domingo, 29 de novembro de 2009

Reflexão do dia – Marco Aurélio Nogueira

“Se o PT se julga ou pretende ser um partido de esquerda de fato, não pode permanecer estacionado no plano da agitação, do discurso fácil para as massas. Precisa ir além e acoplar a esse plano um segundo plano, de elaboração teórica, produção cultural e projeção do futuro, como, de resto, se espera que façam todos os demais partidos. Sem isso ficará no meio do caminho e não se completará como partido de esquerda. Poderá até ter sucesso e vencer em 2010, mas não contribuirá para integrar a sociedade, convencê-la da necessidade de uma reforma social e fornecer-lhe algo mais denso e duradouro do que um sonho para sonhar”.
(Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp, ontem, em artigo, em O Estado de S. Paulo)

Merval Pereira:: Contra a corrupção

DEU EM O GLOBO

Não podia ser mais atual, infelizmente, o debate que vai acontecer amanhã, às 10h, no auditório do GLOBO sobre corrupção, do qual serei mediador.

“Corrupção — Nós e Você. Já são dois gritando” é o tema de uma campanha do GLOBO, escolhido pelos leitores, que colocaram a corrupção como sua primeira preocupação. Corrupção no sentido mais amplo, não apenas a da política, que tanto nos aflige e que mais uma vez aparece como tema central do noticiário com as investigações da Polícia Federal no governo do Distrito Federal

Estarão no debate o senador Pedro Simon, figura ímpar no Congresso Nacional que, não fosse por sua atuação cotidiana, mereceria lugar de destaque pela singularidade de ser um político que fez voto de pobreza; Claudio Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil; Rosangela Giembinsky, coordenadora da ONG Voto Consciente; e Maria Apparecida Fenizola, vice-presidente do Instituto de Desenvolvimento de Estudos Políticos e Sociais, na qualidade de “cidadã engajada”.

Professora aposentada, aos 78 anos, ela está no centro de uma iniciativa popular que pode fazer a diferença: o projeto que tenta barrar a candidatura de políticos que respondem a processo na Justiça por crimes graves ou contra a administração pública, o chamado “ficha suja”.

Cerca de 1,3 milhão de assinaturas foram recolhidas, e o projeto está em discussão na Câmara, a despeito da tentativa de políticos de impedir sua tramitação.

A questão que se coloca é: como uma pessoa não pode fazer um concurso público se tiver antecedentes de alguma espécie, mesmo sem trânsito em julgado, e pode se candidatar e assumir um mandato eletivo? A lei complementar das inelegibilidades define que apenas os processos com “trânsito em julgado” podem impedir a candidatura ou a posse de alguém, ferindo o espírito da Constituição, no entender de vários juristas.

Várias tentativas já foram feitas para barrar na largada das eleições os candidatos que respondem a processos, mas esbarram sempre na exigência de que todos os recursos tenham sido esgotados para que o candidato seja impedido de concorrer ou mesmo de tomar posse.

Ao mesmo tempo em que o projeto de iniciativa popular tenta barrar os “fichas sujas”, é preciso fazer com que as denúncias de atos corruptos sejam cada vez mais amplificadas.

Há estudos acadêmicos que confirmam a tese de que políticos que cometeram irregularidades têm menos chance de serem eleitos ou reeleitos quando essa informação é divulgada no próprio ano eleitoral.

Mas a corrupção é uma praga que domina nosso dia a dia, e vai minando os valores da sociedade nos mínimos gestos, seja o de avançar um sinal, ou dar uma “gorjeta” para o guarda da esquina fingir que não viu sua infração.

A burocracia que cria dificuldades para conseguir facilidades por meio do suborno do agente público, que não libera a licença para a instalação de um negócio, por exemplo, ou segura a documentação de um processo qualquer, é outra característica da sociedade que criamos.

Aqui no Rio de Janeiro estamos em meio a um debate interessante, peculiar à natureza da cidade: a sujeira das ruas. O cidadão que se irrita com a sujeira da cidade, mas nem sente que ele é um dos culpados por ela, está corrompido em seus valores.

E o cidadão que vota no político corrupto, o faz ou por ignorância ou má-fé, e em ambos os casos estará contribuindo, direta ou indiretamente, para a perpetuação de um sistema político corrupto.

A exploração das necessidades do eleitorado carente está na base da corrupção política, e na outra ponta está a tentativa de tirar vantagens desse sistema corrupto.

O novo caso de corrupção que domina o noticiário político atual é a reprodução, a nível local em Brasília, do escândalo do mensalão denunciado em 2005 no governo Lula.

O governador José Roberto Arruda, do Democratas, está no centro de uma investigação policial que, pelas gravações feitas com autorização da Justiça já divulgadas, revela a repetição da prática de pagamentos mensais a deputados distritais de Brasília e autoridades do Judiciário local.

O Ministério Público e a Polícia Federal conseguiam convencer um de seus secretários, Durval Barbosa, de Assuntos Institucionais, a participar de um programa de delação premiada. Ele filmou e gravou a divisão do dinheiro do suborno, e até mesmo vezes em que o próprio Arruda teria separado sua cota quinzenal.

A ousadia da repetição de um esquema semelhante ao do mensalão petista, que foi amplamente denunciado e ainda se encontra sob julgamento no Supremo Tribunal Federal, mostra uma outra face da corrupção brasileira, que já foi considerada em um relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos como sendo “endêmica”: a impunidade.

Certamente essa é uma das razões, senão “a razão” para que fatos como esse se repitam. No caso atual, há indícios de que se trata da compra de votos com pagamento mensal, e não o nosso conhecido “Caixa Dois” que financia as campanhas eleitorais, um hábito atemporal da política brasileira que não se consegue extirpar.

O fato de o mesmo procedimento ilegal ter sido adotado tanto pelo PT quanto pelo DEM, partidos diametralmente opostos, demonstra que outro problema que está na raiz da corrupção política é nossa organização partidária e a legislação eleitoral, que precisariam ser reformuladas para reduzir o espaço para a prática da corrupção.

Dora Kramer:: A vulgaridade está no ar

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Previsível e infalível como é a natureza humana, não demorarão a surgir reclamações sobre o comercial que usa imitações do presidente Luiz Inácio da Silva e da ministra Dilma Rousseff para vender papel higiênico.

Assim que fizer as contas e perceber que a paródia vulgariza mais que populariza a dupla, além de minar a imagem de gerente competente construída para a ministra, o governo haverá de arranjar um jeito de sumir com a propaganda do ar.

Até para tentar evitar que outros sigam o mesmo caminho antes que o veio se revele promissor.

Quem pode o mais - que grandes empresas invistam dinheiro na produção de um filme institucional travestido de obra de entretenimento com o objetivo assumido de passar nos cobres o proverbial ofício da bajulação - pode o menos.

Pela lógica vigente - aquela segundo a qual quando muitos erram o erro configura-se um acerto -, a rigor o governo não teria do que reclamar. O presidente Lula, aliás, é o último a poder se queixar da grosseria do vizinho.

As razões são sobejamente conhecidas. Descontadas as ocasiões de crises e escândalos em que o presidente achou por bem recolher-se ao silêncio, nos últimos anos quase todos os dias Lula tem oferecido ao País demonstrações de sua capacidade de superação no que tange à deselegância nas maneiras. De falar, de agir e até de raciocinar.

Sua carência de apreço à cerimônia em boa medida é responsável por sua popularidade. Fala como aquele "brasileiro igualzinho a você" fabulado por marqueteiros de antigas campanhas eleitorais, que não falou ao coração do eleitorado à época, mas ressurgiu bem-sucedido depois de presidente eleito em campanha em que um outro marqueteiro recomendou moderação.

Respeito é bom e todo mundo gosta. Ocorre que é preciso se dar ao respeito e respeitar a todos para receber tratamento igual em troca. O uso de linguajar chulo, de críticas tão sem freios que mais parecem desaforos, da desqualificação moral de quem dele discorde acaba levando o autor a um patamar bem abaixo de seu posto.

O presidente não se impõe limites sequer de cortesia. Não pode exigir ser tratado com a respeitabilidade que seria devida ao presidente da República. O resultado é a disseminação da indelicadeza.

No ambiente da chefia da nação essa rudeza não se atém aos modos. Alcança também os atos.

Senão, vejamos a justificativa que a Presidência da República deu para a utilização de avião da FAB para transportar de São Paulo para Brasília, 15 convidados do filho do presidente, cujas identidades o governo se recusa a revelar.

Segundo a assessoria de comunicação do Palácio do Planalto o presidente tem o direito de transportar convidados porque essa é uma "prerrogativa tradicionalmente exercida no Brasil: foi assim em governos anteriores, tem sido assim no atual".

E ponto final. Nenhum dever de observância à regra de que ao setor público o que não é expressamente permitido é proibido, nenhum constrangimento de estender a tal prerrogativa a familiares - imitando os parlamentares com a cota de passagens aéreas do Congresso -, nenhuma concessão à óbvia inadequação a critérios razoáveis de conduta.

Nem mesmo uma pequena reverência à memória dos discursos de campanha nos quais Lula prometia, se eleito, "mudar" e lutar contra "tudo isso que está aí".

Ficou, por essa resposta da assessoria, consolidada a regra de que no tocante aos maus costumes antiguidade também é posto.

Na prancha


Na tarde se sexta-feira, quando o escândalo de corrupção envolvendo o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, ainda não estava nítido, mas já circulava que ele teria sido gravado ordenando o pagamento de propinas a deputados da Câmara Distrital, no partido de Arruda, o DEM, já vigorava uma certeza.

Confirmadas as gravações, não haveria solidariedade que se sustentasse. "Com gravação não há para onde correr", dizia um correligionário.

Oficialmente, os líderes manifestavam cautela até o esclarecimento dos fatos. Mas, extraoficialmente, comentavam que quem falou com ele não sentiu segurança na suspeita de que a operação da Polícia Federal tenha sido fruto de "armação" do adversário Joaquim Roriz e lembravam que o juiz do Superior Tribunal de Justiça que cuidou do caso, Fernando Gonçalves, é "muito ponderado".

Avaliavam que se não tivesse provas consistentes o juiz não teria autorizado as ações de busca e apreensão de documentos da casa do governador, de aliados e auxiliares dele.

Pausa para meditação

O artigo de César Benjamin, na Folha de S. Paulo de sexta-feira, contando escabrosas particularidades do período em que Lula esteve preso no Dops, segundo ele relatadas pelo então sindicalista, é algo tão chocante que requer melhor digestão.

Jarbas Vasconcelos: Serra está certo ao não admitir candidatura já

DEU EM O GLOBO
ENTREVISTA


Senador dissidente do PMDB admite que oposição está perdida diante da alta popularidade do presidente Lula

Diferentemente da maior parte dos tucanos e seus aliados, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) diz que o governador José Serra (SP) está certo ao postergar o anúncio da candidatura a presidente da República pelo PSDB, porque evita cair no que chama de armadilha do Planalto para leválo a bater boca com o presidente Lula — e não com a candidata do PT, ministra Dilma Rousseff. Em jantar com Serra, Jarbas teve a confirmação de que ele não só é candidatíssimo à sucessão como está montando palanques regionais. Em entrevista em seu gabinete, disse que Serra é o mais qualificado para presidir o país, que Lula é responsável por um período de “profunda mediocridade” e que não é simples transferir voto.


Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti

O GLOBO: A oposição parece perdida diante da alta popularidade do presidente Lula...

JARBAS VASCONCELOS: Concordo. Esta constatação não é de agora. Estou completando três anos de mandato e o que encontrei no Senado foi perplexidade, desorganização, ausência total de articulação. Na única vez que partidos de oposição e dissidentes da base governista se uniram, conseguimos derrubar a CPMF.

Como superar esta desarticulação?

JARBAS: O país está passando por um período de profunda mediocridade. O presidente é muito responsável por isso, na proporção que tece loas ao fato de ser quase analfabeto, não ter instrução e ter vindo de baixo. O nível de debate, não só no Congresso como no Brasil e na intelectualidade, é de uma pobreza franciscana. As pessoas alcançam formação pelo berço ou pela escola. Evidentemente, Lula não teve no berço e não teve na escola. O berço independeu dele. A escola foi porque não quis. Formação é importante para qualquer coisa, não só para ser presidente da República. Ele governa de forma autoritária.

É este o problema?

JARBAS: Ele resolve as coisas no Congresso pelo fisiologismo ou jogando o prestígio dele. O grande mérito do Lula foi, ao assumir, há sete anos, não ter feito loucuras, aventuras com o país. Manteve a política econômica de Fernando Henrique Cardoso. Foi importante porque o país tinha medo de Lula, do PT. Lula imprimiu, a partir daí, a frase “nunca antes na história do Brasil” e grande parte da população acha que foi ele quem acabou com a inflação, controlou contas públicas e colocou o Brasil no rol do primeiro mundo. O PT e Lula votaram contra o Plano Real, o Proer e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ele se apropriou das conquistas do governo passado?

JARBAS: Quando diz nunca antes no Brasil, a sensação para o pobre é que foi ele quem criou o real, acabou com a inflação, estabilizou a moeda. Mas não custaria nada, e não peço nem que faça penitência admitindo que ficou contra tudo isso, admitir que o país estava ajustado.

lApesar dos tropeços do governo, nada parece colar nele...

JARBAS: Só não cola se deixarmos de dizer. Se uma parcela, mesmo minoritária ou insignificante, diz, esta parcela tende a crescer, aumentar. O pior é se omitir. Como na campanha presidencial passada, quando as forças de oposição e o próprio candidato se omitiram de enfrentar e debater o processo de privatização do governo Fernando Henrique.

Na sua opinião, qual a melhor opção para a oposição?

JARBAS: O político brasileiro mais qualificado para presidir o país chama-se José Serra.
Mas ele resiste em assumir a candidatura antes de março.

JARBAS: Concordo com a estratégia de Serra. Sei que tem levado a uma ansiedade muito grande. Mas, oficializando a candidatura, vai bater boca com Lula. Vão querer transferir para Serra uma coisa que a oposição não está fazendo: combater Lula. Serra não tem que bater boca com Lula. Tem que bater boca com Dilma , que não está preparada e esconde por trás da arrogância sua falta de conhecimento e de experiência política.

A queda de Serra nas últimas pesquisas não preocupa?

JARBAS: Uma pesquisa não pode incomodar uma pessoa que é a mais qualificada para governar o país. Por que Serra tinha patamares altos? Não havia outros candidatos. Na proporção que apareceram Marina Silva, Ciro Gomes e Dilma se consolidaram, é natural que Serra saia de 40% para pouco acima de 30%.

Mas a candidata do PT está crescendo e tem como cabo eleitoral alguém com 80% de popularidade.

JARBAS: A questão é saber se Lula transfere votos e em que proporção. A primeira, não contesto , transfere. Mas transferência está cada vez difícil. O grosso do eleitorado de Lula está no Nordeste, mas Dilma perde para Serra em Pernambuco. Há um ano, ( Lula) não transferiu o suficiente para que Marta Suplicy ganhasse a prefeitura de São Paulo. O outro candidato não era nenhum fenômeno, o Kassab (Gilberto, do DEM). Foi com uma candidata experiente, ex-prefeita e ex-ministra. Experiência que Dilma nunca teve. Lula foi para São Paulo, botou a cara, foi para o vídeo, fez carreata, comício e Marta foi derrotada.

Enquanto Serra resiste em assumir a candidatura, o governador Aécio Neves (MG) tenta a vaga de candidato do PSDB.

JARBAS : A notícia que tenho é que não existe problema entre Serra e Aécio.

O senhor acredita numa chapa purosangue do PSDB?

JARBAS: Não adianta falar disso agora. Pode ter chapa puro-sangue , mas lá para frente.

Seria a forma de conquistar o eleitorado mineiro?

JARBAS: Aécio fazendo força é uma coisa. Aécio dizendo apenas que Serra é candidato, é outra. É preciso analisar que Aécio está deixando o governo e que o vice dele (Antonio Anastasia) não terá eleição fácil pela frente. E como será? Ele sendo candidato só ao Senado vai ser suficiente para eleger o Anastasia?

Vê a hipótese de Serra recuar e a oposição ficar sem candidato? Aécio disse que fica à disposição até o fim do ano.

JARBAS: Não. Ele é candidatíssimo. Segundo ele, está acertado com Aécio. Existem atritos de periferia dos dois entornos, mas não entre eles. Jantei com ele esta semana (segunda-feira). Está muito tranquilo, seguro.

Quando assumirá isso publicamente?

JARBAS: O que Serra puder protelar, empurrar para frente, ele vai. Não sei se até o final de janeiro ou fevereiro.

Como enfrentar uma campanha na qual a oposição identificou uso da máquina e que promete ser das mais caras?

JARBAS: Dá para enfrentar e ganhar. Não estou dizendo que temos superestrutura. Ao contrário. A gente tem o principal, o candidato. O governo tem candidato fraco. Lula levou o país a um falso ufanismo, fazendo as pessoas acreditarem que ele resolveu tudo. Na proporção em que o país toma conhecimento de que não foi bem assim, de que Lula não é candidato, não fica tão difícil. Lula bateu um patamar de 80% e acha que pode tudo. Mas tudo termina. A ditadura acabou. A questão não é só paciência, mas enfrentamento. Saber como enfrentar.

Não ter candidato definido não dificulta alianças regionais?

JARBAS: Serra está atento a isso. Pediu para eu ser candidato em Pernambuco, estado estratégico para a oposição. Disse que não estava no projeto, mas não descarto, porque vejo em primeiro lugar o projeto nacional.

Existe alguma chance de o PMDB não ir com Dilma?

JARBAS: São remotas, mas vejo chance de isso acontecer. O PMDB tem três blocos: um com Lula, outro, minoritário, com o PSDB, e agora um terceiro defendendo candidatura própria. Se a coisa pegar fogo em alguns estados, complica a coisa da aliança nas convenções em junho.

PSDB em busca de rumos

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Sem saber quem será o candidato do partido à Presidência da República, tucanos já encontram problemas nos estados na confecção dos palanques regionais para 2010


Denise Rothenburg

A indefinição do PSDB sobre quem será o seu candidato à Presidência da República atrasou a confecção dos palanques tucanos nos mais diversos estados. No Rio de Janeiro, terceiro maior colégio eleitoral do país, e onde, em 2002, José Serra passou a reta final da sua campanha presidencial, os tucanos estão zonzos, sem a menor ideia de quem lançar ao governo estadual.
Enquanto isso, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, pode se dar ao luxo de escolher com quem desfilar — o governador-candidato Sérgio Cabral (PMDB), Lindberg Farias (PT) ou Anthony Garotinho (PR). Marina Silva, do PV, terá, no Rio, o apoio do companheiro de legenda Fernando Gabeira.

Esse cenário transformou o Rio num dos estados que hoje mais preocupam a direção nacional do PSDB. “Mas vamos resolver”, diz o presidente tucano, Sérgio Guerra (PE), que já foi ao Rio pelo menos duas vezes tratar desse assunto. “Aqui, só conseguiremos montar um palanque se houver uma parceria com o DEM e com o PPS”, diz o deputado Otávio Leite, cotado para fazer o sacrifício de sair candidato ao governo carioca num cenário pulverizado e repleto de candidatos promissores.

Se essa situação de ausência de candidato ou disputa interna ocorresse apenas no Rio de Janeiro, os tucanos poderiam até soltar foguetes. Mas a situação se repete no Amazonas, no Ceará e em Rondônia (veja quadro). No Amazonas, por exemplo, o ex-deputado Pauderney Avelino (DEM) foi chamado para uma conversa com José Serra no sentido de viabilizar um acordo com o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), candidato à reeleição que, embora seja conhecido nacionalmente, ainda não tem uma chapa estruturada para garantir a vaga no Congresso em 2010.

Em Rondônia, o PSDB está nas mãos do ex-senador Expedito Júnior, que teve o mandato cassado. Na última reunião da direção nacional do partido, em Brasília, ele defendeu a aliança com o prefeito de Ji-Paraná, José Bianco (DEM), e com o deputado Moreira Mendes (PPS). No Ceará, a sorte do PSDB está nas mãos do senador Tasso Jereissati, candidato à reeleição.

Ao mesmo tempo em que têm problemas de falta de candidatos em alguns estados, os tucanos sofrem com as brigas internas em outros. Um dos mais intrincados é São Paulo, o maior colégio eleitoral do país e berço de um dos presidenciáveis, o governador José Serra. Ali, dois secretários de Serra são pré-candidatos ao governo, Geraldo Alckmin e Aluyzio Nunes Ferreira, sendo o segundo o nome da preferência do chefe.

Nos bastidores, há quem diga que o fato de Serra não querer assumir logo uma candidatura à Presidência da República se deve ao receio de uma briga fratricida pela sua própria sucessão em São Paulo. Esperar até fevereiro ou março, avaliam alguns tucanos, dará mais tempo para que as coisas se acertem “em casa” e Serra arrume a disputa paulista sem prejudicar a candidatura presidencial.

Trégua

São Paulo, no entanto, não é o único problema tucano. No Pará, Simão Jatene e Almir Gabriel não se entendem. Na Paraíba, onde o partido tem o ex-governador Cássio Cunha Lima e o senador Cícero Lucena, foi preciso uma reunião com a presença de Serra e do governador de Minas, Aécio Neves, os dois presidenciáveis, para arrancar uma trégua. Cunha Lima, candidato ao Senado, tenta compor uma chapa com Ricardo Coutinho, do PSB, pré-candidato ao governo estadual, cargo que Lucena deseja disputar em 2010.

Como os tucanos ainda não sabem o que fará Ciro Gomes, o comando partidário pediu aos dois que mantenham a calma e evitem um embate antes da hora. Isso porque, se Ciro for candidato a presidente da República, o PSDB terá que buscar seu próprio caminho no estado, uma vez que o palanque de Coutinho estará reservado para o presidenciável socialista.

Como não é possível resolver esses problemas com a presença de Aécio e Serra todos os dias, os tucanos combinaram na semana passada com a cúpula dos democratas e do PPS que, a partir de agora, as reuniões serão semanais, para tentar fechar palanques nos 26 estados e no Distrito Federal. A ordem é resolver tudo em dezembro, ou, se não for possível, pelo menos aproveitar o espírito natalino para desarmar os ânimos onde as brigas estão dominando o cenário.

Colaborou Tiago Pariz

Estranhos no ninho

Saiba quais são os estados mais problemáticos para o PSDB e os entraves em cada um deles:

Rio Grande do Sul

Yeda Crusius (PSDB) e o DEM estão em campos opostos no estado. A governadora deseja concorrer à reeleição e o Democratas busca acordo com o PDT.

São Paulo

Hoje, são dois candidatos a governador pelo partido: Geraldo Alckmin e o chefe de governo de Serra, o ex-deputado Aluyzio Nunes Ferreira. Ambos ainda aguardam uma definição do governador José Serra sobre o futuro.

Rio de Janeiro

Os tucanos estão com dificuldades de encontrar um candidato, já que Fernando Gabeira, do PV, dedicará seu palanque à candidata de seu partido, a senadora Marina Silva (AC). O prefeito de Duque de Caxias, José Zito, que havia se apresentado para a disputa, recuou.

Alagoas

O governador Teotônio Vilela será candidato à reeleição, mas ainda não montou um palanque robusto para fazer frente à parceria Fernando Collor-Renan Calheiros. Não está descartada uma aliança do PSDB com o PSB, tendo o ex-governador Ronaldo Lessa como candidato ao Senado.

Paraíba

O senador Cícero Lucena pretende concorrer ao governo estadual com o apoio do DEM, mas o ex-governador Cássio Cunha Lima, também tucano, deseja apoiar Ricardo Coutinho (PSB).

Ceará

O PSDB não tem candidato ao governo. O senador Tasso Jereissati deve concorrer à reeleição. O mais provável é apoiar Roberto Pessoa, do PR, como candidato a governador.

Maranhão

O PSDB não tem palanque no estado. Os tucanos fazem oposição ao clã Sarney e flertam com um apoio ao PDT, do governador cassado Jackson Lago. Essa saída é considerada problemática porque há uma parte do PT favorável à aliança com os pedetistas.

Amazonas

O senador Arthur Virgílio, que disputa a reeleição, é considerado prioridade. A questão para o governo local segue indefinida.

Pará

Há uma disputa interna entre o senador Mário Couto e o ex-governador Simão Jatene. A solução caminha para um entendimento entre os dois, colocando Jatene como candidato ao governo.

Rondônia

Falta um candidato forte ao governo local. A opção é o senador cassado Expedito Júnior, que perdeu o mandato por acusação de compra de votos.

São poucas as exceções

Os tucanos têm poucos “oásis eleitorais” hoje, ou seja, estados em que não tiveram ou não terão problemas em montar um palanque para o presidenciável. E, ainda assim, é preciso cautela em alguns deles. O Distrito Federal, por exemplo, era, até sexta-feira, considerado um estado onde tucanos e democratas apostavam todas as fichas na reeleição do governador José Roberto Arruda. Agora, com as denúncias em apuração pela Polícia Federal, ficou tudo em suspenso até que o caso seja esclarecido.

Outro local onde os tucanos pretendem esperar para decidir melhor o que fazer é o Rio Grande do Sul. Lá, a governadora Yeda Crusius passou por um calvário e, mesmo assim, insiste em concorrer à reeleição. “Se ela quiser ser candidata, será”, afirma o presidente do partido, Sérgio Guerra.

Por enquanto, para sorte dos tucanos, outros grandes colégios eleitorais estão com palanques bem estruturados, caso, por exemplo, de Minas Gerais. Ali, o governador Aécio Neves tem como pré-candidato à sucessão seu vice, Antonio Anastasia. Há alguns dias, Anastasia reuniu representantes de todos os partidos num jantar em sua homenagem em Brasília, onde foi saudado como candidato a governador por Aécio e por quase toda a bancada federal mineira.

Um palanque tucano praticamente resolvido é o de Pernambuco, onde uma conversa entre o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), praticamente selou a candidatura de Jarbas ao governo estadual contra Eduardo Campos (PSB), candidato à reeleição.

Porto seguro

A Bahia é outro porto seguro. “Não temos o que temer. Na Bahia está tudo bem, e onde temos problemas, vamos resolver”, comenta o deputado Jutahy Júnior (BA). Lá, o PSDB fechou apoio à candidatura do ex-governador Paulo Souto (DEM), bem posicionado nas pesquisas, e ainda terá o PPS na coligação.

O partido vive uma situação semelhante no Paraná, onde Beto Richa (PSDB) é bem conceituado e tem aparecido na dianteira. Outro palanque que não representará problemas para o PSDB é o do Piauí, onde o PSDB lançará Sílvio Mendes ao governo e terá Heráclito Fortes (DEM) e Mão Santa (PSC) como candidatos ao Senado. (DR)

O discreto voo dos tucanos

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

José Serra e Aécio Neves já rodam o país como pré-candidatos ao Palácio do Planalto. Indecisão do partido, porém, os impede de bater de frente com a ministra Dilma Rousseff, favorita de Lula

Tiago Pariz

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), ainda não saiu da toca para se assumir oficialmente como pré-candidato ao Palácio do Planalto, mas tem intensificado sua agenda de andanças pelo Brasil. Depois de passar por Fortaleza para discursar para uma plateia de empresários, o governador irá ao Piauí no próximo fim da semana para participar de um encontro político. Além da maior exposição de Serra, o PSDB prepara uma ofensiva cujo alvo são os aliados regionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A visita de Serra ao Piauí será um ato combinado com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), também cotado para representar o partido na eleições 2010. O paulista vai na sexta e o mineiro no sábado. O objetivo dos dois é o mesmo: participar de discussões sobre a situação tucana no estado.

Serra demonstra estar cedendo aos apelos de seus aliados por mais exposição. Intensificou a agenda midiática, concedendo uma série de entrevistas a rádios e emissoras de televisão populares e planeja mais viagens pelo país. No PSDB e no DEM, todos estão ansiosos para equiparar o jogo com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que conta com o apoio declarado do presidente Lula para sucedê-lo.

Estratégia adiada

Embora os tucanos minimizem o crescimento de Dilma nas pesquisas mais recentes, há um entendimento de que não devem deixá-la sem oponentes, falando sozinha aos brasileiros. O problema é que nem Serra nem Aécio colocaram em prática uma agenda de interação com potenciais eleitores. O plano seria visitar localidades carentes do país — onde Lula goza de notório prestígio — e se oferecer como opção, minando a simpatia inercial do eleitorado pela favorita do presidente.

A ideia, porém, continua em banho-maria. E, diante do prazo exíguo para definir os pré-candidatos, é possível que jamais saia do papel. Aécio Neves já comunicou à cúpula do PSDB que se lançará ao Senado em janeiro próximo caso o impasse permaneça. Serra, por sua vez, insiste em fechar a questão somente em março.

Na última sexta-feira, o governador paulista concedeu entrevista para uma rede de televisão de Fortaleza e palestrou para empresários e profissionais liberais a convite do Centro Industrial do Ceará (CIC). Em paralelo à agenda de um candidato não assumido, o PSDB quer firmar uma estratégia de contra-ataque. Ou seja, vai trabalhar para roubar aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva país afora. O primeiro passo é no Pará, estado considerado importante para a solução do conflito interno entre tucanos. Com uma solução que aponta para o lançamento da candidatura de Simão Jatene ao governo local, a cúpula do PSDB quer negociar com o PR e com o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA).

O Pará é considerado um estado crucial também para o sucesso da aliança do PT com o PMDB. Nesta semana, Barbalho e a governadora paraense Ana Júlia Carepa deverão se sentar à mesa para discutir uma saída a contento. A chave para o peemedebista aderir à aliança nacional passa pelo tamanho que ele terá em um eventual governo petista. --> --> --> --> -->

PT lucra com inércia

Com uma situação pouco confortável na disputa por São Paulo, o PT tenta jogar no colo do governador José Serra (PSDB) a responsabilidade por acelerar a disputa local. Os petistas avaliam que a indefinição tucana no estado os ajuda a ganhar tempo em sua disputa interna.

O PSDB tem dois nomes que podem disputar o Palácio dos Bandeirantes. O ex-governador Geraldo Alckmin, atual secretário de Desenvolvimento, e o chefe da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira.

Apesar de as pesquisas de intenção de votos colocarem Alckmin na dianteira folgada, há uma evidente disputa interna que pode ser explorada pelos petistas — o partido aposta que a paralisia tucana é parecida com a que o próprio PT enfrenta para escolher quem será o candidato da oposição no estado.

O partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem como pré-candidatos o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, o ministro da Educação, Fernando Haddad, e o prefeito de Osasco, Emídio de Souza. Correndo por fora, aparecem o deputado Arlindo Chinaglia e o senador Eduardo Suplicy. Não bastasse a penca de candidatos, há ainda um debate sobre a viabilidade do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) no estado. “Se o PSDB já tivesse escolhido o seu candidato, nossa situação estaria muito ruim, mas como eles também estão mais ou menos paralisados, estamos mais tranquilos”, disse um petista.

O PT tem trabalhado com o mesmo tempo de Serra para o estado. A definição do candidato sairá somente no fim do primeiro trimestre do ano que vem. Lula gostaria que o partido apoiasse Ciro, mas isso ainda depende de uma composição interna e com os aliados. Os petistas também tentam vender a imagem que estão mais avançados nas alianças eleitorais, lembrando a toda hora que têm pacto com PDT, PSB, PSL, PSC, PRB, PTN e PCdoB para lançar um único candidato de oposição ao PSDB no estado. (TP)

E EU COM ISSO

A intensificação da agenda dos dois pré-candidatos do PSDB à Presidência da República em 2010 é uma resposta à estratégia petista de superexpor a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Se o PSDB entrar de cabeça no jogo proposto pelo PT, o clima de campanha será antecipado e pegará fogo sete meses antes do prazo oficial para a eleição.

Alberto Dines :: A partilha da Palestina

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Foi pífia a proposta do governo de Israel para iniciar as negociações de paz: paralisar por 10 meses a construção de novos assentamentos na Cisjordânia. Congelamento morno, pouco afirmativo, imediatamente contestado pelos 300 mil colonos já estabelecidos em território que pertence à Autoridade Palestina.

Nem generoso nem voluntário, o gesto do governo de centro-direita de Benjamin Netanyahu foi uma resposta à forte pressão exercida pela Casa Branca no sentido de remover um dos mais visíveis obstáculos às negociações de paz que culminarão com a criação do Estado Palestino.

Esta transação provisória, pouco convincente, melancólica, tem como cenário uma das decisões mais importantes e emocionantes já votadas pela Organização das Nações Unidas em toda a sua história: no dia 29 de Novembro de 1947 - há 62 anos -- por 33 votos a favor, 13 contra e dez abstenções foi aprovada pela Assembleia Geral a partilha da Palestina em dois Estados, um árabe e outro judeu. Entre os apoiadores da partilha estavam três dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança: Estados Unidos, União Soviética e França. A China (ainda de Chiang-Kaichek) se absteve, assim como a Grã Bretanha que detinha o Mandato sobre a região contestada. O brasileiro Oswaldo Aranha, presidente da Assembleia Geral, foi o artífice da histórica decisão ao adiar para a manhã seguinte ao Dia de Ação de Graças, um sábado, uma votação cujo resultado era incerto.

Não é este o lugar para relembrar as dificuldades e o banho de sangue derramado para implementar a decisão da ONU. Importa registrar que ela constitui a base legal para a proclamação da independência do Estado de Israel. Saudada pelos 600 mil judeus que viviam na Palestina encerrou uma perigosa dissensão ideológica que ameaçava dividir a Diáspora recém despertada do horror do Holocausto: a opção de um Estado binacional era apoiada não apenas pelos comunistas, sionistas de extrema esquerda e também pelos seguidores do filósofo humanista Martin Buber.

A extrema-direita (da qual Netanyahu é herdeiro) apostava na conquista integral da Terra Santa (incluindo a antiga Transjordânia). Os religiosos, salvo uma minoria não fundamentalista, eram absolutamente contrários a existência de um Estado judeu que não fosse proclamado pelo Messias, como está nas Escrituras.

A grande maioria seguia a coligação socialdemocrata-centro chefiada por David Ben Gurion e Chaim Weitzmann (escolhidos como primeiro-ministro e presidente do primeiro governo israelense).

O esforço concentrado para a criação de um Estado árabe na Palestina (para usar o vocabulário da época) abre o caminho senão para a paz, pelo menos para um armistício duradouro, depois de sete conflitos bélicos de grandes proporções. Além disso, repara o castigo imposto aos palestinos pela intransigência dos países árabes dos países vizinhos que recusaram a divisão preconizada pela ONU. Sobretudo, cala a boca de delinquentes como Mahmud Ahmadinejad e Osama bin Laden, os hitlers do século 21, cujas carreiras e postulados foram fabricados com a matéria-prima do terrorismo e da insanidade.

A partilha da Palestina precisa ser concluída com urgência. Esta página não pode permanecer semiaberta ou semi-fechada – reticências em história só favorecem os conflitos. Os assentamentos na Cisjordânia são meros empreendimentos habitacionais, subsidiados, destinados a abrigar a fina flor do fanatismo religioso sem qualquer contribuição para o desenvolvimento regional. O congelamento destas incursões imobiliárias como foi proposto é insuficiente, deve ser visto como a etapa inicial para avanços mais corajosos e consistentes.

A Diáspora judaica, inclusive no Brasil, avalizou com emoção a resolução da ONU sobre a Palestina. Mais de seis décadas depois, estas convicções não deveriam ser esquecidas, nem descartado o esforço para implementar o texto aprovado. Depois de partilhar, hora de compartilhar.

» Alberto Dines é jornalista

Eliane Cantanhêde:: Menino do MEP

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - César Benjamin abriu uma guerra de muita paixão e pouca objetividade entre o seu texto na Folha, "Os Filhos do Brasil", e o filme "O Filho do Brasil". Com narrativa serena, mas conteúdo dramático e chocante, Benjamin desvia o foco da corrupção para uma seara muito mais pantanosa da política: o caráter dos governantes.

O que interessa aqui não é acatar ou rejeitar Benjamin e o que ele relata, mas analisar os efeitos no debate político.

O confronto entre filme e texto, que remete a uma suposta tentativa de Lula de subjugar sexualmente um jovem ("o menino do MEP") na cadeia, acirra ao máximo o maniqueísmo do endeusamento ou da demonização de Lula.

Intelectuais refratários ao atual regime e a oposição vão tentar aprofundar aquela vaga sensação de que Lula, sob o manto da humildade, é na verdade um megalomaníaco que se sente predestinado: "Eu quero, eu posso, eu devo".

Já Planalto e marqueteiros e aliados vão carregar numa fórmula que tem sido infalível quando falta argumento objetivo para defender Lula: o da vitimização. O operário rejeitado pelas elites, o líder que é alvo de ex-aliados ressentidos.

O debate político, portanto, entra numa nova fase de embate, abstrato, difuso, permeado por sentimentos e emoções. No centro, as personalidades, ou, como diz o próprio Benjamin, "a complexidade da condição humana". Ganha, no grito, quem tem mais meios e mais marketing. Lula tem sido imbatível nisso.

Recomeço: Ao se recusar a reconhecer as eleições de hoje em Honduras, o Brasil aposta no recrudescimento da crise interna e testa forças com os EUA. Duplo erro. Fim: com seu único governador na lama, o prefeito de São Paulo multiplicando o IPTU e as secretarias, e o partido atirando no seu candidato à Presidência, o DEM ameaça sumir do mapa.

Governador Serra elogia o PSDB cearense

DEU NO DIÁRIO DO NORDESTE (CE)

Encerrando a programação do PSDB, José Serra destaca a importância do partido no Ceará e em São Paulo

O governador do Estado de São Paulo, José Serra, no encerramento de evento tucano na cidade de Canindé, destacou a importância do PSDB do Ceará para a campanha do próximo ano, pelo fato de o partido contar com 54 prefeitos e muitos vereadores, além da agremiação deter o maior número de filiados, classificando-os como uma militância forte. Depois de abordar o caráter nordestino do Estado de São Paulo, Serra fez questão de frisar que, no próximo ano, o partido completará 16 anos administrando aquele Estado e aproveitou para ironizar a aliança que está sendo anunciada entre o PT e o PSB, para formarem um palanque de oposição ao tucanos daquele Estado, sendo o deputado federal Ciro Gomes, o mais destacado para liderar a frente.

"O PSDB vai completar 16 anos administrando o Estado de São Paulo e não tem adversário, pois a administração é voltada para o desenvolvimento e para o povo. Criamos programas de renda cidadã, mas principalmente priorizamos o emprego", ressaltou, o governador paulista para a plateia tucana. José Serra também criticou a morosidade na recriação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), cujo processo se iniciou ainda em 2003, primeiro ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas que ainda não se viu nenhum resultado prático. "Perguntei ao Roberto Freire (presidente nacional do PPS, que também esteve no evento) sobre como estava a Sudene, já que ele é pernambucano. Ele me respondeu que estava lá, parada.

Militância

O senador Tasso Jereissati, após fazer críticas ao Governo Federal pela ausências de obras federais no Estado, disse esperar um engajamento da militância do partido, nas eleições do próximo ano, pois, segundo ele, mesmo o PSDB não fazendo mais parte dos governos federal e estadual, a agremiação ainda detém 54 prefeituras no Estado, enfatizando que "não existe militância igual a essa no Ceará e no País, pois mesmo sendo oposição, ainda temos muitos prefeitos e vereadores e precisamos de todos vocês para o desafio no próximo ano", colocou o senador cearense.

Sergio Fausto:: Controlar não é preciso

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Atendendo à reivindicação histórica de setores de seu partido, movimentos sociais, centrais sindicais e organizações da sociedade civil, o presidente Lula convocou ao início de 2009 a 1ª Conferência Nacional de Comunicações (Confecom), cujas deliberações terão caráter indicativo, mas nem por isso deixarão de ter peso político.

Ninguém pode negar a relevância do tema de fundo da conferência: um novo marco legal para as comunicações, setor cujas fronteiras se vão alargando cada vez mais pelo surgimento de novas mídias e pela generalização da tecnologia digital. Há aí um potencial não esgotado de desconcentração do poder de falar e ser ouvido, escrever e ser lido na esfera pública, com impactos possivelmente positivos para a formação de opinião e deliberação democráticas sobre assuntos coletivos. Nesse sentido, são em princípio bem-vindas todas as propostas que visam a alargar as possibilidades de acesso a canais de comunicação e ampliar a oferta pluralista de informação, opiniões e debate.

O risco da conferência é se transformar em mais uma batalha da guerra de posições que o PT e aliados travam contra a chamada "grande imprensa". Ou, pior, resultar na legitimação de instrumentos que possam servir ao partido e a eventuais futuros governos, sob seu comando ou de outrem, para cercear a atividade jornalística e a liberdade de expressão. Talvez por pressentir esse cenário é que a Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão e a Associação Nacional de Jornais, entre outras associações do setor privado, tenham abandonado, certa ou erradamente, o processo preparatório da conferência.

Não se trata de pressentimento infundado. Basta se dar ao trabalho de ler documentos produzidos por instâncias do partido e estar atento às discussões travadas nas conferências estaduais, de onde saem propostas e delegados eleitos à Confecom. Exemplar a esse respeito é o documento O PT na Conferência Nacional de Comunicação, assinado pelo presidente Ricardo Berzoini, em que a direção do partido convoca seus militantes à mobilização e estabelece as linhas gerais da estratégia partidária para a conferência. Cabe citar um trecho da introdução: "Com grande poder econômico e estratégico, "os barões da mídia" controlam TVs, rádios, sites noticiosos, jornais e revistas, difundindo para toda a sociedade o pensamento único de seus interesses comerciais, políticos e culturais."

A descrição da mídia como um bloco monolítico que defende os mesmos interesses e dissemina as mesmas opiniões é um retrato flagrantemente distorcido da realidade brasileira. A emergência de novas tecnologias de comunicação, o surgimento de novos públicos, as incertezas sobre os modelos de negócio dos grupos empresariais do setor e os próprios efeitos da democratização da sociedade brasileira, tudo isso somado faz a grande imprensa brasileira ser hoje mais plural e menos segura de si do que jamais antes na História deste país depois do fim da ditadura. Nesse cenário, os riscos de manipulação da mídia vêm menos da ação orquestrada de "potentados econômicos" e mais de governos dispostos a obter simpatias ou lealdades, pelo uso dos vários instrumentos à sua disposição, entre eles vultosas verbas publicitárias, como Eugenio Bucci, ex-presidente da Radiobrás, com equilíbrio e competência tantas vez já mostrou neste espaço.

A construção de um espantalho da "grande mídia" não constitui um erro do documento. É, isso sim, um recurso discursivo deliberado para definir o terreno político em que o partido pretende jogar a partida da Confecom: de um lado, "eles", "os barões da mídia", a "grande imprensa", a "mídia hegemônica", todas expressões intercambiáveis no léxico dos documentos partidários sobre a conferência; de outro, "nós", o partido e o conjunto dos movimentos e organizações representativos da sociedade civil. A formulação é tosca, mas politicamente inteligente: ao definir um "eles" homogêneo, o partido apela a um "nós" cuja identidade pretende definir e liderar, por oposição.

A narrativa sobre a "grande mídia" cumpre outra função: justificar a criação de mecanismos de "controle público e social". Afinal, contra poder supostamente tão grande e maciço não bastariam regras que limitem a concentração de mercado e ampliem a oferta de veículos de comunicação. É preciso erguer tacapes que possam enquadrá-lo, pela ameaça, se necessário. Ou não seria esse o sentido de propostas que pregam a criação "de instâncias regulatórias que garantam a participação popular na formulação de políticas para o setor e na avaliação das outorgas" e "de um modelo que garanta mecanismos efetivos de sanção aos meios de comunicação"? Não são propostas dissociadas, tanto assim que aparecem sob o mesmo caput ("Controle público e social"). É como se a "participação popular", sem que se a defina em termos concretos, tivesse virtudes intrínsecas e o condão de legitimar as pretensões dirigistas e eventualmente coatoras do Estado.

É muito tênue a linha entre a necessária regulação pública sobre o poder de mídia e a tentação autoritária de controlar a mídia. Não raro a diferença está tanto na letra da lei quanto no ânimo de quem a propõe. Tome-se o caso da chamada "ley de medios", recentemente aprovada na Argentina, pela qual o casal Kirchner moveu mundos e fundos, tão empenhado que está em sua luta contra a "grande mídia" quanto em seu projeto de cooptação de organizações da sociedade civil. É o caso também da "ley de reforma de la comunicación", pela qual se joga, num ambiente de confrontação, o presidente do Equador, Rafael Correa, lei cuja pedra angular é a criação de um Consejo Nacional de Comunicación y Información, com vastos poderes para legislar e julgar no não menos vasto campo dos "direitos à comunicação e à informação".

Não temos por que seguir semelhante caminho.

Sergio Fausto, coordenador de Estudos e Debates do iFHC, é membro do Grupo de Acompanhamento da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP

Vinicius Torres Freire:: Serra, o câmbio e 2010

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Serra fala do risco do real forte, diz que debate econômico está "reprimido ideologicamente", mas não esclarece suas ideias

Presidentes de três dos maiores bancos privados no Brasil acreditam que o real valorizado é, sim, um problema. "Os economistas dizem, inclusive aqui no banco, que o mercado acerta o nível do câmbio. Não aceito essa posição", diz um deles. "Essa preocupação é muito válida", diz outro. O real forte tenderia a ser um empecilho para a criação de empregos suficientes, dados os prejuízos para a indústria. Nenhum critica o IOF sobre aplicações de não residentes em ações e títulos, tido como "um remendo", porém.

Acham que mais medidas do gênero elevariam o custo do capital e podem não servir nem de paliativo. Os economistas desses bancos, no centro do debate econômico mais cotidiano, não pensam assim, é claro.

Para os mais extremados, nada se deve fazer a respeito do câmbio. Os mais moderados acreditam que, a tomar alguma providência, nenhuma deve afetar o sistema de metas de inflação, isto é, não se deve utilizar a taxa básica de juros a fim de influenciar o câmbio. Quando instados pelos banqueiros a oferecer opções para o câmbio, no geral sugerem reduzir gastos públicos de modo a haver sobras para aumentar a compra de reservas (e cortar juros).

A sugestão não difere muito de ideias de economistas tucanos "paulistas" e mais experientes (que não tiveram voz sob FHC). Dito às claras o que afirmam de forma mais cheia de dedos, a política econômica não teria a princípio apelo popular.

Desvalorizar o real de modo a não causar inflação implica reduzir o consumo privado e o do governo por algum tempo. Ou seja, cortar gastos do governo: manutenção da máquina, salários e benefícios sociais, que não poderiam ter aumento; contenção dos reajustes do salário mínimo etc.

Há medidas auxiliares, que não cabem aqui: mudar a rolagem da dívida pública, concluir a desindexação da economia etc. Mas essa vertente tucana paulista também rejeita a "excessiva" autonomia do Banco Central. Não explicitam o que querem nem defendem intervenção direta, mas, parece, seria adequado que houvesse uma direção do BC "compreensiva" em relação a esforços fiscais do governo e que derrubasse os juros com mais rapidez.

Essa pincelada sumaríssima do problema vem a propósito de declarações recentes de José Serra sobre câmbio. Serra diz que não quer falar desses e de outros assuntos delicados. Se o fizesse, acredita, explicitaria um programa e uma candidatura a presidente que não assumiu. Mas Serra voltou a falar, de modo sumário, sobre câmbio, desenvolvimento etc. em entrevista no livro comemorativo dos 40 anos do Cebrap ("Retrato de Grupo", Cosac Naify).

Diz lá que o Brasil tem "um problema de curto prazo muito sério", "uma armadilha": juros altíssimos, moeda forte demais, gastos públicos demais. Tais problemas, o câmbio em particular, podem fazer o país "caminhar", a longo prazo, para uma economia primário-exportadora (vendedora de recursos naturais, desindustrializada), incapaz de criar empregos bastantes. O que fazer?

Serra diz no livro que é preciso "um bom debate", que "não existe" no Brasil debate "interditado" e "até reprimido ideologicamente". Mas a oposição, da qual Serra é um líder, é que interdita avenidas maiores do debate. Quando não o avacalha.

Renato Lessa* :: Mediação afetuosa, mas omissa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Recebemos Ahmadinejad sem que sua negação do Holocausto e seu programa nuclear sofressem reparo

Dias após discreta e contida recepção oficial no Brasil oferecida ao presidente de Israel, Shimon Peres, com pompa e certo espalhafato aportou entre nós o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Relações entre Estados por certo contêm uma dimensão, digamos, extracíclica, mais larga no tempo que a duração dos espasmos políticos imediatos. Afinal, não são regimes que estão a interagir, ou, menos ainda, governos e personalidades, mas entidades dotadas de maior permanência e durabilidade. No entanto, Estados não são entes de razão. Materializam-se, de modo necessário, em regimes e governos, e esses se fazem presentes por seus supremos mandatários. Na impossibilidade da presença de Deus - em versão local -, mandou-nos o Irã o sr. Ahmadinejad. De nossa parte, quiseram inequivocamente os eleitores brasileiros, sem nenhuma supervisão divina, que na ocasião daquela visita estivesse o presidente Lula a representar-nos.

É exatamente nesse abismo entre a impessoalidade e abstração contidas na ideia de Estado e a concretude e personalização dos regimes, dos governos e da presença de seus mandatários que reside toda a questão. Não bastam cândidos formalistas a decretar que "por razões de Estado" devem mandatários de países com relações diplomáticas em curso encontrar-se e que tal justificativa, tal como fazia o saudoso Gustavo Kuerten, "mata o ponto". Essa é na verdade uma forma curiosa de pensar. Tomam-se normas escritas e formais como explicação em última instância e justificativa para gestos de natureza política. O hábito argumentativo sabe bem a cinismo. Melhor fez Carlos Drummond de Andrade, para quem "os lírios não nascem da lei; meu nome é tumulto e se escreve na pedra".

No caso em questão não se trata tanto de tumulto, mas de abismo. Um inscrito entre a formalidade e a operação política. Para além do imperativo dos bons modos, poder-se-ia acrescentar como razão para a visita de Ahmadinejad - antecipada não apenas pela de Shimon Peres, mas pela de Mahmoud Abbas - o desejo do governo brasileiro de lançar o país como interlocutor ativo em um dos mais intratáveis conflitos internacionais contemporâneos. Com efeito, não é trivial a presença em curto espaço de tempo, em um mesmo país, dos três personagens citados. A questão, no entanto, consiste em saber se a presença simultânea é indicador suficiente do preenchimento do papel pretendido. Tudo dependerá, entre outros fatores, do que foi dito aos dignitários que por cá passaram.

Recordemos do patético papel cumprido por José Manuel Durão Barroso, então primeiro-ministro de Portugal, ao receber na base das Lajes, na Ilha Terceira (Açores), em 2003, Bush, Blair e Aznar, no que desaguou na intervenção "aliada" no Iraque. Houve mesmo quem dissesse na altura que, pelas mãos de Durão Barroso, Portugal teria sido o primeiro país a entrar em uma guerra como anfitrião. Descontada a maldade da oposição de esquerda portuguesa, ninguém com juízo mental médio julgou que a cimeira dos Açores representou algo de significativo para a projeção internacional de Portugal. É certo que a quase simultaneidade das visitas ao Brasil dos mandatários mencionados tem sabor distinto. Não se trata de reuni-los para simbolicamente lançar um plano comum, mas de afirmar uma vontade de mediação.

Ressalvado o que pode ter sido dito em segredo, e para cada um deles em particular, o que veio a público não é auspicioso. Sem dúvida o presidente Lula é insuperável na arte de dizer a desafetos - um de cada vez - que todos possuem lugar em seu vasto coração. São os custos afetivos do presidencialismo de unanimidade. Cada um dos interlocutores do presidente deve ter a convicção de que critérios generosos de justiça fundiária imperam no coração do presidente. Serão tais artes suficientes para a projeção do País como mediador de crises internacionais graves e complexas? Tomara que sim. Não estou aqui a torcer contra, mas o velho hábito da dúvida e da reserva cética sempre faz das suas.

Os hábitos do interlocutor afetuoso não podem, em particular, evitar a sensação de que não somos exatamente equidistantes no conflito que pretendemos mediar. A Mahmoud Abbas, por exemplo, foi dito que o Brasil condena a expansão das colônias israelenses para além do território do Estado de Israel e em terras sob jurisdição ainda precária da Autoridade Palestina. Penso não existir, se calhar, causa mais decente e defensável do que essa. No entanto, seria música para os ouvidos de Abbas ter escutado algo a respeito do regime que o Hamas impôs na Faixa de Gaza, com a eliminação física de dezenas de milhares de militantes da Fatah. O deleite musical teria chegado ao máximo êxtase se nosso mandatário tivesse condenado o apoio e o financiamento iranianos ao Hamas. Isso não foi feito. Será que estamos à espera dos mandatários da Faixa de Gaza para apurar nossa vocação pacificadora?

Do que foi dito em público a Mahmoud Ahmadinejad, é inevitável a sensação de falta. A tímida afirmação da vocação pacifista brasileira e a defesa do "direito legítimo" ao desenvolvimento de tecnologia nuclear com fins pacíficos fenece diante da decisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) de considerar o programa iraniano como incompatível com o direito internacional. E como ficamos diante disso? Consideramos a agência um braço do imperialismo e confiamos no semblante impassível de Ahmadinejad ao escutar as palavras do presidente Lula?

E quanto à negação criminosa e obstinada da existência do Holocausto? Nada a respeito foi ouvido, da parte brasileira. É como se o tema não fizesse parte da agenda de cooperação entre os dois Estados. O Brasil no momento mantém encarcerado um ex-militante político italiano, acusado em seu país de ter cometido delitos de sangue. Há imensas dúvidas quanto à seriedade do processo ao qual foi submetido naquele país. Ao mesmo tempo, recebemos um negacionista como Ahmadinejad sem que suas patologias fétidas tivessem sequer um reparo, mesmo educado e gentil. Na verdade, quem falou do Holocausto durante a visita foi o próprio presidente iraniano.

Em entrevista ao fim da visita fez a gracinha: disse ter ouvido falar que entre os 60 milhões de mortos da 2ª Guerra havia alguns judeus. O cinismo da afirmação está a revelar que o personagem não veio ao Brasil para fazer concessões.

*Professor titular de filosofia política do Instituto Universitário de Pesquisas do RJ (Universidade Candido Mendes) e da Universidade Federal Fluminense e presidente do Instituto Ciência Hoje

Honduras busca nas urnas saída para crise política de cinco meses

DEU EM O GLOBO

Vencedor terá de superar divisões internas e reaproximar país do mundo

Flávio Freire Enviado Especial

TEGUCIGALPA. Mergulhada em crise política, instabilidade institucional e um déficit fiscal progressivo, Honduras realiza hoje sua eleição presidencial diante de pelo menos 300 observadores internacionais.

O grupo atuará para evitar que eventuais fraudes eleitorais prejudiquem o já conturbado processo eleitoral.

Com cerca de oito milhões de habitantes e pouco mais da metade com direito a voto (que não é obrigatório), o país está dividido entre legitimar ou não o pleito que escolherá um dos cinco candidatos como o novo mandatário, a quem caberá uma tarefa que vai além da reconciliação nacional. Quem vencer assumirá a responsabilidade da reaproximação com países que não reconhecem a eleição como legítima — caso do Brasil. No entanto, o discurso pela unidade interna tem ganhado força em diferentes setores.

Nas eleições de 2005, houve 45% de abstenção — Primeiro, vamos olhar para dentro, para nossas questões internas. Em seguida, recuperar o diálogo com todas as nações — adiantou Porfírio Pepe Lobo, candidato do Partido Nacional, que faz oposição ao governo de fato, sob comando de Roberto Micheletti.

— Estamos prontos para estabelecer uma mesa de negociação com todos os países, inclusive com o Brasil, nosso parceiro — garantiu ontem outro forte candidato, Elvin Santos, do PL.

Jungmann diz que posição do Brasil é complicada Único observador eleitoral brasileiro, o deputado Raul Jungmann (PPS), que ontem acompanhava a entrevista coletiva de Santos, avalia que o Brasil está em situação complicada do ponto de vista diplomático: — Se confirmada amanhã (hoje) uma grande maioria de eleitores nas urnas e uma eleição sem fraude, o Brasil ficará num dilema. Mais cedo ou mais tarde, se for este o cenário, terá que reconhecer o pleito, sob risco de não estar reconhecendo uma eleição legítima.

O presidente deposto, Manuel Zelaya, por sua vez, mantém a campanha para impugnar o pleito, sob o pretexto de que o processo é decorrente de um movimento golpista.

— A eleição não tem formação jurídica, e por isso a comunidade internacional a repudia — disse ele.

Licenciado do governo até a próxima quarta-feira, quando o Congresso Nacional decidirá se Zelaya deverá ou não voltar ao cargo, o presidente de fato, Roberto Micheletti, reapareceu ontem. Em entrevista a uma rádio, convocou a população a votar. E assegurou: — Não precisam ter medo.

Depois de uma semana marcada por explosões de bombas diante da Suprema Corte, de antenas de energia e até dentro de ônibus, o clima de tensão também aumentou ontem na cidade, quando a sede de uma das principais rádios da cidade foi atacada. Todo o efetivo policial e das Forças Armadas estará nas ruas hoje.

Em comunicado à imprensa, a Anistia Internacional informou na sexta-feira ter conhecimento de que o governo armazenaria 10 mil bombas de gás lacrimogêneo.

“O temor é que as forças de segurança façam uso excessivo desse material”

Tupamaros longe das armas e perto do poder

DEU EM O GLOBO

Para os uruguaios, dúvida não é quem vencerá eleição presidencial hoje, mas como ex-guerrilheiro José Mujica governará

Janaína Figueiredo Enviada especial


MONTEVIDÉU. O Movimento de Libertação Nacional Tupamaros não nasceu com o objetivo de governar o Uruguai. Sua meta, disse ao GLOBO o senador eleito Eleuterio Fernández Huidobro, fundador e um dos principais líderes da guerrilha uruguaia nas décadas de 60 e 70, era “ajudar grupos que na época estavam sendo atacados por gangues fascistas protegidas pelo governo (democrático), sobretudo sindicatos e movimentos estudantis”.

Aos 67 anos, Huidobro, autor de vários livros sobre a história tupamara, assegurou que “quando o movimento foi criado era impensável que um de nossos membros chegasse à Presidência”.

Huidobro nunca imaginou que seu companheiro de luta guerrilheira José “Pepe” Mujica seria candidato da esquerdista Frente Ampla e grande favorito numa eleição presidencial.

O dia menos imaginado pelos tupamaros chegou. Hoje, 2,5 milhões de eleitores uruguaios irão às urnas e todas as pesquisas indicam que Mujica será eleito o sucessor de Tabaré Vázquez, o primeiro chefe de Estado de esquerda do país. Segundo analistas locais, o ex-guerrilheiro tupamaro alcançaria cerca de 50% dos votos e seu adversário, o expresidente Luis Alberto Lacalle (do Partido Blanco), até 45%.

Cobrança de sindicatos pode atrapalhar futuro governo A grande incógnita entre os uruguaios é saber como será Mujica como presidente. Um homem que passou quase 14 anos na prisão na última ditadura (1973-1985), foi torturado e ainda hoje justifica a violência armada de décadas passadas. Para seus companheiros de guerrilha, poucas coisas mudaram desde então. Os pensamentos fundamentais, assegurou Huidobro, continuam os mesmos.

— Ficou tudo igual, menos as armas — disse o senador eleito, que há dois anos fundou a Corrente de Ação e Pensamento, integrante da esquerdista Frente Ampla.

De acordo com Huidobro, os tupamaros continuam buscando “um país com menos pobreza e mais igualdade social”.

— Somos realistas e sabemos que as revoluções devem ser feitas com os pés no chão. Queremos que nosso país tenha uma burguesia que ganhe muito dinheiro e que participe de nosso projeto nacional — afirmou.

Para Huidobro, “o socialismo de (Hugo) Chávez não é o que buscamos. Porque é um socialismo que só cria burocracia”.

— Não acreditamos que o socialismo possa ser construído em base a uma sociedade com tanta pobreza — argumentou o ex-guerrilheiro.

Mas os esclarecimentos de Huidobro e do próprio Mujica não são suficientes para satisfazer as dúvidas de muitos. Para o escritor Antonio Mercado, autor do primeiro livro sobre os tupamaros, na década de 60, “Mujica é uma pessoa muito contraditória, ninguém sabe muito bem o que esperar de seu governo”. Segundo ele, um dos grandes problemas que deverá enfrentar é o crescente poder dos sindicatos.

— Mujica fechou acordos com os comunistas, que no Uruguai controlam os sindicatos.

Quando chegar ao poder, deverá atender suas demandas, mas também as dos empresários — explicou Mercado, para quem os sindicatos não querem saber de reforma do Estado, uma das principais questões pendentes.

— Nosso medo é que Mujica acabe refém dos sindicalistas.

Os tupamaros, lembrou Mercado, foram uma guerrilha urbana, formada por filhos da classe média, inspirada na Revolução Cubana e em outros movimentos latino-americanos. Para o escritor Adolfo Garcés, autor de “Onde houve fogo. O processo de adaptação do MNL-Tupamaros à legalidade e à concorrência eleitoral”, “a guerrilha uruguaia era essencialmente um movimento político, com armas”.

— Os tupamaros sempre foram políticos e Mujica é um político profissional — disse.

Para Garcés, “o movimento sempre teve ambição de poder, sempre quis fazer coisas, deixar sua marca registrada”.

— São impacientes, mas perseverantes.

Românticos, mas profundamente pragmáticos — analisou o escritor, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade da República.

— Mujica significará continuidade em economia e algumas dúvidas em política.

— Mujica será mais aberto, buscará dialogar com todos os setores e deverá encontrar muitos consensos, já que negociou acordos com os comunistas, com Vázquez e os setores mais moderados da Frente Ampla

Miriam Leitão:: Em nome da Terra

DEU EM O GLOBO

De Copenhague, a capital temporária da Terra, muito se espera. Se havia alguma dúvida da importância do evento, ela foi afastada com os anúncios feitos pelos Estados Unidos e China. Nenhum sucesso está garantido, mas os derrotados de véspera perderam um argumento — ou dois — com a decisão dos maiores emissores de ter metas e preparar as malas para a Dinamarca.

Ser uma reunião importante não garante que será vitoriosa. Os governantes podem voltar para os seus países, no Natal, contando que o mundo perdeu uma grande chance de fazer um acordo histórico. Que o acordo seria insuficiente diante do que os cientistas estão pedindo como o mínimo, mas seria alguma coisa, só que fracassou. Pode ser essa a mensagem de Natal. Ou não.

Havia uma ponte no meio do caminho. Nas últimas semanas alguns países a cruzaram e isso produziu um salto qualitativo. Os Estados Unidos há um ano eram governados por um presidente que negava a existência do aquecimento global, nunca ratificou o Tratado de Kioto e censurou cientistas do governo que diziam a verdade inconveniente. Hoje, há uma lei aprovada na Câmara dos Representantes estabelecendo metas e regras federais para a transição para uma economia de redução de carbono, e o presidente Barack Obama anunciou que apresentará metas em Copenhague.

A China sempre disse que não sacrificaria seu crescimento e que não é responsável pelos gases emitidos no passado. Agora, o primeiro-ministro Wen Jiabao vai a Copenhague e a China tem metas. O Brasil sempre sustentou que como país em desenvolvimento não tinha obrigação de ter metas, por isso não as aceitaria.

Desta vez, voluntariamente as apresenta e o presidente Lula irá à reunião.

Cada país tem uma conta diferente, um parâmetro, uma data-base. Contudo, a Terra se move. Na matemática do clima, os 20% da Europa são maiores do que os 40% da China e pelo menos o triplo dos 17% dos Estados Unidos. Os números não são exatos porque se referem a anos e cálculos diferentes. A Europa voltará aos níveis de 1990 e ainda reduzirá 20%. Além disso, avisou que pode cortar mais. A Inglaterra já aceita 34% e avisa que sua tesoura está afiada para novos cortes.

Os Estados Unidos voltam a 2005 e cortam 17%. A China avisou que chega a 2020 emitindo menos do que estaria emitindo. Como o do Brasil, o chinês é um corte do futuro de emissões.

A China complicou mais e disse que cortará a intensidade de carbono no produto. Tanto China quanto o Brasil chegarão a 2020 emitindo mais que hoje, mas menos do que estariam emitindo se nada fosse feito.

O cálculo do Brasil é opaco, o da China é confuso, o dos Estados Unidos, insuficiente. Tudo somado, noves fora a Índia que pode virar um pária se nada anunciar, os países vão fazer menos do que o mínimo necessário pedido pelos cientistas para se limitar a dois graus o aumento de temperatura do planeta.

Mesmo antes de começar já se pode dizer que nunca houve uma COP como a 15.

“Quinze já? Para mim é a COP 1”, me disse um amigo.

Queria dizer que só agora prestou atenção na Conferência das Partes através da qual a ONU vem tentando, em reuniões anuais sucessivas, construir um acordo para reduzir os riscos da mudança climática. A de número 13, em Bali, fez um Mapa do Caminho até Copenhague.

A de número 14, em Poznam, na Polônia, decidiu aguardar Barack Obama.

A de número 15, agora, é diferente de todas pelo volume do barulho feito por cientistas, ativistas, governos, jornalistas, empresários, políticos, países de risco imediato, opinião pública, apaixonados e aflitos de qualquer natureza.

Esse barulho constrange e transforma. Por que países como China e Brasil abandonaram a desculpa histórica de que não são nossos os gases que hoje mudam o clima? Por que dois poderosos governantes, Barack Obama e Hu Jintao, recuam dias depois de uma tentativa de postergar o assunto por mais um ano? Porque há momentos em que se formam correntes e elas vão empurrando recalcitrantes.

Os brasileiros viram isso acontecer aqui. O governo sempre negou que faria o que passou a fazer, numa mudança tão rápida que ainda pega os novatos desinformados sobre pontos elementares do debate.

Pessoas do governo que sempre defenderam que o Brasil não deveria ter metas, agora mudam a conversa e apostam na falta de memória coletiva. Enfim, foi uma guinada brusca, mas na direção certa e no timing perfeito. Imagina se o Brasil não tivesse anunciado o que anunciou? Se o fizesse agora pareceria caudatário; se continuasse com a velha posição estaria isolado como a Índia.

O estudo divulgado semana passada, a “Economia da Mudança Climática no Brasil”, tentou fazer com o Brasil o que o economista Nicholas Stern fez em relação ao mundo: calcular o custo de não fazer nada e o custo de trabalhar para mitigar os efeitos da mudança climática. Ou seja, o preço da ação versus o preço da inação. O estudo confirmou o ponto de Stern, de que não fazer nada custa mais caro, e também disse que o Brasil pode crescer mais numa transição para a economia de baixo carbono.

O ministro Hilary Benn, da Inglaterra, me disse que em Copenhague cada país terá que pôr números na mesa, e um perguntará ao outro: que número você trouxe? O processo é mais complexo, penoso, e difícil do que isso, mas esse é um bom resumo de uma das principais diferenças entre esta reunião em relação a outras: todos terão de dizer quanto pretendem contribuir.

A outra diferença é esse clima que cerca Copenhague: o de que não há retrocesso tolerável, adiamento possível. O sentimento de urgência enfim chegou.

Com Alvaro Gribel