sábado, 12 de dezembro de 2009

Reflexão do dia – J.A.Guilhon Albuquerque

“Quem governa o Brasil há tantos anos deveria saber que o protagonismo externo pode ser inútil e nocivo, porque oneroso. O Mercosul, o Grupo do Rio, a Unasul e agora também a OEA e o Pacto Amazônico vêm sofrendo, um depois do outro, o desgaste e as divisões decorrentes da obsessão de Lula pela liderança e sua inclinação para o maniqueísmo. Desde a fundação da ONU o Brasil vem sendo reconduzido, regularmente, ao Conselho de Segurança, no qual goza de merecido prestígio pela qualidade de sua participação. Que isso não se ponha também a perder por um ativismo inconsequente, a serviço de um indisfarçado culto à personalidade”.


(J. A. Guilhon Albuquerque, professor titular de Relações Internacionais da FEA-USP, em artigo “Protagonismo inconseqüente”, hoje, em o Estado de S. Paulo)

Merval Pereira:: Brasil e EUA: tensão

DEU EM O GLOBO

Ao mesmo tempo em que cresce a opinião favorável aos Estados Unidos na América Latina, e o presidente Barack Obama é o líder político mais admirado na região, à frente do presidente Lula, o líder regional mais popular, crescem também as áreas de atrito. O recado enviado ontem pela secretária de Estado, Hillary Clinton, aos países que estão estreitando o relacionamento com o Irã — nomeadamente Bolívia e Venezuela e, não citado, num sinal de respeito, o Brasil — reflete esse estado de espírito.

Aproximar-se do Irã é “uma péssima idéia”, disse Hillary Clinton, que acusou o Irã de ser “o principal apoiador, promotor e exportador de terrorismo no mundo hoje. Se (esses países) quiserem flertar com o Irã, devem pensar nas consequências.

E esperamos que eles pensem duas vezes”.

O desacordo com relação ao tratamento a ser dado à questão de Honduras, e a presença mais constante da China na região, são outros pontos de desentendimento, especialmente com o Brasil, que vê crescer sua influência.

O tom de admoestação do pronunciamento da secretária de Estado foi de quem considera a região zona de influência dos Estados Unidos.

Somado ao discurso do presidente Barack Obama ao receber o Prêmio Nobel da Paz em Oslo, defendendo a guerra como um recurso inevitável e trazendo de volta a figura do mal nas relações internacionais, com os “países bandidos” reunidos no “eixo do mal”, como Coréia do Norte e Irã, temos uma situação de latente confronto retórico.

Segundo pesquisa do Latinobarômetro publicada pela revista inglesa The Economist, parte ponderável da América Latina já considera o Brasil um líder mais influente na região que os Estados Unidos.

Nos últimos dias, declarações de ambos os lados demonstram que o nível de tensão nas relações está aumentando, embora não seja possível dizer-se ainda que existe uma crise.

Mas, assim como o chanceler Celso Amorim mostrase desapontado com a atuação dos Estados Unidos na crise de Honduras, também o responsável pela região no Departamento de Estado, Arturo Valenzuela, deixa escapar que os Estados Unidos estão desapontados com a abstenção do Brasil na Agência Internacional de Energia Atômica na condenação ao programa nuclear do Irã, ao mesmo tempo em que elogia o voto da Argentina.

A política externa dos Estados Unidos, após um começo claudicante em que não havia uma direção clara, neste momento está se encaminhando para a defesa dos interesses do país acima dos interesses partidários.

O discurso de Obama no Nobel poderia ter sido pronunciado por George W.

Bush, dizem alguns republicanos, satisfeitos com a guinada.

Mas também do lado dos democratas a demanda por uma política mais nacionalista é reivindicada.

Na crise de Honduras, os Estados Unidos deixaram o apoio incondicional a Manuel Zelaya quando se deram conta, por pressão republicana, de que ele fazia parte do esquema político de Chavez na região, tendo incluído Honduras na Aliança Bolivariana para as Américas (Alba).

Mesmo continuando com a tese de que houve um golpe em Honduras, o governo americano passou a defender a realização das eleições como a saída para a crise, e provavelmente a posse do novo presidente, em 27 de janeiro, deverá ajudar a superar o impasse que o país vive.

Esse passou a ser o entendimento generalizado das forças políticas dos Estados Unidos, e da mesma maneira a crítica que a secretária de Estado Hilary Clinton fez sobre Venezuela e Nicarágua, afirmando que a democracia não pode depender de um homem, mas sim de instituições fortes e rodízio de poder, parece contar com o apoio de republicanos e democratas.

Recente artigo publicado no “The Miami Herald” de Peter Romero, subsecretário de Estado para a América Latina no governo de Bill Clinton, e Eric Farnsworth, vice-presidente do Conselho das Américas, define bem uma posição contra a “democracia direta”, que é a base da doutrina chavista para a região, com seus plebiscitos para permitir a reeleição sem limitações dos governos, ou o uso do Poder Judiciário, como na Nicarágua, para contornar os limites constitucionais.

A pesquisa do Latinobarômetro, ONG sediada no Chile que faz pesquisas regularmente, desde 1995, sobre valores e opiniões na região, publicada na recente edição da revista inglesa “The Economist”, mostra que os países da América Latina estão mais satisfeitos do que nunc a c o m a democracia e apoiam seus governos.

A maioria dos habitantes dos 18 países pesquisados é favorável à economia de mercado e tem uma visão crítica em relação a Hugo Chávez, ao mesmo tempo que admira o presidente brasileiro Lula, que só perde em popularidade na região para Barack Obama.

Chávez tem o apoio de 45% dos venezuelanos, bem abaixo dos 65% que já teve, e nada menos que 81% dos entrevistados na Venezuela se disseram favoráveis à iniciativa privada, apesar das estatizações que o governo vem promovendo.

Especificamente sobre o caso de Honduras, há um claro repúdio ao golpe: 58% dos hondurenhos ficaram contra e, na região como um todo, apenas 24% o aprovaram.

Mas 61% dos pesquisados no Brasil, 58% no México e 42% na região concordaram que o Exército deve remover um presidente se ele viola a Constituição, como é acusado Manuel Zelaya de ter tentado.

A revista inglesa destaca o fato de que, apesar da recessão econômica provocada pela crise internacional, pela primeira vez desde que é feita a pesquisa, existe mais apoio para os governos eleitos democraticamente do que confiança nas Forças Armadas, numa região em que golpes militares foram frequentes.

Dora Kramer:: Liturgia do chulo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Quando o presidente da República se dá ao desfrute de falar palavrão em cerimônia oficial, quase nada de inédito resta para ser visto e ouvido.

Assim que pronunciou o termo - dos mais comuns, diga-se, usado como sinônimo de "sorte" no teatro e inadequadamente incorporado à linguagem escrita em jornais e revistas -, o presidente Luiz Inácio da Silva percebeu a grosseria.

"É lógico que eu falei um palavrão aqui. Amanhã os comentaristas dos grandes jornais vão dizer que o Lula falou um palavrão."

Porém, como de hábito, o presidente não se deu por achado.

"Mas eu tenho consciência de que eles falam mais palavrão do que eu todos os dias. Tenho consciência de como é que vive o povo pobre deste país", emendou ao molde do velho truque de dizer que faz o que todo mundo faz e justificar exorbitâncias verbais pela representação de identidade social nelas contidas.

Se fala errado é porque vem do "povo" que assim também se expressa. Se é grosseiro, isso resulta da indignação com as condições em que vive o "povo". Se ofende, é sua maneira de se defender do preconceito das "elites".

Aceito o critério, torna-se aceitável também que o presidente dê vazão a seus impulsos e rebaixe cada vez mais o palavreado para se juntar ao "povo". Lá embaixo, onde, por esse raciocínio, é o lugar do "povo".

Notadamente em Estados como o Maranhão, onde o presidente Lula oficializou a introdução do uso da palavra chula na liturgia do cargo e a "elite dominante" mantém há décadas o "povo" na convivência dos piores índices de (sub)desenvolvimento social do País.

São tantos os absurdos ditos por Lula que nada mais que o presidente diga soa assim tão absurdo. Se amanhã ou depois ele resolver usar palavras mais pesadas, dirão que o fez em razão de seu crescente grau de indignação.

E talvez seja aplaudido por isso, como ocorreu na cerimônia no Maranhão. Muito possivelmente sob o argumento de que tudo é permitido a quem internamente é aprovado por mais de 80% da população e externamente é escolhido "personagem do ano" pelo jornal El País, um dos melhores e mais respeitados do mundo.

Se à maioria assim parece, que seja. Apenas causa algum desconforto que a lógica não seja a oposta: exatamente por contar com alta popularidade e prestígio internacional é que o presidente poderia aprimorar no lugar de deteriorar sua conduta e linguajar.

Usar esse capital fenomenal para elevar, não rebaixar, o nível geral. A começar, por exemplo, por conferir qualidade à indignação com as condições de vida do "povo".

Do que vale uma frase de efeito ante a realidade de celebração da família Sarney, dona do Maranhão, com tentáculos no Amapá, ambos entre os cinco piores Estados no índice de desenvolvimento dos municípios medido pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, em 2008?

O Maranhão é o campeão do ranking e o Amapá fica em quarto lugar.

Nenhum reparo, ao contrário, é feito sobre a participação da família por Lula tão festejada na manutenção do "povo" daqueles Estados na condição definida pelo presidente com uma palavra chula para expressar uma aversão que verdadeiramente não sente.

Donde a grosseria é puramente gratuita.

Retrocesso

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal se apegou ao aspecto técnico para negar a suspensão da proibição ao Estado de publicar informações sobre a operação da Polícia Federal que investiga Fernando Sarney, filho do presidente do Senado.

Como disse ontem o pai do investigado, "decisão do Supremo, respeita-se", não obstante o Senado tenha recentemente tentado resistir ao cumprimento da decisão do STF de cassar o mandato do senador Expedito Júnior.

Mas fato é que, no conceito, o resultado do julgamento do Supremo imprime um caráter relativo à liberdade de imprensa consagrada na Constituição como valor absoluto.

Afirmou com propriedade do ministro Celso de Mello: "O poder de cautela é o novo nome da censura no nosso país."

Fica consagrado o preceito defendido pelo ministro Eros Grau de que a aplicação da lei não é censura e que qualquer juiz, por qualquer motivação, tem nas mãos o poder de subtrair do cidadão o direito à informação.

Quando a ditadura vigia, pautava-se também por suas leis de exceção sustentando sua legitimidade na legalidade da ocasião.

Jogada ensaiada

Ao adiar por oito dias a decisão de expulsar o governador José Roberto Arruda de suas fileiras, o DEM conferiu ao correligionário a prerrogativa da saída honrosa.

Por algum motivo o partido perdeu deliberadamente a chance de fazer um gesto forte.

Alegou receio de reação jurídica por parte de Arruda, preferindo ignorar que o caso, no âmbito partidário, é político e o prejuízo da hesitação ficou com o DEM, que ainda tinha algo a perder: o poder da iniciativa.

Fernando Rodrigues:: Supremo pequeno

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

É da maior relevância a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o caso de censura prévia imposta a "O Estado de S. Paulo". O jornal está proibido de publicar reportagens relacionadas a uma operação policial envolvendo um filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Ao julgar uma reclamação do jornal censurado, o STF decidiu enviar o assunto ao arquivo. Por 6 votos a 3, alegou erro processual. Na prática, manteve-se a censura.

A decisão está tomada. É ocioso interpretar tecnicamente a forma como os magistrados se manifestaram. Mas é útil refletir sobre os efeitos desse caminho adotado.

Também convém registrar o poder discricionário do Supremo diante de erros processuais quando se trata de garantir a prevalência do direito. Mesmo havendo um equívoco procedimental, um juiz zeloso pode corretamente conceder habeas corpus a um banqueiro preso se a detenção foi ilegal -não importando se esse banqueiro bate à porta da instância errada.

O ponto, portanto, é bem diferente de erro processual. O Brasil assistiu nesta semana à formação de um conceito perigoso para a democracia. Escorado em filigranas jurídicas, o STF decidiu manter um jornal sob censura prévia.

A partir de agora, milhares de políticos e filhos de políticos se sentirão à vontade para entrar na Justiça requerendo a suspensão prévia de publicação de reportagens. Juízes de primeira instância poderão confortavelmente decidir a favor desse tipo de censura.

Algo parece estar fora do lugar. O nanismo político do STF foi quase kafkiano. Optou por maximizar erros processuais. Minimizou a determinação constitucional sobre ser "livre a expressão da atividade intelectual (...) e de comunicação, independentemente de censura ou licença". Como é uma decisão da Justiça, cumpra-se. A nós, resta torcer para que seja breve esse apagão de valores no Supremo.

Clóvis Rossi:: De vira-latas a megalomaníaco

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Brasil, impotente no próprio quintal, quer ser potência na cúpula de Copenhague e no conflito do Oriente Médio

É inegável que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi relevante para que o Brasil espantasse o complexo de vira-lata que Nelson Rodrigues via incrustado n"alma do brasileiro. Pena que o seu governo tenha trocado esse complexo pela megalomania, sem nem sequer passar por algum estágio intermediário mais consentâneo com a realidade do poder brasileiro.

O mais recente exemplo de megalomania está em frase do presidente durante comício em Recife na quarta-feira: "Copenhague só vai ser o que vai ser porque o nosso querido país teve a coragem de, há um mês, apresentar as metas que apresentamos", afirmou.

Ninguém sabe ainda o que Copenhague vai ser, mas o próprio Lula já havia descartado, apenas uma semana antes, que de lá saísse o acordo de seus sonhos.

Portanto, o que fez "o nosso querido país" não diz grande coisa. De mais a mais, qualquer pessoa que não tenha perdido completamente o senso de proporção sabe que Copenhague, saia o que sair de lá, será o produto de um equilíbrio entre os lobbies empresariais, sindicais e de ONGs, além das necessidades político-eleitorais dos líderes dos principais atores participantes, Brasil inclusive, mas não apenas nem principalmente o Brasil, ao contrário do discurso de Lula.

Qualquer pessoa que tenha mantido o sentido comum sabe igualmente que um acordo "dos sonhos" depende principalmente de Estados Unidos e China, seja qual for a posição do "nosso querido país".

Próprio quintal

De resto, nem seria preciso o caso Copenhague para que ficassem notórios os limites da pátria. O Brasil não conseguiu resolver nem um só dos problemas que surgiram em seu próprio quintal nos últimos tempos, mas ainda assim se anima a querer resolver o problema do Irã e o do Oriente Médio.

O Brasil gritou contra o acordo Colômbia/Estados Unidos que permite o uso de bases colombianas por militares norte-americanos. Exigiu "garantias por escrito" de que as bases não seriam usadas para ações fora da Colômbia. Nem os EUA nem a Colômbia deram nem bola nem garantia por escrito.

O Brasil condenou o golpe de Estado em Honduras e exigiu a volta de Manuel Zelaya ao poder. Não conseguiu nem mesmo um salvo-conduto para que Zelaya deixasse a embaixada brasileira rumo ao México, em vez de rumo ao poder. Mas o episódio que mais recomendaria que a diplomacia brasileira evitasse cenas explícitas de megalomania é anterior.

Trata-se da crise das "papeleras", as fábricas de celulose construídas no Uruguai, junto à fronteira com a Argentina, episódio que levou ao rompimento de relações entre o casal Néstor e Cristina Kirchner e o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez.

São vizinhos do Brasil, sócios do Mercosul, projeto prioritário da diplomacia brasileira -e nem assim o Brasil conseguiu mediar o conflito que se arrasta há anos. Qualquer pessoa de bom senso diria que é infinitamente mais fácil resolver o problema de uma "papelera" do que o conflito bíblico entre árabes e judeus. Mas megalômanos não costumam ter bom senso.

Villas-Bôas Corrêa:: A atualidade de ‘A arte de furtar’

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Não é apenas o desaperto de quem volta de férias, com os dois indicadores duros, que me leva a transferir para Afonso Penna Junior, o filólogo autor do livro – em segunda edição da Gráfica Expressa Ltda, de Belo Horizonte – que, por anos a fio, se dedicou a desvendar o mistério do autor da obra sem assinatura e que é hoje considerada como “o manuscrito apócrifo mais famoso em língua portuguesa”, desde a primeira edição “veio à tona na Holanda, em 1740”.

Neste momento, a sua atualidade entra pelos nossos bugalhos arregalados pelo vexame da roubalheira que grassa em Brasília e se espalha por todo o país. E cato algumas pérolas no texto impecável de Affonso Penna Junior, filho do presidente Affonso Pena, que descobriu e provou que o autor da obra-prima, o embaixador português Antonio de Souza Macedo, braço direito de dom João IV na época da Restauração (l660-740) aproximadamente, quando o Brasil foi colônia espanhola, e pouca gente sabe disto.

Na escalada de gastança do governo, com o maior ministério de todos os tempos, o inchaço do funcionalismo com a distribuição de sinecuras aos petistas e aliados, veja como criticava e advertia o atualizado autor de 1740: “Se basta um provedor em cada província, para que são cinco ou seis? Se basta um corregedor para vinte léguas de distrito, para que são tantos quanto vemos? Tantos escrivões, tantos meirinhos, alcaides, em cada cidade, em cada vila e aldeia, de que servem, se basta uma para escrevinhar e meirinhar este mundo e mais outro?

Se esmarmos bem as rendas reais das províncias, e as discutirmos, acharemos que lá ficam todas pelas unhas destes galfarros despendidas em salários e pitanças. Entremos nas sete casas desta corte, mas que seja na alfândega e casa da Índia: acharemos tantos oficiais e ministros que não há o que se possa resolver com eles; e todos têm ordenados, e todos são necessários, que menos pode ser fizessem melhor”.

A chuva de carapuças atravessa os séculos, e nunca foram tão atualizadas. Como nesta cirurgia nas câmaras municipais: “A um mister de Lisboa ouvi dizer que bastavam nas câmaras três vereadores, e que tinha sete; e que fora melhor poupar 4 mil cruzados para as guerras. E acrescentava: Para que são na Mesa do Paço oito ou dez desembargadores, se bastam quatro ou cinco? Na Casa de Suplicação, para que são 20 ou 30, bastando meia dúzia? E em todos esses tribunais, parta que são tantos conselheiros, que se estorvam uns aos outros? Engordam particulares com salários, e emagrecem as rendas reais no comum, e não há por isso melhores expedientes: muita coisa fantástica se sustenta mais por uso que por urgência”.

O escritor observa que “o bombardeio cirúrgico do autor da Arte não poupava nem mesmo a Igreja Católica; em uma das passagens mais virulentas do manuscrito, lê-se sobre o papa:

“De nenhuma maneira ela (a Igreja) sofre simonias, como atualmente o tem mostrado a santidade de Inocêncio X depondo, enforcando e queimando muitos por falsificarem letras”. Isto, para Penna Junior, constitui prova de que o autor escrevia entre 15 de setembro de 1644, data da eleição deste papa, e 7 de janeiro de 1655, data de sua morte. E dom João IV faleceu em 6 de novembro de 1656).

E como fecho, um puxão de orelhas nos togados, para que o eco varra os séculos da raiz das mordomias e verbas indenizatórias da orgia parlamentar de Brasília: “Sou informado que alguns desembargadores da casa de Suplicação vivem em quintas fora da cidade, em grande prejuízo da Justiça, vexação e danos das partes; e porque convém atalhar esta desordem, a que deveria ter acudido o conde Regedor, lhe ordeno e mando que, logo, que receber este decreto, faça pôr verba no ordenado dos ministros, e não viverem e dormirem continuamente dentro da cidade. E advertirá mais, que os desembargadores são obrigados, por seu Regimento, a ir todos os dias à Relação (trabalho), a horas certas; e que sou informado que o não fazem – assim devendo fazer-lhes guardar seus regimentos, como é obrigado, e avisar-me dos que o não guardarem, e de como tem executado o conteúdo deste decreto. Lisboa, 27 de novembro de 1642. Rei”.

Uma espinafração em regra, que continua pertinente ao longo dos séculos. Cada vez mais atual.

PSDB critica Lula por uso de palavrão

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

SÃO PAULO – O PSDB criticou ontem, em nota assinada pelo presidente nacional do partido, senador Sérgio Guerra (PE), a atitude do presidente Luiz Inácio Lula de Silva, que anteontem usou um palavrão durante discurso em visita ao Maranhão. Ao destacar que o governo federal vem fazendo investimentos expressivos em saneamento básico, ele disse: “Eu quero saber se o povo está na merda. Eu quero tirar o povo da merda em que ele se encontra”.

O tucano diz que o palavrão usado por Lula foi “chocante” e acusa o presidente de ser negligente quanto à condição dos brasileiros. “Mais chocante é perceber que o presidente Lula, depois de sete anos de governo, não se sente nem um pouco responsável pelo fato de o País e o povo estarem onde ele disse que estão.” Guerra afirma que há uma grande distância entre a realidade dos brasileiros e “o triunfalismo dos discursos do presidente Lula”. O presidente tucano também disse que o palavrão de Lula “choca menos pela grosseria do que pela sinceridade”.

Abaixo a integra da nota do PSDB


Da mentira ao Palavrão

O palavrão que saiu da boca do presidente Lula num discurso choca menos pela grosseria do que pela sinceridade.Um general-presidente da época do "milagre econômico" brasileiro disse uma vez que o país ia bem mas o povo ia mal.

O atual presidente disse, com outras palavras, que ele mesmo vai bem mas o povo vai mal. De fato, o povo vai mal. E não só em matéria de saneamento básico, que foi o contexto do palavrão presidencial.

Na saúde, na educação, na segurança pública, nas estradas, nos portos, na energia elétrica, há uma distância chocante entre a dura realidade dos brasileiros e o triunfalismo dos discursos do presidente Lula.

Se pelo menos o país fosse tão bem como o presidente se esforça para nos fazer acreditar… Mas não vai. O fraco desempenho da economia no terceiro semestre de 2009 desmente mais uma vez a retórica oficial sobre a crise financeira. Na hipótese mais otimista, vamos terminar o ano com zero ou quase zero de crescimento do PIB.

De quebra, o dado sobre o PIB apurado pelo IBGE desacredita o número sobre criação de empregos divulgado pelo Ministério do Trabalho. Como, onde o Brasil iria criar 1 milhão de novos postos de trabalho com a economia estagnada? Candidata-se ao prêmio Nobel o economista que explicar esse outro "milagre".

Mais chocante é perceber que o presidente Lula, depois de sete anos de governo, não se sente nem um pouco responsável pelo fato de o país e o povo estarem onde ele disse que estão.

Seu governo fragilizou a economia nacional com doses estratosféricas de juros. Demorou a corrigir o erro, ainda assim timidamente, enquanto o resto do mundo derrubava os juros a zero para amenizar o impacto da crise financeira.

Quem senão o presidente Lula deixou isso acontecer?

Quem senão ele pode impedir a nova elevação dos juros que já se anuncia, para euforia dos especuladores e desespero dos empresários e trabalhadores da indústria e da agricultura brasileiras?

Grosseiras ou não, sinceras ou não, as palavras que brotam em enxurrada da boca do presidente encobrem cada vez menos sua omissão contumaz diante dos problemas do Brasil real.

Senador Sérgio Guerra
Presidente Nacional do PSDB

Para PT, Lula estabilizou os preços

DEU EM O GLOBO

Na TV, propaganda esquece oposição ao Plano Real e à Lei Fiscal

No programa do PT na televisão, anteontem, o presidente Lula – crítico feroz, à época, do Plano Real e da Lei de Responsabilidade Fiscal – atribuiu a seu governo o mérito da estabilização da economia, omitindo resultados das políticas econômicas do governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Protagonista do programa ao lado da ministra Dilma Rousseff, Lula exagerou nos números positivos de sua gestão e foi contestado por historiadores e cientistas políticos.

Na TV, PT diz que Lula estabilizou economia

Ao lado de Dilma na propaganda do partido, presidente turbina dados e ignora realizações de antecessores

Maria Lima


BRASÍLIA. Apesar de ter sido um crítico feroz do Plano Real, que em 94 chamou de “estelionato eleitoral”, e de ter brigado contra a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva omitiu resultados das políticas econômicas dos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso e atribuiu ao seu governo, no programa do PT na TV anteontem, grande mérito na estabilização da economia. Protagonista do programa ao lado da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, Lula exaltou conquistas dos sete anos de seu governo, turbinou números de empregos gerados no período e prometeu que, em breve, o Brasil atingirá o patamar de quinta maior economia do planeta.

Historiadores e cientistas políticos contestam dados apresentados e criticam o tom de endeusamento de Lula, como se ele fosse o criador de toda a história recente no Brasil. Um trecho do programa diz que, em 2002, “o país que tinha tudo, mas que não tinha nada”. Os governos FHC e Itamar, com o Real, conseguiram driblar uma inflação que beirava os dois dígitos, abriram a economia para entrada bilionária de investimentos, e fizeram privatizações bem-sucedidas na área de telecomunicações e outros setores.

O economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que a grande vantagem do bom momento que o Brasil vive, apesar da crise, é o resultado de 15 anos de boa política econômica e social.

— Daqui a alguns anos, os livros de história vão dizer que Lula foi o pai dos pobres e Fernando Henrique, o avô. Essa sequência é fundamental. A continuidade foi o grande segredo. O grande personagem desse momento é o brasileiro, não Lula ou FH. O brasileiro realizou um potencial que estava meio adormecido nas duas décadas anteriores.

FHC plantou muita coisa, e Lula colheu. E Lula plantou outro tipo de cultura de resultado mais imediato, como o Bolsa Família, que, na verdade, é a continuidade do Bolsa Escola do FH — avalia Neri.

Bombardeio contra o Real

Em 26 de junho de 1994, candidato do PT à Presidência, Lula bombardeava o Plano Real e uma pesquisa segundo a qual a maioria dos eleitores desejava a sua continuidade.

“O plano ainda não foi implantado.

Quero saber como é que a pesquisa foi conduzida para chegar a esse resultado. O povo está calejado e não vai cair em mais um estelionato eleitoral”, disse Lula, que acabou derrotado por Fernando Henrique.

Agora, no programa, cita todas as conquistas advindas da estabilização econômica, como a criação de 12 milhões de empregos com carteira assinada desde 2003.

— São dados turbinados. O número da FGV é 8,8 milhões de empregos no período, que já é muito bom. Não sei de onde são os 12 milhões. Isso seria Alice no País das Maravilhas — contesta Marcelo Neri.

O historiador Marco Antonio Vila criticou o fato de o programa do PT mostrar todas as conquistas como fruto exclusivo da política adotada por Lula. Mas disse que não se surpreendeu, porque, para Lula, a história sempre começa com ele.

— Pessoalmente ele sempre agiu assim e isso não é um ato falho, é uma estratégia, de apagar as figuras ou a historia que vieram antes dele. Para Lula, o sindicalismo não começou com os anarquistas, mas com ele, em 75. Em termos partidários considera que o primeiro partido dos trabalhadores foi o PT, que é ele. E age como se fosse o primeiro governo a colocar ordem no mundo — critica Vila

Fala de Lula abala aliança entre PT e PMDB

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

PMDB não abre mão de Temer para vice

Cúpula do partido se irrita com a cobrança de Lula sobre a criação de uma lista tríplice para decidir quem formará a chapa com Dilma. Peemedebistas ameaçam até obstruir as votações do pré-sal se o presidente da Câmara não for o escolhido

Denise Rothenburg

O PMDB se lixou para o fato de o presidente Lula dizer um palavrão durante discurso no Maranhão. Mas não tolerou a cobrança de uma lista tríplice para a escolha do candidato a vice na chapa da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República em 2010. O partido já tem um pré-candidato para essa composição: o presidente da Câmara, Michel Temer (SP). E a cúpula partidária não aceita vetos. Nos bastidores, a disposição do partido é, no caso de alguém vetar Temer, “acabou a aliança”.

Para mostrar que não estão brincando, os peemedebistas cancelaram a reunião da próxima quarta-feira, quando os dois partidos iriam discutir os palanques estaduais nas eleições do ano que vem. E há ainda um movimento em curso para obstruir as votações do marco regulatório do pré-sal na próxima terça-feira. Em duas notas oficiais, o PMDB registrou a sua indignação e classificou o pedido de três nomes como uma intromissão indevida de Lula nas decisões internas de outra legenda que não o PT.

“É o debate, é a decisão democrática e soberana da convenção nacional que escolherá, se for aprovada a aliança, o seu único candidato à Vice-Presidência da República. Essa prerrogativa, esse direito, por favor, ninguém tente restringir. Em respeito ao PMDB”, afirmou, em nota, o líder na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). O tom usado é parecido com o texto redigido em conjunto pela presidente do PMDB, deputada Íris de Araújo (GO), e pelo presidente da Fundação Ulysses Guimarães, deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), ex-ministro dos Transportes do governo Fernando Henrique Cardoso e defensor da candidatura própria.

A nota de Íris e Padilha, com aval dos líderes da Câmara e do Senado, Renan Calheiros, fala em intromissão indevida em assuntos do PMDB e reforça que “só a Convenção Nacional, a se realizar em junho vindouro, no exercício de sua exclusiva competência, decidirá se o pré-acordo será transformado em aliança e o nome do candidato a vice ou daquele que representará o PMDB na sucessão presidencial, em caso de candidatura própria”.

Diante da ameaça do PMDB de manter o suspense sobre a aliança até junho do ano que vem, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, correu cedo para o telefone, no sentido de tentar aliviar a irritação da cúpula do PMDB com o presidente Lula e afastar as desconfianças que ameaçam minar a parceria entre os dois partidos. Ele disse a Henrique Eduardo Alves que a decisão do PMDB será respeitada e que a declaração do presidente Lula havia sido provocada a partir de uma pergunta sobre as chances de o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, maranhense, compor a chapa. O líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza, foi direto:

“Quero é botar água na fervura. O que nos une é maior do que isso”.

Opções na surdina

Os peemedebistas estão mesmo desconfiados das reais intenções do PT de aceitar Michel Temer como candidato a vice. Em conversas reservadas, há, dentro do PT, quem considere que Temer não trará os votos que a ministra Dilma precisa para agregar aos 20% que as pesquisas colocam como o patamar de transferência de Lula. Reservadamente, integrantes da cúpula petista estão com os olhos voltados para o nome do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Além de abrir caminho para uma candidatura de Lindberg Farias (PT) ao governo do Rio, a composição com Cabral dá ao PT alguém que já foi testado nas urnas, dirige o terceiro maior colégio eleitoral do país e, para completar, é visto como um político leve e simpático.

Ocorre que, hoje, os deputados e senadores que comandam o diretório nacional do PMDB não têm segurança suficiente para fazer de Cabral o candidato a vice da chapa encabeçada pelo PT. O mesmo vale para o nome de Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, recém-filiado ao partido. Ambos não têm votos no diretório nacional para assegurar a vaga de vice. Por isso, a ordem interna é que, se houver veto a Michel Temer, acabou a aliança.

"É o debate, é a decisão democrática e soberana da convenção nacional que escolherá, se for aprovada a aliança, o seu único candidato à vice-presidência da República"

Henrique Eduardo Alves (RN), líder do PMDB na Câmara, em nota oficial

PMDB vê "intromissão" em palpite de Lula sobre vice

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Partido reagiu à ideia do presidente de lista tríplice para formar chapa de Dilma
Líderes petistas tentaram amenizar repercussão da fala presidencial; Berzoini diz que indicação de nome caberá só ao partido aliado

Maria Clara Cabral
Da Sucursal de Brasília

A ideia defendida pelo presidente Lula de uma lista tríplice para a escolha do vice na chapa presidencial encabeçada pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) causou ruídos no pré-acordo nacional firmado entre PT e PMDB para 2010.

Em nota oficial divulgada em seu site, o partido classifcou de "intromissão de terceiros" a fala de Lula. "O PMDB ainda não aferiu a extensão e a profundidade dos danos" da declaração na aliança, dizia o texto.

Anteontem, em entrevista em São Luís (MA), Lula sugeriu que o PMDB, em março, prepare uma lista tríplice e a apresente à presidenciável petista Dilma Rousseff para que a ministra da Casa Civil escolha um dos nome. "O correto é o PMDB discutir dentro do PMDB e indicar três nomes para a ministra Dilma, para que ela possa escolher", disse o presidente.

Preocupada com a repercussão, a cúpula do PT agiu rapidamente para amenizar a declaração. O presidente da Câmara e mais cotado para a dobradinha com Dilma em 2010, Michel Temer (PMDB-SP), recebeu ligações logo pela manhã do presidente petista, Ricardo Berzoini (SP), e do ministro Franklin Martins (Comunicação Social).

"Liguei para explicar que o pensamento do presidente não representa a posição do PT. O nome do PMDB cabe a eles indicar um nome, não uma lista tríplice", disse Berzoini.

Segundo o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), a própria Dilma entrou em contato com o partido para tentar justificar a fala.

A operação petista, no entanto, não esfriou os ânimos. "Para nós não convence. Essa declaração foi um passo atrás na aliança que estava sendo construída entre PT e PMDB, o clima azedou", disse Alves.

Outro cacique do partido na Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que seria o caso de o PT também apresentar opções. "Assim também vamos querer uma lista tríplice para escolher o candidato à Presidência do PT."

Devido ao mal-estar, foi cancelada a reunião entre PT e PMDB prevista para a próxima semana para tratar das alianças nos Estados. "Vamos tentar melhorar o clima antes", explicou o deputado peemedebista.

Num sinal de boa vontade, no entanto, o PMDB retirou a nota que fala em "intromissão" do site ainda na noite de ontem. A Folha apurou que o gesto foi decidido por Temer e Henrique Alves para evitar mais desgaste. A justificativa oficial, no entanto, foi de problemas técnicos.

"Tirando esses equívocos técnicos eu aprovo o inteiro teor da nota", disse o líder.

Hillary adverte países da América Latina sobre aproximação com Irã

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Secretária de Estado dos EUA diz que relação entre líderes da região com Teerã pode ter ""consequências""

A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, classificou ontem como uma "péssima ideia" a aproximação de países da América Latina com o Irã e disse, em tom de ameaça, que se essa relação não mudar, haverá "consequências", sem especificar quais seriam. "Se querem flertar com o Irã, (esses países) devem observar cuidadosamente quais poderiam ser as consequências", disse Hillary. "Esperamos que pensem duas vezes. E, se refletirem bem, nós os apoiaremos."

De acordo com Hillary, os EUA estão cientes de que o Irã intensificou suas atividades diplomáticas na região. Como exemplo, ela citou Venezuela e Bolívia, mas não falou nada sobre o Brasil. Em novembro, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, visitou o País e arrancou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva algumas frases de apoio a seu programa nuclear.

Em Lima, onde acompanha Lula em visita oficial, o assessor especial da Presidência para Assuntos Exteriores, Marco Aurélio Garcia, afirmou ontem que a declaração de Hillary não se referia ao Brasil. Segundo ele, o País não busca aproximação com o Irã da mesma forma que outros países. "Não foi um recado para o Brasil. Se foi, é um recado errado", afirmou.

Ao contrário dos EUA, que romperam relações diplomáticas com o Irã após a Revolução Islâmica, em 1979, o Brasil mantém laços com Teerã desde 1903. Durante a visita de Ahmadinejad, os dois países assinaram diversos acordos bilaterais.

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, o boliviano, Evo Morales, e o equatoriano, Rafael Correa, são insistentes críticos da política externa americana e, nos últimos meses, estreitaram seus laços com Irã e Rússia. Os comentários feitos ontem pela secretária de Estado foram até agora o mais duro recado de Washington aos líderes da região a respeito dos laços crescentes entre países latino-americanos e o governo do Irã, que é acusado pela Casa Branca de tentar desenvolver armas nucleares.

Hillary afirmou que Washington continuará manifestando sua preocupação com relação à Venezuela, onde Chávez venceu um referendo que lhe permitiu concorrer à reeleição por tempo indeterminado, e com a Nicarágua, onde a Suprema Corte abriu o caminho para que o presidente Daniel Ortega tente um novo mandato nas eleições de 2011.

"A democracia não tem a ver com líderes individuais, mas com instituições fortes. Bons líderes vêm e vão. Obviamente, tivemos nossa própria experiência neste país com isso", disse Hillary, acrescentando que Washington também espera ver em breve mudanças políticas em Cuba. "Todos esperamos que, em um futuro não muito distante, sejamos capazes de ver uma Cuba democrática, algo que seria extraordinariamente positivo para nosso hemisfério."

Hillary defendeu também a reação dos EUA ao golpe em Honduras, dizendo que Washington buscou uma "posição pragmática, íntegra e multilateral" para restaurar a democracia hondurenha.

"Queremos estar do lado do povo hondurenho e trabalhar com os países da região para resolver o problema por meio de uma união de forças", afirmou Hillary. "Eu sempre disse que os EUA sozinhos não podem resolver todos os problemas do mundo, mas que esses problemas também não podem ser resolvidos sem que os EUA estejam envolvidos. Portanto, nosso desafio é convencer os outros países a trabalhar conosco."

VISITA

O duro discurso de Hillary ocorreu às vésperas da primeira visita oficial ao Brasil de Arturo Valenzuela, subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental, principal cargo do governo americano para a região. No domingo, Valenzuela começa um giro de seis dias que inclui também passagens por Argentina, Uruguai e Paraguai.

No mesmo dia em que Valenzuela chegar ao Brasil, Chávez estará em Havana para comandar uma reunião de cúpula da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba). Caracas pretende usar o encontro para revitalizar a aliança anti-EUA na região e criticar as políticas da Casa Branca (mais informações na página 18). Fidel Castro, que não aparece em público desde julho de 2006, foi convidado para participar do encontro.

Recado

Hillary Clinton Secretária de Estado dos EUA

"Se querem flertar com o Irã, (esses países) devem observar cuidadosamente quais poderiam ser as consequências. Esperamos que pensem duas vezes. E, se refletirem bem, nos os apoiaremos"

"Todos esperamos que, em um futuro não muito distante, sejamos capazes de ver uma Cuba democrática, algo que seria extraordinariamente positivo para nosso hemisfério"

"Queremos estar do lado do povo hondurenho e trabalhar junto com os países da região para resolver o problema por meio de uma união de forças"

Popularidade de chilena não chega às urnas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Bachelet investe em programas sociais para conseguir aprovação mais alta a um governante no Chile redemocratizado

Com discurso focado na renovação, porém, oposição é favorita na disputa de amanhã contra o candidato governista Eduardo Frei

Thiago Guimarães
Enviado Especial a Santiago

A eleição de Michelle Bachelet em 2006 marcou uma mistura de continuidade e mudança na política do Chile. Se a persistência vinha da quarta vitória consecutiva da Concertação, a aliança esquerdista no poder desde 1990, a transformação chegava com a primeira mulher presidente do país.

Após um primeiro ano complicado, com protestos estudantis e fracasso na reforma do transporte público em Santiago, Bachelet termina o mandato com a maior aprovação presidencial desde a redemocratização do Chile, roçando os 80%, mas vê a bandeira da mudança e o favoritismo em sua sucessão passarem à oposição, com o conservador Sebastián Piñera à frente nas pesquisas rumo ao primeiro turno presidencial de amanhã.

Embora a Concertação seja criticada pela falta de renovação na eleição, optando pela candidatura do ex-presidente Eduardo Frei (1994-1999), o governo se tornou parte do problema ao não cumprir promessa de renovação da máquina pública, expressa na frase de Bachelet ao assumir: "Ninguém repetirá o mesmo prato". Os ministros de Bachelet, contudo, levam, em média, 13 anos em cargos estatais.

"Bachelet tem alta popularidade porque não se envolve em temas polêmicos. É parte do problema. Essa aprovação pouco serviu, porque ao fim do governo não beneficia a candidatura oficial", diz o analista político chileno Carlos Huneeus.

Por outro lado, Bachelet consolidou a rede de proteção social que é hoje consenso no país, a ponto de os quatro candidatos presidenciais prometerem sua manutenção e ampliação.

"Nesse ponto vencemos a batalha das ideias", afirma a assessora pessoal da presidente e ex-ministra do Planejamento Clarisa Hardy.

A base da rede é o programa Chile Solidário, focado na extrema pobreza. Com 332 mil famílias atendidas, sua primeira fase tem dois anos, mede 53 aspectos de qualidade de vida e promove repasses mensais decrescentes de R$ 33 a R$ 12.

A segunda, de três anos, prevê acesso preferencial a programas estatais -capacitação profissional e prevenção de violência familiar, por exemplo- e subsídios específicos, como para grávidas.

Ampliação da rede

Bachelet desdobrou o Chile Solidário no Chile Cresce Contigo, que garante, por exemplo, educação pré-escolar gratuita para 60% das famílias mais pobres do país.

As ações se refletem nos índices sociais -a pobreza caiu de 38% em 1990 para 14% hoje; a desnutrição infantil recuou de 4,4% a 0,5% no mesmo período. Nesse aspecto, o país andino sofre agora problema comum em países desenvolvidos: a obesidade infantil dobrou e atinge 9,4% das crianças.

A atenção social também marcou o projeto mais emblemático da gestão: uma nova lei de Previdência Social aprovada em 2008 que criou uma pensão básica universal de R$ 292 para 40% dos idosos mais pobres do país, excluídos do sistema privado de aposentadoria instaurado na ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990).

"Bachelet foi mais ministra de Proteção Social do que presidente. É um grande feito, mas permitido pelo contexto macroeconômico", diz o cientista político Patricio Navia.

Itamaraty: Zelaya sem data para sair

DEU EM O GLOBO

Líder deposto quer ser julgado e absolvido antes. Brasil oferece asilo político

Flávio Freire

SÃO PAULO. Diante da possibilidade de ser preso se deixar a embaixada brasileira em Honduras, o presidente deposto Manuel Zelaya disse ontem que pode ficar no prédio até depois do dia 27 de janeiro, quando assume o presidente eleito, Porfirio Lobo. A informação foi corroborada pelo Ministério do Exterior brasileiro. Para aumentar a indefinição, o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse que Zelaya poderia se asilar no Brasil. No mesmo dia, o presidente da República Dominicana, Leonel Fernández, garantiu que Zelaya poderia chegar a seu país amanhã.

Diante da resistência do governo interino em conceder um salvo-conduto para que possa deixar o país, Zelaya avalia que o melhor é trabalhar pela formação de uma corte da OEA para se livrar da ordem de captura emitida pela Justiça local.

— O governo brasileiro sabe que até dia 27 de janeiro estarei lutando para recuperar meu mandato. A possibilidade de permanecer na embaixada (depois da posse de Lobo) depende do tribunal internacional — disse ele, que chegou a fazer brincadeira com a receptividade brasileira a uma rádio local. — Tenho aqui o meu violão, posso ficar mais dez anos Lula e presidente peruano criticam governo interino A decisão do governo interino de não emitir um salvo-conduto, quando um avião do governo mexicano já estava no ar indo para Tegucigalpa receber Zelaya, foi criticada ontem num comunicado conjunto dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Alan García, do Peru, que condenaram “de forma enfática a inaceitável negativa” de dar livre saída a Zelaya.

O único diplomata da embaixada, Francisco Catunda, disse que não há pressão do Itamaraty para Zelaya deixar o prédio.

Alegou que a informação de que o Brasil teria dado um ultimato a ele foi uma má interpretação.

Numa entrevista, ele havia dito que Zelaya tinha a consciência de que teria de procurar outro destino após 27 de janeiro.

Já Garcia afirmou que o Brasil pode ser o destino de Zelaya: — O governo Michelleti parece demasiado intransigente para um governo ilegítimo. Mas se Michelleti não permitir que Zelaya fique em Honduras, o Brasil não terá problema em dar asilo político. Se pedir, daremos