segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Reflexão do dia – Maquiavel

“Alexandre VI não pensou e não fez outra coisa senão enganar os homens, tendo sempre encontrado ocasião para assim proceder. Jamais existiu homem que possuísse maior segurança em asseverar, e que afirmasse com juramento mais solene o que, depois, não observaria. No entanto, os enganos sempre lhe correram à medida dos seus desejos, pois ele conhecia bem este lado da natureza humana”.


Nicolau Maquiavel, em “O Príncipe”, 1513 , pág. 74 - Editora Nova Cultural, S. Paulo 1987)

Ricardo Noblat :: O jardineiro feliz

DEU EM O GLOBO

“Presidente, eu penso igual ao senhor”.
(Dilma Rousseff em diálogo ensaiado com Lula no programa do PT na televisão)

Jamais Lula foi tão franco e direto a respeito do assunto quanto na última quinta-feira em São Luís do Maranhão, reduto político de quem já foi chamado por ele de ladrão: “Não se trata de ter amigos ou não ter amigos. Não se trata de ter afinidade ideológica ou não ter afinidade ideológica. Se trata do pragmatismo da governança”. Perfeito!

Lula poderia ter admitido que existe limite para tudo.

Paulo Maluf estabeleceu o dele em casos onde aflorem os instintos mais primitivos: “Estupra, mas não mata”. Vai ver que não existem limites para Lula. Vai ver que seu índice de popularidade serve antes de tudo para justificar transgressões.

Em 2006, durante comício em Belém, Lula agradeceu o apoio de Jader Barbalho (PMDB) beijando sua mão.

As mãos de Jader — logo aquelas mãos! — haviam sido algemadas anos antes sob a suspeita de ter manuseado dinheiro público desviado irregularmente. Tem voto? Vem para meu jardim você também, vem...

Jader é hoje mais uma flor exuberante no quintal do jardineiro feliz onde estão reunidos Fernando Collor, José Sarney, Romero Jucá, Romeu Tuma, Sandro Mabel, Severino Cavalcanti, e por aí vai. Sem esquecer os mensaleiros. E a maior fatia do PMDB. Se colhidos formariam um belo ramalhete a ser depositado no altar da governança.

Esse não foi o Lula eleito presidente da República em 2002 pela maioria dos brasileiros.

O Lula escolhido batia duro na corrupção e prometia manter segura distância de corruptos.

Mas é fato que sempre existiu o Lula para quem vale tudo quando o poder está em jogo. Apenas havia sido disfarçado por artes da propaganda e do marketing.

A poucos meses de ser eleito presidente pela primeira vez, por exemplo, Lula testemunhou em um apartamento de Brasília a compra do apoio do PL à sua candidatura.

Custou pouco mais de R$ 6 milhões. Foi fechada por José Dirceu, Delúbio Soares e o deputado Valdemar Costa Neto, presidente do partido.

Apontado mais tarde pela CPI dos Correios como um baita mensaleiro, Valdemar renunciou ao mandato para escapar de ser cassado.

Dirceu foi demitido da chefia da Casa Civil — afinal, como Lula não sabia do mensalão, alguém tinha que saber. Cassaram-lhe o mandato de deputado. Delúbio está de volta como aspirante a deputado.

Com o escândalo do mensalão Lula extraiu uma lição perversa: para conservar o poder deveria ceder a todas as exigências dele. No primeiro mandato, por birra ou erro de cálculo, resistira a sentar no colo do PMDB — ou a pô-lo no colo.

No segundo escancarou as porteiras para o PMDB e mais 13 partidos. Sem essa de perder o poder.

Perdera Dirceu, que poderia sucedê-lo. E Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda, pobre vítima do então presidente da Caixa Econômica Federal que, à sua revelia, quebrou o sigilo bancário de Francenildo da Costa, o caseiro que disse ter visto Palocci dezenas de vezes em uma mansão alegre de Brasília.

Não foi esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal? Não se trata, por todos os méritos, da mais alta corte de homens sábios, justos e coerentes do país? E então? Puna-se o ex-presidente da Caixa porque Palocci já foi injustamente punido no rastro do escândalo turbinado pela mídia golpista.

Uma vez mandados às favas todos os escrúpulos, Lula olhou para Dilma Rousseff e disse: eis alguém que poderá me suceder para depois ser sucedido por mim. Nem Dilma se julgava tão capaz.

E Lula deve ter pensado: como filho do Brasil e um de muitos de Deus, estou certo.

Se não estivesse, Ele me daria algum sinal.

E Lula viu a oposição. Retificando: Lula não viu porque ela não existe. Viu uma gente medrosa, desarticulada, sem discurso e ao que parece conformada com o desastre que se avizinha. E Lula finalmente concluiu: Vai dar! Anote aí: Lula vencerá em 2010. Salvo se Dilma perder.

Charada? Não. Em 2002, Ciro Gomes perdeu para ele mesmo tantos foram os erros que cometeu. Dilma não está livre disso.

Fernando de Barros e Silva:: Aos tucanos, as batatas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Faltando 17 dias para acabar o ano, PT e PSDB esperam as últimas pesquisas de 2009 para conhecer o impacto eleitoral dos programas que ambos exibiram recentemente na TV. É possível que a dianteira de José Serra, até hoje uma constante, não tenha sido abalada, mas os tucanos devem ter muito com que se preocupar. Consolida-se no meio político a percepção de que o governo entra em 2010 muito fortalecido -como favorito?

São três, em resumo, os fatores que projetam uma sombra de dúvidas sobre a liderança tucana: a alta popularidade de Lula, as previsões de crescimento substantivo para o próximo ano e as realizações do governo na área social, contra as quais a oposição não terá muito o que dizer sem passar vexame.

No PT, as interrogações se voltam para a capacidade que terá a candidata Dilma Rousseff de associar sua imagem à do Papai Noel que Lula se tornou. Já entre os tucanos, a dúvida é de outra ordem: o que dizer? O que defender? Como enfrentar o lulismo?

Ao PSDB não falta candidato -aliás, há dois, o que a essa altura já se tornou um problema. Falta, antes, uma candidatura com pauta convincente. A troca de elogios entre Serra e Aécio no jogral da TV pode ser interpretada (psicanaliticamente) como sintoma de algo assim: toma, que essa batata é sua.

O que resta à oposição? Além de aplaudir Lula e repetir que Dilma não é Lula, talvez restem as bandeiras da direita: o medo da violência urbana, a grita contra os impostos, a defesa da eficiência administrativa, a crítica ao gasto público e ao aparelhamento do Estado e por aí vai. Não parece muito animador.

Em 2006, quando o mensalão ainda estava fresco, Alckmin iniciou cheio de energia, prometendo decência e choque de gestão. Acabou humilhado, vestindo uma jaqueta coalhada de símbolos de estatais. Agora, com o DEM nu, ficou ainda mais difícil encontrar um modelito udenista para vestir a oposição no baile de 2010.

Aécio dá ultimato ao PSDB

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Governador cobra definição do concorrente tucano à Presidência ainda este mês. Caso contrário, anunciará candidatura ao Senado

Alessandra Mello

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, deu um ultimato ao seu colega de São Paulo, José Serra, e ao PSDB. Se o partido não definir quem será o candidato à Presidência da República ainda este ano, Aécio pode anunciar no fim do mês a intenção de disputar o Senado, e não mais o Palácio do Planalto. Aécio reiterou ao presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), que não vai esperar até março pela escolha do concorrente tucano no páreo presidencial.

O governador mineiro vem pressionando a direção nacional da legenda para que o nome do candidato seja decidido o mais rápido possível, e não somente em março, como deseja Serra, também pré-candidato a presidente. Na sexta-feira, os dois presidenciáveis se encontrariam em Teresina (PI), com outros dirigentes da sigla, para discutir mais uma vez essa questão, mas a reunião acabou esvaziada por causa da ida de Serra para a convenção sobre mudanças climáticas, em Copenhague, na Dinamarca. Pelo menos essa foi a versão oficial divulgada a fim de acobertar a manutenção do impasse.

Aécio tem reiterado em todas as oportunidades que não pode esperar até março, pois seria tarde demais para atrair à chapa tucana partidos que fazem parte da base aliada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O secretário-geral do PSDB, deputado federal Rodrigo de Castro (MG), um dos principais aliados dele no partido, confirmou a intenção do governador de desistir da disputa à Presidência caso a legenda estenda até março sua decisão. “Para a proposta dele de ser candidato virar realidade, o governador precisa de tempo. Março é muito longe. Se nenhuma decisão for tomada até o fim deste mês, o governador deve anunciar seu destino ainda em dezembro”, afirmou Rodrigo de Castro.

Costura

Segundo o deputado, o governador tem um prazo-limite para costurar um arco amplo de alianças que agregue em torno de sua candidatura partidos aliados do presidente Lula. “Não dá para fazer isso em março.” O presidente do PSDB em Minas Gerais, deputado federal Nárcio Rodrigues, também quer agilidade da direção nacional na definição de quem deve disputar pelo PSDB. “Que eu saiba, não há nenhuma decisão do governador sobre seu futuro. Ela será tomada apenas em janeiro, como já previa nosso calendário”, afirmou.

Rodrigues acrescentou que o partido tem posições já definidas em Minas. “Não temos obsessão pela candidatura de Aécio Neves. Temos que decidir o mais rápido possível. Nosso prazo máximo é janeiro e temos de organizar boas alianças para o partido conquistar mais uma vez o governo do estado.” Já outro aliado do governador não acredita que o anúncio sobre o futuro seja feito oficialmente ainda este mês. Em sua avaliação, Aécio está apertando o cerco em torno da direção do PSDB para precipitar a decisão sobre quem será o candidato. “É mais ou menos assim: não me joguem na água que sou sapo”, comentou.

"Para a proposta dele de ser candidato virar realidade, o governador precisa de tempo. Março é muito longe"
(Rodrigo de Castro, deputado federal)

Fábio Wanderley Reis:: Participação, sociedade civil e Copenhague

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A ideia de uma democracia "deliberativa" tem sido contraposta (por Diana Mutz, por exemplo, no volume "Hearing the Other Side", de 2006) à da democracia "participativa" pela qual mais comumente se anseia. As duas envolvem exigências e supostos contrastantes. A primeira, centrada no debate autêntico como mecanismo de decisão, supõe justamente que se "ouça o outro lado" e seus argumentos e, portanto, a imersão em ambientes sociais heterogêneos quanto a perspectivas e opiniões. Já a segunda, ao estimular o envolvimento e a participação dos cidadãos nos assuntos públicos, acaba às voltas com os condicionamentos e correlatos sociopsicológicos desse desiderato.

Ponhamos de lado o que há de problemático na concepção de uma sociedade cujos cidadãos devam estar, "republicanamente", em mobilização permanente ou "nas ruas" (ou de uma universidade em que a legitimidade de decisões importantes se veja deslocada para os corredores e pátios, para mencionar um tipo específico de organização sujeito a problemas análogos entre nós): tal mobilização será no máximo um ponto talvez necessário de passagem rumo à sociedade cuja aparelhagem institucional democraticamente construída permita aos cidadãos ir para casa em paz, como tenho dito às vezes, na certeza de que seus interesses ou valores maiores estão assegurados. À parte isso, como Alessandro Pizzorno destaca há muito tempo, a participação política tende a dar-se "entre iguais" - e a favorecer condições em que a fusão e a efusão psicológicas entre os integrantes de grupos homogêneos e antagônicos tendem a substituir-se à tolerância e mesmo à racionalidade.

Com seus pressupostos implícitos de unanimidade e as pressões contrárias à divergência que daí resultam, a santificação frequente da "opinião pública" vai na mesma direção, não obstante o caráter fluido e fragmentário que os fenômenos assim rotulados na verdade apresentam.

Uma indagação de interesse é a de como tais questões se relacionam com a ideia de "sociedade civil", retomada e idealizada contra o Estado em meios de esquerda, desde há algum tempo, em nome de um "aprofundamento" da democracia. No Brasil, temos visto, por exemplo, o governo Lula avaliado em termos que destacam, com ânimo negativo, a continuidade de um Estado ativo e ambicioso, diante do qual a sociedade civil nunca poderia afirmar-se com autonomia.

É claro, por um lado, o que, não obstante os riscos indicados, os estímulos à participação dos "iguais", e a sociedade civil como arena disso, têm de positivo para a dinâmica democrática - e os partidos políticos, que os adeptos mais fervorosos da sociedade civil tendem a ver com reservas, são há tempos descritos como cumprindo a função de "vocalização" (junto ao Estado...) dos interesses correspondentes a "bases sociais" dadas, distinguidas justamente pelo compartilhamento de determinadas condições e perspectivas ou opiniões. Por outro lado, o papel das entidades que compõem a sociedade civil (incluindo ONGs e associações diversas, que agora felizmente vão além, entre nós, das indefectíveis OAB, ABI e CNBB dos tempos da ditadura) pode ser apreciado de um ângulo inequivocamente positivo se consideramos a "esfera pública", com ênfase no potencial libertário do fluxo de comunicação entre os cidadãos quando protegido tanto quanto possível, entre outras coisas, precisamente dos perigos da "opinião pública" e da psicologia de multidões: em vez do "unanimismo", um espaço onde os temas e problemas são postos em confronto e debatidos.

A reunião que agora ocorre em Copenhague evidencia as nuances da questão geral. É clara a importância das entidades da sociedade civil, em escala mundial, em sensibilizar para o problema ambiental que a reunião dramatiza e em trazê-lo à cena pública. Mas há ressalvas.

No plano doméstico de cada país, em primeiro lugar, são claras as dificuldades defrontadas mesmo pelos partidos "verdes", em decorrência do fato simples de que não basta "vocalizar" posições a que certas "bases" adiram homogeneamente: é preciso acenar aos cidadãos como tal, com a diversidade de problemas que os afetam, e poder assim cumprir também a função de "agregação" de interesses a que um partido autêntico não pode renunciar. Temos, em segundo lugar, a projeção disso no plano transnacional, onde surge o que há de crucialmente relevante e difícil no problema ambiental: não apenas interesses diferenciados e antagônicos em contraposição ativa, mas igualmente boas razões de debate e divergência na esfera pública mundial tomada no sentido mais nobre, com argumentos que vão em direções distintas - debate que os e-mails expostos por hackers apenas exacerbaram ao servir de instrumento no jogo dos interesses.

Seja como for, é óbvia a necessidade da criação de consensos e patente a falta que fazem, no plano em que os problemas devem resolver-se, o Estado e a institucionalização de mecanismos político-partidários de agregação de interesses e opiniões e de encaminhamento mais ou menos "automático" de decisões vinculantes. Como as crises econômicas e as questões nucleares, as urgências envolvidas no problema ambiental realçam de maneira angustiante o desafio de criarmos o efetivo equivalente funcional do Estado na escala planetária. Se há muitas razões de ceticismo, certamente não é a menor delas o fato de não podermos escapar, quanto ao desafio, do papel crucial de Estados nacionais não só de interesses distintos e estruturas de decisão diferenciadas, mas também desigualmente poderosos. Há indícios, contudo, de que a esfera pública mundial pode acabar mostrando sua serventia também quanto a isso.

Já em outra capital nórdica, como apontava Howard Fineman na edição eletrônica de "Newsweek" de 10 de dezembro, Obama agradecia o Nobel da paz falando de guerra tal qual Bush - talvez com boas razões de política doméstica, que fazer...

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Gaudêncio Torquato :: Reforma no freezer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Uma tática que funciona bem quando se quer armar uma pista falsa é parecer estar apoiando uma ideia que, na verdade, contraria o que a pessoa sente. O método é frequentemente usado por políticos e governantes na ressaca das crises. Exemplo?
A reforma política. Que aparece como esparadrapo para fechar a ferida aberta por escândalos, denúncias, gravações e máfias que agem nos porões da administração pública. O presidente Luiz Inácio, instado a falar sobre o mensalão do DEM, recomendou profunda mudança nos padrões políticos, lembrando que já enviou ao Congresso duas propostas.
A pista parece falsa. Fosse verdadeira, o chefe do Executivo já teria mobilizado seus exércitos para aprovar a matéria, como acaba de fazer com relação aos projetos do pré-sal. É evidente que a maioria dos políticos também não tem interesse em mudar as regras do jogo em pleno campeonato. Algo mais substantivo até poderia ser votado, tendo como parâmetro a aplicação de novas disposições em futuro distante. Batatas quentes como sistema de voto, fidelidade partidária, cláusula de barreira, financiamento de campanha são jogadas de uma mão para outra até esfriarem. Acabam sendo colocadas no freezer. E, assim, chegamos ao fim de 2009 no meio de mais um furacão mensaleiro, sob o lema "vamos deixar como está para ver como é que fica".

Por que a tão propalada reforma política não anda? A resposta começa com a lembrança de Maquiavel: "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas." Se imprimir nova disposição ao sistema político é tarefa complicada em qualquer democracia, imagine-se o grau de dificuldade que gera no meio de uma cultura inoculada pelo vírus patrimonialista, que costuma corroer as entranhas do Estado. Nossos representantes, como donatários do mandato, querem ter o direito de exercer e usufruir funções e benesses inerentes a ele. Por conseguinte, resistem a votar disposições que possam vir a limitar seu poder. Querem ter liberdade de pular de partidos a seu bel-prazer.

Fazer coligações com siglas aliadas e adversárias. Partidos pequenos, mesmo sem expressão eleitoral, devem continuar a existir? Ajustar a proporção da representação, tornando mais justa a relação entre número de votos conquistados pelos partidos e cadeiras obtidas, nem pensar. Como se sabe, por força de disposição constitucional, estabeleceu-se um mínimo de 8 e o máximo de 70 parlamentares por Estado, gerando desproporção média em torno de 10% na representação territorial.

Aos exemplos acima se somam outros que geram conflitos de visões, como o sistema de voto em lista fechada. Se alguns defendem a ideia de que esse mecanismo contribuiria para o fortalecimento partidário, outros argumentam com a hipótese de que o sistema reforçaria o mandonismo das cúpulas, que comporiam chapas com nomes de sua preferência numa ordem de importância. Formar um sistema misto, sendo uma parte eleita pelo atual modelo aberto e outra por meio de lista fechada, é algo polêmico. Em suma, o território pessoal prevalece sobre o espaço dos anseios coletivos e o mapa de qualificação dos partidos. De tão complexa, a dialética da mudança emperra. Chega-se, assim, ao diagnóstico: a reforma não sai porque não há vontade política suficiente; já a escassez de vontade decorre do particularismo que impregna a vida pública. Noutros termos, o declínio do conjunto partidário, a fragmentação de lideranças, o arrefecimento do engajamento das massas, a deterioração dos padrões e temáticas pontuais - patrocinadas pelo Executivo ou pinçadas de uma agenda de circunstâncias - impedem os projetos de caráter mais estrutural.

A análise pode ser feita sob outro prisma. A reforma política não evolui porque não se extrapola o ambiente onde é artificialmente trabalhada, no caso, o círculo dos três Poderes.

A matéria política circula por ali, saindo de uma Casa parlamentar para outra, às vezes sob o patrocínio do Palácio do Planalto e, eventualmente, ganhando um adicional - interpretações constitucionais - pelo Poder Judiciário. Em face das dúvidas e diante do acirramento de posições entre os próprios aliados, chega-se à acomodação para não votar a reforma política, mesmo com o reconhecimento de que ela é necessária. Não passa de falácia, portanto, a lembrança do presidente de que os projetos de minirreformas do Executivo não andaram. Do alto de sua imensa popularidade, liquidaria essa fatura se assim o quisesse.

Neste ponto, emerge a conclusão: enquanto for um evento centrífugo, de dentro para fora, a reforma não caminhará. Fator decisivo nessa teia é a pressão da sociedade. Para avançar a reforma carece de uma força centrípeta, articulada por entidades e movimentos. Acontece que a matéria política decepciona a sociedade. Este é mais um nó que deve ser desamarrado: o trem da mudança atrela-se à locomotiva social, mas para tanto os políticos devem dar bons exemplos e melhorar a representação. O que se sente é o contrário: comunidade desmotivada ante os escândalos que batem no conceito de mandatários de todas as esferas. Se os atores envolvidos na trama forem capazes de chegar a um consenso, a reforma tem condição de ser uma utopia. Da parte da sociedade, a mobilização passa pela integração de entidades de reconhecido prestígio com a organização de uma agenda focada nesse tema específico. Se o universo associativo se expande, na esteira de uma miríade de entidades, os campos de interesse variam, dificultando a convergência de abordagens e a defesa de projetos de alto interesse social.

Mas, como diria o sábio chinês, uma caminhada de mil quilômetros começa com um primeiro passo. E como até nos pântanos nascem lindas flores, a esperança é que, no meio do lodo que escorre pelos desvãos institucionais, a reforma política desça do espaço etéreo das intenções para baixar em terra firme, limpando o nosso amanhã de vendilhões da política.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação

Com quem ficam os eleitores pró-Lula

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
José Roberto de Toledo* e Daniel Bramatti*

Com 72% de aprovação do seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o principal ator de sua sucessão. Para acompanharmos a transformação de sua popularidade em votos para o candidato governista é preciso cruzar a intenção de voto nos presidenciáveis com a avaliação do governo. Até agora, essa transfusão corre a conta-gotas.

Cruzamentos da pesquisa CNI-Ibope obtidos pelo Estado mostram que apenas 21% dos que acham o governo Lula bom ou ótimo têm intenção de votar em Dilma Rousseff (PT). Um porcentual bem maior, 36%, afirma que votaria em José Serra (PSDB) se a eleição fosse hoje. O que faz mais de um terço dos que aprovam o governo pretenderem votar no principal candidato de oposição?

Há três respostas possíveis: 1) Não reconhecem Dilma como candidata de Lula, 2) Não enxergam a eventual eleição de Serra como uma mudança em relação a Lula, 3) Conhecem Dilma, mas não simpatizam com ela. Os cruzamentos da pesquisa CNI-Ibope indicam que as três são verdadeiras.

Dois em cada três eleitores pró-Lula conhecem pouco ou nada a candidata do PT (23%, "um pouco"; 30%, "só de nome"; 10%, nada; 2% não sabem). Mesmo entre os que a reconhecem como candidata do governo, a maior parte (24%) sabe "alguma coisa" sobre ela e seus atos. Só 11% dizem conhecê-la bem. O tempo de TV do PMDB no horário eleitoral, o maior entre todos os partidos, nunca valeu tanto.

Serra é muito mais conhecido pelo eleitorado governista: 30% dizem conhecê-lo bem, e 38% sabem "alguma coisa" sobre ele. No seu caso, isso é positivo. O tucano já tem 36% da intenção de voto entre os pró-Lula e potencial de chegar a 71% nesse segmento (só 29% se recusam a votar nele em qualquer hipótese). Hoje, não é visto pela maioria como uma "ameaça" ao status quo.

Para Dilma ter chances sobre Serra, ela precisará mais do que se tornar conhecida: precisará conquistar corações e mentes. Nada menos do que 35% dos que aprovam o governo Lula dizem que não votariam em Dilma "de jeito nenhum". Uma conta simples mostra que é fundamental para a candidata petista diminuir sua rejeição nesse segmento.

Hoje a ministra perde 25% do total do eleitorado apenas entre os que aprovam o governo. Se somarmos os que acham o governo regular, ruim ou péssimo e antipatizam com ela (15%), Dilma estará deixando de disputar 4 em cada 10 votos possíveis. Algo a que nenhum presidenciável pode se dar ao luxo.

Portanto, a transfusão da popularidade de Lula para Dilma depende de três variáveis: torná-la conhecida como candidata do governo, marcar Serra como o anti-Lula e melhorar a imagem da ministra entre os eleitores. O programa eleitoral do PT veiculado em cadeia de TV esta semana tentou fazer isso.

Ciro Gomes (PSB) é mais conhecido do eleitorado pró-Lula do que Dilma: 44% a 35%. Mesmo assim, tem um porcentual de intenção de voto menor do que o da ministra dentre os que aprovam o governo: 13% a 21%. Em compensação, tem quase o dobro de simpatizantes de Dilma entre os que acham o governo regular: 13% a 7%.

Isso mostra que a candidatura presidencial de Ciro, se não decolar nem naufragar de vez, pode servir aos interesses de Lula e ajudar Dilma: ele tem mais chances do que ela de conquistar votos entre os que desaprovam ou não se entusiasmam com o governo, um eleitorado que, sem ele no páreo, migraria para Serra.

Mas essa é uma estratégia que envolve riscos para Dilma. Se Ciro conseguir recuperar o ímpeto de sua campanha, voltará a disputar eleitores governistas com a ministra. No cenário oposto, de polarização aguda entre Dilma e Serra, os eleitores de Ciro podem antecipar o voto útil ainda no 1º turno e abandoná-lo, muitos deles em direção ao tucano.

Já Marina Silva (PV) permanece uma ilustre desconhecida do eleitor. Tem pouca penetração entre os pró-Lula e alta rejeição entre os opositores. Seu teto é baixo, seu discurso é limitado a um tema que não é telhado de vidro para o governo (ao menos não aos olhos do eleitorado) e seu tempo no horário eleitoral da TV é insuficiente para compensar essas desvantagens.

*José Roberto de Toledo é jornalista especializado em reportagens com uso de estatísticas e coordenador da Abraji

Quércia vence e fortalece ala serrista do PMDB

DEU EM O GLOBO

Temer diz que decisão sobre aliança fica para junho e reclama da ideia de lista tríplice para vice: "Não foi uma fala feliz"

Sérgio Roxo

SÃO PAULO. O ex-governador Orestes Quércia foi reeleito para a presidência do PMDB no Estado de São Paulo — resultado que indica que a ala paulista do partido deve apoiar a candidatura de José Serra (PSDB) para a Presidência da República em 2010, mesmo que a direção nacional decida pela aliança com a ministra Dilma Rousseff (PT).

— Pretendemos ter candidato próprio a presidente. Se não for possível, seguiremos essa composição ( Como PSDB) que foi iniciada no ano passado com a eleição municipal (para prefeito de São Paulo) — afirmou Quércia.

O ex-governador derrotou o deputado federal Francisco Rossi por 597 a 73 na convenção de ontem, entre os representantes dos diretórios regionais do partido.

De acordo com o deputado federal Michel Temer, presidente nacional do PMDB e presidente da Câmara, a decisão sobre a posição do partido na eleição presidencial será tomada no mês de junho, durante convenção. Apontado como principal nome para ser o vice de Dilma, Temer, que faz parte da chapa de Quércia na convenção paulista do partido, afirmou, em discurso: — Temos três alas do nosso partido: uma que almeja apoio à candidata do governo (Dilma), outra que almeja um eventual apoio ao candidato da oposição (Serra), e outra, mais forte, mais significativa, mais expressiva, que patrioticamente quer a candidatura própria. Levarei essas ideias para a convenção nacional em junho.

Ele admite as negociações com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas quer que o partido tenha maior espaço na aliança: — Temos um pré-compromisso com o PT e este pré-compromisso está sendo trabalhado enormemente, numa condição que é exatamente de não permitir que o PMDB seja uma figura periférica. Queremos ter participação na chapa, na formulação do plano de governo e no plano de campanha.

Temer criticou a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a forma como deve ser feita a definição do vice da ministra Dilma Rousseff (PT) na eleição do próximo ano. Na quinta-feira, em visita ao Maranhão, Lula defendeu que o PMDB indique três nomes para que Dilma escolha o seu companheiro de chapa na disputa de 2010.

“Jamais iríamos dizer o que o PT deve fazer ou não” — Não foi uma fala feliz. Jamais iríamos dizer o que o PT deve fazer ou não fazer. O PMDB que tem que decidir. Não me manifestei porque todo mundo diz que eu posso ser candidato a vice (na chapa de Dilma). Jamais falei. Aliás, o presidente Lula um dia me disse que eu deveria ser o vice. Eu respondi claramente: “presidente, vamos fechar a aliança e verificar qual o nome que melhor soma para a candidata”. Tenho responsabilidade e competência para dizer uma coisa dessa. Digo que sempre sou candidato a deputado federal. Não é preciso fazer uma sugestão ao PMDB dessa natureza, com todo o respeito que tenho pela sua fala e pelas suas posições — afirmou Temer.

Pelo acordo selado no ano passado com os tucanos, o PMDB indicou Alda Marco Antonio para vice na chapa vitoriosade Gilberto Kassab (DEM) para a prefeitura da capital paulista. O compromisso previa ainda que, na eleição de 2010, Quércia disputaria uma vaga no Senado e apoiaria um tucano a governador.

— Existe uma hipótese de composição com o Serra e com o PSDB para eu ser candidato a senador. Agora, se tivermos candidato a presidente, não será dessa forma. Todas as vezes em que eu defini a composição com os tucanos aqui em São Paulo, sempre ressalvei que, se houver candidatura própria, eu fico com o candidato do partido — disse o ex-governador.

Também presente à convenção, o governador do Paraná, Roberto Requião, que já se lançou candidato do PMDB a presidente da República, foi irônico ao comentar a declaração do presidente Lula: — Lançando a candidatura própria, o PMDB pode inverter a proposta que o PT fez aos nossos companheiros da direção nacional. O Lula nos propõe fazer uma lista tríplice para que a candidata escolha um vice. Proponho ao PT que faça uma lista sêxtupla, desde que não tenha nenhum nome vinculado ao capital financeiro, para que, dos seis nomes apresentados, possamos escolher o vice-presidente da República na chapa do PMDB.

Eleições no PMDB viram ato de repúdio a fala de Lula

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A eleição no PMDB paulista tornou-se um ato de repúdio a declarações do presidente Lula, que sugeriu ao partido a apresentação de lista tríplice com nomes para ocupar a vaga de vice na chapa de Dilma Rousseff.
Como resposta a Lula, os peemedebistas ameaçaram lançar candidatura própria ao Planalto. O ex-governador paulista Orestes Quércia foi reeleito presidente da legenda no Estado.

Em resposta a Lula, PMDB ameaça lançar candidatura

Durante eleição do novo presidente em SP, partido também cogita apoiar PSDB

Manifestações ocorreram após Lula sugerir que o PMDB apresentasse lista com nomes para concorrer como vice de Dilma Rousseff

José Alberto Bombig
Da Reportagem Local

A eleição do novo presidente do PMDB paulista transformou-se ontem em um ato de repúdio às declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que sugeriu ao partido apresentar uma lista tríplice, a ser apreciada pelo PT, com nomes passíveis de ocupar a vaga de vice na chapa de Dilma Rousseff.

Ainda como resposta a Lula, os peemedebistas ameaçaram lançar uma candidatura própria ao Palácio do Planalto ou mesmo apoiar o PSDB dos governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG).

"Não foi uma fala feliz [a do presidente]. Nós jamais iríamos dizer ao PT o que o PT deve fazer. Aqui, há a soberania interna do PMDB. Podemos até, eventualmente, fazer uma lista com seis nomes, mas essa é uma decisão do PMDB", afirmou o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (SP), o principal cotado para o posto de vice de Dilma na corrida pela sucessão de Lula no ano que vem.

Segundo Temer, o próprio Lula chegou a dizer a ele que seu nome era a melhor opção. "É a primeira vez que estou me manifestando [sobre a declaração do presidente]. Não havia feito isso antes porque dizem que eu posso ser o vice, mas eu jamais disse isso", afirmou o peemedebista.

"Aliás, foi o presidente Lula quem um dia afirmou que eu poderia ser o vice. Eu respondi muito claramente: "Presidente, vamos primeiro fechar a aliança e, feito isso, vamos verificar qual o nome que melhor soma para a candidata". Ou seja, eu tenho tamanho, responsabilidade e competência para dizer uma coisa dessas", completou.

Ao discursar no evento de ontem, realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo, Temer defendeu a pré-candidatura do governador Roberto Requião (PR) ao Planalto.

"Eu levo essa ideia da candidatura própria à convenção", disse, acrescentando que a sigla não descarta aliança com o PSDB. E completou: "O PMDB não será ator coadjuvante em 2010, será ator principal".

Proposta

Na quinta-feira passada, no Maranhão, Lula apresentou a proposta da lista. "Você não pode empurrar para ela [Dilma] alguém que não tenha afinidade com ela, porque aí será a discórdia total."

As reações dos peemedebistas foram imediatas e ganharam apoio até de petistas.

"O presidente atual [Ricardo Berzoini] e o presidente eleito [José Eduardo Dutra] do PT foram a público no mesmo dia para dizer que o PMDB decidiria de acordo com as suas razões", afirmou Temer ontem.

Convidado de honra da eleição paulista, Roberto Requião também criticou o PT: "Talvez a gente ofereça ao PT a possibilidade de apresentar uma lista tríplice para complementar o vice do PMDB".

O ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, reeleito presidente da sigla no Estado, deixou aberta a possibilidade de o PMDB romper com o Planalto e correr rumo à oposição.

"Se não der certo a opção pelo Requião, vamos com José Serra [PSDB], pelo menos em São Paulo", afirmou ele.

Desde 2002, quando Lula se elegeu presidente pela primeira vez, PT e PMDB ensaiam, sem sucesso, uma aliança que engaje todos os setores dos dois partidos em uma campanha.

Neste ano, as siglas firmaram um pré-acordo com vistas a 2010, já que os peemedebistas integram a base aliada do atual governo federal.

Temer, historicamente, sempre foi apontado no PMDB como um dirigente com bom relacionamento com Serra, o líder nas pesquisas de intenção de voto para presidente.

Ontem, ele chegou a ser irônico ao comentar as relações com Lula: "Há que se definir quem é o candidato ou a candidata do PT". A convenção do PMDB, que vai definir os rumos do partido, está marcada para junho do ano que vem.

Pedro S. Malan :: Complexa transição

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"A eleição de 2010 não pode se fazer em torno das pobres alternativas de ou voltar ao passado ou dar continuidade a Lula. A discussão precisa incorporar os horizontes do século 21 e a superação dos problemas que certamente restarão do seu governo." A pertinente observação é do ilustre ex-ministro Delfim Netto (Folha de S.Paulo, 11/11).

Sobre o século 21, um respeitado historiador inglês, Hobsbawm, observou que este teria começado com cerca de uma década de antecedência: "o breve século 20" teria tido seu tardio início com a Grande Guerra de 1914 e terminado com os eventos do início dos anos 90.

Tais eventos parecem dar razão a Hobsbawm: a queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha; o colapso da URSS e a fragmentação de sua vasta zona de influência em mais de duas dezenas de países; a emergência da China como potência regional e global, após mais de 12 anos de reformas e de integração com a economia mundial; o avanço do processo de integração europeu com o acordo de Maastricht (1991) e a decisão de lançamento do euro ainda nos anos 90; o início das reformas econômicas modernizadoras na Índia; a renegociação da dívida externa do setor público de quase duas dezenas de países "emergentes"; e a transformação dos EUA de país credor do resto do mundo para a posição de devedor, agravada a partir de 1991, quando passou a incorrer em déficits crescentes em seu balanço de pagamentos.

Em seu conjunto, esses fatores levaram a uma expressiva redução da aversão ao risco e à uma extraordinária ampliação das oportunidades de comércio e investimento, doméstico e internacional, em áreas que passavam a se integrar à economia global. Adicionalmente, avanços tecnológicos nas áreas de informática e telecomunicações propiciaram antes impensáveis reduções de custo e aumentos de produtividade. E permitiram que, ao longo dos últimos 20 anos, centenas de milhões de pessoas passassem a ter acesso, em tempo real, a informações sobre eventos correntes, e sobre padrões de consumo, níveis de renda e riqueza, estilos de vida em outros países, levando a uma revolução de expectativas de milhões de recém-integrados à economia global.

Do ponto de vista econômico-estrutural, portanto, Hobsbawm estava certo: parece ter ocorrido uma reacomodação de placas tectônicas na economia mundial por volta do início dos anos 90, gerando um período sem precedentes de expansão da economia global, do comércio internacional (volumes e preços) e dos fluxos internacionais de capitais privados. Um ciclo de expansão global que, como notou Ken Rogoff, foi "o mais intenso, o mais longo e o mais amplamente disseminado da história moderna" - e cujo auge, é ainda Rogoff quem nota, foi alcançado no quinquênio 2003-2007 (algo que o lulo-petismo faz questão de ignorar). Auge de exuberância que, sabe-se bem hoje, contribuiu em boa medida para a grande crise global de 2008-2009, cujas consequências ainda se estarão fazendo sentir por alguns anos à frente.

O combate ao pânico avassalador que tomou conta de mercados financeiros e de governos em fins de 2008, e a busca da retomada da atividade econômica nos países desenvolvidos, foi feito à custa de uma historicamente sem precedentes intervenção do poder público - Tesouros e bancos centrais -, em termos de políticas expansionistas, fiscais, parafiscais e monetárias. Circunstâncias excepcionais exigem respostas excepcionais. Como Keynes sabia, e como sabem hoje os governos dos países desenvolvidos, essas medidas devem ter caráter transitório, até que se restabeleça a indispensável confiança dos investidores e consumidores privados.

Mas essas extraordinárias respostas de governos - que estão permitindo uma gradual superação da crise - têm levado ao que parece ser uma nova leitura de Hobsbawm: o século 20 estaria terminando só agora, com esta crise - e com o novo "paradigma" que emerge da forma como a crise vem sendo enfrentada.

Na sua vertente mais "econômica", o suposto "novo paradigma" conduz a uma reafirmação do papel do Estado, não apenas na superação da crise por meio de medidas extraordinárias - e temporárias, de caráter "contracíclico" -, como também do papel renovado de um Estado que passa a ser o elemento essencial para assegurar, ao longo do tempo, o desenvolvimento econômico e social acelerado.

Na sua vertente mais "política", o novo paradigma procura apresentar a crise atual como o último prego no caixão do "ideário" que teriam representado, nos anos 80 do século passado, Ronald Reagan e Margaret Thatcher. A "derrota" de ambos - e seus seguidores, vistos como legião - só agora teria sido consumada com o enterro, definitivo, das ideias de "Estado mínimo", da "desestruturação do bem-estar social" e do "fundamentalismo de mercado" - e de seus seguidores no Brasil, que seriam, para os militantes do lulo-petismo, em princípio, quaisquer oposicionistas.

A vertente "econômica", sobre o papel ampliado do Estado e de suas empresas, pode e deve ser amplamente debatida, esperemos que com um mínimo de honestidade intelectual e respeito aos fatos e aos outros. A vertente "política" mencionada no parágrafo anterior, ao contrário, é simplesmente um caso de flagrante desonestidade e indigência intelectual, desrespeito aos fatos e aos outros, tentativa de fazer com que uma mentira, e sua rotulagem barata e demagógica, se mil vezes repetida, possa chegar a assumir foros de veracidade para desavisados e adeptos de estereótipos e maniqueístas palavras de ordem.

É, no entanto, exatamente por conta desse exacerbado clima de palanque que vozes sensatas precisam insistir - como no texto que abre este artigo - na importância crucial de lançar um olhar objetivo para 2011 e adiante - o pós-Lula -, com foco nos problemas que este governo (como, aliás, fazem todos os governos) deixará para seu sucessor. Qualquer que seja seu nome, este não se chamará Lula.

Feliz Natal e bom 2010.

Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso

Com 98,3% das urnas apuradas, eleição presidencial vai a 2º turno no Chile

Direitista Sebastián Piñera é favorito no próximo pleito, em janeiro.

Candidato da situação disse sentir um 'apoio sólido' para seguir em frente.


Giovana Sanchez do G1, em Santiago

Um novo relatório oficial lido pelo subsecretário do Interior chileno, Patricio Rosende, à meia-noite desta segunda-feira (14), horário de Brasília, definiu que, com 98,3% das urnas apuradas, a eleição presidencial no Chile irá para segundo turno.

Vão concorrer o candidato da direita Sebastián Piñera, que está com 44%, e o oficialista Eduardo Frei, que obteve até agora 29,6%. O candidato independente Marco Enríquez-Ominami tem 20,1%. Eduardo Frei já foi presidente de 1994 a 2000, e Piñera é um empresário com uma fortuna avaliada em US$ 1 bilhão, segundo a revista Forbes.


As pesquisas já apontavam esse resultado, mas era esperada uma maior porcentagem de votos para a coalizão de esquerda Concertación, que governa o Chile há quase 20 anos, desde a queda do ex-ditador Augusto Pinochet.

Os candidatos agora oficiais ao segundo turno já se pronunciaram e disseram estar dispostos a conquistar o apoio que falta para vencer as eleições de janeiro.

A presidente Michelle Bachelet pediu aos candidatos que façam uma campanha que "privilegie o debate de ideias."

Analistas apontam a dificuldade da direita em conseguir o apoio necessário para sair vitoriosa na próxima etapa das eleições, já que se espera que os 20% de Marco-Enríquez vá para a esquerda - ele próprio deixou o Partido Socialista em junho deste ano para concorrer de maneira independente as eleições.

Questionado pelo G1 sobre a conquista de novos eleitores, o economista e membro da coalizão direitista Juan Andres Fontaine disse que "a mensagem de mudança está chegando aos cidadãos" e que os 6% que lhes faltam serão alcançados. "Marco Enríquez tem muitos pontos de seu programa em comum com o nosso."

A votação foi calma e sem registro de incidentes graves. O canal TVN relatou que um homem idoso teve um ataque cardíaco durante a votação, e outros incidentes menores foram relatados pelo país.

Chávez ataca ''ameaças'' de Hillary à região

AFP E Efe, Havana

Em discurso na cúpula da Alba, em Cuba, líder venezuelano qualifica alerta dos EUA a países que se aproximam do Irã de "ofensiva imperial"

Em discurso ontem na 8º Cúpula da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), em Havana, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, qualificou de "ameaças" e "ofensiva imperial" os alertas de Washington a países latino-americanos que se aproximam do Irã. Na quinta-feira, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, havia afirmado que o "flerte" com Teerã era uma "má ideia" e teria "consequências".

"As declarações da senhora Clinton são uma ameaça sobretudo contra a Venezuela e a Bolívia.

Trata-se de sinais evidentes de uma ofensiva imperial que busca frear o avanço de forças progressistas", atacou Chávez.

Anfitrião do encontro, o presidente cubano, Raúl Castro, abriu a reunião denunciando a "ofensiva hegemônica" dos EUA na América Latina por meio da instalação de bases militares na região. Os dois chefes de Estado também criticaram os países que apoiaram as eleições do dia 29 em Honduras, realizadas pelo governo de facto.

Além dos líderes de Cuba e Venezuela, participam da cúpula os presidentes boliviano, Evo Morales e nicaraguense, Daniel Ortega. Representantes do Equador e do governo deposto de Honduras também estão presentes no encontro, que termina hoje.

Raúl citou a Colômbia como exemplo de país "subordinado aos interesses do império". "Um confronto de forças históricas se intensifica na América Latina. De um lado, há um modelo político e econômico herdeiro do colonialismo e neocolonialismo. Do lado oposto, há o avanço de forças políticas revolucionárias e progressistas."

Líderes bolivarianos discutirão hoje temas como a cúpula de Copenhague sobre o aquecimento global, o golpe contra o presidente Manuel Zelaya e acordos entre Washington e Bogotá.

"Devemos fortalecer a Alba de todos os pontos de vista", disse Raúl.