(Efraim Inbar, cientista político israelense, ontem na Folha de S. Paulo)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Reflexão do dia – Efraim Inbar
(Efraim Inbar, cientista político israelense, ontem na Folha de S. Paulo)
Maior pressão sobre Ciro e acirramento da disputa pela candidatura do PSDB
Jornalista
1) Entre os efeitos dos vários dados das pesquisas CNT/Sensus divulgados anteontem (do reforço da popularidade de Lula e da avaliação positiva do seu governo até a elevada taxa de rejeição do ex-presidente FHC), cabe incluir significativamente os dois reunidos no título cima – o primeiro já destacado em avaliações e reações noticiadas ontem e o segundo, estimulado por item do levantamento específico sobre a corrida eleitoral e a que a imprensa dedicará espaço maior nos próximos dias. Essas pesquisas se anteciparam a várias outras do gênero a serem feitas ainda este ano.
2) Quanto às implicações deste levantamento para Ciro Gomes, aos objetivos da proposta feita pessoalmente pelo presidente Lula para ele troque a disputa presidencial pela do governo paulista somam-se agora os de afastá-lo de articulação com o governador Aécio Neves, que ensaiou na semana passada. Cujo potencial político o instituto Sensus chegou a explorar numa chapa Aécio-Ciro, hoje vista como inviável mas que derrotaria uma adversária formada por Dilma Rousseff e Michel Temer. Sintomaticamente, malgrado o impacto negativo gerado por tal articulação no governo (como também entre os tucanos serristas) e ignorando o dado do levantamento de que a candidatura de Ciro tira intenções de voto do principal presidenciável tucano José Serra, o ex-ministro José Dirceu, articulador maior da aliança pró-Dilma, tratou logo ontem de reiterar a disposição do PT de lançar Ciro para a disputa em São Paulo. Até porque o trabalho do Sensus deixa ainda sem resposta a questão, essencial, do grau de transferência da popularidade do presidente para sua candidata.
3) Quanto às implicações no processo de escolha do candidato do PSDB ao Palácio do Planalto, a redução em torno de 15%, de 31,8% para 21,7%, da vantagem do governador paulista sobre Dilma (de par com um pequeno crescimento da popularidade de Lula, de 76,8% para 78,9% e com a ampliação de 65,4% para 70% da avaliação favorável do governo) deverá reforçar a cobrança de Aécio e já também de muitos peessedebistas e dos partidos aliados para que tal escolha seja antecipada para no máximo até janeiro, em contraposição a postura, persistente, de Serra – que segue contando com o apoio da maioria do comando do partido a seu nome – em defesa de que a decisão só seja tomada em março. Postura que assume com firmeza, reafirmando a cada declaração que faz, a confiança de que manterá a liderança
nas pesquisas e a condição que tem preservado de candidato oposicionista mais competitivo, ao mesmo tempo em que procura alimentar a possibilidade de que Aécio possa vir a aceitar a candidatura a vice. E o retardamento da decisão lhe propicia, ou propiciará, a alternativa de disputar a reeleição.
4) Já a cobrança de antecipação por parte de Aécio, reforçada pela pesquisa do Sensus, apóia-se no cálculo de que sua candidatura, diversamente da de Serra , é capaz de atrair parte significativa da base governista (como as legendas do PP, do PTB, do PSB, além do apoio de muitos peemedebistas). E que assim, bem como em face de sua proposta do “pós-Lula”, poderá evitar a polarização plebiscitária buscada pelo Palácio do Planalto. Mas para que ele possa, ou pudesse cumprir esse papel, a indicação de seu nome pelo PSDB terá, ou teria de ser adotada o mais rápido possível, antes de que o governo consolide a ampla aliança pró-Dilma que está articulando. E a referida cobrança é combinada com incisiva exclusão de seu nome numa chapa como vice, o que faz junto com o anúncio de que, neste caso, disputará uma das vagas de Minas no Senado.
5) Nesse contexto de expectativas e cálculos tão distintos, é praticamente inevitável um acirramento entre os partidários do paulista José Serra e do mineiro Aécio Neves na disputa pela decisão da candidatura presidencial do PSDB. Que também começa a manifestar-se entre os principais aliados, os democratas. E que não está tendo efeitos imediatos graves porque estimula e/ou coincide com problemas sérios que ocorrem entre o PMDB e o PT,complicando a montagem da aliança pró-Dilma – em estados importantes como Minas, Rio, Bahia, Pará, entre outros.
Merval Pereira:: Muito além do pré-sal
Embora para os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo seja um tema fundamental, com relevantes consequências econômicas, a divergência da base governista sobre a distribuição dos royalties do pré-sal tem um fundo político que vai muito além do assunto em si, com repercussão na sucessão presidencial.
A proposta que altera o acordo feito pelo próprio presidente Lula com os estados produtores tem como "padrinho" o governador Eduardo Campos, do PSB-PE, que conseguiu unir os estados não produtores do Nordeste em torno de uma emenda que estende a nova distribuição dos royalties para a área já licitada do pré-sal.
As regras acordadas mudariam essa distribuição apenas para a área não licitada, que representa cerca de 70% do total. O governador de Pernambuco coloca-se, com esse movimento, como um líder político do Nordeste, e parece estar interessado em ter um papel mais destacado na sucessão presidencial.
O fato de os deputados de Minas Gerais também estarem metidos nesse acordo indica que a proximidade do governador Aécio Neves com o PSB pode ser maior do que a simples parceria que vem alimentando através dos encontros com o deputado Ciro Gomes.
Mas, no plano imediato, a ação de Eduardo Campos está mesmo conseguindo rachar o PMDB, cujos governadores Sérgio Cabral e Paulo Hartung estão entre as lideranças mais expressivas do partido.
Há quem veja por trás desse movimento de Eduardo Campos a tentativa de inviabilizar o apoio do PMDB à candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência da República, ficando a vice-presidência com o PSB.
Essa questão do pré-sal, aliás, tem provocado grandes divergências entre o governador do Rio, Sérgio Cabral, e o governo federal, de quem é um aliado convicto.
A superação desses embates só tem sido conseguida com a interferência pessoal do presidente Lula, que garantiu, no primeiro momento, que os estados produtores ficassem com uma participação maior do que previa o projeto inicial.
Mas agora, com a tentativa de fazer retroceder os novos critérios, abrangendo os cerca de 30% da área do pré-sal que já foram licitados pelos critérios anteriores de concessão, cria-se uma situação de incerteza jurídica para os estados produtores, que já estão usando o dinheiro para suas despesas.
A situação política atípica que se montou na reunião da Câmara ontem, em que as bancadas dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, independentemente do partido político, uniram-se à oposição para impedir a votação do projeto do governo que muda o sistema de exploração dos campos do pré-sal, de concessão para a partilha, é consequência dessa desavença da base aliada, que briga entre si por motivos diferentes.
Os interesses econômicos dos estados não produtores se colocam em contraposição aos dos estados produtores, muito embora, em ambos os casos, a base governista esteja representada.
A desavença sobre a distribuição dos royalties pode levar a que um partido da base como o PP vote pelo menos dividido, já que o senador pelo Rio Francisco Dornelles, seu presidente, é um aliado do governador Cabral e tem interesse em defender seu estado. Ao mesmo tempo, ele é contrário à mudança do sistema de concessão para o de partilha.
O resultado final do projeto de lei é uma grande derrota dos estados e municípios produtores, mesmo depois que o presidente Lula abriu mão de parcela da parte da União da divisão dos royalties para aumentar a participação dos estados produtores.
Segundo o especialista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), isso acontece porque os produtores aceitaram a tese de que no novo sistema de partilha não haveria participações especiais.
O especialista considera fruto de uma "visão míope" dos nossos parlamentares o fato de ficarem presos à discussão da divisão dos royalties, sem contestar a volta do monopólio da Petrobras na operação dos campos do pré-sal.
"A Petrobras é hoje uma empresa altamente eficiente e, portanto, não precisa do monopólio. A volta do monopólio além de prejudicar a Petrobras, que passa a ser obrigada a operar todos os campos, afasta investidores privados e politiza ainda mais a política de exploração e produção de petróleo no Brasil", afirma Adriano Pires.
No atual regime de concessões, o total das participações governamentais, que engloba royalties, participações especiais, aluguel de área e imposto de renda, entre outros, representa 62,4% do total da renda petrolífera.
A divisão desses recursos se dá da seguinte forma: o governo federal fica com 63,4%, estados produtores, 23,8%, municípios produtores, 9,6% e o restante com os demais estados, municípios e as cidades afetadas com a produção de petróleo.
No novo regime de partilha aprovado pela Comissão na Câmara, a participação do governo aumenta de 62,4% para 79,9%, os estados produtores ficam com 6,2%, municípios produtores, 1,5%, todos os estados, 5,%, todos os municípios. 5,5%, municípios afetados, 0,7% e fundo ambiental, com 0,7%.
Segundo ele, o argumento do relator de que não existe participação especial no regime de partilha não procede, já que também não existe a figura de royalties num regime de partilha puro.
Aliás, ressalta Pires, quando o projeto do governo dá 5 bilhões de barris de óleo para capitalizar a Petrobras, isso significa mais uma derrota dos estados produtores, porque esses 5 bilhões de barris não pagarão royalties, nem participação especial.
"Os números deixam claro o tamanho da derrota sofrida por estados e municípios produtores de petróleo", lamenta Adriano Pires.
Dora Kramer:: Ação detergente
Não foi preciso mais que uma pequena amostragem. O exame de notas fiscais de apenas quatro meses do ano de 2008 flagrou o uso de empresas fantasmas e endereços comerciais fictícios, além de desvio de dinheiro para campanhas eleitorais, na prestação de contas da verba indenizatória da Câmara, existente há oito anos.
O volume de irregularidades detectadas é suficiente para indicar a prática sistemática de fraude por parte das excelências lotadas naquela Casa.
Em mais um exemplo de que o presidente Luiz Inácio da Silva está errado quando diz que o trabalho da imprensa é "informar, não fiscalizar", a Folha de S. Paulo conseguiu por via judicial a liberação de parte das notas mantidas sob sigilo pela Câmara, que não resistiram à ação detergente de uma pequena dose de transparência.
O outro exemplo recente do equívoco do presidente foi o registro fotográfico feito pelo Globo em duas manhãs de quintas-feiras, no plenário da Câmara e no Aeroporto de Brasília. Constatou que vários deputados marcavam presença no trabalho e, em seguida, embarcavam para seus Estados, configurando gazeta remunerada.
O caso das notas frias descobertas pela Folha produz prejuízos mais graves ao erário, além de levar os parlamentares a incursões pelo mundo da falsidade ideológica, peculato (desvio de dinheiro público) e sonegação fiscal.
O jornal tentava a liberação dos documentos desde 2003 e só conseguiu agora porque o presidente da Câmara, Michel Temer, viu que era inútil lutar, pois o Supremo Tribunal Federal já sinalizara para a obrigatoriedade da entrega. O Senado, também instado a abrir as contas, ainda resiste.
A história é toda ela uma vergonha sem tamanho.
A rigor, não seria necessária a interferência da Justiça para o fornecimento das notas fiscais, uma vez que, se o dinheiro dado aos deputados é público, seu uso deveria ser regido pelo princípio da publicidade que rege a administração pública.
A julgar por manifestação anterior do Supremo Tribunal Federal, a transparência é obrigatória. Nota-se agora, só pela amostragem feita pela Folha, a razão do sigilo imposto reiteradamente pelas Mesas Diretoras do Congresso: o acobertamento das fraudes e ausência de controle - ou existência de deliberado descontrole - interno.
As primeiras reações do presidente e do corregedor da Câmara não melhoram as coisas. Michel Temer defende penas brandas e até a modificação das regras, que hoje só preveem a cassação do mandato em casos de quebra de decoro e Antônio Carlos Magalhães Neto já avisa que "não há prazo" para concluir as "investigações".
Da última vez que ambos defenderam posições semelhantes, no caso da farra com as passagens aéreas, ninguém foi punido.
Agora a história segue o mesmo ritmo, não obstante o jornal já tenha fornecido, no mínimo, fortes indícios em relação a diversos deputados, todos obtidos em duas semanas de checagem entre os dados fornecidos e os serviços contratados.
Não bastasse, ontem surgiu nova falcatrua: a distribuição de material promocional do projeto do vale-cultura financiado não se sabe bem se pela Câmara, pelo Ministério da Cultura ou por ambos.
Só é certo que a despesa não saiu do bolso dos deputados dos mais variados partidos, inclusive de oposição, que tiveram seus nomes divulgados na peça como patronos do projeto, configurando propaganda eleitoral com recursos públicos.
Mais um vexame que só consolida o Parlamento na posição de fonte inesgotável - e incorrigível - de escândalos.
Vai ou racha
Se foi sincero quando ficou irritado com a divulgação de uma pesquisa do PSDB mostrando a boa aceitação de uma chapa presidencial "puro-sangue", o governador de Minas, Aécio Neves, deve ter ficado mais irritado ainda com a pesquisa CNT/Sensus, confirmando a preferência: 35% para José Serra-Aécio contra 23% para Dilma Rousseff-Michel Temer.
Se não foi, esse tipo de pesquisa - que vai se repetir - pode acabar sendo um bom pretexto para Aécio aceitar compor a chapa.
Régua e compasso
Os tucanos pensam seriamente em esconder o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cujos feitos de governo incluem um plano econômico que acabou com a inflação, estabilizou a moeda, ajustou as contas públicas, pôs o Brasil no rol do mundo e, só para citar o mais vistoso efeito das privatizações, universalizou o acesso à telefonia e viabilizou o acesso à internet.
Já os petistas exibem alegremente seus mensaleiros sem que isso cause, nem a eles nem ao público, um pingo de vergonha ou espanto. Ao contrário para o novo presidente do PT, José Eduardo Dutra, são motivo de orgulho "militantes em pleno gozo de seus direitos políticos que tiveram uma atuação importante para o PT e para a democracia brasileira".
Política definitivamente não é algo que tenha a ver com Justiça.
Fernando Rodrigues:: Serra entra em campo
BRASÍLIA - O tucano José Serra continua usando a expressão "se eu vier a ser candidato", mas ontem falou como se já estivesse em campanha pelo Planalto. Analisou pesquisas, criticou adversários e tentou construir um curioso raciocínio sobre a eleição de 2010 e o crescimento econômico.
"Economia não decide eleição", declarou Serra ao conceder longa entrevista à rádio Jovem Pan. É uma inversão da teoria popularizada pelo norte-americano James Carville, marqueteiro de Bill Clinton nos anos 90 -a famosa frase "é a economia, estúpido".
No novo figurino de quase candidato a presidente, Serra até usou uma metáfora. A alegoria poderia ter saído da boca de Lula. Se a economia está em boas condições, afirmou o tucano, a eleição de 2010 será como decidir sobre a substituição do motorista de um ônibus que está andando bem. O eleitor escolherá quem estará mais apto a continuar a conduzir o ônibus.
Mais adiante, Serra defendeu o direito de FHC criticar Lula. Perguntou por que só alguns ex-presidentes poderiam falar, como José Sarney e Fernando Collor, ambos pró-PT. Ofereceu então uma provocação: "Se você pudesse votar no passado [num ex-presidente], você votaria em quem? Fernando Henrique, Collor ou Sarney?".
Para arrematar suas alfinetadas, o governador paulista desdenhou o encontro entre Aécio Neves e Ciro Gomes -este, o maior produtor de diatribes anti-Serra da política brasileira. A possível e anunciada joint-venture Aécio-Ciro não teria "consequência nenhuma", até porque "[Ciro] não vai fazer nada que o Lula não queira".
Tudo considerado, Serra entrou em campo. Mas sua teoria de a economia não decidir eleição soa exótica, para dizer o mínimo. Só se explica pela necessidade de o tucano tentar calibrar o discurso pré-eleitoral. Por enquanto, como fica óbvio para quem escuta, ele está na fase de tentativa e erro.
José Nêumanne:: Lula pisoteia nobres ideais, mas quem vai ligar?
Em Roma, poucos dias antes da contestada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar a extradição do sicário Cesare Battisti para sua Itália de origem, mas deixar a palavra final para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, este ouviu do principal líder da oposição de esquerda daquele país, Massimo d"Alema, a afirmação de que o criminoso teve amplo direito de defesa e foi condenado conforme os ritos do Estado Democrático de Direito.
Respondeu-lhe que aquele era um assunto do Judiciário, e não do Executivo. Ele não deve ter contado essa conversa a seu ministro da Justiça. Pois Tarso Genro atribuiu, em declaração pública, a pressão da Itália pela devolução do condenado para lá cumprir pena perpétua ao ressurgimento do fascismo naquele país amigo. Não há também nenhuma evidência de que Lula tenha dado satisfações ao interlocutor italiano sobre a transferência, posterior a esse encontro, de responsabilidade da decisão da Justiça para ele próprio.
D"Alema deve ter acreditado piamente no que ouviu, pois não havia motivo algum para que Lula mentisse E naquele momento ele, de fato, falava a verdade, uma vez que não tinha sido ainda criada a jurisprudência que dá sustentação à versão brasileira da República de poder tripartite, por cinco votos a quatro no STF. Como o chefe do governo resolveu em reuniões com parlamentares e assessores de confiança que José Sarney ficaria na presidência do Congresso Nacional e a cúpula do Judiciário criou uma situação nova em que decidiu sobre um assunto e depois o submeteu à decisão final dele, criou-se uma situação de fato que modifica na essência a teoria da governança compartilhada. No Brasil há um poder que manda, a vontade do presidente, e três subordinados: o Executivo, que a executa; o Legislativo, que lhe obedece; e o Judiciário, que a autoriza. D"Alema foi informado, mas depois foi ludibriado.
E daí? O que estará ao alcance do líder da oposição de esquerda italiana para interferir na decisão a ser tomada por Lula? A Itália poderá reclamar e fazer beicinho, mas dificilmente recorrerá a uma corte internacional de Justiça para discutir o eventual asilo a um criminoso comum que com o aval do Estado brasileiro renega a democracia italiana.
Lula conta com isso. Da mesma forma, comemora, com razão, a notoriedade mundial que conseguiu por ter convidado, reiterado o convite esnobado e recebido o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. Americanos e europeus não gostaram disso, porque o cidadão em questão é uma ameaça permanente à paz na Terra. Ao desafiar o Primeiro Mundo com seu gesto aparentemente atrevido de apoiar uma política nuclear execrada por metade do planeta, Lulinha Paz e Amor o Cara da Silva obteve uma fama mundial nunca antes alcançada por outro presidente brasileiro na História deste país. E, do ponto de vista pessoal dele, isso foi obtido a custo zero. Barack Obama não vai mandar a 4ª Frota depô-lo por causa disso. Nicolas Sarkozy não suspenderá a venda dos jatos para a Aeronáutica. Angela Merkel não deixará de comprar produtos brasileiros. A pérfida Albion não espalhará pedras pelo caminho de Dilma Rousseff rumo à rampa do Planalto. As relações do Brasil com a Rússia, a China e a Índia não serão afetadas. Nem o serão sequer com Israel, vítima preferencial do persa.
O pragmatismo domina cada vez mais as relações internacionais e num mundo assim o presidente brasileiro nada de braçadas. Um dos segredos de polichinelo de sua popularidade em alta depois do vexame do apagão é seu senso pragmático. O líder político capaz de vender à Nação, com a maior desfaçatez do mundo, que o esquema montado para comprar governabilidade no Congresso não passou de uma manifestação golpista da oposição incapaz, que em nada o incomoda, se dá muito bem nesse panorama sem nobres princípios nem moral. Fazendo vista grossa para a truculência do gigantesco parceiro comercial chinês, os Estados Unidos têm pouca autoridade para cobrar do favorito declarado de Obama a postura simpática, esperta e apoiada no enorme desconhecimento de causa do petista quanto ao mandachuva persa. Louca para vender seus jatos e garantir empregos na indústria e votos na urna, a autoridade francesa poderá até usar uma hipócrita retórica (que Lula domina como poucos) para reclamar do apoio ao negador do Holocausto judeu sob os nazistas, mas jamais criará problemas incontornáveis nas relações bilaterais. Os britânicos, alemães, russos e outros europeus também não se animarão a transformar o desconforto com a simpatia do presidente brasileiro por um chefe de governo que financia grupos terroristas em algum incômodo ato concreto relevante.
Como aquela personagem de Chico Anysio na televisão, o governo brasileiro se lixa para os dissidentes da tirania cubana, a paz no Oriente Médio e a Constituição de Honduras, porque, no frigir dos ovos, há poucos parceiros no cenário global interessados nos velhos valores do direito à vida, à saúde e à liberdade. "Sou, mas quem não é?", dizia o cafajeste no programa humorístico. A República petista-lulista hoje vislumbra o mundo em redor com idêntico pragmatismo. O sucesso de seu chefe tem a mesma raiz da popularidade de Carlos Imperial, criador da "pilantragem". "Falem de mim, falem mal de mim, mas falem de mim", proclamava o homem que lançou Tim Maia, Roberto e Erasmo Carlos.
Antigo desafeto e aliado de Lula, dependendo da circunstância, Leonel Brizola dizia que ele seria capaz de pisar no pescoço da mãe para subir na vida pública. Com dona Lindu alcançando a condição de Nossa Senhora dos Pobres e Desvalidos do Brasil, graças ao esquema Barretão de construir mitos nas telas, noço guia levita na cena política nacional pisoteando apenas nobres ideais.
José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde
Roberto DaMatta:: Sobre biografias, heróis e o filho do Brasil
Na semana da pré-estreia momentosa do filme "Lula, o filho do Brasil", recebi uma honrosa proposta de deixar-me biografar. Como intelectual brasileiro sou narcisista; mas lamentavelmente separo o autoamor da cretinice que grassa e assola o jardim onde florescem as nossas celebridades. Entre outras coisas, porque não há político que não se ache intelectual, como não há intelectual que, como um Sartre tropical, não se imagine fazendo - mesmo quando escreve croniquetas apocalípticas e poesia de pé-quebrado - política. Normalmente, o intelectual racionaliza o político (dando um invejável senso de legitimidade filosófica ou jurídica aos seus atos - se todos fazem, por que não eu?) e o político desmonta o intelectual que se vê obrigado a morder a própria língua.
Como tomar parte numa cretina noite de autógrafos de minha biografia, o biografando do meu lado, se minha vida ainda não acabou? Há uma receita do bom senso importante no que diz respeito às homenagens: só se faz estátua, livro ou filme depois que o sujeito bateu as botas. A menos que queiramos transformá-lo em faraó; ou coisa pior.
No liberalismo igualitário, onde um satânico mercado faz com que pessoas, coisas e empresas apareçam e desapareçam, criando um festival de possibilidades de ser e estar, algo repulsivo para quem odeia a competição e o descentramento individualista - o peso da incerteza dentro do razoável; o saque do bem público como crime imperdoável e a distinção pela inteligência -, vale alertar para os riscos do sucesso absoluto.
A tal "unanimidade nacional", embora desejável e aristocrática, é um perigo. O campeão sabe que não pode ser campeão para sempre, senão acaba o esporte. O tigre de dente de sabre fodeu-se (como dizia meu tio Silvio), porque especializou-se em demasia. No topo, viramos trapezistas: um passo em falso nos leva à terra onde a multidão ululante e os bajuladores que nos assassinam com seus projetos infalíveis sentem-se enojados porque caímos.
O velho populismo hierárquico tem como resultado a ligação do "cara" com tudo o que ocorre no sistema. Os sonhos do faraó decifrados por José tinham como base essa ideia. Sendo ocupante de um cargo centralizado que, por isso mesmo, possuía dimensões divinas ou totais, o faraó era responsável pela fartura mas também pela penúria do Egito. O líder carismático descoberto por Max Weber, que felizmente não viu Hitler, mas sentiu o fundamentalismo de Lutero, começa exatamente quando o poder passa a ser associado a dimensões além da política. Ao racismo que tudo hierarquizava dando aos "arianos" (os verdadeiros filhos da Germânia) o direito de eliminar os judeus; ou ao nosso esquerdismo chique que em ano eleitoral casualmente faz a cinebiografia do presidente (e justo porque é presidente), como "o filho do Brasil"! Haja familismo tradicional inconsciente religado a um indiscutível superpoder político. Como sou cagão, como diria o Ziraldo, eu sinto medo.
Mas como a vida é múltipla, eu penso como positiva essa busca de heróis numa sociedade que, pelo seu autoritarismo e o seu viés aristocrático e escravocrata, sempre teve problemas com esses tipos. Realmente, o herói dos escravos não pode ser o mesmo dos senhores; o do povo não pode ser o do político de quem recebe o voto como dádiva para em seguida saqueá-lo.
Na década de 1970, trabalhei esse assunto para descobrir como o personagem do malandro (que tira partido de tudo, e seria honesto só por malandragem!) fazia do Brasil um país complicado relativamente aos limites e à execução das normas que inevitavelmente devem governar uma sociedade que se pretende justa e igual. Tanto isso é verdade que tive meu livro "Carnavais, malandros e heróis" veladamente acusado de reviver o nazi-fascismo quando discutia o problema do herói no contexto do autoritarismo brasileiro.
Contra o herói, citava-se, sem ler ou assistir, Bertolt Brecht dizendo com um dos seus mais tortuosos personagens, o Galileu julgado e acovardado pela Igreja Católica Romana: "Infeliz do país que precisa de heróis!" Vale lembrar que não se trata de um axioma, mas de uma contraposição ao criado Andrea, que afirma o exato oposto: "Infeliz do país que não tem heróis."
O teatro de Brecht é, como o meu livro, marcado por essa desconstrução do indivíduo tido como indiviso mas sendo capaz de desempenhar e usurpar muitos papéis - quase sempre dúbios e contraditórios. Meus argumentos mostram que, num sistema com muitas éticas (ou pontos de vista): da casa ou da rua; dos senhores ou dos escravos; dos carnavais ou dos desfiles militares e procissões, os "heróis" eram diferenciados e incoerentes.
Hoje, uma esquerda que já foi festiva, proibia o proibir e agora está no poder, converge com minhas teorias. Jamais serei o seu herói nas letras ou artes, mas fico feliz ao ver que, inocente e brasileiramente, se busca a pessoa certa, com a biografia certa no cargo mais do que perfeito, para ser o herói brasileiro. Como político e presidente, Lula pode ser discutido e criticado. Pode até mesmo ser demonizado, como ocorreu com FHC. Mas como "filho do Brasil" e herói nacional, ele entra no panteão de Tiradentes, de Antônio Conselheiro e do Padre Cícero. Corre o risco de tornar-se tão intocável quanto foram Hitler, Stalin, Mao e Fidel.
Para uma esquerda que, nas comemorações dos 500 anos do Descobrimento, perguntava o que comemorar, é um grande passo na direção do super-homem. Na tentativa de inventar um personagem que - quando as consciências perdem o rumo, e a bajulação, aliada à vontade de ganhar fama e dinheiro, toma conta - prenuncia o grande ditador que brincava com o mundo como naquele filme de Chaplin.
Roberto Damatta é antropólogo.
Wilson Figueiredo:: À frondosa sombra da reeleição
Lula, o filho do Brasil tem tudo para adicionar ao sucesso cinematográfico, minuciosamente planejado, as suspeitas políticas que haviam se dissipado nas curvas e retas que espicharam a pré-campanha eleitoral além do indispensável. Há dois anos e alguma coisa o Brasil gira no vazio em torno de uma sucessão, sem candidatos, por honra da firma. Mesmo não sendo candidato explícito, o adulto Luiz Inácio Lula da Silva é mais ator do que espectador da própria sucessão. Até aqui, prevaleceu a expectativa de se tratar de filme para fazer carreira cinematográfica, mas depois de exibido para convidados começou a se relacionar com a prioridade política.O efeito inicial da história do menino pobre de uma família abandonada pelo pai, começa a adquirir perfil político e passa a ter a ver com o próprio Lula. Vai se saber mais adiante se Lula o filho do Brasil ressuscitará os ativistas silenciosos do terceiro mandato retirado de pauta .
A iniciativa de produzir o filme e a concordância interessada de Lula criaram um campo magnético onde a tentação do terceiro mandato tende a acelerar, pelo que já se pode perceber, as partículas políticas controladas a partir do momento em que o próprio Lula desautorizou a conspiração. Que tarefa atribuir ao enxame de parlamentares atraídos pela idéia de fazer do plebiscito o motor da democracia.? Criava-se a ferramenta para atender à necessidade suplementar do terceiro mandato sucessivo. A responsabilidade seria do eleitor. A falácia de recuperação do desperdício democrático pelo plebiscito seria perturbadora mas não original. A História pode provar. Seria mais prático alongar mandatos e criar um hospital para tratar megalômanos. Não é por acaso que os regimes que repudiam eleições tentam salvar a face com plebiscitos. Nem por isso melhoram. Não existe parentesco de plebiscito com democracia. A idéia não venceu a dúvida do presidente Lula, que desautorizou a iniciativa e caiu fora da farsa enquanto era possível.
Luiz Inácio Lula da Silva fez a barretada quando o terceiro mandato já estava em andamento, um ano antes da grande curva depois da qual a sucessão de 2010 passou a consumir toda a energia liberada pela fricção política..O caminho sem volta pedia um gesto teatral. Era com ele mesmo.
A ministra Dilma Rousseff ocupou no PAC o espaço em que Lula se virava o tempo todo para apresentar resultados que não são visualizados, pois a ausência de obras públicas não é fotogênica. A questão preocupava o próprio presidente. Além de fazer-lhe companhia no interior e no exterior, a ministra se especializou em bater firme na oposição, mais para agradar ao presidente do que para ganhar simpatia popular. Lula bate sem mostrar rancor, enquanto Dilma ainda não se desfez da intolerância que trouxe da inação revolucionária. Na tentativa de encostar a oposição nas cordas, peca por falta de originalidade no exercício de bater onde Lula já bateu. O brasileiro quer distância cada vez maior de governo com mania de se mirar no passado, a pretexto de focar o futuro. O Brasil descobriu tarde a reeleição, quanto já tinha prestado os poucos serviços de que é capaz. O ideal seria que cada governo fosse sucedido pela oposição, o que já estaria mais próximo se não fosse o presidente Fernando Henrique ter sucumbido ao pecado de Eva, quando deu a dentada no proibido fruto da reeleição, colhido na frondosa árvore republicana.
Sozinho em cena, o cidadão Lula (que também é filho do Brasil), percebeu três anos antes da sucessão que havia no ar velhos sinais de horror à normalidade política. A não ser que tenham sido outras as razões para dissolver o comitê central do PT e desmontar a máquina que devorou seus operadores. Preparava-se mais uma vez o velho emplastro para evitar a agitação eleitoral, que é a melhor maneira de sacudir a cidadania e empoeirar a democracia..O Programa de Aceleração do Crescimento veio para deixar ao menos uma visão de conjunto que falta aos dois governos Lula, com projetos e obras dos quais não se ouve falar. Não sendo governo de obras, nem de idéias, mas de resultado social possível, uma candidatura oficial pedia criatividade. E, para administrar o PAC, sem correr o risco de ser atropelado pelo petismo, o presidente Lula, já com jeito de filho mais velho do Brasil, escalou a própria ministra da Casa Civil para dinamizar a ficção política que permitiria a ele retirar-se de cena, depois de encerrar a questão do terceiro mandato cuja emenda já contava com assinatura suficiente para ser criada.
Lula acertou na conclusão de que a hipótese Dilma Ropusseff tinha tudo para sepultar à beira da estrada o terceiro mandato. Ficou nisso até os sinais de impaciência com a posição secundária da candidata na tela do radar. As pesquisas nada mais têm a dizer, e muito menos os cidadãos. A grande contribuição de Lula para esvaziar a tensão pré-eleitoral foi retirar-se para o segundo plano sem sair de perto da candidata..Ai, começou a correr por fora o presidente que comanda a própria sucessão com o maior índice de aprovação popular nunca suspeitado . O filho do Brasil é a consagração tardia do menino que deu certo, mas que fazer com o filho (já adulto) do Brasil? O que está à mão vem a ser, mais uma vez, o terceiro mandato achado na rua.
Não é preciso ter visto o filme para desconfiar de que não se trata apenas da biografia de um menino pobre que fez por merecer o sucesso na maturidade. E se a paisagem política não sair desse deserto que Osvaldo Aranha, sem ser geólogo, reconheceu à primeira vista pela escassez de homens e de idéias? Sem homens e idéias, a democracia vai continuar árida e imprensada entre uma evasiva social-democracia e um socialismo de sólidos fundamentos capitalistas. O filme é a oportunidade de testar se o presidente Lula renunciou mesmo ou está apenas gastando tempo, enquanto espera que o terceiro mandato passe devidamente arreiado à sua porta. Já haveria saldo se levasse Lula, quando já for ex-presidente, à secretaria-geral da ONU para se ocupar terapeuticamente até à sucessão presidencial de 2014.
Rosângela Bittar :: Cenário para profissionais
Com o fim do processo eleitoral interno para escolha da nova direção do partido e a vitória esmagadora da facção Construindo um Novo Brasil (ex-Articulação), a consequência imediata para a candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, será a profissionalização da sua campanha presidencial, que passará agora por correções de rumo.
O ator principal a entrar em cena é o ex-deputado e ex-ministro José Dirceu, que já vinha atuando discretamente mas agora assume, com a eleição para o Diretório Nacional na chapa vencedora, direta e intensamente, à luz do dia, o papel que desempenhou na eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Principalmente o de negociador de alianças que favoreçam o PT, levando seu partido a fazer concessões onde for pressionado a abrir mão de tudo, e conquistando apoios dos aliados onde o PT estiver realmente melhor.
Será imperdível o espetáculo do convencimento de Fernando Pimentel (PT), em Minas Gerais, sobre a supremacia da candidatura do pemedebista Hélio Costa, à frente nas pesquisas, como o show de conquista do PMDB do Rio Grande do Sul para engrossar o eleitorado de Tarso Genro (PT) terá bilheteria esgotada.
Seja para o bem do PT seja para o mal do PT, esta é agora uma tarefa de José Dirceu e seu grupo facilmente mobilizável, cuja liderança nunca perdeu.
O ex-ministro da Casa Civil que, quando foi defenestrado do governo, ceifado pelo mensalão, passou seu cargo exatamente para Dilma Rousseff, poderia, por que não, estar agora no lugar da ministra. Mas não está. O peso das denúncias contra ele não permitiu recuperar-se a este ponto. Criou para si uma alternativa de ação política que, tanto deu certo, lhe permitiu o retorno oficial, em triunfo, agora, à luta partidária.
Dirceu, segundo seus amigos, não queria de novo este papel e volta contra a vontade. Considerava esgotada sua fase de dirigente do PT. Estava noutra. Pela experiência acumulada na formação de alianças, e sobretudo pela ascendência sobre os companheiros de partido e dirigentes das agremiações aliadas, foi convencido a retomar a velha tarefa.
Sai encolhido desse processo eleitoral interno o grupo do ministro Tarso Genro. Mais encolhida ainda a esquerda. Duas tendências que terão a consideração do seu tamanho nas negociações de chapas Brasil afora.
E o partido, pós eleição do novo comando, já foi enquadrado em pelo menos uma questão: a pressão sobre Dilma para que se deixe treinar para o contato com o público, a imprensa e até as bases do PT. A ordem é deixá-la tocar a campanha, até segunda ordem.
Análises petistas vinham identificando ineficiências e insuficiências no desempenho da candidata. Espalhavam-se, sobretudo no PT, mas também entre aliados, as vozes que clamavam por um afastamento das tarefas da Casa Civil, mesmo que não oficialmente, de forma que tivesse os benefícios de ser dona do cargo e da proximidade do presidente Lula e liberdade maior para dedicar-se à preparação do seu papel na campanha.
Notadamente depois de certos desempenhos em público nos quais, como o do apagão de energia, por exemplo, impacientou-se com perguntas e perdeu a capa de doçura com que se tentava fazer esmaecer a aspereza impregnada na sua imagem, Dilma foi pressionada.
Durante duas semanas, petistas de cúpula discutiram o imperativo do afastamento da ministra para ensaios intensivos. Embora soubessem que a campanha seguia organizada, com um núcleo político funcionando já de forma integrada, com a participação de Ricardo Berzoini, Antonio Palocci, Fernando Pimentel, Gilberto Carvalho, Franklin Martins e Alexandre Padilha, além de um segundo escalão de assessoria política em funcionamento, as avaliações mostravam fragilidade da candidata quando não monitorada.
Assustou os dirigentes a reação da candidata na primeira vez em que foi confrontada com um problema administrativo de sua responsabilidade, o apagão de energia. Para superar os desafios da baixa execução do PAC, outro exemplo de grande projeto sob sua administração direta, o próprio presidente Lula interferiu, transferindo ao Tribunal de Contas da União a culpa e tirando da candidata a deficiência que poderia ser a ela atribuída. No apagão não houve tempo para maturar uma saída deste tipo.
Num primeiro momento, a ministra foi afastada de cena e o ônus político foi assumido pelo ministro das Minas e Energia, Edison Lobão. Depois de novos balanços políticos, ela reapareceu e falou do apagão, mas deixou que o temperamento se evidenciasse. O aconselhamento dizia para se afastar, acalmar-se, reduzir o stress, ter uma preparação mais intensiva no diálogo com a imprensa. O PT preocupou-se também porque, nos contatos com os partidos, Dilma vinha se excedendo, irritando-se com tudo e todos, na base.
Como exemplo do que um escorregão retransmitido em rede é capaz, em um debate petistas mencionaram que, hoje, ninguém mais se lembra da cena, mas foi o gesto de Maurício Marinho, então diretor dos Correios, embolsando R$ 3 mil, que detonou o esquema do mensalão.
Como neopetista, a ministra ainda causa estranheza ao partido. A cúpula queria dela mais diálogo e acha que não adianta fazer isto quando estiver no alto das pesquisas. As mulheres do PT, por exemplo, estão frias com ela, que teve encontros sociais com um grupo de amigas de Marta Suplicy, não com os escalões institucionais.
Uma equação que, para aqueles que trocam de papel agora com os profissionais do ramo, tem que ser resolvida antes da explosão da candidatura que, preveem, não passa de março do ano que vem.
Dirceu não volta sozinho. A vitória da chapa liderada por José Eduardo Dutra nas eleições internas do partido resgatou todos os que, experientes condutores de campanhas petistas até 2005, foram ceifados pelo mensalão.
Não por acaso a candidata apressou-se a defendê-los com base em que não se deve condenar antes da Justiça. Um velho discurso para a inclusão de companheiros que podem fazer a diferença no vale tudo eleitoral.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
PSDB, DEM e PPS farão campanha, mesmo sem candidato
De Brasília
O PSDB, o DEM e o PPS decidiram começar a campanha pela Presidência da República apesar de ainda não terem definido o candidato. Preocupados com o crescimento da candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) em recentes pesquisas eleitorais, dirigentes dos partidos da oposição definiram ações para divulgar a candidatura nacional até o início de 2010, mesmo antes da escolha entre os pré-candidatos do PSDB José Serra ou Aécio Neves para a disputa.
Lideranças dos três partidos, reunidas ontem em Brasília, estabeleceram diretrizes para o planejamento financeiro da campanha e negociaram a intensificação de propagandas na internet, com críticas ao governo federal e à candidatura Dilma. "Não podemos colocar a faca no pescoço de Serra, para ele definir a candidatura", disse ontem o deputado Rodrigo de Castro (PSDB-MG). "Mas temos de fazer ações conjuntas para divulgar a candidatura da oposição até janeiro", explicou. "A candidata do governo está fazendo imensa propaganda agora. Precisamos reagir", disse o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).
Em almoço ontem, dirigentes do PSDB, DEM e PPS negociaram que não pressionarão Serra pelo lançamento da candidatura ainda este ano. "Não temos o que fazer", comentou o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN). "Pressioná-lo só faria sentido se a candidatura dele estivesse pronta para ser lançada amanhã", afirmou. Mas o líder do DEM reclamou que a indefinição está prejudicando o DEM , PSDB e PPS.
No cenário eleitoral apresentado na pesquisa CNT/ Sensus divulgada na segunda-feira, Dilma ganhou, em dois meses, quase quatro pontos percentuais de intenção de voto enquanto Serra ficou estacionado. A oposição teme que a falta de definição sobre o candidato permita o crescimento não só da candidatura Dilma mas também de candidaturas alternativas, como da senadora Marina Silva (PV-AC).
No encontro de ontem, dirigentes do PSDB e do DEM tentaram resolver divergências recentes que desgastaram a relação dos dois partidos. O presidente do DEM, Rodrigo Maia , e seu pai, Cesar Maia, há poucas semanas divulgaram publicamente o descontentamento coma demora do PSDB em lançar seu candidato. Ontem, Rodrigo Maia participou do encontro, mas seu pai não. "Combinamos que não faremos declarações polêmicas em público", disse Agripino. (CA)
Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo
Generoso
O governador de Minas, o tucano Aécio Neves minimizou a queda de José Serra nas pesquisas. Ontem, reiterou que seu nome estará à disposição do PSDB para concorrer à Presidência da República até dezembro e que gostaria que o partido decidisse o assunto antes disso.
Defendeu o legado do ex-presidente Itamar Franco (PPS) e disse que o PSDB deve defender as realizações do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), cujo nome apareceu com alto índice de rejeição nas pesquisas.
Serra em Fortaleza
Panorama Político :: Ilimar Franco
Atrás do voto
O governador José Serra (SP) vai sexta-feira a Fortaleza. Fará palestra para empresários e irá a um seminário promovido pelo Instituto Teotônio Vilela. Lá, terra do senador Tasso Jereissati, o PSDB ainda não tem candidato ao governo do estado.
Denise Frossard diz que o Jornal do Brasil se equivocou
Primeiro: não estou sumida - frequento teatros, cinemas, restaurantes, ando de bicicleta, enfim tenho uma vida como qualquer pessoa.
Segundo: não recebi visita de ninguém do PPS, não sei de onde tiraram essa informação equivocada e bastava entrar em contato comigo, com Roberto Freire ou Givaldo, que a verdade seria restaurada.
No inicio deste ano de 2009, estive com o nosso presidente, Roberto Freire, a quem comuniquei, em primeira mão, que NÃO SOU CANDIDATA A NADA E QUE ESTA POSIÇÃO FOI TOMADA JUNTO COM MINHA FAMILIA, POR MOTIVOS PESSOAIS. Givaldo também está ciente desta minha posição.
Em sendo assim - como é - peço-lhe que restaure a verdade, caro companheiro.
Meu abraço e você e a toda a sua equipe!
Tarso diz que sai de cena sobre o caso Battisti
Ex-ativista interrompe greve de fome que iniciara há 12 dias
BRASÍLIA e SÃO PAULO. O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse ontem que encerrou sua participação "técnica e política" no caso do ex-ativista italiano Cesare Battisti, que ontem suspendeu a greve de fome, iniciada há 12 dias.
Segundo Tarso, qualquer que seja a decisão do presidente Lula, não será uma desautorização "à decisão de ninguém". O ministro se refere tanto à própria manifestação para que o governo concedesse asilo quanto à extradição aprovada pelo STF:
- Não será uma decisão desautorizativa de ninguém. Nem de seu ministro, se ele resolver extraditar. Nem do Supremo, se ele resolver não extraditar. Esse juízo político do presidente está abalizado pelo direito e pelo dever que ele tem de orientar nossa política externa, combinada com as leis que regulam o refúgio e o asilo político.
Segundo a advogada Renata Saraiva, do escritório encarregado da defesa de Battisti, ele voltou a comer em consideração ao pedido de Lula, que na semana passada disse que Battisti deveria parar com o protesto.
Panfleto político com dinheiro público
Ministério da Cultura produz folheto que estimula voto em 250 deputados; oposição vai ao MP
O FOLHETO do ministério que foi criticado pelo senador Demóstenes "Gastar dinheiro público para promover parlamentares é ato de improbidade administrativa"
Leila Suwwan
BRASÍLIA. O Ministério da Cultura produziu e imprimiu, com recursos públicos, um panfleto chamado Vota Cultura, no qual estimula eleitores a eleger parlamentares que apoiam as políticas da pasta. Os nomes de cerca de 250 deputados, de diversos partidos, aparecem na contracapa do panfleto. O material foi classificado pela oposição como propaganda eleitoral ilegal e antecipada. Ontem, a oposição apresentou representação no Ministério Público.
O folheto se tornou o centro de uma confusão ontem, na Câmara, e inviabilizou a audiência na qual o ministro Juca Ferreira iria explicar o projeto Vale-Cultura, que subsidia R$50 em produtos e serviços culturais para trabalhadores. Juca Ferreira, visivelmente constrangido com o material distribuído por sua própria assessoria, inicialmente disse que não conhecia o panfleto e negou que sua pasta tivesse custeado a produção do material. Pressionado, admitiu que o endosso institucional do Ministério da Cultura na peça é "um erro" e um "excesso de solidariedade".
- Não tem um tostão do ministério. O folder foi uma iniciativa da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura, para a celebração do Dia da Cultura em sessão solene na Câmara. Foi um erro - disse Ferreira. - O ministério não é responsável por este folder, não se justifica a reação ocorrida. Isto não é propaganda eleitoral.
No fim da tarde, porém, o ministério enviou ao Senado nota em que reconhece ser responsável pela elaboração e editoração do folheto. E afirma que acabou custeando a impressão, devido à indisponibilidade da Gráfica da Câmara dos Deputados para entregar a tiragem até o dia 5 de novembro.
O panfleto divulga projetos e políticas do ministério. Também consta no folheto a marca do Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, mas não se sabe qual foi a participação do grupo na produção. A assessoria do ministério informou que foram impressos 4.500 exemplares, para distribuição direcionada ao setor cultural. Os assessores de Juca Ferreira não disseram o valor gasto e informaram que a logomarca institucional da Câmara foi usada com autorização informal da frente parlamentar. Mas a assessoria de imprensa da Câmara desmentiu e afirmou que a marca foi usada sem autorização.
- Não se trata de questão partidária, não é adequado misturar eleição com dinheiro público em um folder - criticou o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), que fez um protesto sobre o assunto logo após a apresentação inicial de Juca Ferreira.
O ministro tinha esperado por mais de duas horas para falar, porque os governistas pediram prioridade para a sabatina de novo diretor do Banco Central.
- Gastar dinheiro público para promover parlamentares é um ato de improbidade administrativa. Todos devem ser multados, inclusive os de meu partido, por propaganda eleitoral antecipada com dinheiro público - disse o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que encaminhou ainda ontem uma representação ao Ministério Público Federal.
Sem argumentos para defender o material, restou aos senadores governistas acusar a oposição de criar confusão devido à alta popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à irritação com o lançamento do filme que trata de sua biografia.
- Cabia a reclamação, mas o que está em jogo é outra questão, é o filme sobre o presidente Lula, que tem 76% de apoio popular. A oposição está fazendo obstrução para protelar uma matéria importante, de inclusão social. Fizeram isso com o Bolsa Família também - disse Aloizio Mercadante (PT-SP).
Após uma discussão de quase meia hora, na qual houve ameaça de suspender a audiência, a comissão ficou esvaziada. Da oposição, permaneceram apenas Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e Rosalba Ciarlini (DEM-RN), que apoiam o Vale-Cultura.
Depois disso, o projeto não chegou a ser debatido. Senadores aliados fizeram alguns poucos questionamentos e o ministro atribuiu a situação ao momento pré-eleitoral:
- Concordo que não se crie um material com esse tipo de constrangimento para quem não votou em determinado projeto. Foi um erro - disse Juca Ferreira. - Os parlamentares vivem um momento de disputa, em véspera de ano eleitoral. Mas é importante discutir o projeto Vale-Cultura, que é de interesse nacional.
O ministro disse que não se considera "pai" do projeto do Vale-Cultura, que seria na realidade uma ideia de Sergio Rouanet, ministro da Cultura de 1991-1992, no governo Fernando Collor de Melo. Segundo ele, o Vale-Cultura terá um orçamento de cerca de R$7 bilhões para estimular o setor cultural, dos quais R$3,7 bilhões seriam bancados pelo governo federal. O restante viria de contrapartida dos trabalhadores beneficiados e de incentivos fiscais para as empresas.
Ele não chegou a tratar do filme "Lula, filho do Brasil", nem da necessidade de tramitação do projeto com pedido de urgência constitucional. Segundo Ferreira, as discussões com a área econômica demoraram três anos e o formato alcançado é o ideal para o momento. O benefício será distribuído por meio de cartões magnéticos, que só podem ser usados em estabelecimentos aptos - os dados de consumo cultural serão abertos para controle social e acompanhamento. O ministro não respondeu por que os aposentados não terão o benefício.
'El País': Lula pode perder prestígio “em troca de nada”
Da Redação
O jornal espanhol El País repercutiu terça-feira, em seu editorial, a visita ao Brasil do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. O título Ahmadinejad no Brasil foi seguido de um subtítulo que dizia: “Lula arrisca muito ao não obter de líder iraniano concessões sobre seu programa nuclear”.
No texto, o El País diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode “perder parte do prestígio internacional que colheu”, ao receber Ahmadinejad, que, segundo o jornal, “pretende buscar fora (de seu país) a legitimidade que dentro continua sendo contestada”. O texto segue dizendo que o Brasil “decidiu ocupar um novo papel”, desenvolvendo uma política própria para questões como as relacionadas ao Oriente Médio e ao programa nuclear iraniano, ao qual Lula disse ser a favor, desde que para fins pacíficos.
“É uma aposta arriscada para o presidente Lula que, antes de Ahmadinejad, recebeu o presidente israelense Shimon Peres e o da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, forçado pelo dominó de equilíbrios que deve respeitar após mover a primeira peça”, afirma o editorial.
Para o El País, “a visita de Ahmadinejad ao Brasil não admitiria outro desenlace senão o que um jogo que termina em zero a zero”. O periódico espanhol diz que o fato de Lula não conseguir mudar a posição de Ahmadinejad em relação à questão nuclear iraniana faria o presidente brasileiro perder “em troca de nada (...) uma parte do prestígio internacional que colheu merecidamente”.
Obama pede a Lula ajuda com Irã
Casa Branca valoriza iniciativa de fomentar diálogo entre os iranianos e países ocidentais sobre questão nuclear
Patrícia Campos Mello, Correspondente, Washington,
Denise Chrispim Marin e Tânia Monteiro, Brasília
Na véspera da visita ao Brasil do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, a Casa Branca deixou claro ao governo Lula que valoriza a iniciativa brasileira de fomentar e intermediar o diálogo entre os iranianos e os países ocidentais sobre a questão nuclear. A posição dos Estados Unidos foi expressa pelo próprio presidente Barack Obama, em carta de três páginas enviada no domingo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No texto, os EUA admitem a insatisfação com a decisão do governo de receber o iraniano, mas reconhecem que o Brasil é um país soberano, com direito de orientar livremente a sua política externa. Diante da decisão, Obama pediu que Brasília abordasse os seguintes temas com Ahmadinejad: defesa dos direitos humanos e cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
A carta tratou também das negociações sobre mudanças climáticas, da crise em Honduras e da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Na recepção, anteontem, no Itamaraty, o presidente tratou da questão nuclear, incentivando Ahmadinejad a manter as negociações com a AIEA, e dos direitos humanos.
Depois de lembrar que o Brasil pauta a sua política externa "pelo compromisso com a democracia e o respeito à diversidade", Lula acrescentou: "Defendemos os direitos humanos e a liberdade de escolha de nossos cidadãos com a mesma veemência com que repudiamos todo ato de intolerância ou de recurso ao terrorismo."
SEIS POTÊNCIAS
Na carta a Lula, Obama foi além da exposição do ponto de vista da sua administração sobre o acordo entre o Irã e seis potências nucleares - EUA, França, Inglaterra, Rússia, China e Alemanha -, que vem sendo mediado pela AIEA.
O americano reforçou seu desejo de que Lula transmitisse a Ahmadinejad que os EUA adotaram uma mudança real no tratamento da questão nuclear e defendem, para valer, o acordo sobre a troca de urânio enriquecido em baixo teor no Irã por combustível nuclear.
Ontem, o governo iraniano apresentou formalmente à AIEA uma nova versão da proposta de acordo, cujos termos originais haviam sido rejeitados por Teerã.
A primeira fórmula previa que o Irã embarcasse para a Rússia todo o seu estoque de urânio enriquecido em até 5%. Na Rússia, o teor seria elevado para 20% e a carga seria despachada para a França, onde seria convertida em combustível nuclear para o reator de Teerã, onde são produzidos radiofármacos.
Anunciada anteontem pelo próprio Ahmadinejad, em Brasília, a nova versão de Teerã prevê que o urânio seja depositado na Ilha Kirsch, no Irã, sob custódia internacional. O volume de 1.200 quilos disponível no país seria dividido em três partes, de 400 quilos cada. Toda vez que um volume equivalente de combustível chegasse ao Irã, seria remetida a carga de urânio enriquecido a 5%. Para o Itamaraty, a nova proposta revela o temor do Irã de embarcar o urânio e não receber o combustível nuclear.
Assessor de Lula critica política externa de Obama
Para Marco Aurélio Garcia, posição dos EUA sobre Honduras é "equivocada"
O governo Lula considera "equivocada" a posição dos EUA sobre a crise em Honduras, disse o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia. A irritação manifestada por Garcia refere-se à decisão de Washington de considerar legítima a eleição deste domingo em Honduras, mesmo sem a restituição do presidente deposto, Manuel Zelaya - como quer o Brasil. "Achamos lamentável que se queira limpar um golpe de Estado com um processo de eleição num país que vive sob estado de sítio há meses, com repressão diária e manifestações", afirmou Garcia. Ao fazer um balanço dos dez meses do governo de Barack Obama e da relação dos EUA com a América Latina, Garcia disse que há "certa decepção" e "certa frustração" com a política externa do presidente americano.
Assessor de Lula critica Obama
Garcia ataca posição dos EUA sobre Honduras e diz que há "frustração" com a política externa do líder americano
Tânia Monteiro, BRASÍLIA
Apesar de ressaltar que a política externa brasileira "não é marcada pelo confronto", o assessor especial da Presidência da República Marco Aurélio Garcia foi explícito ontem ao qualificar de "equivocada" a posição dos Estados Unidos sobre a crise em Honduras. Ao fazer um balanço crítico dos dez meses do governo de Barack Obama e da relação com os países latino-americanos, Garcia disse que há "uma certa decepção" e uma "certa frustração" com a política externa do presidente americano, que espera que sejam revertidas.
No embalo da avaliação do governo Obama, o assessor presidencial para Assuntos Internacionais criticou também a posição da Casa Branca sobre as negociações da Rodada Doha - para a liberalização das tarifas do comércio internacional - e da Conferência do Clima, entre os dias 7 e 18 em Copenhague. "Todo aquele clima favorável, que se criou com a eleição do presidente Obama, que se fortaleceu na reunião de Trinidad e Tobago (Cúpula das Américas, em abril), começa a se desfazer um pouco", disse Garcia.
A irritação do governo brasileiro com os EUA, manifestada pelo assessor do Planalto, referiu-se em grande parte à decisão do governo Obama considerar legítima a eleição de domingo em Honduras mesmo sem a restituição ao poder do presidente deposto Manuel Zelaya. "Achamos lamentável que se queira limpar um golpe de Estado com um processo de eleição em um país que vive virtualmente sob estado de sítio há meses, com repressão diária e manifestações", afirmou Garcia.
CARTA DE OBAMA
Na avaliação de Garcia, Honduras corre o risco, após as eleições, de "viver um período de alta instabilidade e nós não queremos assumir de modo nenhum a responsabilidade dessa situação". Ao contrário do que pensam os EUA, disse, "a eleição não transcorrerá em um clima tranquilo porque haverá uma parte importante da população que não participará da eleição". Ele reclamou da posição americana diante da crise: "Os EUA poderiam ter usado, no devido momento, pressões mais fortes para que os golpistas, e Micheletti em particular, fossem para o fundo do cenário." Ele deu a entender que as negociações da Rodada Doha têm perspectivas pouco otimistas por causa da resistência dos EUA em reduzir subsídios e tarifas.
O Departamento de Estado disse que não comentaria as observações de Garcia de que o Brasil estaria "frustrado e decepcionado" com a política de Obama para a América Latina.
Charles Luoma-Overstreet, porta-voz da divisão de Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, limitou-se a dizer: "O Brasil é um parceiro importante e continuamos buscando maneiras de colaborar com o Brasil em relação a Honduras."
Colaborou Patrícia Campos Mello
Míriam Leitão:: O pós-crise
O balanço da crise mostra que os bancos maiores gastaram R$42 bilhões comprando carteiras dos bancos pequenos, para deter a corrida bancária. Mostra ainda que o Banco Central emprestou US$24 bilhões para os bancos oferecerem a empresas necessitadas de dólar, mas US$22 bilhões já foram pagos. O país começa a viver o pós-crise e prepara um pacote de abertura cambial.
No balanço feito agora, o governo comemora alguns resultados e se prepara para os próximos desafios. No primeiro momento, o Brasil enfrentou corrida a alguns bancos pequenos e médios; risco de quebra de empresas com derivativos cambiais; suspensão do interbancário; colapso do financiamento ao comércio exterior.
O Banco Central liberou R$100 bilhões em depósito compulsório para ampliar a liquidez, mas ela ficava empoçada nos grandes bancos. O segundo movimento foi liberar compulsório condicionando a compra de carteiras. O BB comprou uma das vítimas da corrida, o banco Votorantim, para evitar que a crise se alastrasse. O balanço agora mostra que os grandes bancos como Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander, entre outros, chegaram a comprar R$42 bilhões em carteiras. Como eram bons produtos, o resultado foi mais concentração bancária, aumento de clientes nos bancos grandes, mas não aumento do risco desses bancos.
No período da escassez absoluta de dólar no mercado o BC vendeu dólares das reservas à vista, no mercado futuro, e concedeu linhas de crédito a bancos para passar às empresas que tivessem compromissos em dólar. Só US$2 bilhões desses empréstimos não foram pagos ainda e as reservas cambiais, que chegaram a estar um pouco abaixo de US$200 bilhões, hoje se aproximam de US$240 bilhões.
Agora o ambiente é outro do que era vivido há um ano. Há dólar demais entrando, e o governo começa a preparar medidas de liberalização maior do câmbio. O Brasil teve crise cambial tantas vezes que montou uma verdadeira fortaleza para impedir saída de dólar. Desta vez, temos moeda demais chegando e o real se aprecia.
Banco Central, Ministério da Fazenda e Comissão de Valores Mobiliários estão estudando várias medidas para modernizar a legislação cambial para as próximas décadas, tirando as amarras e proibições construídas em época de escassez. Uma das ideias é permitir a fundos multimercados aplicarem no exterior, outra é liberar contas de investimentos em bancos brasileiros em qualquer moeda. Outra proposta é autorizar que investidores estrangeiros em bolsa possam depositar garantias em dólar, em vez de ter que vender os dólares aqui e depositar em reais. Além disso, há uma infinidade de pequenas regras e toda uma estrutura operacional, legal, cultural criando barreiras para a saída de dólar que precisa ser desmontada.
No pós-crise o governo estuda também mudanças nas regras prudenciais para evitar excessos de euforia, consciente de que os grandes riscos acontecem quando há um longo período de crescimento. A bolha que produziu a última crise nos países ricos foi resultado exatamente do longo período de crescimento com juros baixos, e propensão dos investidores e instituições financeiras a maiores riscos. O crédito está voltando ao normal, mas o temor é que a aceleração do crescimento no ano que vem leve a um aumento exagerado na concessão de crédito.
Na crise, os bancos públicos foram estimulados a ampliar sua participação no mercado de crédito. O BNDES e a Caixa Econômica, por exemplo. Se eles continuarem crescendo com o setor privado aumentando sua oferta, o risco é de se alimentar bolhas no mercado brasileiro. Esse é o desafio do momento.
A média diária das concessões de crédito com recursos livres - tanto para pessoas físicas quanto jurídicas - voltou ao mesmo nível anterior à crise. Entre março a setembro deste ano, a média foi de R$7,1 bilhões, a mesma do período janeiro a setembro de 2008. No auge da crise, em janeiro, havia caído para R$6,3 bilhões.
A proporção de crédito disponível na economia em relação ao PIB continuou crescendo. Saltou de 38,7% em setembro de 2008 para 45,7% em setembro deste ano. Isso aconteceu não apenas porque o governo incentivou a manutenção da oferta de crédito, como medida contracíclica, mas também porque o PIB ficou praticamente estagnado.
Uma das preocupações do BC é com o aumento que virá dos excessos que ocorrem em períodos de crescimento. O saldo depois é difícil de resolver. Nos EUA, o epicentro da crise, o FDIC (órgão garantidor dos depósitos bancários do país) informou ontem que o número de instituições de crédito com problemas, nessa ressaca da crise, chegou ao nível mais alto dos últimos 16 anos. Foram 552 bancos que relataram dificuldades em setembro, uma alta de 33% em relação ao segundo trimestre.
Aqui no Brasil, nenhum banco foi ao redesconto, aquele auxílio de liquidez do Banco Central com taxas punitivas. Isso porque os bancos pequenos conseguiram vender suas carteiras, e não havia nelas crédito podre. Mesmo assim, o país viveu dias difíceis. Por isso, a lição que ficou foi que é preciso aperfeiçoar a regulação prudencial
Luiz Carlos Bresser-Pereira e Nelson Marconi:: Doença holandesa de desindustrialização
Depois da crise financeira global haver causado súbita depreciação do real, a tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio existente no Brasil voltou a se manifestar e já se registra déficit em conta corrente. O déficit é ainda pequeno porque ocorre em um quadro de doença holandesa que, por definição, implica sobrevalorização mas é compatível com o equilíbrio em conta corrente. A gravidade da doença holandesa existente em cada país pode ser medida pela diferença entre duas taxas de câmbio de equilíbrio: a taxa de equilíbrio corrente que equilibra a conta de transações correntes, e a taxa de câmbio de equilíbrio industrial - aquela necessária para que empresas industriais, utilizando a tecnologia mais moderna, sejam viáveis. Em um país que ainda não se industrializou, como é o caso da maioria dos países exportadores de petróleo, a doença holandesa significa baixo crescimento e contínua pobreza; em um país industrializado como o Brasil, a sobreapreciação é causa de desindustrialização mesmo com a conta corrente equilibrada.
Quando um país com doença holandesa entra em déficit em conta corrente, isso se deve à "política de crescimento com poupança externa" ou então às operações de "carry and trade". No Brasil, na medida em que não limitamos essas duas práticas e não neutralizamos a doença holandesa, já estamos sendo vítimas de desindustrialização. Não se trata de desindustrialização aguda, porque a doença holandesa brasileira não é comparável à dos países exportadores de petróleo. Como a doença holandesa está associada também a salários baixos dominantes em setores industriais de baixa tecnologia, os setores industriais que mais sofrem com a doença holandesa são os de mais elevado conteúdo tecnológico e, portanto, de maior valor adicionado per capita. São os setores que deveriam liderar o processo de desenvolvimento econômico do país porque geram progresso técnico, retornos crescentes e externalidades positivas, mas são aqueles que estão ficando para trás.
Como no Brasil a doença holandesa não é óbvia como nos países exportadores de petróleo, analistas negam sua existência. Argumentam que o país continua a aumentar a produção industrial e sua exportação. O que é verdade. Além disso, como o mercado interno cresceu muito devido às políticas distributivas do governo, esses analistas veem que as empresas industriais estão investindo, e novamente se recusam a reconhecer a desindustrialização. Não obstante, enquanto a China se transforma na fábrica do mundo e a Índia, na produtora universal de softwares, o Brasil vai gradualmente se transformando na fazenda do mundo.
O Brasil foi o país que mais cresceu no mundo entre 1930 e 1980. Isso foi possível porque nesse período, ainda que com breves interrupções (1945-47, 1961-64), a doença holandesa foi neutralizada no Brasil com a imposição de uma retenção nas exportações de bens primários (que era chamada de "confisco cambial") e de uma firme administração da taxa de câmbio. Desde 1990, porém, com a abertura comercial e, principalmente, a financeira, essa neutralização deixou de ocorrer. No período 2002-2008, a elevação dos preços das commodities exportadas pelo Brasil promoveu certa retomada do crescimento baseada no agronegócio, mas, em compensação, a doença holandesa se agravou. Não há contradição nesse fato. A doença holandesa é fruto das rendas ricardianas originadas de recursos naturais baratos e abundantes que, em princípio, são uma bênção para o país, mas se transformam em uma maldição se o país não impede a sobreapreciação da moeda nacional que vem com a doença holandesa.
Há muitas formas de avaliar o processo de desindustrialização. Uma é comparar a participação, em cada setor, do valor agregado no valor total da produção industrial na fase 1996-02 com a participação no período em que a elevação dos preços internacionais das commodities implicou contínua apreciação da taxa de câmbio (2003-07). De acordo com a Pesquisa Industrial Anual do IBGE, houve uma redução nessa participação de 12,7% para os setores de manufaturados e uma elevação de 2,3% para os primários e derivados. A queda de participação é maior (14,4%) para os manufaturados de média-alta e alta tecnologia.
Outra forma de avaliar a desindustrialização é examinar as exportações no período entre 1997 e 2008. A exportação de produtos primários nesse período cresceu mais (366%) que a de manufaturados (244%): 35% a mais para os primários.
Uma terceira maneira: o quantum de importações de primários aumentou 26% entre 1997 e 2008, enquanto o de manufaturados, 154%. A diferença é brutal, confirmando a queda do valor adicionado exportado.
E, finalmente, a desindustrialização aparece no plano dos investimentos. Provavelmente como consequência da estratégia de substituição de insumos nacionais por importados a que foram obrigadas as empresas, os investimentos na indústria evoluíram muito pouco. Enquanto no setor de commodities, no período 1997-08, os investimentos em termos reais, levantados pela PIA-IBGE, cresceram 277% (14,2% ao ano, 11% sem considerar a extração e o refino de petróleo), no setor de manufaturados os investimentos aumentaram muito menos, apenas 30% (2,7% ao ano).
A desindustrialização do Brasil é, portanto, clara. A mudança desse cenário exige uma nova política de administração da taxa de câmbio. Os economistas convencionais, entretanto, ignorando a experiência mundial e brasileira, dizem ser impossível administrar a taxa de câmbio no longo prazo. Enquanto a sociedade brasileira não perceber o equívoco dessa posição antinacional, o governo não se sentirá com forças suficientes para adotar uma política mais decisiva de administração da taxa de câmbio e de neutralização da doença holandesa. Em consequência, as taxas de crescimento per capita do Brasil continuarão a ser aproximadamente a metade da observada nos países asiáticos dinâmicos. Teremos algumas euforias, como a que está voltando a ocorrer hoje, mas esses períodos de prosperidade aparente e efêmera não serão suficientes para levar o Brasil a crescer de forma sustentada no longo prazo.
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Nelson Marconi é professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da PUC-SP.
Vinicius Torres Freire:: A banda larga de Obama e de Lula
EUA também discutem seu "Plano Nacional de Banda Larga", com ação estatal, a fim de universalizar o serviço
OS EUA , assim como o Brasil, estão elaborando um "Plano Nacional de Banda Larga" a fim de universalizar ou ao menos expandir o acesso ao serviço de internet rápida e convergente, de transmissão de dados, voz e imagem. Ambos os planos preveem planejamento e subsídios estatais. Tais palavras causam reações estereotipadas e histéricas dos ideólogos do mercadismo. Mas nos EUA da livre iniciativa, da competição e da tecnologia discutem-se um plano e gastos governamentais na banda larga. Não se trata de dizer que intervenção estatal no negócio é necessária, que vai prestar ou qualquer coisa assim. Os americanos já têm um plano de subsídios à universalização dos serviços de telefonia e (como nós) comunicação, que segundo o próprio governo americano não funciona lá muito bem (como o nosso, o Fust).
O plano americano está sendo elaborado pela Comissão Federal de Comunicações, uma espécie de Anatel e reguladora de mídia deles. Deve ficar pronto em fevereiro de 2009. O problema americano é que esse país riquíssimo não consegue universalizar a banda larga.
Entre os mais pobres, negros e hispânicos, o acesso é muito menor -bidu. Os preços são altos. O negócio é dominado por oligopólios. Os subsídios federais a pequenos provedores acaba por incentivar a ineficiência. As empresas vendem um serviço que anunciam ter uma tal velocidade e confiabilidade, mas entregam outra coisa, pior, e não há fiscalização nem informação para o consumidor (como no Brasil). O fundo de universalização deles financia mais a telefonia do que a banda larga. Parte desse diagnóstico é do próprio FCC, em relatório divulgado no dia 18 passado (eles não falam em oligopólios, bidu). Ou seja, não parece uma avaliação alentadora da ação do Estado. Nem das empresas, por falar nisso.
Nos EUA, discute-se cobrar uma taxa adicional sobre consumo de telefonia, dinheiro que financiaria a infraestrutura de banda larga para pobres, áreas rurais, pequenas empresas e serviço público. Pensa-se em obrigar as empresas provedoras de internet a compartilhar suas redes de transmissão, a preços regulados pelo Estado (o que ocorre em alguns países da Europa). Tal medida, dizem alguns, poderia expandir a oferta de acesso, aumentar a competição e reduzir preços.
No Brasil, o plano ainda é muito incerto, pois o Ministério das Comunicações, o do Planejamento e a Casa Civil têm propostas diferentes.
Um projeto foi entregue ontem a Lula, mas nada está definido. De mais certo, haverá subsídios para o custo de transmissão e aparelhos.
Mais importante, haverá uma estatal proprietária de redes de fibras óticas (as "estradas" da informação); o governo regularia o preço do "pedágio" digital, segundo noticiou esta Folha.
A "Bandabrás" (ou "Telelarga") vai entrar no campo das empresas de cabo e telefonia, oferecendo conexões para pequenas empresas de banda larga. Havia a ideia de que essa estatal levasse o serviço "até a porta" dos usuários. Mas tal plano é caro demais e, dadas a lisura e a eficiência médias dos Estado brasileiro, isso tende a dar em besteira. Mas uma estatal para balançar o coreto da concorrência pode ser uma boa ideia. No caso dos bancos públicos, funcionou.
Cabral: 'Querem roubar o Rio'
O governador do Rio, Sérgio Cabral, esteve ontem no Congresso e não conseguiu barrar emenda da bancada nordestina que estende para as áreas já concedidas do pré-sal (28% do total) a nova partilha dos royalties, mais favorável aos estados produtores. O Rio começará a receber, em 2010, royalties do campo de Tupi, no pré-sal. Cabral viajou a Brasília com o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, que representa outro grande estado produtor, e saiu irritado:
"Querem roubar o Rio de Janeiro. É perder absolutamente o respeito federativo, é abrir um precedente perigoso no Congresso Nacional (...) Peço a solidariedade dos governadores nordestinos em nome do povo nordestino que mora no Rio."
Pré-sal: Cabral vê "roubo ao Rio"
Sem conseguir barrar emenda que muda royalties de áreas já licitadas, governador eleva o tom
Gustavo Paul e Gerson Camarotti
A ameaça de perder uma boa parcela da receita estadual com royalties de petróleo nas áreas já licitadas do pré-sal levou os governadores do Rio, Sérgio Cabral, e do Espírito Santo, Paulo Hartung, a apelarem ao governo federal para negociar uma solução junto aos demais estados da federação. Ontem, os dois foram pessoalmente ao Congresso e tentaram, sem sucesso, barrar a emenda da bancada nordestina que estende para a área já concedida do pré-sal (28% do total) a nova divisão dos royalties, mais favorável aos estados não produtores. Os textos também preveem o avanço destes sobre as receitas de participações especiais (PEs), que têm 95% da arrecadação atual destinados ao Rio.
Diante do impasse, Cabral elevou o tom ontem e afirmou que a medida "representa um butim (produto de saque)". Ele lembrou que o Rio começará a receber royalties em 2010 do campo de Tupi, no pré-sal, e ressaltou que o estado já perdeu nessa negociação, com o fim das PEs, que não existem no regime de partilha da produção.
- E ainda vem um grupo de parlamentares, por motivos diferentes, roubar o Rio de Janeiro. É perder absolutamente o respeito federativo, é abrir um precedente perigoso no Congresso Nacional - disse Cabral.
Para ele, a discussão não é matemática. É política:
- Peço a solidariedade dos governadores nordestinos em nome do povo nordestino que mora no Rio.
Se for aprovada a emenda da bancada do Nordeste, a receita do Rio poderá sofrer um baque nos próximos anos. Os estados e municípios produtores recebem atualmente 52,5% dos royalties. A proposta para o novo regime de partilha prevê que, nas áreas ainda não licitadas do pré-sal, esse percentual seja reduzido para 34%, sendo 25% para os estados, 6% para os municípios e 3% para os municípios com instalações petrolíferas. O que os estados nordestinos querem é estender essa nova divisão para a parte do pré-sal já concedida.
Até 2025, Rio receberia R$243 bi
Segundo estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, entre 2010 e 2025, o Rio de Janeiro e os municípios fluminenses vão acumular R$243 bilhões em royalties e PE com as áreas já concedidas para a exploração do petróleo, incluindo o pré-sal. São Paulo receberia R$107 bilhões e Espírito Santo, R$18 bilhões.
A intermediação com o governo federal começou a ser feita na noite de ontem, liderada pelo presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), que recebeu a incumbência de levar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a questão. Hoje, Cabral terá um encontro com Lula no Rio. Um dos argumentos é que, sem um entendimento, não se conseguirá aprovar o marco regulatório do pré-sal na Câmara este ano.
No entender dos estrategistas dos estados produtores, a posição intransigente dos governadores nordestinos, capitaneados pelo de Pernambuco, Eduardo Campos, também presidente do PSB, visa a barganhar mais recursos do petróleo a curto prazo. Dessa forma, o governo federal teria de concordar em ceder uma parcela do que irá arrecadar com os megacampos de Tupi, Iara e Júpiter, por exemplo.
Diante do impasse, as bancadas fluminense e capixaba começaram a ensaiar a obstrução da votação do projeto que cria o modelo de partilha. O início da discussão do projeto, previsto para ontem, foi transferido para hoje. Mas não há certeza de que a apreciação poderá ocorrer de fato.
O clima foi tenso ontem. Numa reunião com Temer e com os líderes do governo, Henrique Fontana (PT-RS), e do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), também relator do projeto de partilha, Cabral e Hartung constataram que as bancadas de seis partidos (PP, PR, PSB, PDT e PTB e parte do PMDB) não abririam mão da emenda a favor da maior distribuição dos royalties. Isso enfureceu Cabral:
- Vou procurar Lula. Hoje são deputados da base do governo que estão assinando emendas. É um governador da base do governo que está fazendo proselitismo e demagogia com o estado alheio, querendo se notabilizar nacionalmente com prejuízo do povo do Rio - disse Cabral, numa referência ao governador pernambucano.
Cabral e Hartung também se reuniram com os deputados. A constatação era que, se o projeto for a plenário sem entendimento prévio, a emenda do PSB será aprovada pela maioria dos deputados de outros estados. Preocupado com o impasse, o Palácio do Planalto decidiu atuar junto às bancadas.
- A posição do governo é apoiar o relatório aprovado na comissão especial, que dará um aumento de sete vezes na participação dos royalties dos estados não produtores. Achamos que a disputa não pode retardar o novo marco regulatório. Por isso, nossa orientação é derrubar a obstrução - disse ao GLOBO o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que descartou abrir mão de sua parcela dos royalties para solucionar o impasse. - Não devemos mexer naquilo que já foi licitado.
Nos bastidores, Lula estaria preocupado com a posição bélica de Cabral. Segundo um assessor, ele estaria incendiando a disputa federativa, o que poderia ampliar uma rebelião dos demais estados contra o Rio. Afinal, Cabral afirmou que a proposta da bancada nordestina abre brechas para que sejam discutidas outras questões:
- Vamos discutir a Zona Franca de Manaus, o fundo do Nordeste e por que o povo do Rio de Janeiro recebe só R$600 milhões de Fundo de Participação dos Estados, enquanto Pernambuco recebe R$3 bilhões por ano. Nunca questionamos isso.
Colaborou Cristiane Jungblut
Light já tem três versões, mas não explica novo apagão
DEU EM O GLOBO
Apesar de deixar 40 mil cariocas sem luz durante quase 24 horas, a Light ainda não tem uma explicação convincente para o apagão, que atingiu principalmente Ipanema, Leblon e Lagoa. A empresa já apresentou três versões: excesso de calor, apesar de o fenômeno se repetir todo ano; maior consumo por causa do aumento de eletrodomésticos, embora o efeito da redução do IPI venha do início do ano e os novos aparelhos serem mais econômicos; e o roubo de equipamentos - fato já corriqueiro na cidade que teria causado o alagamento de uma galeria. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deu 48 horas para a Light explicar o apagão e tomar medidas.
O apagão da Light
Calor, aumento de consumo e vandalismo teriam causado pane; Aneel cobra explicações
Bruno Rosa, Elenilce Bottari e Isabela Bastos
Recorrentes como a falta de luz na cidade - mais de 40 mil pessoas ficaram sem energia, de anteontem para ontem, por quase 24 horas em parte da Zona Sul e da Leopoldina - são algumas das desculpas da Light: excesso de calor e aumento do consumo. Especialistas em meteorologia e energia concordam que esses fatores contribuem para apagões, mas estão longe de ser um bom argumento. Na pré-estreia do verão carioca, essas situações são tradicionais e, portanto, mais do que previsíveis.
Segundo o meteorologista Lúcio de Souza, do Instituto Nacional de Meteorologia, houve no último mês um ligeiro aumento de dois graus na média de temperatura, mas isso pode mudar até o fim do mês, com as chuvas. Na verdade, há décadas este calor está previsto para outubro e novembro:
- As temperaturas de 40 graus são recorrentes nos meses de outubro e novembro. Nos últimos três anos, devido ao fenômeno da zona de convergência do Atlântico Sul, também chove muito a partir da última semana de dezembro e as primeiras três semanas de janeiro, mas em fevereiro o calor também tem sido intenso - informou o meteorologista.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deu ontem 48 horas à Light para explicar o apagão de Ipanema e do Leblon e a falta de luz registrada em Copacabana no último dia 13. Segundo nota da Aneel, a empresa terá que "prestar as informações sobre as causas e a duração de cada interrupção, os locais afetados e as medidas adotadas para evitar que os eventos se repitam". Se for contatado algum tipo de problema, a Light poderá receber advertência e ser multada em até 1% do faturamento anual.
A Light diz que três fatores contribuíram para os problemas que ocorreram num perímetro formado pelas ruas Cupertino Durão e Garcia D"Ávila, a orla e a Lagoa. O vice-presidente de Clientes da empresa, Roberto Alcoforado, citou furto de cabos em diversos pontos; acréscimo de 27% no consumo na área, entre quarta-feira da semana passada e anteontem, por causa do calor; e aumento de carga (volume de energia disponibilizada) de outubro passado em comparação com o mesmo mês de 2008, período em que a economia estava em recessão.
O aumento do consumo foi atribuído por ele a um crescimento na quantidade de eletrodomésticos nas casas, por causa da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) do setor, mesmo tendo a área afetada um dos maiores IDHs da cidade - ou seja, a maioria dos moradores já possuía esse tipo de aparelho.
- Tivemos um crescimento de carga por conta do aumento do número de eletrodomésticos. Isso sozinho não é motivo para o sistema não suportar. Mas houve aumento grande do consumo em função da alta temperatura. As pessoas ligam mais o ar-condicionado, abrem mais a geladeira. Isso, associado ao vandalismo de roubo de fios, fez com que tivéssemos problemas em três cabos, deixando o sistema em risco. Faltou luz porque desligamos o sistema para evitar danos maiores e mais tempo para consertos - disse Alcoforado.
O vice-presidente da Light explicou ainda que três dos oito de cabos de média tensão que saem da subestação do Leblon para abastecer a região entraram em curto-circuito. Equipes da Light constataram furtos de cabos de baixa tensão que distribuem a energia para os imóveis. A falta desses cabos gerou danos na rede de média tensão, fazendo com que se optasse pelo desligamento do sistema. Técnicos encontraram ainda galerias alagadas em razão de furtos de boias de contenção de águas pluviais. Segundo Alcoforado, a Light contabiliza uma média de 30 quilômetros de cabos furtados ao ano. Ele negou que a empresa não tenha se preparado para o aumento de demanda por energia desta época:
- A empresa investiu R$1,2 bilhão em melhorias na rede nos últimos três anos, exatamente para suportar o crescimento do consumo. Somos a melhor empresa em termos de indicadores de qualidade do Brasil. Temos a menor frequência de interrupção por cliente do país - afirmou Alcoforado.
Light investiu 10% menos em 2009
Apesar dos transtornos causados, o presidente da Light, José Luiz Alquéres, afirmou, em entrevista ao "RJ-TV", da Rede Globo, que o Rio tem "o melhor serviço de energia do país" e que estão "investindo mais do que nunca para manter o sistema adequado":
- Queremos chegar, inclusive, às Olimpíadas 2016 com um padrão superior a qualquer país do mundo.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO, contudo, dizem o contrário. Nos primeiros nove meses deste ano, a companhia aplicou R$300 milhões em aumento de capacidade da rede, manutenção corrente e novas ligações. No mesmo período do ano passado, foram investidos R$334 milhões. Ou seja, houve uma redução de 10%.
Segundo a Light, a falta de energia atingiu 12.300 clientes (relógios) em Ipanema e Leblon, de um total de 40 mil sem luz em toda a cidade. Na Zona Sul, 60 dos 160 transformadores de Ipanema e Leblon desligaram. Em seis bairros da Leopoldina, 200 desses equipamentos, de um total de 70 mil, apresentaram problemas. Na Zona Sul, 70 técnicos trabalharam no conserto da rede. Mais 250 foram distribuídos em outros bairros com problemas. O apagão começou na tarde de segunda-feira e a luz só foi restabelecida ontem, por volta das 14h30m. Às 18h, ainda havia alguns pontos sem energia, mas, segundo a empresa, por problemas específicos.
O secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços, Julio Bueno, pediu agilização para firmar convênio entre a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Rio de Janeiro (Agenersa) e a Aneel. O objetivo é transferir para a Agenersa a responsabilidade pela fiscalização da Light.
Para Helder Queiroz, professor do Grupo de Energia do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, é visível que houve problema de investimento na rede. Para ele, foi isso que fez a companhia enfrentar problemas com o calor intenso dos últimos dias, quando a demanda chegou a aumentar mais de 20% em alguns bairros. Segundo Queiroz, a Light parece não estar pronta para o verão, e a percepção é que o investimento em modernização na rede ficou em segundo plano:
- O planejamento não foi intensivo, pois essas falhas deveriam ser pontuais. Isso pode ser apenas uma especulação, mas é a sensação.
Rafael Quintanilha, da Brascan Corretora, lembra que todo o orçamento da companhia está dentro das regras estabelecidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Ele ressalta ainda que um dos principais acionistas da Light é a Cemig, empresa mineira conhecida no mercado como "uma companhia focada em resultados".
- A Cemig sempre está ligada a coisas boas e ruins, como queda de transformador e de linha. Hoje, a Cemig está se preparando para ser o principal acionista da Light, abaixo apenas do bloco de controle da companhia - afirma Quintanilha.
Colaborou:Geralda Doca