônia, fundiram-se o público e o privado - vide Caio Prado Jr. - tornam quase obrigatório um pragmatismo permanente, que leva de roldão perspectivas mais ideológicas, ou meramente programáticas.

Infelizmente para os defensores do eterno casamento entre o avançado e o atrasado, a história brasileira não dá suporte ou evidências do acerto do conservadorismo com enfeite ideológico progressista. Nem mesmo remotamente. Até no caso da abolição da escravatura, que talvez tenha de fato subtraído o apoio parlamentar ao trono imperial, abrindo o espaço para a República, não se deve perder de vista que ela foi pregada por radicais e realizada por conservadores. Nem se pode esquecer que o gabinete da Lei Áurea era presidido pelo conselheiro João Alfredo, um notório conservador.

A Proclamação da República, entendida modernamente como um golpe de Estado, foi conduzida por militares conservadores e, logo em seguida, usurpada pela nova classe paulista que emergia da formidável expansão cafeicultora. Rui Barbosa, um grande liberal republicano, chega ao Ministério da Fazenda já com Deodoro da Fonseca - e faz uma administração considerada temerária - e depois tenta seguidamente alcançar a Presidência, por meio das eleições "a bico de pena", fracassando em todas elas. Os nomes que ficarão serão os da nova plutocracia paulista: Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves. Por fim: as bases sociais da abolição já vinham sendo estruturadas pela mesma expansão do café que, para tanto, promoveu a imigração italiana. Não foi a abolição que derrubou a monarquia, mas a expansão econômica violentíssima na virada do século xix para o xx.

Outro exemplo, mais perto de nós, é o da Revolução de 30. Quem derrubou o regime caduco da Primeira República foi uma revolução que veio da periferia, do Rio Grande do Sul e da Paraíba, com Minas associando-se em seguida, e contando com a oposição de São Paulo. O atraso, então, serviu de base para o avanço? Longe disso. O Rio Grande tinha uma longa tradição revolucionária, um sistema fundiário mais progressista que o do resto do país, além de uma cultura positivista entre suas elites, sobretudo a elite militar, que forneceu o programa social lançado em 1930 (e sustentado continuamente por cinco décadas) cujo conteúdo foram as reformas do trabalho e da previdência social.

A historiografia da Unicamp, liderada por Michael Hall, está pondo reparos à tese de que Getúlio Vargas copiou a Carta del Lavoro: decisiva mesmo teria sido a fundamentação positivista, que fez com que a nossa Consolidação das Leis do Trabalho fosse muito além da legislação italiana. Contra todas as tendências do já principal centro econômico brasileiro, Vargas fez São Paulo engolir goela abaixo um programa industrializante, reformista e socialmente avançado. Não foi à toa que, em 1932, articulou-se em terras bandeirantes uma "revolução constitucionalista" cujo programa é hoje emoldurado com galas de avanço - a fundação da Universidade de São Paulo -, mas que na realidade pretendia barrar o avanço das leis reformistas e reforçar a "vocação agrícola do Brasil". Esse argumento, que ainda frequenta as páginas do Estadão (de forma sinuosa, é verdade), era explicitado em prosa e verso pelo jornal hoje plantado às margens malcheirosas do Tietê e pelas principais lideranças paulistas. O atraso governando o país?

O golpe de Estado de 1964, que derrubou o governo João Goulart e terminou com a precária democratização em curso desde 1945, pintou-se com as cores do atraso, mas na realidade realizou o programa capitalista em suas formas mais violentas. Não foi um conflito entre o atraso e o progresso, mas entre duas modalidades de avanço capitalista. O vencedor fez seu o programa do vencido, radicalizando-o e ultrapassando-o. Fincou os novos limites à acumulação de capital muito além do que os vencidos teriam ousado, na esteira da evolução do regime chamado varguista-desenvolvimentista.

A estatização promovida pela ditadura militar significou a utilização do poder estatal coercitivo para vencer as resistências não do atraso, mas das burguesias mais "avançadas". Nunca a divisa da bandeira foi levada tão ao pé da letra quanto naqueles anos: "ordem e progresso". Poderosas empresas estatais se fortaleceram nos setores produtivos, fusões bancárias foram financiadas por impostos pesados, recursos públicos foram usados sem ambiguidades não para preservar o velho, mas para produzir o novo - como a Aeronáutica e o ita criando a Embraer. Avanço ou atraso?

O fim é conhecido: desatada a caixa de Pandora, o regime sucumbiu não ao seu fracasso, mas ao seu êxito em construir uma ordem capitalista avassaladora. O regime militar relegou a burguesia nacional ao papel de coadjuvante, submeteu a classe trabalhadora a pesadas intervenções e não abriu ao capital estrangeiro, como faria supor seu ato mais imediato, a revogação da Lei de Remessa de Lucros de Goulart, que deu o pretexto para o golpe.

Melancolicamente, como cantava uma valsa antiga, que eu ouvia na voz de Carlos Galhardo - com certeza produzida em Hollywood -, a ditadura terminou seus dias com um general enfadado, que preferia o cheiro de cavalos ao do povo, encurralada por um poderoso movimento democrático que deitou raízes em praticamente todos os setores da sociedade. O movimento pelas Diretas Já, no entanto, teve um desenlace moldado em termos irretorquivelmente brasileiros: um pacto pelo alto, entre o partido oficial de oposição à ditadura e o falido partido da própria ditadura, que entregou a Presidência, numa eleição indireta, a um civil mais conservador que o próprio general que saía de sua ronda. Por infelicidade, o poder terminou nas mãos dum acadêmico maranhense de um mais do que duvidoso prestígio literário - como diria minha professora, d. Delfina, desafiando-nos: "Dou um doce a quem tenha lido os tais Maribondos de Fogo." Chamava-se José Sarney. Continua nos brindando com nomeações no Senado como se estivesse na praia do Calhau, em São Luís. Quem governa, o atraso ou o avanço?

Houve então o interregno de Fernando Collor, que tinha voto, mas não tinha voz, e de Itamar Franco, que não tinha nem voto nem voz. E então chegou o progresso mesmo, em pessoa, adornado com os tí-tulos e as pompas da Universidade de São Paulo. Fernando Henrique Cardoso realizou o que nem a Dama de Ferro tinha ousado: privatizou praticamente toda a extensão das empresas estatais, numa transferência de renda, de riqueza e de patrimônio que talvez somente tenha sido superada pelo regime russo depois da queda de Mikhail Gorbachev.

Como Antonio Carlos Magalhães, o enérgico cacique da Bahia, foi seu parceiro, confirma-se a tese de que somente se pode governar com o atraso? Longe disso. acm nunca foi um oligarca no sentido rigoroso do termo e, mais que isso, a política econômica de Fernando Henrique jamais esteve sob o controle de Antonio Carlos e assemelhados. A política econômica era reserva de caça exclusiva de fhc e de seus tucanos, hoje banqueiros.

Essa turma se desfez do melhor da estrutura do Estado longamente criada desde os anos 30, cortando os pulsos num afã suicida sem paralelo na história nacional. Honra a São Paulo e a seus ideólogos: Eugênio Gudin não faria igual e o Estadão exultava a cada medida "racional" do governo fhc. Manipulando o fetiche da moeda estável, Fernando Henrique retirou do Estado brasileiro a capacidade de fazer política econômica. Com os dois mandatos, os tucanos operaram um tournant do qual seu sucessor veio a ser prisioneiro - com a peculiaridade que Lula radicalizou no descumprimento de um mandato que lhe foi conferido para reverter o desastre fhc. É nesse contexto que opera a "hegemonia às avessas".

Que se pode ver no avesso do avesso? Começando pela economia, que tem sido o argumento maior da era Lula: sua taxa de crescimento médio nos seis anos é inferior à taxa histórica da economia brasileira e, em 2009, prevê-se uma queda relativa que o leva de volta à performance de seu antecessor imediato, o odiado (para os petistas-lulistas) fhc. O crescimento tem se baseado numa volta à "vocação agrícola" do país, sustentado por exportações de commodities agropecuárias - o Brasil, um país de famintos, é hoje o maior exportador mundial de carne bovina - e minério de ferro, graças às pesadas importações da China. Com o simples arrefecimento do crescimento chinês, que de 10% ao ano regrediu a uns 8%, a queda das exportações brasileiras já provocou a forte retração do pib agropecuário. As exportações voltaram a ser lideradas pelos bens primários, o que não acontecia desde 1978.

Proclama-se aos quatro ventos a di-minuição da pobreza e da desigualdade, baseada no Bolsa Família. Os dados disponíveis não indicam redução da desigualdade, embora deva ser certo que a pobreza absoluta diminuiu. Mas não se sabe em quanto. A desigualdade provavelmente aumentou, e os resultados proclamados são falsos, pois medem apenas as rendas do trabalho que, na verdade, melhoraram muito marginalmente graças aos bene-fícios do inss, e não ao Bolsa Família. Quem o proclama é o insuspeito Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea. A desigualdade total de rendas é impossível medir-se, em primeiro lugar pela conhecida subestimação que é prática no Brasil, e em segundo lugar por um problema de natureza metodológica (conhecido de todos que lidam com estratificações, que é a quase impossibilidade de fechar o decil superior da estrutura de rendas).

Metodologicamente, como lembrou Leda Paulani, as rendas do capital são estimadas por dedução, enquanto as rendas do trabalho são medidas diretamente na fonte. Medidas indiretas sugerem, e na verdade comprovam, o crescimento da desigualdade: o simples dado do pagamento do serviço da dívida interna, em torno de 200 bilhões de reais por ano, contra os modestíssimos 10 a 15 bilhões do Bolsa Família, não necessita de muita especulação teórica para a conclusão de que a desigualdade vem aumentando. Marcio Pochmann, presidente do Ipea, que continua a ser um economista rigoroso, calculou que uns 10 a 15 mil contribuintes recebem a maior parte dos pagamentos do serviço da dívida. Outro dado indireto, pela insuspeita - por outro viés - revista Forbes, já alinha pelo menos dez brasileiros entre os homens e mulheres mais ricos do mundo capitalista[1].

Por fim, a Fundação Getúlio Vargas divulgou, no final de setembro, uma pesquisa provando que a classe que mais cresceu proporcionalmente, de 2003 a 2008, não foi a c nem a d. Foi, isso sim, a classe ab, que tem renda familiar acima de 4.807 reais - e o dado não leva em conta a valorização da propriedade, ações e investimentos financeiros.

Do ponto de vista da política, o avesso do avesso é sua negação. Trata-se da administração das políticas sociais; cooptam-se centrais sindicais e movimentos so-ciais, entre eles o próprio Movimento dos Sem-Terra, que ainda resiste. A política é não só substituída pela administração, mas se transformou num espetáculo diário: o presidente anuncia com desfaçatez avanços e descobertas que no dia seguinte são desmentidos. O etanol, que seria a panaceia de todos os males, foi rapidamente substituído pelo pré-sal, que agora urge defender com submarinos nucleares e caças bilionários. O pré-sal, aliás, prometia reservas que elevariam o Brasil à condição de maior produtor mundial de petróleo, superando os países do Golfo, e dando, de colher, os recursos para quitar a obscena dívida social brasileira. Não tardou muito e a Exxon furou um poço... seco. E agora a British Group, associada à Petrobras, anuncia a mesma coisa. E as expectativas de reserva passaram de 1 trilhão de barris de petróleo para modestos 8 bilhões.

As previsões da equipe econômica são de mágico de quintal. No princípio do ano, em plena crise, o crescimento estimado estava na casa dos 6% para 2009. Pouco a pouco, as previsões - dignas de Nostradamus - foram caindo para 4%, 5%, 3%, e hoje se aposta em 1%.

O chamado ciclo neoliberal, que começa com Fernando Collor e já está com seus quase vinte aninhos com Lula, é um ciclo anti-Polanyi, o magistral economista e antropólogo húngaro que se radicou na Inglaterra. O projeto do socialismo democrático de Karl Polanyi começava por deter a autonomia do mercado e dos capitalistas. Ora, o governo Lula, na senda aberta por Collor e alargada por Fernando Henrique, só faz aumentar a autonomia do capital, retirando às classes trabalhadoras e à política qualquer possibilidade de diminuir a desigualdade social e aumentar a participação democrática. Se fhc destruiu os músculos do Estado para implementar o projeto privatista, Lula destrói os músculos da sociedade, que já não se opõe às medidas de desregulamentação. E todos fomos mergulhados outra vez na cultura do favor - viva Machado de Assis, viva Sérgio Buarque de Holanda e viva Roberto Schwarz!

As classes sociais desapareceram: o operariado formal é encurralado e retrocede, em números absolutos, em velocidade espantosa, enquanto seus irmãos informais crescem do outro lado também espantosamente. Em sua tese de doutorado, Edson Miagusko flagrou, talvez sem se dar conta, a tragédia: de um lado da simbólica Via Anchieta, no terreno desocupado onde antes havia uma fábrica de caminhões da Volks, há agora um acampamento de sem-teto, cuja maioria é de ex-trabalhadores da Volks. Do outro lado da famosa via, sem nenhuma simultaneidade arquitetada - aliás, os dois grupos se ignoraram completamente -, uma assembleia de trabalhadores ainda empregados da Volks tentava deter a demissão de mais 3 mil companheiros. Eis o retrato da classe: em regressão para a pobreza. De são Marx para são Francisco.

As classes dominantes, se de burguesia ainda se pode falar, transformaram-se em gangues no sentido preciso do termo: as páginas policiais dos jornais são preenchidas todos os dias com notícias de investigações, depoimentos e prisões (logo relaxadas quando chegam ao Supremo Tribunal Federal) de banqueiros, empreiteiros, financistas e dos executivos que lhes servem, e de policiais a eles associados. A corrupção campeia de alto a baixo: do presidente do Senado que ocultou a propriedade de uma mansão, passando pelo ex-diretor da casa, que repetiu - ou antecipou? - a mesma mutreta, aos senadores que pagam passagens de sogras a namoradas com verbas de viagem, e deputados que compram castelos com verba indenizatória.

Trata-se de um atavismo nacional? Só os que sofrem de complexo de inferioridade tenderiam a pensar assim. Qualquer jornal americano da segunda metade do século xix noticiava a mesma coisa. Até a mulher de Lincoln praticava, em conluio com o jardineiro, pequenos "desvios" de verba da casa da avenida Pensilvânia (segundo a má língua famosa de Gore Vidal).

A novidade do capitalismo globalitário é que ele se tornou um campo aberto de bandidagem - que o diga Bernard Madoff, o grande líder da bolsa Nasdaq durante anos. Nas condições de um país periférico, a competição global obriga a uma intensa aceleração, que não permite regras de competição que Weber gostaria de louvar. O velho Marx dizia que o sistema não é um sistema de roubo, mas de exploração. Na fase atual, Marx deveria reexaminar seu ditame e dizer: de exploração e roubo. O capitalismo globalitário avassala todas as instituições, rompe todos os limites, dispensa a democracia.

O avesso do avesso da "hegemonia às avessas" é a face, agora inteiramente visível, de alguém que vestiu a roupa às pressas e não percebeu que saiu à rua do avesso. Mas agora é tarde: Obama sentenciou que "ele é o cara" e todo mundo o vê assim. O lulismo é uma regressão política, a vanguarda do atraso e o atraso da vanguarda.

[1] Essa famigerada lista é liderada por Carlos Slim, mexicano que fica cada vez mais rico, enquanto seu belo país mergulha fundo na mais infame pobreza. Carlos Fuentes, o magnífico romancista mexicano de A Morte de Artemio Cruz, nos brinda, em seu recente La Voluntad y la Fortuna, com um implacável retrato do gordo bilionário mexicano, além de nos dar, na tradição dos grandes muralistas do país asteca, um magnífico panorama do México moderno, atolando na miséria e no crime, tendo no pescoço a pedra do Nafta, o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio

POEMA TRISTE

Graziela Melo

Triste alma,
Meu tormento,
Agonia singular!

O suspiro
Vem do fundo,
Das dores
Que rondam
O mundo

E nela
Vêm
Se alojar...

É o gemido
Da agonia

Que sufoca
O meu
Viver

Por uma
Espinhoza
Razão

De ver
O mundo sofrer!!!

Rio, 24/10/2009

Quércia exibe apoio do seu PMDB

Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Ele leva 62 dos 65 prefeitos do partido ao Bandeirantes

O PMDB paulista reuniu-se em peso ontem com o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), para declarar oficialmente apoio ao tucano em uma eventual candidatura à Presidência em 2010. Liderados pelo presidente estadual do PMDB, ex-governador Orestes Quércia, 62 dos 65 prefeitos da legenda no Estado apareceram na sede do governo paulista. A bancada de deputados estaduais peemedebistas também engrossou o coro da aliança.

O encontro ocorreu no momento em que lideranças do partido tentam organizar um levante contra o acordo fechado neste mês entre o PMDB nacional e o PT para apoiar a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), ao Palácio do Planalto. O presidente da sigla, deputado Michel Temer (SP), pleiteia a vaga de vice.

"Houve uma precipitação daqueles que anunciaram essa união e começa a haver reações. Essa aliança de um grupo do PMDB com Dilma não foi baseada em nenhuma discussão. É uma aliança pragmática demais, em torno de cargos", reagiu Quércia.

A aliança do PMDB paulista com Serra foi costurada ainda no ano passado. Em troca, Quércia quer ter garantida uma vaga para disputar o Senado.

O peemedebista não escondeu o objetivo da reunião. "É uma demonstração da aliança do PMDB com o Serra, o PSDB e o DEM em São Paulo, cujo objetivo maior é a candidatura do Serra à Presidência da República. Claro que não se tratou isso dessa forma, foi uma reunião administrativa, mas evidente que tem aspectos políticos."

Serra tratou a conversa como "político-administrativa". "Os prefeitos pediram uma visita para discutir assuntos político-administrativos."

Foi a primeira vez que o tucano recebeu apoio de todo o exército da legenda aliada em São Paulo. Até então, as demonstrações eram apenas de forma isolada e vindas especialmente de Quércia.

O ex-governador assegurou que, se Serra for o candidato a presidente, todos os prefeitos do PMDB trabalharão para elegê-lo, independentemente da orientação nacional da sigla. "A força do partido todo estará com o Serra e com o candidato do PSDB a governador", disse.

Segundo ele, o único cenário em que a legenda paulista pode não apoiar o tucano é se o partido lançar candidato próprio à Presidência, o que tem chances remotas de ocorrer.

Quércia avisou que devem ocorrer novas demonstrações de apoio a Serra. Em 21 de novembro, o PMDB contrário ao apoio à candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará um ato no Paraná, capitaneado pelo governador Roberto Requião.

Lula adapta discurso segundo plateia

Guilherme Scarance
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Vaivéns nas declarações, ao comentar papel da imprensa, têm marcado fala do presidente nos últimos anos

Com um poder de oratória reconhecido até pelos adversários, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu ontem uma aula de como adaptar o discurso à plateia. Ante catadores de lixo, em São Paulo, disse que o povo não precisa mais de "intermediários". Em entrevista a um jornal venezuelano, mudou o enfoque: "Liberdade de imprensa é essencial." Esses vaivéns têm marcado o discurso do presidente.

No livro Dicionário Lula - Um Presidente Exposto Por Suas Palavras, do jornalista Ali Kamel, há um exemplo garimpado entre as falas de improviso. "Eu vou te dar um conselho de quem aprendeu fazer isso há muito tempo: o que é importante é a gente ler todos os jornais que puder por dia", disse Lula, em outubro de 2005. Três anos e dois meses depois, voltou atrás: "Eu não tenho isso (hábito de ler jornais todos os dias) faz tempo. Eu tenho problemas de azia."

EMPRESÁRIOS

Em agosto de 2006, na abertura do 6º Congresso Brasileiro de Jornais, Lula não titubeou e afirmou que a imprensa não pode ser "valor relativo". "Minha história política deve muito à imprensa livre e independente."

Neste ano, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, conseguiu irritar as mesmas entidades presentes àquele evento, ao afirmar que jornalista deve apenas informar, não fiscalizar.

Os episódios são vários. Após revelar sua azia ante o noticiário (fala à revista Piauí, no fim de 2008), o presidente, na mesma entrevista, afirmou que a sua chegada ao Palácio do Planalto era "produto direto da liberdade de imprensa".

Em fevereiro deste ano, irritado com a mídia - que apontou conotação eleitoral no Encontro Nacional com Novos Prefeitos e Prefeitas, em Brasília -, de novo recuou.

"Não é porque a imprensa me ajudou que fui eleito, mas porque suei para enfrentar o preconceito e o ódio dos de cima para com os de baixo", bradou o presidente, em discurso inflamado.

CHÁVEZ

Em novembro de 2006, ao apoiar a candidatura de Chávez à reeleição, ele subiu num palanque e disse que o colega era "vítima da incompreensão e do preconceito" da mídia.

Em setembro último, disse que "não faria o que fez o Chávez". Referia-se à revogação de licenças de dezenas de emissoras de rádio na Venezuela, criticada dentro e fora do país.

Jefferson alertou Lula do mensalão, afirma Chinaglia

DEU EM O GLOBO

À Justiça, ex-presidente da Câmara confirma versão de 2005

BRASÍLIA. O ex-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia (PTSP) confirmou ontem, em depoimento à Justiça, que estava presente na reunião em que o presidente do PTB, Roberto Jefferson, revelou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que acreditava existir um esquema de compra de apoio ao governo no Congresso, antes de o caso vir à tona, conhecido como mensalão.

Em conversa com jornalistas, após o depoimento, Chinaglia disse ter certeza que Lula não sabia do mensalão antes da denúncia de Roberto Jefferson.

— A primeira reação é não acreditar em uma história dessa.

O presidente pediu para que eu e Aldo (Rebelo, então presidente da Câmara) verificássemos.

Foi uma conversa inoportuna.

Não era assunto para tratar com o presidente — completou Chinaglia, dizendo que a pauta da reunião era sobre assuntos políticos do governo.

Em 2005, no programa “Roda Viva”, da TV Cultura, Lula falou sobre o escândalo: “Ele (Jefferson) foi cassado exatamente porque não provou a denúncia que ele fez no que diz respeito, por exemplo, aos mensalões. O José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil e deputado cassado) foi acusado de ter montado uma quadrilha. E, sobretudo, uma quadrilha para pagar mensalão.

(...) Teve ou não mensalão? Tenho certeza que não teve”.

Jefferson, na ocasião, dissera que o presidente chegou a chorar ao ouvir seu relato. No programa, Lula não confirmou o choro e contrariou a versão de que Dirceu estivesse presente.

Disse que questionou Aldo e Chinaglia sobre o assunto: “Eles categoricamente disseram que isso era uma peça de ficção

Com Maluf, Lula critica a imprensa

Ricardo Galhardo
DEU EM O GLOBO

Depois de dizer que não cabe à imprensa fiscalizar, o presidente Lula disse que não há mais formador de opinião. “O formador de opinião pública não decide mais”, afirmou Lula, que encontrou o deputado Paulo Maluf num evento para catadores de lixo.

Em evento com Maluf, Lula diz que não há mais formador de opinião

SÃO PAULO. Uma semana depois de dizer que não cabe à imprensa o papel de fiscalizar o governo, o presidente Lula voltou à carga contra a mídia, ontem, em São Paulo. Em discurso para cerca de 1.500 catadores de material reciclável da América Latina e até da Índia, na abertura da Expocatador, o presidente pediu aos jornalistas que acompanhavam o evento que esquecessem “a pauta dos seus editores” e entrevistassem catadores que participavam do evento: — Vocês vão compreender por que a figura do formador de opinião pública, que antes decidia as coisas neste país, já não decide mais. É porque este povo não quer mais intermediários.

Este povo tem pensamento próprio, anda pelas suas pernas, trabalha pelos seus braços, enxerga pelos seus olhos e fala pela sua boca.

Sentado no palco, atrás de Lula, entre as autoridades presentes — incluindo ministros e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab —, o deputado e ex-prefeito Paulo Maluf (PP-SP) ouviu atentamente o discurso do presidente. Lula foi duro com “setores da sociedade” quando defendeu o direito dos catadores: — Um dia a pessoa passa de carro e joga um lixo qualquer achando que vocês têm a obrigação de catar o deles. Vocês estão fazendo mais do que catar material.

Vocês estão ensinando a essa gente pedante, a essa gente arrogante, que o ser humano não pode ser discriminado pela sua profissão ou pelo trabalho que faz.

Ao alertar para o risco de grandes empresários tentarem controlar o mercado da reciclagem, Lula disse: — É muito melhor para a cidade, para o país e para a cidadania a gente ter muitos ganhando pouco do que apenas um ganhando muito.

Antes de ir para a Venezuela, à tarde, Lula recebeu telefonema do presidente russo, Dimitry Medvedev. Na conversa de 15 minutos, quando Lula já estava na Base Aérea de Cumbica, o russo o parabenizou pela vaga no Conselho de Segurança da ONU, pela escolha do Rio como sede das Olimpíadas de 2016, pelo seu aniversário e falou sobre a reunião dos Brics ano que vem, no Brasil.

Aécio reage a Serra: 'Meus nervos sempre estiveram serenos' sobre 2010

Fábio Fabrini
DEU EM O GLOBO


Eles conversaram após paulista dizer que tem nervos de aço; impasse continua

BELO HORIZONTE. Uma conversa de quase uma hora não foi suficiente para que os governadores tucanos de Minas Gerais, Aécio Neves, e de São Paulo, José Serra, se acertassem, ontem de madrugada, sobre a escolha do candidato do PSDB à Presidência.

Poucas horas após o paulista dizer que tem nervos de aço para suportar a pressão do colega mineiro, que defende uma definição até dezembro, os dois se falaram por telefone. Mas continuaram cada um com seu “timing”, segundo Aécio, que mantém a disposição de abandonar a disputa interna e concorrer ao Senado, se o prazo que deu ao partido vencer.

— Ele tem o timing dele, eu respeito; e ele respeita o meu — disse Aécio, que comentou a declaração dada na véspera por Serra de que tem nervos de aço na política. — Nem preciso dizer como estão os meus nervos.

Eles sempre estiveram extremamente serenos neste processo — reagiu Aécio, em entrevista no Palácio da Liberdade.

O mineiro negou, porém, a possibilidade de um racha: — Acredito que, sendo candidato, possa atrair alianças novas a esse projeto, apresentar uma proposta que fuja a essa polarização entre o PT e o PSDB. Mas compreendo que isso tem um tempo para ser construído. Não haverá racha no PSDB, não haverá rixa no PSDB. Apenas, ao final do ano, vou fazer essa opção.

Sem explicar de quem partiu o telefonema, Aécio classificou o diálogo de cordial, mas deixou claro que o impasse continua.

Serra defende que a escolha do candidato seja em março. Até lá, vai avaliar suas chances e decidir se disputa a Presidência ou a reeleição ao governo estadual.

Aécio teme que, a partir de 2010, seja tarde para costurar acordos com partidos mais próximos de seu projeto, alguns da base do presidente Lula.

O mineiro prometeu estar do lado de Serra, caso não seja o escolhido: — Se o caminho da Presidência não for entendido pelo partido como o mais adequado para mim, serei solidário, mas estarei em Minas como candidato ao Senado, buscando vencer as eleições para o governo

Em conversa com Serra na madrugada, Aécio fecha as portas para vice

César Felício, de Belo Horizonte
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), fechou ontem a porta à possibilidade de ser candidato a vice-presidente em uma chapa encabeçada pelo governador paulista José Serra (PSDB). Ambos disputam a candidatura tucana à sucessão presidencial em 2010. Depois de conversar sobre o tema com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente nacional tucano, senador Sérgio Guerra (PE), no dia 19; e com o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), na terça; Aécio teve na madrugada de ontem uma conversa de 50 minutos com Serra, para liquidar a hipótese.

Na conversa, Aécio deixou claro que , no final deste ano, caso não seja escolhido pelo partido para disputar a Presidência, anunciará candidatura ao Senado. "Não preciso nem dizer como são meus nervos, porque eles sempre estiveram extremamente serenos nesse processo. E é muito bom que o governador José Serra esteja estimulado a disputar a Presidência", disse o mineiro, referindo-se à declaração do paulista, que disse anteontem ter "nervos de aço" , novamente procurando postergar a defição do partido.

" No final do ano, vou tomar uma decisão. Tenho responsabilidade com Minas Gerais. Se o caminho da Presidência não for entendido pelo partido como o mais adequado, estarei em Minas como candidato ao Senado, para garantir a continuidade de um projeto no Estado e tentando dar aqui a vitória ao candidato que o PSDB escolher. Serra tem o ´timing´ dele, eu tenho o meu. Eu respeito o dele, e ele o meu", afirmou.

Ao relatar a conversa com jornalistas, Aécio procurou demarcar o que tornaria a sua candidatura presidencial diferente da de Serra. "Estou à disposição do partido para sair de um debate inócuo sobre quem fez mais ou menos. O Lula avançou nos problemas sociais e deixou de fazer reformas importantes. Uma candidatura minha abandona o retrovisor. Ela só tem o parabrisa, ela olha para frente para compreendermos o que ficou por fazer", disse.

O governador mineiro procurou, entretanto, sinalizar que sua candidatura ao Senado não representaria a possibilidade de ficar neutro na disputa presidencial. "Se eu não for a opção do partido, obviamente o partido respeitará minha opção de garantir aqui em Minas forte palanque para vencermos o governo estadual e também a Presidência", disse.

Ontem à noite, estava previsto encontro do governador com a sua base de apoio na Assembleia Legislativa, formada por 58 dos 77 parlamentares. A definição de Aécio pela Presidência ou pelo Senado em dezembro fará com que o governador defina também a própria sucessão.

A maior probabilidade é que Aécio lance o vice-governador Antonio Junho Anastasia (PSDB) ao governo estadual. Anastasia concorreria ao cargo no exercício, já que deverá assumir a administração estadual na primeira semana de abril. A possibilidade de antecipar a desincompatibilização está descartada. A chance de uma composição entre Aécio e o ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB), que pretende disputar o governo, diminuiu depois do acordo entre o PT e a cúpula nacional pemedebista em torno de chapa formada pelos dois partidos para concorrer à eleição presidencial.

Permanece a dúvida sobre a chapa majoritária. Há um excesso de candidatos tanto ao posto de vice como o da outra vaga ao Senado. Na primeira hipótese, são lembrados como possibilidades Carlos Melles (DEM), Clésio Andrade (PR) e Alberto Pinto Coelho (PP). Para a segunda, além do senador Eduardo Azeredo (PSDB), que tenta a reeleição, são cogitados Clésio e o ex-presidente Itamar Franco (PPS).

Agora, pesquisas é que mostrarão consistência, ou fragilidade, da estratégia de Lula ...

Jarbas de Holanda
Jornalista


Deixando para trás os episódios negativos que dominaram a mídia durante dois ou três meses – crise do Senado, criação da CPI da Petrobras, controvérsia Dilma Rousseff/Lina Vieira, emergência das candidaturas de Marina Silva e Ciro Gomes -, o presidente Lula virou o jogo de um mês e meio para cá, capitalizando uma sequência de notícias e eventos (ultrapassagem da crise econômica, anúncio do pré-sal, escolha do Rio como sede das Olimpíadas 2016) que lhe propiciaram, com a retomada da iniciativa política, desencadear grande ofensiva para a afirmação de sua candidata ao Palácio do Planalto, a chefe da Casa Civil.

Objetivos básicos de Lula nessa ofensiva: em um plano, aumentar os baixos índices de intenção de votos obtidos pela candidata governista nas pesquisas eleitorais realizadas até agora, colocando-a no centro de eventos como a “inspeção” das obras de transposição do rio São Francisco (e de muitos outros atos oficiais usados como verdadeiros comícios); e, no plano político-partidário, avançar na montagem da aliança com o PMDB (cedendo-lhe a vice da chapa de Dilma em troca da garantia de ampla subordinação do PT em palanques estaduais), e, adicionalmente, atraindo também quase todos os demais partidos da base governista, para isolar e forçar a desistência da candidatura de Ciro Gomes, pelo PSB, e sufocar a oposição PSDB/DEM/PPS.

Tal ofensiva, inegavelmente, produziu bons dividendos para a visibilidade da campanha da ministra e no conjunto da base governista, além de haver gerado tensões no campo oposicionista, com a cobrança sobre José Serra de apressamento da assunção de sua candidatura presidencial, ou de uma desistência dele em favor da alternativa representada por Aécio Neves. Mas a credibilidade e a própria consistência da estratégia do presidente serão submetidas a testes complicados nas pesquisas a serem feitas daqui até o final do ano. Das quais – em função de um crescimento dos índices de Dilma, ou da persistência de sua precária e discutível competitividade – elas poderão sair com boa dose de consolidação ou desacreditadas e postas em xeque. Neste caso, a partir de reavaliação da conveniência da aliança pró-Dilma pelas duas
das alas dirigentes do PMDB.

... e como se resolverá a disputa Serra/Aécio

As pesquisas a se processarem nesse período deverão ter também repercussões significativas no campo da oposição. Sobretudo se elas indicarem possível crescimento de Dilma Rousseff, vão acentuar muito as pressões pela antecipação da escolha da candidatura presidencial do PSDB. Forçando José Serra a assumi-la logo, ou fortalecendo a de Aécio Neves, em ambos os cenários sob o argumento de que o atraso nessa decisão poderá acarretar prejuízos políticos e eleitorais irrecuperáveis.

Após dois anos, PMDB obtém o comando do Real Grandeza

Cláudia Schüffner e Janes Rocha, do Rio
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Depois de três tentativas frustradas de afastamento do atual comando da Fundação Real Grandeza (FRG) pelo grupo liderado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um acordo selou ontem a troca de executivos. A FRG é o fundo de pensão dos funcionários das estatais Furnas e Eletronuclear e seus gestores administram um patrimônio de R$ 8 bilhões.

PMDB consegue derrubar direção do Real Grandeza

Depois de três tentativas frustradas de afastamento do atual comando da Fundação Real Grandeza (FRG) pelo grupo liderado pelo deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um acordo selou ontem a troca de executivos no fundo. A FRG é o fundo de pensão dos funcionários de Furnas e Eletronuclear e seus gestores administram patrimônio de R$ 8 bilhões.

O PMDB vinha pressionando pela troca dos dirigentes há dois anos. O governo federal resistia à pressão respaldando a atual direção. A troca se dá uma semana depois do acordo selado entre o partido e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, com vistas a aliança eleitoral em 2010.

No Palácio do Planalto a troca dos dirigentes os assessores do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva negaram reiteradamente qualquer relação da troca dos dirigentes com o acordo entre Dilma e o PMDB.

Em Caracas, onde acompanhava Lula, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, em Caracas, disse a assessores do governo que a troca de dirigentes teria se dado em condições distintas das outras vezes em que foi tentada porque a atual direção estaria terminando o mandato e não poderia ser reconduzida. Ainda segundo o ministro, a substituição foi feita em comum acordo com os sindicalistas.

O Conselho Deliberativo da fundação escolheu por unanimidade Aristides Leite França, conhecido como "Garibe", para o cargo de diretor-presidente e Eduardo Henrique Garcia para a diretoria de Investimentos. Eles vão substituir, respectivamente, Sergio Wilson Fontes e Ricardo Nogueira. O mandato de Fontes, que poderia ser reconduzido, vence este mês e o de Nogueira em 2010.

Segundo nota oficial divulgada ontem pela FRG, os novos diretores tomam posse em 16 de novembro. França é administrador de empresas, funcionário de carreira desde 1975 e Garcia é economista, funcionário há 12 anos. Coincidentemente, em fevereiro, quando houve a terceira tentativa de troca dos dois dirigentes da FRG, Garcia foi indicado para acumular os dois cargos.

A escolha de França e Garcia marca o fim de uma disputa que envolveu funcionários ativos, aposentados e sindicalistas de um lado, e o comando de Furnas de outro. Há dois anos a direção de Furnas, hoje sob comando de Carlos Nadalutti Filho, indicado pelo PMDB do Rio, tentava tirar Wilson Fontes e Nogueira.

A queda de braço teve início em 2007, com a chegada do ex-prefeito do Rio, Luiz Paulo Conde, à presidência da geradora. No início deste ano o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, chegou a acusar a direção da FRG de "bandidagem".

Os sindicalistas sempre se uniram para rejeitar a pressão pela troca no comando da fundação. O Governo tentou acalmar os ânimos, sob intensa pressão do PMDB do Rio na Câmara, mas a situação ficou insustentável. Dois meses atrás foi nomeado como "apaziguador" o diretor de transmissão da Eletrobrás e presidente do conselho de administração de Furnas, Flavio Decat.

"A Real Grandeza é uma fundação patrocinada por Furnas e precisa ter uma relação minimamente profissional com a patrocinadora. A solução foi essa que está aí, novos dirigentes eleitos por unanimidade, o que significa que todos estavam de acordo", disse Decat ao Valor.

A resistência da base sindical do Rio começou a ser minada a partir da criação do Fórum em Defesa da Fundação Real Grandeza, reunindo 19 entidades entre sindicatos e associações de aposentados de várias tendências. O Fórum defendia a recondução de Fontes para um segundo mandato (2010-2014), porque o consideravam um bom gestor, que resolveu os problemas financeiros da FRG. No entanto, nos últimos dias, as entidades mudaram de ideia e aceitaram uma proposta patronal que insistia na saída dos dirigentes.

"Nós achamos que a gestão de Fontes foi estupenda, mas a direção de Furnas tinha outra avaliação", disse Carlucio Gomes de Oliveira, diretor do Sindicato dos Urbanitários do Distrito Federal (STIU-DF) e coordenador do Fórum. "Concluímos que, dentro do processo, era possível aceitar outros nomes", afirmou Oliveira, reiterando que as entidades não aceitariam um nome indicado por qualquer partido político.

Segundo os sindicalistas, a aceitação do acordo se baseou em uma proposta apresentada pelo conselho deliberativo da Fundação. A proposta, oficializada através de um documento intitulado "Projeto de Sustentabilidade da Nova Gestão da Fundação Real Grandeza", consistia no compromisso de Furnas com a concretização de uma série de medidas que estavam "engavetadas" por causa do conflito com a direção do fundo. Todas as medidas vão representar um desembolso adicional de recursos ou a renúncia, em favor dos participantes, de economia que faria com a redução de contribuição à FRG. O vice- presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Fundos de Pensão Rodrigo Campelo, calculou que estas medidas vão representar um desembolso de R$ 1,3 bilhões para Furnas.

A interpretação de sindicalistas é de que Furnas estava promovendo um boicote e se negando a cumprir compromissos que acabaram sendo usados como "chantagem" para trocar os dois cargos mais importantes. Demonstração disso é o item 4 do "Projeto de Sustentabilidade" prevê, explicitamente, que o projeto "constituirá a pedra para integração das patrocinadoras com a Real Grandeza (....)" desde que as medidas fossem "em conjunto com a nomeação consensual" da nova direção.

"O Conselho capitulou. Quer um acordo de governança com Furnas e por isso entende que está encerrado o período político de Sergio Wilson e Ricardo Nogueira (os atuais)", afirma Rodrigo Campelo, do Sindicato dos Trabalhadores em Fundos de Pensão. "Esse Garcia foi um nome já colocado por Furnas para substituir o Nogueira, por isso vejo com suspeição", disse Campelo referindo-se ao novo diretor de investimentos.(Colaborou Paulo de Tarso Lyra, de Brasília)

É o fim da crise?

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Não é ainda o fim da crise, mas é oficialmente o fim da recessão americana. No terceiro trimestre, o país cresceu 3,5% em relação ao segundo. Alguns números levantam dúvidas. A renda das famílias caiu 3,4% mas o consumo delas subiu 3,4%. Com uma contradição assim, não se faz um crescimento sustentado. A chave é o desemprego. O fim da crise será no começo das contratações

Mas a notícia de ontem foi boa. O maior país do mundo, e epicentro da crise, colheu o primeiro número positivo do PIB depois de quatro trimestres de diminuição.

Os Estados Unidos, na verdade, entraram em recessão no final de 2007, segundo uma nova forma de fazer o cálculo de períodos recessivos.

“Bem-vindo de volta, crescimento”.

Esse foi o título do vídeo que o “Wall Street Journal” pôs em seu site, assim que os números foram divulgados pelo Departamento de Comércio. Mas na conversa entre os jornalistas, ficou claro que ninguém acredita que isso pode ser apontado como o fim da crise.

De qualquer maneira, para um ano que começou sob o fantasma de 1929, o mundo está chegando ao último bimestre bem mais aliviado.

Já colheram números positivos de PIB a França, Alemanha, Itália, Japão, Brasil.

Ontem, foi a vez dos EUA. A Noruega esta semana já voltou a subir os juros, informando que é a hora de começar a tirar os estímulos fiscais e monetários. Israel, Austrália e Índia também começaram a retirar os estímulos.

Já a Inglaterra continuou no terceiro trimestre com PIB negativo.

O mundo está andando de volta aos trilhos, mas com várias sombras. Uma delas foi registrada em todos os comentários sobre a economia americana ontem: o desemprego continua alto, perto de dois dígitos, e lá permanecerá. As previsões são de 9% em média no ano que vem. As empresas americanas estão esperando a confirmação da retomada da demanda antes de contratar. Isso foi constatado através de uma pesquisa recente feita pelo “WSJ” com vários presidentes de empresas. Eles querem contratar mas preferem esperar um pouco mais para a confirmação da tendência de recuperação.

A segunda sombra é como ficará a economia quando forem retirados os estímulos econômicos. A terceira sombra é o que vai acontecer com a economia americana se não forem retirados os estímulos na hora certa. Os bancos centrais e tesouros pelo mundo afora conseguiram sucesso no que eles se propuseram como prioridade absoluta: evitar um novo 1929. Ainda permanece sem resposta à vista a questão sobre de que forma se fará a retomada sustentada da economia. E o mundo está prisioneiro desse dilema: se os estímulos forem retirados antes da hora, as economias vão de novo deprimir; se eles ficarem mais do que o necessário podem gerar bolhas e pressões inflacionárias.

Na ata do Copom divulgada ontem, o Banco Central brasileiro não encontrava muitos argumentos para manter os juros em níveis tão altos — em comparação com o resto do mundo. A própria ata admitia que o cenário inflacionário é benigno, que o país está crescendo ocupando capacidade ociosa, que a probabilidade de que pressão inflacionária localizada se espalhe é limitada e que é moderada a pressão da demanda.

Com tudo isso, os juros continuaram em 8,75%. O documento aponta três problemas: a existência ainda de mecanismos de indexação na economia brasileira, o impulso fiscal, e o risco de estar se formando no mundo uma nova bolha.

A ata registra desta forma o perigo de se voltar ao cenário anterior à crise: “a recuperação da economia mundial tem em certa medida reproduzido os desequilíbrios observados no período anterior à crise de 2008, poderá ter impacto, ainda que heterogêneo, sobre a dinâmica inflacionária global. A isso se soma a incerteza gerada pelos efeitos da inédita expansão da liquidez em economias maduras, tanto sobre o comportamento de preços de ativos como de commodities.

O Copom enfatiza que o principal desafio da política monetária nesse contexto é garantir que os resultados favoráveis obtidos nos últimos anos sejam preservados.” O crescimento do PIB dos EUA foi em grande parte determinado pelo aumento do consumo das famílias, em 3,4%, coincidentemente o mesmo percentual de queda da renda disponível para elas. Ou seja, a renda cai e o consumo aumenta. Isso, segundo o “Financial Times”, se explica pelos subsídios concedidos para gastos específicos, tanto para compra de casa quanto para compra de carro através do programa “dinheiro por sucata”.

A produção automobilística respondeu por 1.66 ponto percentual do aumento.

Outra parte foi determinada pelos gastos do governo.

Nada disso faz um crescimento sustentado. As famílias estão consumindo mais por programas específicos ou com aumento de dívida. O governo já está mergulhado no maior desequilíbrio fiscal da história e a indústria automobilística só anda empurrada por programas assim.

O indicador-chave sairá na semana que vem. É o desemprego. Há sinais de que o ritmo de crescimento do desemprego diminuiu, mas não está havendo aumento da oferta de emprego.

Sem isso, não é ainda o fim da crise.

Câmbio: mais lenha na fogueira

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Segundo estudo de banco de investimento, o valor correto do real hoje seria de R$ 2,63 por dólar; o do euro, de US$ 1,20

ENTRE AS inúmeras questões que dividem os economistas, uma das mais importantes é a que envolve o cálculo da chamada taxa de câmbio de equilíbrio. Esse valor corresponde àquela que estabiliza o balanço de pagamentos de um país ao longo do tempo. Como o valor de uma moeda nacional nos mercados de câmbio é formado a partir de transações comerciais e financeiras das mais variadas origens, não existe uma regra precisa para a determinação do que seria o ponto de equilíbrio. Mesmo assim, os economistas têm mecanismos de certa forma eficientes para estimá-lo a partir de alguns parâmetros econômicos.

Em recente trabalho, um dos maiores bancos de investimento dos EUA atualizou -incorporando os dados mais recentes- o cálculo desse valor de equilíbrio nas economias mais importantes do mundo. Os resultados apontam os desvios das cotações de mercado em relação a seus valores de referência para países na Ásia, na Europa e na América Latina, em relação ao dólar e ao euro.

A publicação desse relatório, no momento em que a questão do real esquenta o debate no Brasil, é muito bem-vinda. Tenho muito respeito pelo trabalho de pesquisa desse banco e confio na qualidade de suas conclusões. Além disso, por ser uma instituição internacional com foco no mercado financeiro global, fica difícil associar suas conclusões com interesses ou posições de natureza ideológica. De fato, a equipe que realizou esse trabalho não faz juízo de valor em relação aos resultados obtidos.

A mais importante observação para nós, brasileiros, é que o real é hoje a moeda mais valorizada dentro de uma cesta de 30 países. O valor correto do real seria de R$ 2,63 por dólar, ou seja, hoje ele estaria 51% sobrevalorizado em relação à moeda americana.

Segundo esses mesmos critérios, o euro deveria valer hoje US$ 1,20, estando atualmente nos mercados 23% acima de seu valor de equilíbrio. Assim, mesmo em relação ao valorizado euro, o real estaria 23% acima de seu valor de referência.

Outros números interessantes em relação à taxa de câmbio no Brasil: o desvio em relação ao peso argentino está hoje em 80%, ou seja, as empresas brasileiras têm um fardo pesadíssimo nas suas relações comerciais com nosso vizinho e parceiro.

Outro desvio importante -valorização de 50%- ocorre entre o real e a moeda chinesa. É marcante a diferença de comportamento do real em relação às moedas asiáticas, que têm se valorizado muito menos em relação ao dólar. Por exemplo, em relação ao won sul-coreano, o real está valorizado em 45%.

Os números da valorização do real vis-à-vis outras moedas são impressionantes. Mesmo que se façam algumas correções metodológicas, não acredito que esse quadro de uma moeda desalinhada vá ser alterado. O resultado desses desequilíbrios no médio prazo é conhecido: nos próximos anos, teremos um crescimento brutal das importações e do nosso deficit em conta corrente.

O bom momento da economia brasileira certamente vai permitir que esse deficit seja financiado por investimentos diretos e em carteira por algum tempo, que pode até ser longo.

Mas já conhecemos esse filme, embora com outros personagens.

Eventualmente, um deficit em conta corrente de grande magnitude levará o mercado a corrigir o valor do real, trazendo novamente nossas contas comerciais para próximo do equilíbrio. Nesse meio tempo, nossa indústria sofrerá as consequências.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Governo tem em setembro pior déficit para o mês em 12 anos: R$ 7 bilhões

Geralda Doca
DEU EM O GLOBO

Meta não será cumprida sem uso de recursos para investimento, admite secretário

BRASÍLIA. O governo central — que reúne Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central — registrou em setembro déficit de R$ 7,632 bilhões, o pior resultado para o mês nos últimos 12 anos. Diante do aumento crescente das despesas e da reação demorada das receitas na carona da recuperação da economia, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, foi obrigado a mudar o discurso.

Ele admitiu que a meta de superávit primário de 2009 não será cumprida sem o abatimento dos recursos previstos no Projeto Piloto de Investimento (PPI), incluindo os gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Mesmo com a deterioração nas contas do governo, Augustin vinha afirmando categoricamente que o governo cumpriria a meta do setor público consolidado de economizar 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para pagar juros em 2009 com tranquilidade, sem recorrer ao PPI.

Em setembro, devido à antecipação do 13osalário a aposentados e pensionistas, o rombo da Previdência de R$ 9,2 bilhões também foi decisivo para a piora das contas. O Tesouro contribuiu com superávit de R$ 1,602 bilhão no mês e o Banco Central teve saldo negativo de R$ 62 milhões.

— O PPI sempre existiu e acredito que, em função do resultado negativo importante de setembro, vamos usar parte desses recursos — disse Augustin.

Com receita líquida total de R$ 425,408 bilhões e despesa de R$ 409,035 bilhões, o governo central conseguiu um superávit de R$ 16,373 bilhões entre janeiro e setembro. Mas seu compromisso é entregar sozinho — sem contar os demais entes da Federação e as estatais — uma economia para pagamento de juros de R$ 42,7 bilhões, a três meses do fim do ano.

Ao todo, poderão ser descontados da meta R$ 28 bilhões este ano. Mas só cerca de R$ 9 bilhões em despesas do PPI e do PAC foram efetivamente executadas — critério para que possam ser abatidas. Isso também complica o cenário fiscal.

Augustin afirmou, no entanto, que não será necessário utilizar todo o PPI para fechar a meta fiscal e garantiu que os próximos resultados serão positivos, influenciados pelos efeitos do crescimento na arrecadação e pela projeção de despesa. Neste mês, por exemplo, o governo usará R$ 5 bilhões em depósitos judiciais para melhorar o superávit (depósitos na Caixa, decorrente de ações na Justiça).

No ano, o superávit apresenta queda de 79,78% frente ao resultado auferido em igual período de 2008 (R$ 80,984 bilhões).

Entre os motivos da deterioração fiscal estão a queda de 5,4% da receita líquida e a subida de 12,3% das despesas globais.

Os dados mostram também que as despesas com custeio (manutenção da máquina) cresceram praticamente o dobro (16%) do que expandiram os investimentos (8,7%) nos nove primeiros meses do ano. O secretário garantiu que esse quadro vai mudar: — Continuo afirmando que até o fim do ano as despesas de capital crescerão mais que as despesas com custeio.

A manutenção do reajuste dos servidores, num momento em que o país atravessava dificuldades devido à crise global; medidas de desoneração no IPI, além da queda nas receitas com impostos explicam a piora no resultado das contas do governo no ano. Outro fator de pressão é a Previdência, que acumula rombo de R$ 38,7 bilhões

Sob pressão dos EUA, governo de facto diz aceitar oferta de Zelaya

Reuters, Tegucigalpa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Negociadores de Micheletti concordam em submeter volta de deposto apenas ao Congresso, como querem zelaystas

Após retomarem o diálogo ontem com representantes do presidente deposto Manuel Zelaya, emissários do governo de facto de Honduras anunciaram que aceitarão que seja do Congresso a palavra final sobre a restituição - principal reivindicação zelaysta para um acordo. O anúncio foi feito um dia após a chegada a Tegucigalpa de uma missão do governo americano liderada por Thomas Shannon, secretário-assistente para Assuntos Hemisféricos.

"Nós simplesmente aceitamos a proposta da comissão de Zelaya", revelou Arturo Corrales, um dos três negociadores do presidente de facto, Roberto Micheletti.

A disputa sobre qual poder deverá - ou não - determinar a volta de Zelaya é o único dos 12 pontos da Proposta de San José em que não há consenso. Zelaystas dizem que a questão é política e, portanto, deve ser submetida ao Congresso - onde supostamente a maioria aprova a restituição. Golpistas afirmam que a matéria é legal e teria de ser decidida pela Suprema Corte, a qual depôs Zelaya e já negou uma vez sua restituição ao poder.

"Dissemos que a decisão caberia a uma instituição competente. Nós queríamos a Suprema Corte; eles, o Congresso. Agora, aceitamos: vamos ao Legislativo", explicou Corrales.

Feita um dia após a chegada da missão americana a Tegucigalpa, a revelação difere dos sinais que Micheletti vinha enviando à comunidade internacional. O presidente de facto argumenta que uma restituição seria inconstitucional, já que o Judiciário havia determinado a saída de Zelaya da presidência. "Nada e ninguém me fará mudar essa posição", dissera Micheletti, na terça-feira.

"Hoje será um dia de júbilo para Honduras porque consertaremos tudo sem olhar para trás, apenas para frente", disse Vilma Morales, também negociadora de Micheletti. "Estamos satisfeitos que Zelaya concordou em retomar o diálogo."

As negociações haviam sido interrompidas na semana passada pelo campo zelaysta. O governo de facto estaria "brincando", disse o chefe dos emissários de Zelaya, Víctor Meza, e arrastando o diálogo para ganhar tempo até as eleições presidenciais do dia 29.

Confusa, a última proposta que o governo de facto colocou sobre a mesa de diálogo previa que a decisão dos negociadores seria "soberana", mas submetida a "conselhos" do Legislativo e do Judiciário. A oferta fez zelaystas perderem a paciência e anunciarem a "suspensão" dos contatos. "O tempo está correndo", alertou Shannon.

Após semanas sem confrontos, policiais reprimiram ontem com bombas de gás cerca de 200 manifestantes que protestavam perto do Palácio Presidencial, no centro de Tegucigalpa. Segundo ONGs internacionais, o governo de facto cometeu várias violações desde que derrubou Zelaya, em junho. Os países da região afirmam não ser possível conduzir eleições livres sob regime de exceção.