quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Reflexão do dia - Hannah Arendt

“Assim como não existe o ser humano como tal, mas somente homens e mulheres que em sua absoluta distinção são iguais, ou seja, humanos, essa indiferenciação humana comum é a igualdade que, por sua vez, só se manifesta na diferença absoluta de um igual em relação ao outro. (...) se, por conseguinte, ação e discurso são as duas atividades políticas por excelência, diferença e igualdade são os dois elementos constitutivos dos corpos políticos”.


(Hannah Arendt, no livro “A Promessa da Política”, pág. 109 – DIFEL, Rio de Janeiro, 2008)

Merval Pereira :: A busca do vice

DEU EM O GLOBO

A escolha do vice-presidente está se transformando em um intrincado jogo político que, embora tenha como principal objetivo o tempo de televisão e rádio de propaganda eleitoral que pode ser agregado à campanha, manda também uma mensagem nada desprezível ao eleitorado. Por isso mesmo, tanto PSDB quanto PT estão em dificuldades para a escolha do vice depois do escândalo do mensalão do Distrito Federal, que abateu em pleno voo nacional o governador José Roberto Arruda.

De uma das figuras mais influentes do DEM e possível candidato a vice-presidente na chapa do PSDB, seu escândalo não apenas respingou na coligação PSDB-DEM, como uma bala perdida no tiroteio de acusações filmadas e gravadas atingiu em cheio o presidente da Câmara, Michel Temer, do PMDB, até então considerado pule de dez para companheiro de chapa da ministra Dilma Rousseff.

O escândalo do DEM reforçou a tese favorita dos tucanos de que a melhor solução seria mesmo uma chapa puro-sangue com o governador de Minas, Aécio Neves, de vice-presidente e o de São Paulo, José Serra, na cabeça, minimizando assim um contágio mais forte do escândalo. Embora sejam inevitáveis os respingos, até mesmo pela parceria notoriamente bem-sucedida em São Paulo entre Serra e o prefeito Gilberto Kassab.

Até março, as pressões sobre Aécio serão intensas, e atribuiu-se a essas pressões um suposto recuo, por ele negado, de antecipar para este mês a decisão de concorrer ao Senado por Minas, desistindo já de disputar a candidatura à Presidência da República internamente com o governador José Serra.

É difícil, no entanto, que essa chapa se concretize, pois o governador Aécio Neves está convencido de que ser vice não agrega valor nem à sua vida política nem à chapa propriamente dita.

Caso essa hipótese se inviabilize, a tendência hoje do PSDB é fechar um acordo com o PPS, coordenado pelo próprio Aécio, para indicar o ex-presidente Itamar Franco para vice.

Seria uma maneira de incluir Minas na chapa, sinalizando a importância de uma vitória no segundo maior colégio eleitoral do país.

Caso o DEM insista em indicar o vice para não parecer aos olhos do eleitorado como um partido rejeitado, provavelmente oferecerá ao PSDB um velho conhecido, à prova de qualquer problema, o senador Marco Maciel, que foi vice de Fernando Henrique Cardoso por oito anos.

O único defeito dessa solução é levar para a disputa uma marca plebiscitária, justamente o que o governo Lula quer. Fugir da contaminação de escândalos é talvez a maior preocupação na composição das chapas.

Em maio de 1994, o então senador de Alagoas Guilherme Palmeira foi indicado candidato a vice-presidente na chapa de Fernando Henrique Cardoso pela coligação União, Trabalho e Progresso, mas não resistiu três meses: em agosto, uma denúncia de favorecimento de uma empreiteira no Orçamento Geral da União provocou a substituição por Marco Maciel, também senador e nordestino.

Também Lula, em 2002, escolheu o vice José Alencar mais por ser empresário do que por ser político mineiro, para dar um recado a setores empresariais de que seu governo não seria uma ameaça à estabilidade econômica.

A região do candidato a vice é importante, embora possa ser também um impedimento.

Na chapa oficial, por exemplo, ser nordestino não é uma vantagem, já que Lula é amplamente popular hoje na região.

O deputado Ciro Gomes pode vir a ser o vice de Dilma se a negociação com o PMDB gorar, mas será pelo seu potencial desempenho eleitoral, e não por ser do Ceará.

Já na oposição, ser bem votado no Nordeste pode ser um reforço, caso a união preferencial com Minas não vingue.

O episódio da lista tríplice, sugestão de Lula que ainda causa estranhamento na relação do PT com o PMDB, tem precedente histórico já relatado aqui na coluna.

Quando, em 1933, Getulio Vargas nomeou o interventor em Minas Gerais, sugeriu sutilmente que fosse incluído na lista o nome de um deputado novato, Benedito Valadares, do Partido Progressista (PP) — e não do PSD, como escrevi anteriormente.

Benedito Valadares foi, de fato, um dos fundadores do PSD, mas em 1945.

Atribui-se à intenção de Lula de ter o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, como vice de Dilma a sugestão da lista tríplice. Seria uma maneira de sinalizar aos empresários e mercado financeiro que as linhas básicas da política econômica não mudariam.

E também uma provocação ao governador de São Paulo, que tem em Meirelles o principal alvo de suas críticas econômicas e é acusado de ser mais heterodoxo em matéria de política econômica do que o próprio Lula.

O interesse do presidente Lula pelo PMDB está concentrado no tempo de rádio e televisão, que dobraria o do PT com a adesão formal na convenção em junho.

A formidável máquina partidária do PMDB, no entanto, não estará nunca inteiramente à disposição da candidatura oficial, pois setores importantes do partido estão comprometidos ou com a candidatura do PSDB ou tentando viabilizar uma candidatura própria.

A cada mal-entendido que acontece, cresce mais a possibilidade de, ao fim, mais uma vez o PMDB não ter condições de aprovar uma coligação formal com o governo, o que faria com que seu tempo de rádio e televisão fosse dividido por todos os partidos que venham a ter candidatos a presidente.

A hipótese menos provável é a de que o PMDB, em represália ao governo, decida formalizar um acordo com o PSDB, repassandolhe seu tempo de propaganda eleitoral.

Essa possibilidade, que vem sendo aventada nos bastidores, parece mais uma chantagem política para dobrar as resistências de Lula e do PT do que uma ameaça real.

Dora Kramer :: A hora e a vez

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Candidato a disputar o governo de Minas Gerais, o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, não arrisca incursões para fora de sua jurisdição.

Recusa-se a comentar a estratégia dos adversários e, quando é provocado a analisar a situação nacional do PT, fala do assunto feito quem come gilete, no maior cuidado.

Elogia muito o PMDB, mas não exibe a menor disposição de desistir da empreitada regional em nome da preservação da aliança nacional.

"O projeto nacional está acima de tudo, mas é preciso ver que ele não se dá no vazio, é construído pela força política nos Estados, que é o que dará sustentação ao governo federal mediante o apoio dos governadores e de uma base forte e ampla no Congresso. Não precisamos ter candidato próprio sempre, mas também não podemos abrir mão das candidaturas próprias sem uma justificativa de peso", analisa o ministro.

É o caso de Minas Gerais - sua preocupação primordial - onde, está convencido, "é a vez do PT".

Diz isso apesar de o Estado ser considerado um dos focos centrais da disputa da aliança entre PT e PMDB, que ameaça romper o acerto para apoiar a candidatura de Dilma Rousseff se não for atendido em seu desejo de concorrer ao governo com apoio do PT.

Patrus acha o anseio legítimo, admite até seja necessário "incorporar o PMDB à chapa", mas por ora não vê possibilidade de seu partido abrir mão de disputar. Com ele ou sem ele.

O ministro, em tese, ficou em desvantagem com a vitória recente do candidato apoiado pelo ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel para a presidência do PT regional.

Na visão dele trata-se de um obstáculo, não de uma impossibilidade. "Além de o resultado (48% a 52% dos votos) ter sido politicamente equilibrado, muita gente que apoiava a outra chapa internamente está comigo para a candidatura ao governo, são duas questões diferentes: o partido e o Estado."

Ainda este mês Patrus Ananias pretende oficializar um pedido para a realização de prévias para a escolha do candidato e já tem sua plataforma para conquistar a preferência dos filiados. Vai se apresentar como um petista "de raiz", militante histórico, candidato em seis eleições, eleito uma vez prefeito de Belo Horizonte e arauto da recuperação dos "ideais" do partido: ética da política, respeito à democracia interna e valorização dos filiados e abertura de espaço aos movimentos sociais.

"Sou de esquerda", preconiza, certo de que por aí marcará a diferença no discurso de afirmação partidária.

O mesmo que o PT fará em todos os Estados para enfrentar uma eleição nacional complicada em que precisa, no mínimo, recuperar a velha identidade, pois, seja de novo governo ou volte para a oposição, não terá mais a popularidade de Lula para o proteger.

Para o PT esse é o ponto crucial. Mais importante que atender às exigências do PMDB.

Máquina mortífera

O PT de Minas não subestima a capacidade de o governador Aécio Neves conseguir eleger como sucessor o atual vice, Antonio Anastasia, a despeito da ausência de histórico eleitoral e da provável presença de adversários fortes - Patrus Ananias ou Fernando Pimentel pelo PT e Hélio Costa pelo PMDB.

Se concorrer, Anastasia o fará no cargo. Em Minas há um partido cuja força não raro se sobrepõe a todas as outras, o PL. Palácio da Liberdade, sede do governo.

Algo há

Está tudo muito exagerado na relação entre o PMDB e o presidente Lula. Não há correspondência entre os atos e a lógica dos fatos.

Desde a interminável reação magoada ao pedido de lista tríplice para um PMDB que não se ofende com nada e muito menos costuma enfrentar fontes substantivas de poder, até a crescente ofensiva de Ciro Gomes contra o partido.

Não que o deputado não tenha razão em suas contundentes críticas às práticas fisiológicas do PMDB e à "hegemonia" que paralisa os trabalhos da Câmara e "prejudica o País".

O discurso seria completo não fosse pelo fato de omitir que tudo ocorre em função das conveniências do Palácio do Planalto, a quem Ciro serviu como ministro, e para atender às exigências do presidente da República, a quem o deputado concedeu a prerrogativa de influir até na mudança de seu domicílio eleitoral e de seu destino político.

Trata-se, portanto, de um aliado que confere ao presidente Lula um grau alto de fidelidade. Sendo o PMDB o principal parceiro do presidente - dito como provável vice da candidata oficial - lícito supor que Ciro não atue com o objetivo de contrariá-lo.

E quando o deputado chama o PMDB de imoral está dizendo que o presidente está avalizando uma aliança cuja metade é composta por gente sem moral.

Em tese, tal atitude deveria desagradar ao presidente, que, no entanto, não dá menor sinal de desagrado. Esquisito.

Eliane Cantanhêde:: "Desverticalização radical"

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Você aí consegue entender por que Lula se esfalfou e se expôs ao máximo para salvar Sarney da guilhotina e agora dá uma estocada no PMDB, deixando claro que não gosta de Michel Temer para vice de Dilma?

A versão para a defesa incondicional de Sarney foi garantir o PMDB em 2010, junto com o tempo na TV e os palanques pemedebistas.

É justamente isso que Lula agora parece -ou finge- desprezar, ao roer o acordo e exigir lista tríplice de nomes, em vez de acatar Temer.

Os caciques esperneiam, claro.

É blefe contra blefe, porque Lula precisa do PMDB para carregar sua candidata, assim como o PMDB precisa de alternativas para se manter no poder. Mas blefes envolvem riscos. O de Lula é sacudir as bases pemedebistas insatisfeitas com uma aliança forjada precocemente nos palácios de Brasília -a um ano da eleição, sem a segurança de que Dilma seja capaz de vencer.

Sendo assim, Lula acaba de estimular o que pode ser chamado de "desverticalização radical": o PMDB do Congresso faz uma coisa, os PMDBs regionais fazem o que bem entenderem. Com a verticalização, criada em 2002 e jogada pela janela das conveniências políticas, os partidos eram obrigados a repetir em todos os níveis a aliança nacional. Agora, cada um por si.

Isso gera a expectativa de "palanques duplos" para Dilma nos Estados, mas é ficção. Na hora da campanha e do "vamos ver", os pemedebistas vão disputar a candidata a tapas com o PT.

Ou se dividirem entre Dilma e o candidato do PSDB.

PSDB, DEM e PPS estão a reboque na disputa pelo PMDB. No melhor cenário para eles, o PMDB do Congresso perde a convenção, e o partido fica livre, leve e solto. No menos pior, fica com Dilma, mas liberando os principais Estados para apoiar Serra. É o "liberou geral".

No fim, o PMDB se rearticula e sobe a rampa com o vitorioso e mergulha em ministérios e estatais.

É o que melhor sabe fazer.

PPS, PSDB e DEM encerram o ano confiantes na vitória em 2010

DEU NO PORTAL DO PPS

PPS buscará fortalecimento da República e da democracia

Por:
Valéria de Oliveira

As direções do PPS, PSDB e Democratas promoveram nesta terça-feira uma confraternização de final de ano com jornalistas que cobrem política em Brasília. O presidente do PPS, Roberto Freire, defendeu a unidade das legendas para enfrentar uma eleição que, na opinião dele, será dura, apesar de a candidata do governo não ser tão boa quanto o candidato da oposição, seja ele Serra ou Aécio. Freire chamou a festa de "confraternização de vitoriosos das forças democráticas em 2010".

Freire disse que o PPS não quer nada na chapa da oposição e que o DEM também não pleiteia a vaga de candidato a vice-presidente. "A vice está entregue ao PSDB. Resolvam". Entretanto, insistiu que não é necessário a oposição ter ansiedade ou angústia porque tem os dois melhores candidatos a presidente. Quem tem que estar com esses problemas, disse, é o governo federal, que tem uma candidata com dificuldade, embora o governo esteja muito bem avaliado.

Vitória

"Vamos ter uma eleição muito dura; mas temos chances de sermos vitoriosos se tivermos a unidade, e ela será fundamental para conquistarmos novos aliados", afirma Freire. Esses virão inclusive da base aliada, mas mais adiante, diz o presidente do PPS, quando houver unidade em torno de uma chapa forte. Freire ressaltou que o governador de Minas, Aécio Neves, precisa definir seu papel nesse processo. "Minas precisa dele mais do que São Paulo; ele é a liderança mais significativa de Minas e é legítimo o que ele está procurando [a definição da candidatura tucana] e nós precisamos tratar isso com toda tranquilidade, mas sem nenhuma precipitação".

O PPS, disse ele, não está interessado em cargos em um eventual governo. "Queremos a república fortalecida, a democracia cada vez mais consolidada; e tenho claro que, como o PPS, o DEM também não discute vice-presidência. Ela está entregue ao PSDB, da mesma forma que a presidência República. Resolvam". Freire ressaltou que a definição não precisa vir agora, mas está "se afunilando".

DEM pede a noiva

Sobre o encontro entre os partidos no fim de ano, Freire disse que se enganaram aqueles que pensaram ver ali constrangimento. "Daqui vai sair um passo adiante na nossa unidade para enfrentar aquilo que está aí". O presidente do DEM, Rodrigo Maia, saiu mais cedo da festa, e o senador Heráclito Fortes falou em nome do partido. "O Democratas tem uma posição, e apela, desesperadamente, para que os tucanos coloquem a noiva no altar", disse ele ao abrir o discurso. Ele disse que o partido subirá no altar "com a convicção de que a escolha foi a melhor para o país".

O senador reafirmou que "não parte do DEM nenhuma convicção de compor a chapa" para a Presidência. Essa deve ser a mais viável e interessar mais aos interesses do país. Ele criticou a visão do PT expressa no programa político da semana passada. "Um partido que está há sete anos no poder e não projetou nada para o futuro; fez apenas um retrospecto do passado, fez apenas uma comparação inoportuna e fora de tempo com o que foi feito pelo governo Fernando Henrique". Fortes lembrou que a oposição vai enfrentar uma eleição difícil por causa da propaganda que o governo vem fazendo há muito tempo, inclusive transformando um programa que era de inclusão social (o Bolsa Família), em programa de dependência social.

"É preferível a solidez à pressa", disse o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), último a falar na confraternização. Ele disse que o partido tem preferência pelos dois candidatos e pela vitória. Para ele, o presidente Lula é forte, mas a campanha da ministra Dilma Roussef sempre será dependente dele. Ela é, entre todos os postulantes, "a mais vulnerável do ponto de vista da exposição [na mídia]".

Guerra afirmou que o Orçamento foi mudado em 15 dias para dar consistência à base de sustentação do governo. "Toda rede está criada a partir do Orçamento para fortalecer os candidatos do governo. Esse fundão que está para ser aprovado é apenas um projeto para dar consistência e produzir resultados eleitorais principalmente no interior do Brasil".

Segundo ele, a eleição de 2010 será muito diferente da que ocorreu em 2006, quando a coligação de Geraldo Alkmin tinha "uma poderosa estrutura política, mas havia uma solidariedade política mínima". Ele acredita que a oposição terá resultados melhores no Nordeste e que a campanha, de Serra ou Aécio, não enfrentará a dificuldade de 2006, quando, para os candidatos nos estados, "fazer campanha para presidente significava, muitas vezes, perder sua própia eleição".

Guerra afirmou ainda que a oposição enfrenta um governo muito bem aprovado, que não tem limites na divulgação de sua candidata. "É claro que temos de desenvolver o nosso esforço eleitoral dentro da lei, porque senão ficamos sem autoridade para reclamar do descumprimento sistemático da lei que o governo faz na divulgação de sua candidata; é claro também que temos recursos imensamente inferiores aos do adversário". Para ele, no entanto, os índices apresentados por Serra são muito bons. Com 37% nas pesquisas, se ele for submetido a intensa propaganda, atingirá facilmente 42%, raciocinou.

PT vota proposta de plebiscito sobre Constituinte em 2010

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Consulta, que precisa ser aprovada pelo Congresso, seria feita no mesmo dia da eleição

Objetivo é transformar a reforma política em tema da campanha; deputados devem usar tempo na TV para falar sobre o assunto

Fábio Zanini
Da Sucursal de Brasília

O PT decidiu transformar a reforma política em tema da campanha eleitoral de 2010 e, em seu congresso nacional, em fevereiro, votará uma proposta de realizar um plebiscito sobre o tema no mesmo dia da eleição presidencial do ano que vem.

Nesse mesmo congresso será lançada oficialmente a candidatura presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

O autor da ideia do plebiscito é Francisco Rocha, um dos principais ideólogos da ala que controla o partido, a Construindo um Novo Brasil (CNB).

A CNB acaba de vencer com folga a eleição para renovação da direção petista e, na prática, controlará a campanha de Dilma. A esse grupo, além do presidente Lula, pertence o ex-senador José Eduardo Dutra, que em fevereiro será empossado presidente do PT e coordenador da campanha.

Recentemente, uma proposta semelhante de plebiscito para reforma política foi apresentada pelo deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE).

Além da proposta do plebiscito, o congresso deverá votar e aprovar uma sugestão do próprio Dutra de reservar parte do horário eleitoral de rádio e TV para que deputados da legenda defendam a reforma política.

"Esse assunto [reforma política] o Congresso Nacional só vai votar se houver pressão de fora para dentro", diz Dutra.

Nos últimos três anos, a Câmara dos Deputados por duas vezes colocou em pauta temas como financiamento público de campanhas, voto em listas partidárias, fim das coligações proporcionais, cláusula de barreira e fidelidade partidária. Nas duas vezes, as propostas foram derrubadas por forte oposição suprapartidária.

O PT, desde 2007, defende uma Constituinte exclusiva para tratar do assunto, mas sempre pela via parlamentar, ou seja, a partir da aprovação de uma emenda constitucional.

Vários de seus líderes vêm chegando à conclusão de que apenas o caminho congressual não basta. "Já apoiamos a tese da reforma política há algum tempo, mas não prosperou muito.

Tem que haver um movimento que inclua a sociedade civil", afirma Francisco Rocha.

Ele diz que ainda está fazendo consultas dentro e fora do partido sobre os termos exatos da pergunta, que possivelmente faria referência à tese de uma Constituinte só para a reforma.

Para que o plebiscito ocorra, é necessária a aprovação de um projeto de decreto legislativo pelo Congresso, por maioria simples na Câmara e no Senado. Apesar de a proposta ser realizá-lo no mesmo dia do primeiro turno (3 de outubro), a consulta não interfere diretamente na eleição. É desnecessário, portanto, aprová-lo com um ano de antecedência.

O prazo também não é tão exíguo quanto parece. Da última vez em que houve um plebiscito, sobre a proibição da venda de armas, a aprovação pelo Congresso se deu em julho de 2005, e a consulta foi feita em outubro do mesmo ano.

"Reforma política só acontece com o envolvimento da população. Ou a gente busca uma forma de envolver a população, ou a reforma não sai", diz o deputado José Genoino (PT-SP).Nos bastidores do partido, admite-se que é difícil um plebiscito ser aprovado pelo Congresso no ano que vem.

O PT pretende fazer um gesto político já na campanha, atrelando o tema à imagem de Dilma. E apostando que sua representação e a de aliados vai crescer na próxima legislatura, quando então seria mais realista aprovar as propostas.

Lula defende reforma desde crise de 2005

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Da Redação

Desde a crise do mensalão, em 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem defendido uma reforma política. Logo após sua reeleição, em 2006, ele declarou que iria encaminhar ao Congresso "a reforma política que o Brasil tanto necessita".

Em 2007, o Planalto passou a defender a convocação de uma Constituinte exclusiva para a reforma -uma proposta do ministro Tarso Genro.

Lula voltou ao tema neste mês, ao comentar o caso do mensalão do DEM. Ele reclamou que o Legislativo não aprovou suas propostas de reforma e voltou a defender a convocação de uma Constituinte para promovê-la: "Os partidos políticos deveriam estar defendendo neste momento, depois das eleições de 2010, uma Constituinte específica para fazer uma legislação eleitoral para o Brasil. Não é possível continuar do jeito que está".

Um partido à procura de um discurso

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Vera Magalhães
Editora de Brasil

Existe uma brincadeira recorrente entre jornalistas em Brasília segundo a qual, sempre que há falta de assuntos quentes em política, pode-se recorrer a uma discussão sobre reforma política.
Da mesma forma, sempre que são confrontados com um novo escândalo de corrupção, congressistas e presidentes de partido se apressam em dizer que a panaceia para todas as mazelas é a dita reforma política.

Ao recorrer ao velho expediente, o PT mostra que está preocupado com a resposta que dará, em 2010, às cobranças diante de um inventário de dois mandatos de Lula que começa com o caso Waldomiro Diniz, passa pelo mensalão em 2005 e pelos "aloprados" em 2006 e chega à proteção a José Sarney em 2009.

Fazer Dilma Rousseff puxar o cordão da defesa por uma Constituinte exclusiva para aprovar a reforma política blindaria a candidata da responsabilidade de responder pelo passivo de Lula no campo da ética. Com a presidenciável à frente e os demais candidatos fazendo coro à ideia, estaria criada a cortina de fumaça para dizer que interessa discutir o "futuro", palavra mágica que já povoa as propagandas do PT.

Pouco importa, para essa estratégia, que seja praticamente impossível mobilizar o Congresso, em pleno ano eleitoral, para abraçar uma causa que só interessa ao PT. Também deve-se ignorar o fato de que os sucessivos fracassos em tentativas de votar uma reforma política -qualquer arremedo de reforma política, vale dizer- se deveram, em grande parte, a obstruções da própria base aliada, com o PT à frente.

A importância da nova jabuticaba que a campanha petista tentará introduzir no debate de 2010 -um plebiscito para uma questão que o próprio Congresso já discutiu e descartou mais de uma vez - se dá, portanto, só no terreno da retórica e do marketing político, tanto de Dilma quanto do próprio Lula.

Afinal, quando se fizer o balanço de seu governo bem avaliado nas áreas social e econômica, o presidente poderá dizer que, mais de uma vez, tentou pautar uma reforma importante para o avanço institucional do país, mas que o Legislativo, sempre ele, não quis responder à tarefa.

Novo líder tucano reforça peso de Serra na bancada

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Marcelo de Moraes, BRASÍLIA

Um acordo político fez com que o deputado João Almeida (PSDB-BA) fosse escolhido ontem por unanimidade como novo líder da bancada tucana na Câmara dos Deputados. O resultado fortalece a posição do governador de São Paulo, José Serra, junto aos deputados, uma vez que o PSDB baiano é próximo politicamente a ele.

Poucos antes da eleição, o deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP) retirou sua candidatura. Com isso, o PSDB evitou a divisão do ano passado, quando a disputa pela vaga de líder, vencida por José Aníbal (SP), provocou desgaste na bancada.

DESGASTE

Nogueira é ligado a Geraldo Alckmin, pré-candidato tucano ao governo de São Paulo. Além de unificar a bancada, com sua saída da disputa Nogueira evitou o risco de um desgaste entre aliados de Serra e Alckmin. "O partido sairá unificado desse processo", disse Nogueira.

"Pelo que vimos na campanha pelo posto, a disputa estava muito equilibrada e poderia haver desgaste com uma votação. A decisão de ter apenas uma candidatura foi boa para todo mundo", avalia o deputado Edson Aparecido (SP).

Veterano de cinco mandatos na Câmara, João Almeida assumirá a liderança a partir de 2010 com o papel de conduzir o maior partido de oposição na Casa num ano de corrida presidencial.

Apesar de ser um período no qual o trabalho do Congresso é prejudicado pelo calendário eleitoral, Almeida tentará reverter as críticas de excesso de passividade da oposição na confrontação com o governo. "O trabalho forte de fiscalização do governo tem de ser feito sempre, independentemente de ser um ano eleitoral", disse Almeida.

Jarbas de Holanda :: Salto alto de Lula põe PMDB de sobreaviso. E a pressão para Aécio aceitar a vice de Serra

Um sinal de advertência ao comando do PMDB (para maior enquadramento com o Palácio do Planalto e com a campanha de Dilma Rousseff em estados como Minas, Pará, Bahia (e outros), ou antecipação de um veto a Michel Temer (que, segundo o Painel da Folha de S. Paulo, de ontem, não será aceito como candidato a vice de Dilma Rousseff; ao que a coluna
de Merval Pereira, no Globo acrescentou: “Há quem aposte que a idéia de Lula é colocar na lista tríplice o nome de Henrique Meirelles”). Qualquer que seja a leitura da inesperada declaração do presidente, em São Luís no fim da semana passada, na qual cobrou do partido aliado uma lista tríplice de pré-candidatos a vice, o gesto na verdade revelou, ou traiu, o sentimento de Lula de que, com o bom cenário econômico à vista e com sua alta
popularidade, uma vitória de Dilma dependerá bem menos do PMDB (do que a direção da legenda imagina). E de que o papel dos peemedebistas num governo da candidata oficial deverá também ser bem menor do que aquele que a cúpula partidária espera ganhar com a aliança eleitoral. Isso de par com os cálculos de sequência tranqüila da vinculação da legenda à máquina governamental e sobre a menor importância de problemas no Legislativo (após a aprovação das MPs do pré-sal e do novo orçamento), ao longo de 2010.

Mas as reações à cobrança da referida listra tríplice estão sendo bem maiores do que o presidente supunha. A defesa da autonomia, com veemente crítica a interferência externa na indicação de candidato a vice, une as diversas correntes do partido; se um dos propósitos dessa cobrança era gerar um choque entre os presidentes do Senado e da Câmara a manobra fracassou com o forte endosso de José Sarney ao nome de Michel Temer como indicação única; e à hipótese da confirmação de um veto a ele parlamentares ligados às duas principais correntes do partido contrapuseram a alternativa de apoio ao candidato do tucano, seja ele José Serra ou Aécio Neves (e nas palavras do próprio líder, Henrique Eduardo Alves, “a aliança (com o PT) não está certa, depende de ser aprovada na convenção”).

A rigor, com o ensaio feito ou o passo dado para controle direto de uma decisão como essa do PMDB, o presidente Lula subestima por inteiro, ou ignora, o explícito pragmatismo do partido na relação com o governo. Pragmatismo que condiciona o apoio a Dilma Rousseff a funções decisivas na montagem da campanha e numa administração dela, e não às de um coadju- vante do PT. Sem a garantia do quê a legenda – até em face de sua direção não ter condições de vincular a essa candidatura a diversidade dos interesses e projetos regionais que representa – poderá e até preferirá ficar sem nenhuma definida na convenção de junho de 2010. Risco do qual Lula logo se dará conta, deixando o salto alto de lado, e que certamente não quer correr. O que deverá levá-lo a esquecer rapidamente o veto a Temer e a proposta da lista tríplice.

Outro dado significativo dos movimentos político-eleitorais deste final de ano é a forte pressão exercida por dirigentes do PSDB sobre Aécio Neves para que ele não confirme a decisão que tem reiteradamente anunciado de que no início de janeiro abandonará o projeto presidencial (trocando-o pelo de postulante ao Senado por Minas), se até lá o comando do partido não deli-berar a respeito, o que representará também a formalização de sua recusa a compor como vice a chapa de José Serra. Com fortes implicações negativas para a competitividade da oposição na disputa do Planalto. E com a transferência praticamente exclusiva ao governador paulista da responsabilidade de tentar assegurá-la, bem como com o sacrifício do seu plano B de disputa da reeleição em São Paulo, alternativa que esperava deixar
aberta até março.

Jarbas de Holanda é jornalista

Miriam Leitão :: Líderes em ação

DEU EM O GLOBO

A Conferência do Clima ainda pode ser salva. Os chefes de Estado atuaram ontem intensamente nos bastidores. A negociação para salvar a COP-15 ocorre em vários teatros. Na área técnica, houve impasses. O presidente da Conferência, primeiroministro dinamarquês, tentou arrancar apoio para seu novo documento.
Os chefes de Estado começaram a falar de dinheiro.

O dinheiro não apareceu ainda na mesa, mas já se vislumbra seu contorno. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, convocou uma coletiva junto com o presidente da Etiópia, que representa a União Africana. E os dois, Europa e África, representaram um dueto.
Barroso disse que apoiava a proposta da Etiópia de financiamento.

Por trás desse fato muita coisa tinha acontecido. O presidente Nicolas Sarkozy, o primeiro-ministro Gordon Brown e a chanceler Angela Merkel estão negociando, em contatos frequentes, o tamanho da ajuda europeia ao fundo de combate às mudanças climáticas. Mas queriam ter certeza de que a proposta seria bem aceita pelos africanos. Houve negociações prévias, e dessas conversas saiu a proposta que foi defendida pelo presidente da União Africana e primeiro-ministro da Etiópia, Meles Zenawi, no discurso que fez no plenário ontem à tarde. Recapitulando: a proposta saiu da Europa, foi anunciada pela África como sendo dela, e foi apoiada depois publicamente pelos europeus. E por que essa circunavegação da Terra? Porque a Europa não quer dizer quanto quer gastar antes de saber qual é o tamanho do cheque do presidente Barack Obama; mas ao mesmo tempo queria conter o clima de deterioração das expectativas que estava se espalhando.

A proposta feita por Zenawi em plenário é de que a África aceita o fundo de curto prazo, de US$ 10 bilhões por ano em três anos, desde que 40% disso sejam dos africanos. No financiamento de longo prazo, a proposta é de US$ 50 bilhões por ano até 2015, e US$ 100 bilhões por ano depois de 2020. A África quer 50% do dinheiro.

O que não foi dito é que os líderes europeus estão negociando entre eles que o bloco colocaria 30% desse total. Que o fundo será constituído por oito mecanismos diferentes de financiamento, a maior parte de fundos públicos, uma parte de mercado. O primeiro-ministro Gordon Brown conversou com o presidente Lula sobre isso. A ideia é atrair para a proposta os países latino-americanos.

Quem atua no convencimento dos países hispanoamericanos é a Espanha. A ministra-chefe da delegação espanhola chamou os representantes de todo o grupo para conversar.

Os Estados Unidos, enquanto isso, assumiram o papel de vilão sem disfarces.

Na negociação que varou a noite, até a manhã de ontem, foi com surpresa que os outros negociadores viram tudo retroceder. Todd Stern, o chefe da negociação, avisou que não aceitava mais que houvesse aqueles colchetes com as opções de metas de cortes de emissão dos países ricos.

A mais baixa meta que estava no texto, há vários dias, era de 25% em relação a 1990, mais alta do que a que está sendo neste momento votada no Senado americano.

Os Estados Unidos concordaram durante dias. De repente, Stern quis que fossem retirados os números dos colchetes e trocados pela letra xis. Os números em colchetes são opções a serem oferecidas aos chefes de Estado. Já quando entra a letra X fica claro que o impasse é total. Outros países pediram para tirar tudo do qual haviam discordado, e trocado pela letra X .

De manhã, a delegação americana anunciou que a secretária de Estado, Hilary Clinton, estava embarcando para Copenhague. A informação é de que o presidente Obama só virá na certeza do sucesso. O custo político de Obama não vir será imenso.

O Japão anunciou, de surpresa, no fim do dia, que vai depositar um terço do dinheiro previsto para o fundo de curto prazo. A informação chegou laconicamente em forma de um release distribuído na sala de imprensa. O primeiro-ministro, Yukio Hatoyama, propõe depositar US$ 11 bilhões no fundo, que em três anos terá US$ 30 bi. Como a Europa já anunciou também um terço desse fundo, ficou faltando quem? Os Estados Unidos. Eles terão que mostrar seu cheque. Os americanos tiveram uma ação deletéria bem na reta final.

O país de Obama tinha uma dívida e prometia pagar. Enquanto a Europa já tem metas, os Estados Unidos, por não terem entrado em Kioto, estão dez anos atrasados.

Por outro lado, os grandes países emergentes terão que ceder também: em metas e em contribuições ao fundo.

Com esses movimentos coreografados ontem, os países ricos estão saindo da situação de afundadores da COP, que tinham assumido nos últimos dias. Com a aliança EuropaAacute;frica ficou claro, mais uma vez, as várias divisões que têm os países em desenvolvimento.

Nessa coleção de dias decisivos, hoje será mais um deles. Copenhague vai além da Dinamarca. A reunião de alguns chefes de Estado já começou em contatos bilaterais ou em reuniões virtuais.

Há ainda posições enigmáticas, impasses, conflitos e ameaças. As negociações continuam acontecendo.

Não há mais noites na Dinamarca.

À beira do abismo climático

DEU EM O GLOBO

Chefes de Estado chegam a Dinamarca sem acordo costurado e cúpula pode fracassar

Chico de Gois, Deborah Berlinck e Roberta Jansen
Enviados especiais • COPENHAGUE

A Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague, entra hoje em sua fase final e decisiva, com o início da reunião dos 125 chefes de Estado e governo, sem que haja qualquer acordo costurado. Os pontos cruciais continuavam em aberto, sem avanços significativos na reunião dos ministros. Para complicar ainda mais a situação, um novo documento dinamarquês paralelo ao da negociação oficial — que teria os americanos por trás — vazou, provocando fortes reações dos países em desenvolvimento. A saída da dinamarquesa Connie Hadegaard da presidência da reunião, renunciando ao cargo depois de ter sido criticada pelos países em desenvolvimento, deixou o clima ainda mais tenso.

Durante o dia, especulava-se que o presidente americano Barack Obama poderia desistir de vir a Copenhague, para não correr o risco de ser o protagonista de um possível fracasso nas negociações. Porém, no fim da noite de ontem, Obama telefonou para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e garantiu que viajaria à capital dinamarquesa, informaram fontes ligadas à Presidência.

Entre os chefes de Estado que chegaram ontem, o clima era de apreensão. O primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, admitiu, em entrevista à BBC, que pode não haver um acordo na reunião.

‘É hora de jogar as boias’

As negociações entre ministros se arrastaram até o fim da noite. A ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, chefe da delegação brasileira, reuniuse com os representantes de China e Índia na madrugada.

Durante o dia, as gigantescas salas de negociação do Bella Center eram o retrato do impasse. Negociadores paralisados, alguns com os pés em cima das cadeiras, computadores abertos, esperavam por definições dos ministros.

Pontos como o limite do aumento das temperaturas, as metas de redução das emissões, mecanismos de verificação de reduções nos países emergentes, o financiamento, tudo permanecia em aberto.

Os ministros não conseguiram avançar sobre o esboço feito pelos negociadores. A rigor, o documento até poderia chegar à mão dos líderes com uma ou outra questão em aberto, como o financiamento, mas não totalmente indefinido.

— Estamos extremamente desapontados — disse Ian Fry, negociadorchefe de Tuvalu, arquipélago do Pacífico ameaçado pela elevação do nível do mar. — Tenho a sensação de estar no Titanic e afundando depressa.

É hora de jogar as boias.

Supostamente para tentar romper o impasse, a Dinamarca voltou a anunciar um documento paralelo, que foi duramente rechaçado.

— O texto mata o Protocolo de Kioto! — alarmou-se uma alta fonte presente às negociações.

— Ele não tem metas vinculantes, sem forca juridica, diferente de Kioto.

Connie Hadegaard acabou renunciando à presidência da reunião, dando lugar ao primeiro-ministro dinamarquês, Lars Rasmunssen — num movimento explicado oficialmente como natural (diante da chegada dos chefes de Estado), mas visto como uma reação às críticas dos países em desenvolvimento, que a acusavam de tentar orquestrar um acordo paralelo das nações mais ricas.

— Será que os chefes de Estado viriam para cá para o fracasso? — perguntou Sergio Serra, embaixador brasileiro para Mudanças Climáticas.

Emergentes ignoram texto paralelo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Brasil, China, África do Sul e Índia se aliam para impedir que proposta da Dinamarca avance nas negociações

Andrei Netto e Afra Balazina, Enviados Especiais, COPENHAGUE

Os quatro grandes países emergentes aliados em Copenhague - Brasil, África do Sul, Índia e China, o grupo Basic - decidiram na madrugada de hoje trabalhar, a partir desta manhã, no aprofundamento dos textos-base da 15ª Conferência do Clima (COP-15) das Nações Unidas, ignorando a tentativa da Dinamarca de impor um documento unilateral aos 193 países reunidos. O objetivo é impedir que os ricos acabem com o Protocolo de Kyoto.

A decisão foi tomada em uma reunião sigilosa realizada em um escritório da China no Bella Center, em Copenhague, com participação da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, do ministro de Meio Ambiente, Carlos Minc, e do diretor do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty, Luiz Alberto Figueiredo, pelo Brasil; do ministro do Meio Ambiente da Índia, Jairam Ramesh; e do negociador chefe da China, Xie Zhenhua. Com apoio do G77, o grupo dos países em desenvolvimento, o Basic deve forçar hoje a abertura de uma sessão de consultas multilaterais, baseada em dois textos-base: um sobre o Protocolo de Kyoto e outro sobre um eventual "Protocolo de Copenhague". A versão que será utilizada no trabalho é a que foi redigida ontem pelos executivos Michael Cutajar, de Malta, e Luiz Figueiredo, do Brasil, numa tentativa de salvar as negociações, bloqueadas.

A ideia é fazer o processo de negociação andar, preservando os textos que melhor espelham as negociações entre os 193 países e ignorando a articulação da Dinamarca, que já foi acusada de tentar promover um acordo tendencioso em favor dos ricos. O documento nem sequer teria metas vinculantes de redução das emissões de CO2.

IMPASSE

A 48 horas do fim da COP-15, as negociações retrocederam ontem, voltando a pontos que vinham sendo discutidos desde a última sexta, quando o texto-base de um possível acordo foi divulgado. Contrários ao trecho do documento que trata do equilíbrio das metas de redução de emissões de CO2, os EUA vetaram o documento. A decisão levou países africanos a bloquearem os debates durante todo o dia, após uma madrugada de negociações.Para completar a pressão, a presidente da COP-15, Connie Hedegaard, deixou o cargo em favor de seu chefe, o primeiro-ministro Lars Rasmussen. A decisão teria como objetivo elevar o nível do comando. "Com tantos chefes de Estado reunidos, é apropriado que o primeiro-ministro presida", disse Connie. A saída, porém, gerou rumores, já que Connie ainda respondia a críticas sobre um primeiro texto dinamarquês, considerado tendencioso.

No primeiro ato, Rasmussen anunciou que a Dinamarca publicaria de forma unilateral um novo texto, sintetizando Kyoto e Copenhague. A iniciativa levou insatisfação ao plenário. Com o bloqueio, grupos de trabalho pararam e diplomatas passaram o dia sem negociar.

O Brasil tem 33% menos emprego

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Brasil criou 246,7 mil vagas com carteira assinada, um número recorde para o mês de novembro

Renata Veríssimo, BRASÍLIA

A economia brasileira criou 246,7 mil vagas com carteira assinada em novembro, um recorde para o mês. Com isso, subiu para 1,41 milhão o número líquido de vagas formais abertas no período de janeiro a novembro. Esse total ainda é 33% menor que o do mesmo período de 2008, quando foram abertos 2,1 milhões de vagas, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho.

O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, previu que o País deverá terminar este ano com a criação de quase 1,2 milhão de empregos formais. Isso porque, segundo ele, em dezembro, mês em que normalmente as empresas mais demitem do que contratam, deverão ser fechadas entre 200mil e 250 mil postos de trabalho. Para Lupi, esse será um dado positivo.

"Vai ser o menor índice de demissões temporárias do governo Lula. Eu me arrisco a dizer que vamos ter o melhor dezembro para o comércio, o melhor em vendas, e o melhor Natal do governo Lula por causa do aquecimento da economia", afirmou Lupi.

O saldo de empregos em novembro surpreendeu o ministério porque normalmente nesta época do ano já há uma desaceleração das contratações, sobretudo na indústria. A média de criação de postos de trabalhos dos meses de novembro entre 2003 e 2008 foi de 40,6 mil vagas. Além de ter superado em seis vezes essa média, o resultado de novembro foi o segundo melhor deste ano, superado apenas pelo mês de setembro, quando foram abertos 252,6 mil empregos formais.

O comércio foi o setor que mais empregou no mês passado, com 116,5 mil novos postos de trabalho. O setor de serviços contratou 87, 2 mil empregados; a indústria de transformação, 39,6 mil; e a construção civil, 17,8 mil postos.

Lupi previu que as contratações na construção civil devem continuar crescendo em dezembro, janeiro e fevereiro para atender à demanda por habitações dentro do programa "Minha Casa, Minha Vida". A agropecuária foi um único setor que demitiu mais do que contratou em novembro, em razão da entressafra. Houve o fechamento de 16,6 mil vagas no campo. Por causa disso, o Centro-Oeste foi a única região a perder empregos (991 postos). Nas demais regiões, o saldo foi recorde para novembro. O Sudeste liderou, com a criação de 124,4 mil empregos formais, com destaque para São Paulo que foi responsável por mais da metade destas vagas.

Em novembro também ocorreu o menor número de demissões neste ano, o que indica, segundo Lupi, estabilidade dos empregados. Pelos dados do Caged, foram admitidos 1,413 milhão e demitidos 1,166 milhão de trabalhadores.

Rolf Kuntz* ::Dois presentes para Hugo Chávez

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Hugo Chávez terá um Natal gordo à custa do Brasil. Dois belos presentes estão assegurados. O Senado brasileiro aprovou sua promoção a sócio com direito a voto e veto nas decisões do Mercosul. Isso foi na terça-feira. Amanhã a Petrobrás e a estatal boliviana YPFB assinarão um aditivo contratual para elevar o preço do gás vendido aos brasileiros. O aumento, de pelo menos US$ 100 milhões anuais, valerá até 2019 e será contado a partir de 2007. O favor a Evo Morales, presidente da Bolívia, é obviamente uma vitória para seu mentor, o guia genial de todos os bolivarianos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tem carteirinha do clube, mas tem sido bem mais que um simpatizante.

O ingresso de Chávez no Mercosul, como sócio com plenos direitos e poderes, foi aprovado por 35 votos a 27. Oficialmente, o Senado aprovou a adesão do Estado venezuelano, como se o governo instalado em Caracas fosse um detalhe historicamente irrelevante. "O governo da Venezuela é transitório; a Venezuela continuará, ao longo da história, a ser vizinha do Brasil", escreveu o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), em seu hilariante relatório sobre o protocolo de adesão. O líder do PT, o senador paulista Aloizio Mercadante, disse algo parecido: "Os governos passam, mas a integração econômica, política e cultural vai ficar."

Se Chávez concordasse com essa ideia, não teria batalhado com tanto vigor para conseguir o direito de concorrer a reeleições ilimitadas. Mas quem se importa com esse e outros detalhes da transformação política da Venezuela? O líder do PT parece comprometido - de forma irrevogável, é claro - com a satisfação dos mínimos desejos de seu chefe, assim como Lula se compromete com a satisfação dos desejos dos amigos bolivarianos. Segundo o relatório de Jucá e a igualmente hilariante conversa dos estrategistas de Brasília, isso atende aos interesses externos do País.

O Mercosul foi criado para ser mais que uma área de integração comercial. Deveria ser também um instrumento de complementação produtiva e uma plataforma para inserção global dos quatro países fundadores. Só essa ambição maior poderia justificar sua conversão, na segunda etapa, em união aduaneira, com tarifa externa comum (TEC) e negociações externas em bloco.

A união aduaneira funcionou muito mal, até agora. Há uma porção de exceções à TEC e os quatro governos combinaram, há menos de um mês, mantê-las até o fim de 2011, esticando por um ano o prazo para sua extinção. Além disso, desentendimentos entre Brasil e Argentina dificultaram, até agora, a conclusão de um acordo comercial com a União Europeia. Atrapalharam até mesmo a apresentação de ofertas na Rodada Doha de negociações comerciais.

Enfim, há os permanentes conflitos por causa do protecionismo no interior do bloco. O governo brasileiro só há pouco tempo reagiu às barreiras ampliadas pelas autoridades argentinas desde o ano passado. Em geral, Lula e seus estrategistas preferem contemporizar, como se esse fosse o preço da liderança brasileira. Que liderança, se Brasília sempre cede e jamais consegue apoio a seus lances mais ambiciosos? Não conseguiu sequer eleger um presidente do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID).

Só por milagre Hugo Chávez contribuirá para tirar o bloco desse atoleiro. Mais provavelmente, continuará a usá-lo como sempre usou - como plataforma para suas ambições de poder regional -, mas com direito de voto e veto e não apenas de fala. Só não sujeitará o bloco a seus projetos se a adesão for rejeitada pelo Parlamento paraguaio. Os outros já aprovaram. Se os paraguaios tiverem mais juízo que os brasileiros, restará cuidar com mais empenho do acordo de livre comércio assinado há anos pelos governantes do Mercosul, da Venezuela, da Colômbia e do Equador. Seria o caminho mais sensato.

Do Brasil, pelo menos, Chávez não tem motivo de queixa. Lula chegou a ceder a embaixada brasileira em Honduras para uma jogada política de nenhum interesse para o Brasil, mas útil para o projeto de influência regional de Chávez. O lance não deu certo e o custo do fiasco, tudo indica, ficará para Brasília. Tanta generosidade não se encontra facilmente. O mesmo desprendimento foi demonstrado na concessão da vitória a Evo Morales. A diretoria da Petrobrás tentou resistir, mas acatou as ordens do Palácio. Os acionistas privados da empresa poderão discordar. Os cidadãos menos bobos, também. Mas Evo Morales terá uma conquista para celebrar, e seu inspirador, Hugo Chávez, será reverenciado mais uma vez.

*Rolf Kuntz é jornalista