sexta-feira, 6 de novembro de 2009

REFELXÃO DO DIA – Luiz Werneck Vianna

“É falso e anacrônico conceber a próxima sucessão eleitoral como a reedição dos embates entre a UDN e o PTB. Estado forte, sim, mas sob controle da sociedade, e não sobreposto assimetricamente a ela.”


Luiz Werneck Viana - – no 33º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu/MG de 26 a 30/10/2209

Merval Pereira: Alquimia política

DEU EM O GLOBO

A capacidade de o presidente Lula fazer a alquimia política de transformar sua popularidade em votos para a candidata oficial, Dilma Rousseff, é a grande questão que domina a cena partidária, no momento em que se aproxima a hora da decisão sobre alianças para a eleição de 2010. As últimas pesquisas de opinião de posse da direção do PT mostram que Dilma já voltou ao patamar de 20%, seu maior índice até o momento. Mas mostram, também, tanto que o governador de São Paulo, José Serra, continua liderando com folga a preferência do eleitor, numa faixa que vai de 35% a 40% dependendo do cenário; como que o governador de Minas, Aécio Neves, já consegue se equiparar a Dilma na faixa de 19%, quando é apresentado como candidato tucano.

Embora o deputado federal Ciro Gomes, quando incluído na lista, apareça com capacidade de liderança, nem PT nem PSDB levam sua candidatura a sério. O PT porque acredita que Lula conseguirá tirá-lo da disputa nacional, e o PSDB por isso e também porque acredita que, sendo Aécio o candidato, o próprio Ciro desistirá de concorrer.

Aliás, é nesta potencialidade de refazer os acordos políticos que estão sendo costurados agora que o governador de Minas joga sua maior cartada na sucessão interna do PSDB.

Os dirigentes tucanos conversam com partidos que estão na base do governo, como o PP, o PTB e parcela do PMDB, para avaliar a possibilidade de união caso o candidato venha a ser o governador mineiro.

Os programas eleitorais do PSDB que começam a ser divulgados, e culminarão com o programa nacional, divididos igualmente entre os dois potenciais candidatos, deverão dar maior consistência à análise das pesquisas de opinião até dezembro, marco que Aécio determinou para uma decisão, se não do PSDB, dele próprio nesta corrida pela indicação do partido.

Ele continua perdendo consistentemente para Serra em todas as regiões do país, mas sua movimentação nacional tem lhe dado maior visibilidade nos últimos tempos, o que se reflete nas pesquisas eleitorais. Ele ganha bem de Dilma no Sul e Sudeste, e perde de lavada no Nordeste, enquanto Serra vence em todas as regiões do país, inclusive no Nordeste, onde Lula é fortíssimo.

O presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, não tem dúvidas de que o presidente Lula já está transferindo votos para a ministra Dilma, que, em condições normais, não teria os 20% com que aparece em média nas pesquisas. A questão é saber se este é o limite, e aí há dois balizadores.

O presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, diz que a transferência de Lula é de cerca de 15%, e chegou a fazer uma pesquisa em que colocou o ministro da Justiça, Tarso Genro, como “o candidato de Lula”.

Genro saiu de 2% para 12%.

Já o cientista político Fabiano Santos trabalha com um índice de 20% do eleitorado a favor do PT, e esse seria o índice que Dilma conseguiu até agora, unindo os eleitores petistas em torno de seu nome.

A esquerda como um todo teria cerca de 30% dos votos, limite que Lula não conseguiu ultrapassar durante muito tempo nas eleições que disputou.

A constatação do presidente Lula, tempos atrás, de que a eleição de 2010 será disputada apenas por candidatos “da esquerda” pode prejudicar a candidatura oficial, pois, com José Serra pelo PSDB e as candidaturas de Ciro Gomes e, principalmente, Marina Silva, a faixa da esquerda está congestionada.

Serra, e sobretudo Aécio, no entanto, têm mais capacidade de ampliar seu eleitorado para o centro e para a direita do que o perfil político de Dilma, que, sem uma história eleitoral antecedente, sem ter disputado sequer uma eleição, só tem seu passado de guerrilheira para apresentar.

Teria, sim, a experiência de secretária estadual e ministra do governo Lula, e este foi o primeiro mote de seu l a n ç a m e n t o . A “m ã e d o PAC”, como Lula a apresentou há quase dois anos, foi desaparecendo à medida que as obras não conseguem deslanchar, e sua gestão à frente da Casa Civil poderá ser questionada justamente pela ineficiência.

As críticas de Lula contra o Tribunal de Contas da União (TCU) e a burocracia de maneira geral, que estariam atrasando as obras, têm muito a ver com a irritação do presidente, mas têm também um caráter preventivo de se defender de críticas quanto à ineficiência de sua administração, em contraponto à “gestão eficiente”, que é um dos pontos fortes das candidaturas tucanas.

Com a decisão, que parece em curso, de valorizar aspectos do governo Lula como a intervenção estatal e a política externa, a candidatura de Dilma pode ficar estreita, sem capacidade de se expandir para outras faixas do eleitorado brasileiro, que não é de esquerda em sua grande maioria.

Nas pesquisas, a experiência anterior do candidato é bastante valorizada pelo eleitor, e a história de Serra como secretário estadual, deputado federal, senador, ministro, prefeito e governador de São Paulo, além de candidato à Presidência em 2002, conta valiosos pontos. Sua força no Nordeste, por exemplo, é devida à lembrança de sua atuação no Ministério da Saúde.

É por essas dificuldades que a candidatura oficial está sendo moldada com base na tentativa de se fazer uma eleição plebiscitária entre os governos Lula e Fernando Henrique, o que tiraria do primeiro plano os candidatos oficiais, transformados em meros representantes de seus líderes políticos.

Por isso, José Serra quer adiar ao máximo a decisão, não apenas para verificar se a transferência de votos de Lula tende a fortalecer Dilma inapelavelmente, mas também para não se expor ao confronto direto com Lula.

Por seu lado, Aécio Neves acha que é o único candidato capaz de evitar essa polarização política.

Dora Kramer: Casa de ferreiro

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O senador Eduardo Azeredo faz uma acusação gravíssima ao ministro Joaquim Barbosa, que relata o pedido de abertura de processo no qual é acusado pelo Ministério Público por lavagem de dinheiro e peculato - leia-se, "furto de coisa do Estado" - na campanha para reeleição ao governo de Minas em 1998.

Azeredo diz que o ministro do Supremo Tribunal Federal simplesmente "plantou" no processo um recibo falso de R$ 4,5 milhões.

Um ato ousado que tanto pode significar desespero ante uma causa entendida como perdida como pode traduzir o destemor de um homem de bem, disposto a enfrentar o que for, até o risco de um processo por calúnia, para provar sua inocência.

Infelizmente para o senador, há mais verossimilhança na primeira que na segunda hipótese.

E não apenas porque a existência do recibo consta realmente da peça de denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, mas também pelo fato de o documento não ser uma prova determinante.

Conforme alegou o ministro Joaquim Barbosa na leitura de seu voto, o recibo "reforça" os vários e "robustos" indícios de que Azeredo esteve à frente do esquema ilegal de arrecadação e distribuição de recursos para a campanha da reeleição. Mal sucedida, aliás.

A procuradoria relatou em detalhes os caminhos dos desvios de dinheiro de empresas públicas de Minas para a agência do notório Marcos Valério, o "carequinha" revelado ao Brasil pelo não menos notório Roberto Jefferson em 2005, e o ministro relator concluiu pela absoluta impossibilidade de o então governador candidato, Eduardo Azeredo, desconhecer os métodos de financiamento da campanha.

Ainda que desconhecesse - possibilidade altamente improvável, dado o grau de envolvimento dele em detalhes citados no inquérito -, a Lei Eleitoral, ponderou o ministro, determina que o responsável pelas finanças de uma campanha é o candidato.

E aqui é o outro ponto em que se apega Azeredo para lançar suspeição sobre o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal, numa atitude que muito o aproxima do presidente Luiz Inácio da Silva quando contrariado, personagem citado pelo senador ao reclamar isonomia de tratamento por parte do STF.

Eduardo Azeredo acha "muito estranho" que o Ministério Público o denuncie e o ministro relator seja favorável à abertura do processo porque o presidente Lula esteve em situação semelhante e nada aconteceu a ele.

"Acho estranho. Eu era governador, uma campanha descentralizada, com delegação de poderes, e o presidente Lula também concorreu em situação semelhante. Ele não recebeu nenhum inquérito a esse respeito", disse Azeredo, numa argumentação para dizer o seguinte: se Lula pôde alegar à vontade que nada sabia e saiu ileso, ele, Azeredo, reivindica o mesmo direito.

Na condição de então presidente do PSDB, o senador Eduardo Azeredo deve se recordar de que em 2005 seu partido poderia ter tomado providências legais contra o presidente da República quando o publicitário Duda Mendonça confessou à CPI dos Correios que recebera pagamento por meio de caixa 2 para fazer a campanha presidencial em 2002.

Na ocasião, contudo, o PSDB decidiu que estava com a faca nas mãos. Desse modo, poderia dispensar o queijo. Resolveu deixar seus soldados na CPI falando sozinhos, pois achou que era melhor nada fazer - omitiu-se diante da suposição de um crime, portanto - porque o tempo e o desgaste se encarregariam de tirar Lula do jogo da reeleição.

Apenas por isso, porque ninguém quis processar o presidente é que ele pôde impunemente dizer que nada sabia. A situação, conforme alega Azeredo, é de fato semelhante.

A diferença, entretanto, está na negligência moral e cívica de seu próprio partido. É ao PSDB, não ao Ministério Público nem ao Supremo, que Azeredo deve apresentar suas queixas.

Origem e destinos

Do que fala Caetano Veloso - que, aliás, será apontado como preconceituoso por isso - quando diz que Marina Silva não é "analfabeta" como o Lula?

Fala sobre o esforço da senadora em se aprimorar e aproveitar as oportunidades dadas pela vida. Fala da recusa da senadora em fazer da adversidade de origem um proveitoso destino.

Fala de uma mulher nascida nos seringais da Amazônia, alfabetizada aos 14 anos de idade e que tem hoje na expressão do idioma de seu País um de seus melhores atributos.

Marina não precisa da grosseria para se identificar com seu povo. Ao contrário: oferece-se a ele como prova de que o aperfeiçoamento - de palavras, pensamentos e comportamentos - vale a pena.

Marina não nivela o Brasil por baixo, mostra o valor do esforço e não celebra a indulgência.

Morreu de velho

Em matéria de eleição estadual, o tucanato não vai inventar moda em São Paulo. Descontado o imponderável, vai de Geraldo Alckmin.

Fernando de Barros e Silva: FHC, PSOL e Dilmita

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Fernando Henrique Cardoso provocou certo barulho com o artigo do domingo último em "O Estado de S. Paulo" e "O Globo". Sua crítica ao novo "bloco de poder" organizado pelo lulismo e a análise do que pode representar a manutenção do PT no comando do país sem a figura de Lula acenderam um debate necessário num ambiente de triunfalismo político.

Um espírito maldoso poderia dizer que o texto é uma versão adulta e informada do que dizia Regina Duarte na TV em 2002: "Tenho medo do PT". Mas a companhia de FHC, aqui, parece ser outra. Ao perguntar "Para onde vamos?", ele retoma muito de perto argumentos que foram desenvolvidos antes pelo sociólogo Francisco de Oliveira, seu ex-colega no Cebrap, um dos fundadores do PSOL depois que rompeu com o PT. É um caso de convergência intelectual entre rivais políticos.

Oliveira foi quem chamou a atenção, ainda em 2003, no ensaio "O Ornitorrinco", para a "nova classe social" formada pela elite sindical que, atrelada ao Estado, geria os fundos de pensão, uma das principais fontes de recursos do país.

FHC, por sua vez, vê o lulismo como um amálgama entre Estado, sindicatos, movimentos sociais, fundos de pensão e grandes empresas a eles associadas -todos "fundidos nos altos-fornos do Tesouro". E escreve que, se Dilma Rousseff vencer em 2010, "sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão".

Em 2006, falando à Folha, Oliveira dizia o mesmo: "O PT ficou dependente de Lula e não vai se libertar mais. Talvez o PT tenha o destino do peronismo. (...) O partido peronista pós-Perón se tornou uma confederação de gangues. Não descarto esse cenário para o PT.".

Rusgas à parte, os sociólogos veem no Perón de São Bernardo um fator de regressão política e pacificação social. O êxito desse arranjo de poder depende da sua figura. Sem ele, o que será de Dilmita?

É ela mesmo, 55 anos depois: Conceição Tavares

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Por Vera Saavedra Durão, do Rio

Fiel ao seu estilo questionador e arrebatado, a economista Maria da Conceição Tavares continua contestando as apostas dos mercados financeiros. "A crise não acabou", alerta a decana dos economistas brasileiros e representante da tradição crítica do pensamento econômico latino-americano, no melhor estilo de Celso Furtado. "Com a subida das bolsas, fica todo mundo no oba-oba e parece que passou. O mau sintoma é justamente a bolsa ter refluído, os bancos terem voltado a ganhar dinheiro. Isso é simplesmente aparência."

Conceição, como é sempre chamada, fala com ceticismo sobre as perspectivas da economia americana. "O Estado está tendo de sustentar como um Hércules todo um sistema falido, mas não consegue fazer as coisas mudarem de rumo, não tem se mostrado ativo. Está fraco e isso é ruim."

A seu ver, o governo Obama não está tendo apoio suficiente para fazer as mudanças necessárias.
"Não dá para fazer reforma da saúde porque os laboratórios e os seguros de saúde não querem. Não dá para fazer reforma financeira porque os bancos não querem. Como é uma sociedade de lobby pesado, fica difícil reformar."

Os Estados Unidos não têm, aparentemente, uma "saída boa", diz. Para ela, todas as indicações de estagnação mais longa estão presentes na economia americana, o que coloca a liderança do país sobre a economia mundial em xeque. "Eles não têm mais liderança nenhuma. Têm peso político, diplomático e militar. Mas isso não é liderança. É império. Não têm como resolver seus problemas [financeiros e militares], nem conseguem avançar. São um império congelado."

Conceição se diz pela primeira vez otimista com o Brasil de Lula. "Ele é um gênio político." Mas adverte que o problema básico da economia brasileira, no momento, é o câmbio. "O Brasil não pode continuar engolindo dólares."

Conceição tem 55 anos de Brasil. Chegou em fevereiro de 1954, casada com o engenheiro português Pedro Soares. A filha Laura nasceria meses depois. Naturalizou-se em 1957. Seu segundo marido, Antonio Carlos Macedo, professor de ciências biológicas da UFRJ, é o pai de Bruno, 44 anos. É amistoso seu relacionamento com os ex-maridos.

Portuguesa de Anadia, nascida em 24 de abril de 1930, formada em matemática em Lisboa, Conceição conta que optou pela economia influenciada por três clássicos do pensamento econômico brasileiro: Celso Furtado (1920-2004), Caio Prado Jr. (1907-1990) e Ignácio Rangel (1908-1994) - que a despertou para as questões relacionadas ao capital financeiro. "Eles marcaram profundamente minhas ideias."

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Conceição foi aluna de Octávio Gouvêa de Bulhões (1906-1990) e Roberto Campos (1917-2001). Escreveu centenas de artigos e vários livros, dos quais o clássico dos clássicos é "Auge e Declínio do Processo de Substituição de Importações no Brasil - Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro", de 1972. O texto original foi escrito no fim dos anos 1960, quando chefiava o escritório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) no Brasil. Na época da ditadura militar, autoexilou-se no Chile, depois de escapar da prisão graças à intervenção de Mario Henrique Simonsen, seu ex-aluno, ministro do governo Geisel.

Teve rápida passagem pelo MDB, então partido de oposição à ditadura militar. Em 1994, foi eleita deputada federal pelo PT do Rio de Janeiro, ao qual continua filiada. Aposentou-se como catedrática do Instituto de Economia da UFRJ, onde é professora emérita, e da Universidade de Campinas (Unicamp). Mas permanece ativa, dando cursos de economia internacional no Instituto Rio Branco e aulas na pós-graduação da UFRJ.

No momento, Conceição trabalha num ensaio sobre a América do Sul para um livro que José Luís Fiori, também professor na UFRJ, ex-aluno, a quem conhece desde o exílio, pretende lançar em 2010 sobre questões econômicas, financeiras e sociais da região, temas aos quais sempre esteve ligada.

Mesmo com problemas de bronquite por causa do cigarro - quando deputada, operou um nódulo benigno no pulmão - Conceição ainda consome dois maços por dia. Não tem intenção de parar. Diz que morrerá se deixar de fumar. "Para minha idade, estou ótima", avalia a economista de palavra sempre apaixonada, que pretende comemorar seus 80 anos, em 2010, com os dois filhos, dois netos e os muitos amigos e admiradores.

A seguir, os principais trechos da entrevista que Maria da Conceição Tavares concedeu ao Valor.

Valor: Quais lições podemos tirar da crise ?

Maria da Conceição Tavares: A crise ainda não passou e não deu as lições . Nos Estados Unidos já tem um pessoal dizendo que o gasto fiscal é muito, que isso acaba dando inflação e tem que parar. Se parar o gasto fiscal, como é a única componente ativa que vem sendo acionada pelo governo Obama, as coisas não vão melhorar. Todos os sintomas estão ainda muito embaralhados. E aí sobe a Bolsa de Valores, porque houve uma pequena bolha e o pessoal já começa a dar vivas . O desemprego também não terminou, e há muita capacidade ociosa. Então, todas as indicações que apontam para uma estagnação mais longa estão lá presentes. Não houve nenhuma mudança estrutural até agora para reverter a crise.

Valor: Como fica, então, o papel do Estado neste momento?

Conceição: O Estado americano está fraco. Não está ativo. E está botando o dinheiro todo em cima dos bancos e também em cima do seguro social, do desemprego que subiu muito. Todo o sistema falido, ele sustentando, feito um Hércules, e não está fazendo essa coisa tomar rumo. É um estado fraco, desse ponto de vista. E isso é ruim, porque denota que o governo americano não tem realmente força. Não tem apoio, nem na sociedade, que é dilapidada pelo neoliberalismo, nem no "establishment". Então, não dá para fazer a reforma da saúde porque os laboratórios e os seguros-saúde não querem. Não dá para fazer reforma financeira porque os bancos não querem. Como é uma sociedade de lobby pesado, não tem como reformar. E não tem mecanismos de demanda efetiva do lado do setor privado para aumentar o emprego. O que não é bom.

Valor: Isso significa que a liderança dos Estados Unidos sobre a economia mundial está em xeque?

Conceição: Está. Não tem mais liderança nenhuma. Eles têm peso político, diplomático e militar. Mas isso não é liderança. É império. Eles têm um poder imperial sustentado num poder militar e financeiro. A iniciativa diplomática e militar só visa manter com mão de ferro o que já conquistaram. Mas não têm como resolver os problemas, nem avançar . Os Estados Unidos não podem tomar iniciativa militar em mais lugar nenhum. Primeiro, quem vai pagar e, depois, quem vai dar o apoio? É o império congelado.

Valor: Essa fraqueza americana pode arrastar o mundo para onde?

Conceição: É uma fraqueza sistêmica. O sistema era todo estruturado por eles. Como estão débeis, o sistema fica com um peso morto muito grande. Só tem possibilidade de sair quem tem dimensão para sair, como os BRICs. O que vão fazer o México, a Argentina, o Chile? São todos atrelados à economia mundial. Quem está puxando o comércio é a Ásia. A Alemanha não está puxando mais nada. Se a Europa e os Estados Unidos puxam para baixo, só sobra a Ásia.

Valor: E a China, especificamente?

Conceição: Os chineses estão tentando substituir os americanos nos investimentos em matérias-primas que eles precisam. Estao investindo em toda parte. Em petróleo, em infraestrutura na África. Aqui na América Latina estão vindo para tudo. Siderurgia, portos. Estão fazendo um movimento de expansão não pelo comércio apenas, mas principalmente via investimento direto. Isso é que é novidade. Sobretudo na África. Coitados dos africanos. Saem de um imperialismo e entram em outro.

Valor: A China teria a liderança?

Conceição: O mundo caminha para uma multipolaridade.

Valor: Então, nesse mundo a China pode vir a ser uma liderança ?

Conceição: Aí entra outra questão. Como se resolve o nó do entrelaçamento entre China e Estados Unidos? É uma simbiose. A China tem resolvido não ser agressiva com os Estados Unidos. Do ponto de vista diplomático e militar, tem estado "low profile". Não está dizendo que os Estados Unidos são um "tigre de papel", como na época do Mao. É consenso em Pequim que não é para enfrentar os Estados Unidos. Mas eles têm que resolver esse impasse. O que fazem? Compram ativos dos Estados Unidos? Foi o que o Japão fez e se deu mal. E é claro que eles viram o Japão fazer isso e não vão fazer. Então, estão vindo pela periferia. Que é o correto. O Japão saiu da periferia para investir nos Estados Unidos, disparado. Os chineses não estão fazendo isso. Eles têm participação daqueles fundos soberanos em várias coisas. No Citi, por exemplo. Fazem essas aplicações para sustentar os dólares que têm, para ter alguma aplicação.

Valor: China e Estados Unidos vão se pôr de acordo para garantir uma saída da crise?

Conceição: Difícil. Não vejo nenhuma semelhança de estrutura política e ideológica. São muito dessemelhantes. Se não vão se pôr de acordo, como vai ser? A China abre mão crescentemente do mercado americano e aumenta o mercado no resto do mundo. Ela pode fazer isso. Os Estados Unidos vão fazer o quê? Estão no mundo inteiro, mas são uma potência comercial declinante.

Valor: Vão se voltar para o mercado interno?

Conceição: É o que deveriam fazer, como prometeu Obama, mas aí têm que resolver primeiro a situação da regulação do sistema bancário, das empresas e do desemprego.

Valor: Qual o papel dos BRICs na recuperação da economia global?

Conceição: Vão ter papel importante, porque têm peso específico. Não podem estabelecer uma política comum, porque são estruturas diferentes. Somos uma economia mista, a China é estatal, a Rússia era tudo privado, quebrou tudo, e está em processo de reconstrução pelo Estado. O Brasil não é potência militar, mas tem tomado muitas iniciativas na política externa e vai bem na crise.

Valor: Ben Bernanke, presidente do Fed, anunciou que pode aumentar os juros.

Conceição: Coisa sem pé nem cabeça. A dívida externa e a dívida pública deles, gigantescas, vão ficar caríssimas. Eles estão querendo fazer isso porque estão com medo da inflação. Inflação de demanda não é, porque não tem demanda efetiva. Inflação de custos de matéria-prima também não é, pois não está tendo nenhuma explosão de matéria-prima. Acho que o Bernanke está com medo é de que rejeitem a dívida pública. Ninguém está querendo comprar aqueles papéis [títulos do Tesouro]. Uma forma de atrair investidores seria subir os juros. Mas tudo isso são perfumarias. Não vai para lugar nenhum. A raiz do problema seria a reforma do sistema bancário.

Valor: O que mais, além dessa reforma, o governo americano teria que fazer?

Conceição: Reforçar o papel do Estado e fazer um ajuste global que teria que ser negociado com a China. Os dois países teriam que acertar um acordo na área comercial. Mas não há negociação entre os dois. Os Estados Unidos não têm aparentemente uma saída boa. O Obama está falando no vazio. É por isso que os conservadores prenunciam um golpe.

Valor: Existe esse risco?

Conceição: O primeiro risco que existe é que o matem. Esse é um risco clássico nos Estados Unidos. E existe o risco de ele não se reeleger. Fico com muita pena. Ele seguramente não é o cara. Parecia, mas não é.

Valor: Como as dificuldades vividas pelo Estado americano podem impactar o mundo?

Conceição: Vai depender do resto do mundo. Vamos tentar esquecer um pouco os Estados Unidos. Temos que buscar construir outras lideranças. O ideal é que houvesse um acordo mínimo entre todos os grandes, para aliviar a crise e resolver o problema global. Bastava o G-20, bastavam os 20 se porem de acordo. Mas não há acordo.

Valor: E o dólar?

Conceição: Não dá ainda para tirar o dólar [de seu papel de moeda de reserva internacional]. O dólar está fraco. Os países, em geral, se pudessem, saiam do dólar. Está ruim acumular reservas em dólar. O problema é com os que já estão acumulados, como os BRICs, sobretudo a China.

Valor: O que a China vai fazer com US$ 2 trilhões de reservas?

Conceição: Está empacada. E os títulos americanos que ela detém servem de lastro às reservas. Ela não tem como vendê-los no mercado. Está com um mico na mão. É um patrimônio morto. Não tem o que fazer com as reservas. É como se tivesse no cofre, de um lado, o patrimônio futuro, de fábricas, de realizações etc. e, do outro, um montão de estrume que não pode jogar fora.

Valor: O que pode vir daí ?

Conceição: Prevejo uma coisa arrastada, prolongada, com crises que vêm uma atrás da outra, uma bolha disso, uma bolha daquilo.

Valor: Qual a próxima bolha?

Conceição: A bolsa. Já temos uma aí montada, é a bolsa, que voltou a subir. O pessoal está investindo pesado. Mas isso mostra que o sistema está frágil, ao contrário do que julgam, não é um bom sinal. É um mau sinal. Aqui, no Brasil, por exemplo, na Bovespa, o grosso do dinheiro que está vindo de fora pra cá é pra bolsa. Não é para investimento direto no sentido autêntico da palavra. Direto, vieram US$ 11 bilhões e para a bolsa vieram US$ 17 bilhões, este ano.

Valor: Qual seria a consequência dessa bolha?

Conceição: Volta de novo a afundar. Aí vem nova bolha. Se o mercado de commodities estiver melhor, vão fazer bolha de commodities. Podem fazer outra vez bolha em cima do petróleo. Acho que vamos de bolha em bolha.

Valor: Então, a crise não acabou....

Conceição: É uma falsa euforia. Provavelmente o governo americano vai ter que parar de ajudar o setor privado, pois o déficit fiscal já está em 17% do PIB. Como já socorreram no limite, já gastaram trilhões de dólares, na próxima crise não vão poder socorrer. Foi o que aconteceu no decorrer da crise de 1929. Em 1931 e 1932, nada mudou. Só ocorreu mudança no sistema financeiro depois, quando teve outra crise bancária, em 1933. Na primeira crise ninguém se deu conta, pois despejaram toneladas de dólares em cima dos bancos. Como agora.

Valor: A história pode se repetir?

Conceição: A crise atual começou em 2007 com os empréstimos "subprime". Em 2008 foi o auge. E agora, neste segundo semestre, está com ares de que se vai respirar. Em 2010 pode haver uma recuperação, mas em 2011 ninguém sabe o que pode acontecer.

Valor: Como o Brasil ficaria com uma reforma bancária nos Estados Unidos?

Conceição: O Brasil tem um sistema financeiro público e privado. E os bancos privados não entraram em crise. Já tinham entrado em crise com o Fernando Henrique. Aí limparam e não deixaram de manter o controle. Não temos um sistema financeiro que opera "à la livre". Não existe isso. Temos regulação. Nosso problema básico é o câmbio. Tem que dar um jeito. A coisa cambial vai mudar no próximo governo. Não teremos mais esse presidente no Banco Central, e nem Dilma, nem Serra estão a favor dessa política cambial.

Valor: Obama disse que o cara é o Lula...

Conceição: É. O Lula, um gênio político, mistura de Vargas e JK, uma liderança do povo brasileiro que tem uma sorte danada, ademais de ser muito competente. Tem que ter competência e sorte. As coisas têm que estar a favor.

Valor: Como é sua avaliação do governo Lula?

Conceição: Muito boa. Esta é a minha avaliação e de 70% da população. Na verdade, só a classe média dita ilustrada e a grande imprensa são contra. Contra também não sei o quê. Caiu a inflação. Portanto, mantiveram a política econômica dura que diziam que não iam manter, mas mantiveram. Contra meu ponto de vista. Perdi a parada, mas fico contente que tenha perdido, porque naquela altura ia ser complicado. Como estava tudo fora do lugar, era muito ousado fazer uma política alternativa no início do primeiro mandato. Do ponto de vista da política macro, eles começaram a fazer coisas no segundo mandato. Mas não creio que vão terminar. Fizeram o correto na infraestrutura, contemplando obras nas regiões Norte e Nordeste, como a ferrovia Transnordestina, a Norte-Sul, a transposição do rio São Francisco e portos. O PAC é uma seleção de projetos muito pesada e muito boa, de que não convém desviar. Também acertaram na política social, com o Bolsa Família. O governo Lula está tocando três coisas importantes: crescimento, distribuição de renda e incorporação social. E ainda por cima fez uma política externa independente. Por que acha que ganhamos a Olimpíada? [a escolha do Rio de Janeiro para sede dos jogos, em 2016]. Porque passamos a ter prestígio de fato lá fora.

Valor: Como vê a questão ambiental no mundo e no Brasil, às vésperas da reunião de Copenhague?

Conceição: Para variar, os Estados Unidos não assinam meta nenhuma. O país de Obama, digo, o Departamento de Estado, não assina nada. O problema ambiental está complicado e complexo. No Brasil, independente do desmatamento da Amazônia, a floresta vai sofrer com o aquecimento global. Mas a coisa da Amazônia, no nosso caso, é importante e é difícil. Mas não somos decisivos para o aquecimento global. Decisivos são os Estados Unidos e a China.

Valor: A exploração do petróleo das camadas do pré-sal pode impactar as boas intenções ambientais do Brasil?

Conceição: Começamos com a ideia do verde, o álcool combustível, mas, agora que veio o pré-sal, ninguém fala mais nisso. Agora, tudo vai depender do próximo governo.

Um pen drive imperdível - Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A plateia era formada por alguns dos luminares do governo Fernando Henrique Cardoso - André Lara Resende, Andrea Calabi, Henri Philippe Reichstul e Rubens Barbosa. Todos, inclusive o ex-presidente que dá nome ao instituto onde o evento se realizava, aguardavam um dos palestrantes, Luiz Carlos Mendonça de Barros, preso no trânsito, como descobriria Gilda Portugal ao celular, no meio da audiência - "Ele vem com certeza e traz um pen drive imperdível".

Papearam sobre a repercussão do polêmico artigo de Fernando Henrique de domingo ("O Estado de S. Paulo" e "O Globo") e a ausência de um dos convidados, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, justificada, como relatou o coordenador do instituto, Sérgio Fausto, pela premência de uma reunião sobre a Olimpíada de 2016.

O ex-presidente não alimentaria animosidades - "Eu o conheci como secretário do Zeca do PT (MS). Quando esteve comigo no Planalto disse que se o tivesse conhecido antes o teria chamado para o lugar do (Pedro) Malan. É aberto ao diálogo".

Mendonça de Barros chega, sem gravata como o dono da casa, e é aplaudido pelo auditório cheio que o aguardava há 20 minutos. Não demora e o pen drive começa a rodar. "Economia Brasileira: como chegamos aqui/ FHC + Lula: uma combinação que deu certo".

Antes de começar a falar, faz a Fernando Henrique a ressalva de que tinha gostado muito do artigo de domingo, em que o ex-presidente criticara os inebriados pelo Brasil de Lula.

A exposição trazia os números daquilo que o artigo chamara ironicamente de "o maior espetáculo da terra". A tela exibia as curvas desencontradas dos oito anos do PSDB versus os sete do PT para balança comercial, salário mínimo, câmbio, juros, dívida externa, massa real de salários e faturamento do comércio.

Diz que a situação atual do Brasil é muito difícil para sua geração - "e a do Fernando Henrique" - entender. É o país que, no último relatório da Goldman Sachs, é citado como o detentor da moeda mais valorizada do mundo. Nesse momento chega Joseph Safra, com o crachá "visitante" na lapela, e senta-se entre Fernando Henrique e Rubens Barbosa.

Mendonça de Barros cita as conversas que tem tido com investidores estrangeiros e empresários brasileiros para dizer que seu otimismo com o país é compartilhado. "Um empresário que está vendendo três mil carros por dia, (e dirige-se a Safra, sentado bem à sua frente ) cliente de vocês lá, me disse - "Lula é o máximo"".

Antes de passar a palavra ao palestrante seguinte, Fábio Giambiagi, Fernando Henrique dirige-se a Mendonça de Barros - "Entusiasmado você é. Cego, não".

A exposição de duas únicas telas resume a fala de Giambiagi: O Brasil de 2050 terá uma população acima de 60 anos três vezes maior que a atual. Ele retoma o tema abordado ao final da exposição de Mendonça de Barros sobre as dificuldades de se empreenderem as reformas necessárias - "Se a oposição for vitoriosa terá que conviver com um PT mais forte e Lula à sombra e não conseguirá fazer mudanças sem um entendimento político".

Vai buscar na ditadura de 1976, quando voltou ao Brasil adolescente, o exemplo de um país que tinha "uma capacidade de diálogo hoje perdida". Cita uma batida de carro que presenciara, resolvida amigavelmente - "Foi um choque pra mim, vindo de uma Argentina onde a inflexibilidade era cultivada como virtude".

Fernando Henrique inicia seus comentários contestando as previsões futuras de crescimento econômico apresentadas por Mendonça de Barros - "Quem previu 2002?", questiona, numa referência à deterioração dos indicadores daquele ano. Recorre à prevalência da política e cita Maquiavel sobre a dificuldade das reformas - quem é afetado se rebela e quem será beneficiado ainda não o sabe.

Reconhece que a transferência de voto é possível - "Já está ocorrendo, Dilma tinha zero agora tem 15%" - mas não é automática - "Tanto que Serra tinha o apoio de três, o meu o de Montoro e o de Covas quando se candidatou pela primeira vez a prefeito e perdeu".

Diz que a população não é dividida em partidos ou blocos de oposição e governo - "Cabe à liderança política mostrar que os 65% (de Lula) podem ser próximos dos 40% (de Serra)".

Trata o Bolsa Família como "imexível" e diz que sua importância para remediar os miseráveis é superior à da valorização do salário mínimo, ressaltada por Mendonça de Barros.

Vê nos gargalos na infraestrutura, em que inclui o pré-sal, o reflexo da "confusão reinante neste governo entre público e privado". Conclui os trabalhos da mesa num clima ameno, que só volta a esquentar nos debates.

Raul Vellozo questiona como se justifica o otimismo com o futuro do Brasil face à "incapacidade de a União se planejar para gastar bem".

Mendonça de Barros acabara de classificar os artifícios contábeis para se produzir o superávit de "5ª categoria" - "Os nossos eram mais sofisticados". Ao ouvir Vellozo, chuta a lata - "São um bando de ignorantes que não sabem o que estão fazendo. Há uma série de problemas novos que não conseguem resolver porque estão no software pirata que usam". Foi o único momento do seminário em que André Lara Resende soltou uma risada.

No café, ao final do seminário, Mendonça de Barros é questionado se as razões da indecisão de Serra sobre a candidatura presidencial estavam relacionadas ao seu pen drive. "Não tenho a menor dúvida".

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Senado: PPS/PMN com 4 opções

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Uma reunião envolvendo as executivas locais do PPS e do PMN, ontem à noite, na sede dos pós-socialistas, terminou com as siglas apresentando quatro opções de nomes para a disputa do Senado nas eleições do próximo ano. O PPS apresentou três sugestões: os ex-secretários – do governo Jarbas – Guilherme Robalinho e Mirtes Cordeiro, e o vice-prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Edir Peres. O PMN, por sua vez, colocou o atual presidente estadual da sigla, Sílvio Barbosa. Embora aliadas ao grupo de oposição no Estado, composto por PSDB, DEM e PMDB, as legendas estudam a formação de uma chapinha e decidiram que devem apresentar uma opção “mais à esquerda” aos nomes já colocados na disputa para o Senado.

Os dois candidatos naturais da oposição são os atuais senadores Marco Maciel, pelo DEM, e Sérgio Guerra, do lado tucano. Segundo o deputado federal Raul Jungmann (PPS), em duas semanas uma nova reunião definirá quem representará as siglas na disputa.

Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Aposentados e pensionistas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer conversar, ainda hoje, com líderes da base e dirigentes das centrais sindicais para manter o chamado fator previdenciário e impedir que o reajuste dos benefícios de aposentados e pensionistas seja vinculado ao salário mínimo. Não quer de forma alguma que os benefícios sejam equiparados aos salários dos trabalhadores da ativa, como defende o autor dos dois projetos aprovados no Senado, o senador Paulo Paim (PT-RS). Correligionário do presidente, o petista gaúcho caiu em desgraça no Palácio do Planalto.

O mesmo destino está reservado aos petistas e aliados que vacilarem nessa questão. Na quarta-feira, o governo conseguiu evitar a aprovação da proposta graças a uma manobra regimental que somente não fracassou porque o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), foi à tribuna desafiar a massa de sindicalistas aposentados que tomava as galerias da Casa. Como um gladiador romano — “Ave, César, nós, que vamos morrer, vos saudamos!” —, Vaccarezza manteve a base unida e pôs uma saia justa na oposição ao explicar, sob vaias, que a aprovação da proposta provocaria um colapso na Previdência, com um impacto financeiro monumental: R$ 130 bilhões em 2010 e R$ 145 bilhões em 2011.

Rumo

O Palácio do Planalto ainda não tem um diagnóstico das motivações do artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (foto), intitulado “Para onde vamos?”, publicado domingo passado nos grandes jornais do país, entre os quais o Correio. Nele, o líder tucano desce o sarrafo no governo Lula e acusa o presidente da República de querer implantar uma espécie de “subperonismo”. FHC patrocina uma polarização com Lula que é tudo o que, aparentemente, não quereriam os governadores tucanos de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves.

Resposta

A cúpula do PT se mobiliza para responder ao artigo de Fernando Henrique Cardoso, que pautou a oposição e teve ampla repercussão na imprensa. Mas não quer que o presidente Lula aceite a polêmica com o ex-presidente da República, porque avalia que encheria ainda mais a bola do tucano. Vai ser difícil segurá-lo, pois o esporte favorito de Lula é comparar o seu governo com o de FHC.

Aécio justifica o ultimato

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Segundo o governador mineiro, pressão por decisão do candidato ao Planalto não seria manobra política, mas gesto de correção

Leonardo Augusto

O governador Aécio Neves (PSDB) justificou ontem a pressão que exerce sobre a cúpula tucana por uma decisão mais rápida na escolha de quem será o candidato do partido à Presidência da República afirmando não se tratar “apenas de uma manobra política”, mas de “um gesto de correção para com o PSDB”. Aécio disse que, até dezembro, se considera “em condições de ampliar alianças, de apresentar um projeto novo para o Brasil falando do pós-Lula, agregando outras forças políticas”, argumentou. O governador defende que a decisão ocorra até o mês que vem. Já o governador de São Paulo, José Serra, também pré-candidato da legenda ao Palácio do Planalto, quer que a definição aconteça em março.

Aécio, que voltou a frisar ser candidato ao Senado caso a escolha do nome do partido na briga pelo governo federal não ocorra até dezembro, fez relação entre sua eventual candidatura à Presidência e o impacto em Minas, caso participe da disputa pela sucessão de Lula no ano que vem. “Tenho responsabilidade com Minas que antecede todas as outras. Construímos aqui algo novo, que precisa ter continuidade. Para o estado é fundamental que este projeto possa ter continuidade nos próximos anos e, eventualmente, uma candidatura minha à Presidência, de alguma forma, impulsiona esse projeto, dá mais visibilidade a ele”, avaliou.

Caso não seja o escolhido do partido, Aécio disse que caberá respeitar a decisão. “Será a senha para que eu mergulhe nas questões mineiras”, disse. “Ajudarei a eleger aqui nosso candidato a governador e tentarei dar a vitória, em Minas a qualquer outro candidato que o PSDB venha a escolher”.

Continuidade

O pré-candidato do PSDB na sucessão em Minas é o vice-governador Antônio Augusto Anastasia. Aécio afirmou não ter dúvidas de que o partido tem possibilidade concreta de vitória. “As pessoas vão dizer se querem continuidade do projeto ou se querem a ruptura.

Espero que a resposta seja pela primeira opção.” O principal candidato da oposição deverá sair do PT, que tem como pré-candidatos o ex-prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, e o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias. Pelo PMDB, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, também já afirmou que pretende disputar o Palácio da Liberdade.

Durante visita a obras na avenida Antônio Carlos, em Belo Horizonte, o governador disse “não ser o caminho natural” uma possível candidatura de dois tucanos ao Senado no ano que vem. As eleições em 2010 envolverão duas das três vagas de cada estado. Em Minas, além da possibilidade de Aécio disputar vaga no Senado, um dos atuais ocupantes de cadeira na Casa, Eduardo Azeredo (PSDB), já demonstrou interesse em disputar a reeleição.

BERNARDO PROVOCA FHC

Para o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicado em vários jornais no domingo tenta suprir a deficiência da oposição em apresentar uma proposta alternativa ao país. No texto, FHC usa expressões como “subperonismo” e autoritarismo popular ao se referir à administração petista. “Ele corre o risco de ficar parecendo o Salieri (maestro Antonio Salieri), que ficava criticando o talento de Mozart porque não conseguia ter o mesmo reconhecimento”, cutucou.

“Tenho responsabilidade com Minas que antecede todas as outras. Construímos aqui algo novo, que precisa ter continuidade”

(Aécio Neves, governador de Minas Gerais)

Rio sem um nome

Depois de conversar com as principais lideranças tucanas no Rio de Janeiro, o presidente nacional do partido, Sérgio Guerra (PE), reconheceu a ausência de uma definição da legenda para a realidade carioca nas eleições de 2010. “Temos situações delicadas em vários estados, mas aqui é o único em que a gente ainda não definiu padrão de palanque”, sentenciou Guerra.

Até a filiação da senadora Marina Silva (AC) ao PV, o palanque preferencial dos tucanos no Rio era o do deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ). Com a provável participação de Marina na disputa à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o parlamentar perdeu apoio dos tucanos locais. O presidente regional do partido, José Camilo Zito, chegou a dizer que ele não tinha “cheiro de povo”.

Enquanto os tucanos ainda não têm palanque no Rio, a pré-candidata do PT à Presidência, ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, já conta com três: o do governador Sérgio Cabral Filho (PMDB), que busca a reeleição, o do ex-governador Anthony Garotinho (PR) e o do prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT).

“A nossa aposta para 2010 era a candidatura do Gabeira. Com a candidatura da Marina, a gente começa a refletir sobre o caminho que devemos tomar”, afirmou Guerra. “Uma das hipóteses é candidatura própria.”

'Presidente diz que não sabia, e o Azeredo tinha que saber?'

DEU EM O GLOBO

SÃO PAULO. O senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) disse ontem estar confiante na defesa do senador Eduardo Azeredo e acreditar que o Supremo Tribunal Federal acabará decidindo pelo arquivamento dos processos por peculato e lavagem de dinheiro contra o tucano.

— Ele é uma pessoa honrada. Respeito o ministro (Joaquim) Barbosa, mas a denúncia tem tudo para não ser confirmada. Vamos aguardar os outros ministros do STF. Levando em conta a dureza com que o ministro Barbosa se dirigiu a Azeredo, estou morrendo de pena antecipada dos réus do mensalão. Ela vai propor, no mínimo, a pena de morte — brincou.

E disse crer no arquivamento: — Primeiro, Azeredo não tem nada assinado por ele autorizando que a companhia de águas faça convênio.

A outra coisa é o recibo falso, feito por um vigarista processado por todo mundo. Em terceiro, o presidente Lula pode dizer o famoso “eu não sabia”, e Azeredo tinha de saber? Outros senadores manifestaram solidariedade a Azeredo.

— Azeredo nos disse que o recibo é falso, e ele tem credibilidade, por isso recebeu apoio no Senado e de colegas de vários partidos — disse Heráclito Fortes (DEM-PI).

— Tenho toda a confiança nele.

Mas a decisão que o Supremo tomar terá de ser cumprida — disse Cristovam Buarque (PDT-DF).

O presidente do PT, Ricardo Berzoini, rebateu a acusação de Azeredo de que Nilton Monteiro, acusado de ter falsificado o recibo, é lobista do PT.

— Azeredo deve estar desesperado para querer envolver o PT em um assunto que é de exclusiva responsabilidade da campanha dele. O senador tem de se defender no Supremo, e não ficar dando tiro para todo lado.

Azeredo reivindica tratamento dado a Lula

DEU EM O GLOBO

"Presidente concorreu em situações semelhantes", diz, reclamando também de suposta prova falsa

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Por causa da polêmica em torno do recibo, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) acusou ontem o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), de ter usado uma prova falsa para sustentar seu voto sobre o processo do mensalão mineiro. Acompanhado por dois colegas tucanos, Tasso Jereissati (CE) e Flexa Ribeiro (PA), para mostrar que tem o respaldo de seu partido, Azeredo disse ainda ter estranhado o fato de ter recebido um tratamento diferente do oferecido ao presidente Lula, que foi inocentado de qualquer participação no mensalão nacional.

— Acho estranho. Não vou entrar no mérito da outra questão, mas a situação é muito semelhante. Eu era governador, uma campanha descentralizada, com delegações de poderes.

E o presidente Lula também concorreu em situações semelhantes. E ele não recebeu nenhum inquérito a esse respeito — reclamou Azeredo.

Para Azeredo, no entanto, o mais grave teria sido a inclusão do recibo falso como prova de acusação contra ele. Segundo o senador, até agora não apareceu o original do recibo, que supostamente comprova que ele recebeu, de duas agências de Valério, R$ 4,5 milhões para saldar compromissos diversos por intermédio do coordenador de sua campanha, Cláudio Mourão. Ele chegou a alegar que o documento sequer havia sido citado na ação da Procuradoria Geral da República, que o acusa de desviar recursos públicos para a campanha à reeleição ao governo mineiro, em 1998: — O recibo está aqui e é falso. Nunca foi assinado por mim e tem um erro grosseiro na falsificação: diz que a importância de R$ 4,5 milhões é para “saudar” compromissos, com “u”, em vez da grafia correta.

Joaquim Barbosa imediatamente contestou Azeredo. Ele disse que o recibo está nos autos do processo, e que limitou-se a lê-lo: — Não há uma única palavra na defesa do acusado sobre esse recibo. Esse recibo foi mencionado na denúncia e a defesa silenciou sobre ele.

Azeredo acrescentou que o recibo teria, inclusive, motivado uma ação sua na Polícia Civil de Minas, em janeiro de 2007, contra o lobista Nilton Monteiro, que aponta como o responsável pela suposta falsificação: — Nilton Monteiro é um conhecido lobista. Foi ele quem fez a lista de Furnas e tem as passagens pagas, quando vem a Brasília, por um deputado estadual do PT de Minas, que não vou mencionar o nome. Ele está a serviço de interesses políticos. Respeito o ministro Joaquim Barbosa, mas é inacreditável que ele utilize um documento desses na peça acusatória.

Azeredo negou ainda que tenha autorizado os patrocínios realizados por estatais mineiras ou pelo Banco Bemge, citados no processo: — Ele (ministro) menciona que o então presidente do banco Bemge declarou que não tinha conhecimento das assinaturas de patrocínios por diretores do conglomerado, de diretores subordinados a ele. Eu me pergunto: se o presidente do banco não sabia, o governador ia saber? É um outro ponto que eu quis trazer, outra imputação absurda sobre uma pretensa responsabilidade.

O senador contestou também as 58 ligações do empresário Marcos Valério para ele, que comprovariam, de acordo com Joaquim Barbosa, seu relacionamento próximo com o suposto articulador do mensalão mineiro. Segundo Azeredo, desses 58 telefonemas, apenas 30 e poucos teriam sido completados, mas os dois só teriam se falado mesmo duas vezes. Ele se recusou a dar detalhes dessa conversa: — Desses que se completaram, apenas dois tiveram o retorno e fui eu que liguei, em cinco anos. Se isso é a comprovação de relacionamento muito próximo, eu não entendo o que é relacionamento próximo.

Antes de convocar uma coletiva para se defender, Azeredo comunicou o fato aos colegas da Comissão de Relações Exteriores (CRE), presidida por ele. E recebeu a solidariedade de todos os presentes, inclusive do senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

Um tabu e uma atração fatais - Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Ofensiva da Fazenda, ainda tida como "exótica", mas não muito, ajuda a derrubar o tabu sobre o debate cambial

O MINISTRO Guido Mantega disse ontem em Londres que quer evitar o "excesso de atração fatal" pelo Brasil. Referia-se ao eufórico e inopinado amor do mundo endinheirado pelo Brasil, que ameaça criar bolhas e exageros de valorização do real. Releve-se o fato de que uma atração fatal, como diz a palavra, é mortal; portanto, o ministro parece querer evitar uma morte exagerada por overdose amorosa de dólares. Mas passemos. Anteontem, em Nova York, o secretário de Política Econômica de Mantega e inspirador intelectual do ministério, disse que um dólar em torno de R$ 2,10 seria adequado para o crescimento do país. Ontem, esta Folha noticiou que a Fazenda deve baixar mais normas que pretendem afetar o câmbio (como emissão de mais dívida pública em reais, no exterior, e fazer com que os bancos captem mais dinheiro de longo prazo no mercado doméstico). A Fazenda reafirma, pois, que quer tomar o controle do câmbio ou, ao menos, da discussão a respeito.

Logo depois da taxação do investimento externo em carteira (via IOF), engolida a seco e com desgosto pelo Banco Central, o presidente do BC, Henrique Meirelles, passou a dizer que estuda medidas para liberalizar mais o fluxo de capitais.

Economistas de bancos e consultorias privados, como de costume, preferem que o BC conduza a discussão, o que têm explicitado em seus relatórios. Por exemplo, análise escrita nesta semana por Sérgio Vale, da consultoria MB Associados, dizia o seguinte. "Por um lado, isso [medidas como o IOF] traz a incerteza de que a Fazenda possa continuar fazendo experiências, e o medo de que essas experiências possam ser exóticas. Por outro lado, força o BC a entrar na discussão, o que é positivo, pois dá um caráter mais técnico e com soluções mais interessantes, como a possibilidade de fundos de pensão investirem lá fora ou a diminuição da cobertura cambial para exportações."

Diga-se de passagem que, no mesmo comentário, Vale introduz uma análise ora pouco usual sobre o câmbio: o real forte, ou o dólar raquítico, não é um destino inelutável. Vale argumenta que o dólar deve se valorizar, pois: 1) O comércio mundial vai se reerguer e vai aumentar a demanda pela moeda americana; 2) Os juros americanos terão de subir; 3) O deficit externo americano deve ir a quase zero em dois ou três anos. No Brasil, o deficit externo deve ir a 3,5% e além, o que deve impor um piso à valorização do real. De resto, os candidatos favoritos à Presidência parecem mais intervencionistas do que Lula em matéria cambial, o que levaria o mercado a antecipar a depreciação.

A análise mais comum, porém, é ainda a do real cada vez mais forte.Um tanto curiosamente, banqueiros brasileiros, em conversas reservadas, acham que isso é mesmo um problema para a indústria e/ou o crescimento (no que divergem, digamos, de seus economistas), embora temam também que o governo possa aparecer com medidas "exóticas", como escreveu Vale.

Resumo da ópera: 1) Discutir o que fazer do câmbio deixou de ser tabu, mesmo na finança; 2) O balanço de forças nas discussões de política econômica muda cada vez mais para o lado da Fazenda.

Sindicato ligado aos Kirchner bloqueia distribuição de jornais

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Silvana Arantes
De Buenos Aires


Uma ação do sindicato argentino dos caminhoneiros, que bloqueou parcialmente a distribuição dos jornais "Clarín" e "La Nación", ontem e anteontem, provocando atrasos nas entregas, voltou a elevar a tensão entre o governo Cristina Kirchner e a imprensa do país.
O "Clarín", que está em atrito com o governo, classificou de "tentativa encoberta de censura" a ação do sindicato, que também afetou a distribuição de revistas.

Vinculado à CGT (Confederação Geral do Trabalho), central sindical alinhada ao kirchnerismo, o sindicato dos caminhoneiros exigia a afiliação dos trabalhadores do setor de distribuição de jornais.

As negociações estavam em andamento havia nove meses. Segundo o diário "Crítica", o presidente da CGT, Hugo Moyano, que é pai do líder do sindicato dos caminhoneiros, Pablo Moyano, reuniu-se na residência presidencial com o ex-presidente e marido de Cristina, Néstor Kirchner, horas antes da operação, para a qual teria obtido seu aval.

Os jornais atingidos e setores da oposição veem o conflito sindical protagonizado pelo sindicato dos caminhoneiros como uma derivação da Lei de Serviços Audiovisuais aprovada no mês passado pelo governo Cristina -que regula os setores de rádio e TV, mas não o de imprensa escrita.

Por essa ótica, o novo episódio se inscreve na série de episódios recentes envolvendo o governo federal dos quais o Grupo Clarín saiu prejudicado.

Em agosto, a Associação do Futebol Argentino rompeu contrato com empresa do grupo para a transmissão de torneios de futebol por TV a cabo. A AFA assinou acordo com o Estado, que passou a exibir as partidas em canal público.

Em setembro, a sede do diário "Clarín" e residências de diretores do grupo foram alvo de operação-surpresa da Receita Federal, na qual cerca de 200 agentes foram mobilizados.

No mês passado, o governo Cristina conseguiu aprovar a Lei de Serviços Audiovisuais, com o declarado objetivo de "desmonopolizar o setor". A mudança obriga o Grupo Clarín a reduzir seus negócios na TV a cabo.

Tucanos defendem fala de ex-presidente

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Cúpula do partido evita associação entre críticas e bate-boca eleitoral

Julia Duailibi

Um dia após o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ter falado em "inércia" da oposição, a cúpula do PSDB buscou desassociar as críticas do tucano de um bate-boca eleitoral com o PT. A cúpula do partido admite, no entanto, que as declarações de FHC e seu artigo publicado domingo no Estado, no qual atacou o governo federal e o PT, preenchem um vazio no momento em que o PSDB encontra dificuldade de afinar o discurso oposicionista.

"Ele falou fundo para formadores de opinião e setores empresariais, e a sociedade entendeu. Disse o que a sociedade pensa. Não tem a ver com oposição. Ele colocou a discussão política em outro patamar", defendeu o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, em referência ao artigo em que o ex-presidente afirma que o governo flerta com o "autoritarismo popular".

Os dois nomes cotados no PSDB para disputar a Presidência em 2010, os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), têm evitado criticar o governo federal, que é bem avaliado pela maior parte do eleitorado.

Secretário da Casa Civil do governo Serra, Aloysio Nunes Ferreira avalia que as críticas de FHC estão "além do debate eleitoral". "São uma pancada que atinge o cerne da prática política e administrativa do governo federal", afirmou.

Ministro no governo FHC, Paulo Renato Souza, atual secretário paulista da Educação, afirmou que o tucano tocou nos "pontos mais importantes que ninguém tinha coragem, nem clareza de tocar". "Não acho que foi um bate-boca porque não foi ofensivo. Tratou de argumentos políticos. Ele tem expertise para fazer isso", declarou.

Para o deputado Jutahy Júnior, próximo de Serra, as declarações do ex-presidente não têm conotação eleitoral. "Comportamento eleitoral tem outro molde, tem uma dinâmica própria. Elas contribuem para o debate de qualidade no País."

Na opinião do deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas (ES), as comparações entre as gestões petistas e tucanas devem ser feitas de acordo com a "tarefa histórica" de cada governo. "Ele fez uma análise precisa da realidade política", afirmou o parlamentar. O secretário-geral do PSDB, deputado Rodrigo de Castro (MG), próximo de Aécio, avaliou que as declarações são "um grito forte da oposição". "As declarações contribuem para o País e preenchem uma lacuna na oposição", declarou.

Zelaya desiste de governo de união

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente deposto diz que só volta atrás se reassumir o poder

Roberto Simon, Enviado Especial, Tegucigalpa

O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, recusou-se ontem a indicar os nomes que deveriam compor, com os membros do governo de facto, um gabinete de união. A recusa deu-se na data-limite para a formação do governo interino, de acordo com o Pacto San José-Tegucigalpa. Zelaya afirma que só nomeará seus representantes após o Congresso determinar sua restituição à presidência. A recusa aumenta ainda mais as incertezas sobre o processo de reconciliação hondurenho, iniciado na semana passada sob forte pressão dos EUA.

A decisão de não integrar o gabinete de união foi tomada ontem pelo presidente deposto, depois de uma reunião com seus principais assessores na embaixada brasileira. Jorge Reina, representante de Zelaya na Comissão de Verificação da Organização dos Estados Americanos (OEA), foi instruído a não apresentar a lista de nomes que o campo zelaysta indicaria.

Na terça-feira, o presidente de facto de Honduras, Roberto Micheletti, havia enviado uma carta a Zelaya solicitando as nomeações do rival para o governo interino. O gabinete de união governaria o país até 27 de janeiro, quando o presidente eleito no dia 29 tomará posse.

O ex-presidente chileno Ricardo Lagos, que lidera a Comissão de Verificação da OEA ao lado da secretária do Trabalho dos EUA, Hilda Solis, garantiu que Micheletti aceita não liderar o gabinete interino e deixará o poder. Ontem, os ministros de Micheletti apresentaram suas renúncias para que o governo de união seja formado.

Questionada pelo Estado sobre a resposta de Zelaya, a assessoria do governo de facto disse que não há "posição oficial" até o momento. O fracasso em criar um governo de coalizão ameaça desmanchar o frágil consenso encontrado na semana passada entre os grupos rivais. O processo de implementação do acordo, entretanto, não foi encerrado, garantiu o embaixador dos EUA em Tegucigalpa, Hugo Llorens, um dos mediadores da crise. "A OEA segue trabalhando normalmente", disse.

Para Zelaya, se os deputados hondurenhos não o recolocarem no poder, o acordo estará rompido. "O Congresso tem um grande papel na solução do conflito. Se ele não atua para reverter o golpe, selando a paz e a reconciliação nacional, o pacto estará sendo violado", disse o presidente deposto à Rádio Globo, emissora de oposição. Os apoiadores de Micheletti, por outro lado, consideram que a decisão dos deputados é soberana e, mesmo sem a restituição de Zelaya, a crise estará terminada.

O presidente do Congresso, José Angel Saavedra, garantiu ontem que o debate sobre o retorno de Zelaya não admite "táticas dilatórias". No entanto, Saavedra voltou a dizer que ainda não há uma data para a votação da restituição.

Isolado na embaixada e vendo suas chances de retornar à presidência diminuírem, Zelaya exortou "aqueles que já deram até seu sangue pela democracia hondurenha" a saírem às ruas para pressionar o Congresso. A Frente Nacional de Resistência (FNR) mantém vigília diante do Parlamento. Ontem, 300 manifestantes estavam no local.

Fala Armínio - Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Armínio Fraga acha que o país pode crescer 5% ou mais no ano que vem. Acredita que há riscos de uma recaída na economia americana. Define como band-aid o IOF sobre capital estrangeiro e acha que nem maior liberdade no mercado cambial resolverá o problema da valorização do real.

“O Brasil é uma história de sucesso, e hoje o mundo paga juros zero, e nós 10% em um ano.”

Entrevistei o ex-presidente do Banco Central, hoje no Gávea Investimentos, no programa da Globonews. Ele analisou a conjuntura econômica do Brasil e do mundo, mas ao mesmo tempo fez alertas de mais longo prazo: — Tivemos no Brasil uma recessão profunda mas curta.

Em 2010, vamos crescer 5%.

Isso em parte é efeito estatístico, mas o crescimento sustentado ainda não está garantido.

O país deveria aproveitar o momento positivo, o embalo, e fazer algumas tarefas necessárias. A taxa de investimento não subiu, é muita baixa, a qualidade da educação é muito ruim.

Ele acaba de voltar de uma viagem internacional, daquelas que faz com frequência, mas viu que o Brasil, como nunca, está na moda: — De todos os emergentes, o Brasil é o mais ocidental, mais institucionalizado, tem democracia, imprensa livre, alternância de poder, e eles hoje valorizam isso. O país estabilizou a economia e saiu da situação de quase permanente moratória. Mas a visão que se tem de nós lá fora é meio artificial, não fizemos algumas lições que precisamos fazer.

No caso da educação, Armínio acha que o dedo não deve ser apontado só para o governo, mas também para as famílias: — O erro é nosso também.

A maioria das famílias não se preocupa com a educação dos filhos, não acompanha. É um mistério. Na China, a família só falta ir armada para a escola exigir qualidade.

Perguntei se a baixa taxa de investimento não era um problema crônico no Brasil: — Nada é crônico, tudo é curável no Brasil. Nós precisamos de investimentos de longo prazo.

O risco mais imediato neste momento, ele falou recentemente ao “Valor Econômico” sobre o tema, é o de que o Brasil esteja revisitando o velho vício do patrimonialismo, nome tão feio quanto o fenômeno que ele define: o de usar o Estado para fins privados.

Ao “Valor”, ele disse a frase “precisamos reestatizar o Estado”. Pedi explicação: — O governo está tentando aumentar a presença do Estado na economia. Ele está sendo aparelhado e direcionado para interesses partidários, sindicais e até privados.

Um dos indícios é o enorme crescimento dos bancos estatais. Há a Petrobras com esta descoberta maravilhosa do pré-sal. Mas ela é uma empresa com capital privado também e está sendo beneficiada. Até o Itamaraty, que sempre foi uma carreira de Estado, está agora batendo bumbo.

Perguntei se o aumento da presença do Estado em outras economias, tradicionalmente liberais, não mostraria a vitória de um pensamento mais favorável à presença do governo. Ele deu uma resposta inesperada: — Sim, nós vencemos. Nós de centro-esquerda. Quem está no Brasil acaba sendo de centro-esquerda por ficar contra essa absurda concentração de renda. Mas o país não tem essa renda concentrada por acaso. É o modelo do Estado capturado por interesses privados que fez isso.

Reduzir o Estado empresário, que fazia aço e telefonia, faz sentido, mas é preciso fortalecê-lo e equipá-lo para as suas funções.

Sobre a crise financeira, ele acha que o excesso de liberalismo foi derrotado: — A crise foi um sinal de fracasso da economia num sistema de regulação excessivamente liberal. O governo teve que entrar para apagar o incêndio. No Brasil, há muitos anos a regulação foi bem mais restritiva e não houve essa alavancagem toda, nem esses veículos financeiros que não entravam no balanço.

Ele acha que há riscos de novas bolhas no mundo: — Estávamos sim perto de 1929, numa situação até pior a meu ver. Mas as respostas dos governos impediram isso, quando deram doses monumentais de esteroides às economias. Mas, continuando a analogia médica, se postergou a cura porque a doença foi mascarada. Não acredito que a economia internacional vai sair dessa confusão crescendo como antes.

Há sim o risco de que juros baixos demais alimentem uma bolha. O dinheiro fica queimando na mão da pessoa, aí ela começa a comprar.

Dá certo, ela compra mais e se forma a bolha. Não é o caso do Brasil. Não acho que haja bolha na bolsa brasileira. Ela não está barata como antes, mas não em bolha.

Armínio, que é do conselho consultivo do Fundo Soberano da China, concorda que a moeda chinesa deveria voltar a se valorizar em relação ao dólar porque a interrupção do processo de valorização está criando tensões demais no mundo e está se mantendo o desequilíbrio de antes: em que a China vendia demais, e os Estados Unidos compravam demais.

Para ele, há o risco de que a economia americana tenha uma recaída: — É isso que se fala nos bastidores, é esse o maior temor. Além disso, os países do G-7 vão sair da crise com uma relação dívida/PIB de 120%, e os maiores emergentes, com 40%. A coisa se inverteu.

Eles estão queimando reputação, mas a reputação não é infinita.

Na visão dele, o dólar pode continuar caindo. A melhor forma de ter um câmbio mais equilibrado é reduzir gastos públicos para abrir espaço para a queda dos juros.