Castro Alves do Brasil, para quem cantaste?
Para à flor cantaste? Para a água
cuja formosura diz palavras às pedras?
Cantaste para os olhos para o perfil recortado
da que então amaste? Para a primavera?
Sim, mas aquelas pétalas não tinham orvalho,
aquelas águas negras não tinham palavras,
aqueles olhos eram os que viram a morte,
ardiam ainda os martírios por detrás do amor,
a primavera estava salpicada de sangue.
- Cantei para os escravos, eles sobre os navios
como um cacho escuro da árvore da ira,
viajaram, e no porto se dessangrou o navio
deixando-nos o peso de um sangue roubado.
- Cantei naqueles dias contra o inferno,
contra as afiadas línguas da cobiça,
contra o ouro empapado do tormento,
contra a mão que empunhava o chicote,
contra os dirigentes de trevas.
- Cada rosa tinha um morto nas raízes.
A luz, a noite, o céu cobriam-se de pranto,
os olhos apartavam-se das mãos feridas
e era a minha voz a única que enchia o silêncio.
- Eu quis que do homem nos salvássemos,
eu cria que a rota passasse pelo homem,
e que daí tinha de sair o destino.
Cantei para aqueles que não tinham voz.
Minha voz bateu em portas até então fechadas
para que, combatendo, a liberdade entrasse.
Castro Alves do Brasil, hoje que o teu livro puro
torna a nascer para a terra livre,
deixam-me a mim, poeta da nossa América,
coroar a tua cabeça com os louros do povo.
Tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.
Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
Editorial :: Revanchismo
DEU EM O GLOBO
A conhecida ambiguidade do presidente Lula deriva de uma característica da montagem do seu governo, uma estrutura sem unidade, composta de capitanias hereditárias, sob controle de agrupamentos políticos de tendências disparatadas.
Há segmentos sob as ordens de conservadores, existem áreas doadas a organizações ditas sociais, e cargos influentes cedidos a egressos da luta armada dos tempos da ditadura. Daí a proverbial ambiguidade de Lula, obrigado a adotar um discurso multifacetado, para contentar a todos. Ou pelo menos continuar de pé sobre esta geleia político-ideológica.
Mas nem sempre Lula consegue reproduzir o chinês de circo que tenta manter pratos rodando na ponta de varetas de bambu. O grave caso da proposta do Programa Nacional de Direitos Humanos, razão do pedido de demissão do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e dos chefes militares, significa que o presidente não conseguiu concluir com êxito mais este número de equilibrismo. Pediu a todos para ficar e embarcou rumo a alguns dias de descanso na Bahia — se é que isto será possível — , deixando em Brasília o embrião de uma crise militar, risco que se pensava fazer parte do passado. O problema era previsível, pois há algum tempo um desses núcleos do governo, o de esquerda, tenta rever a Lei da Anistia.
Autoridades de primeiro escalão, Paulo Vanucchi, ministro da Secretaria de Direitos Humanos, e Tarso Genro, ministro da Justiça, estão na linha de frente da operação.
E, ao assinar o decreto do tal programa, encaminhado a ele por Vanucchi, Lula avalizou a pressão do grupo pela revisão da anistia, em nome da punição de torturadores etc. Com razão, Jobim e os comandantes Enzo Peri (Exército), Júlio Moura Neto (Marinha) e Juniti Saito (Aeronáutica) colocaram os cargos à disposição.
Reabrir a questão é recriar uma zona de turbulência já superada pela sociedade brasileira. Por ter sido a anistia recíproca — para militares e militantes — , se, por um delírio, resolverem revê-la, os crimes cometidos por guerrilheiros, alguns hoje em cargos elevados na República, também precisarão ser reexaminados.
Nessa discussão não cabe fazer comparações com outros países latino-americanos, onde a anistia foi forjada com o objetivo de livrar da Justiça apenas um lado, os militares. No Brasil, ao contrário, a Lei da Anistia surgiu de uma negociação do regime com a oposição, para facilitar a caminhada de volta à democracia. Cabe agora ao presidente Lula fugir das usuais contemporizações com falanges do governo, dar um basta a essas reiteradas tentativas de revanchismo, e, como prometeu a Jobim, rever o decreto.
Não há alternativa.
A conhecida ambiguidade do presidente Lula deriva de uma característica da montagem do seu governo, uma estrutura sem unidade, composta de capitanias hereditárias, sob controle de agrupamentos políticos de tendências disparatadas.
Há segmentos sob as ordens de conservadores, existem áreas doadas a organizações ditas sociais, e cargos influentes cedidos a egressos da luta armada dos tempos da ditadura. Daí a proverbial ambiguidade de Lula, obrigado a adotar um discurso multifacetado, para contentar a todos. Ou pelo menos continuar de pé sobre esta geleia político-ideológica.
Mas nem sempre Lula consegue reproduzir o chinês de circo que tenta manter pratos rodando na ponta de varetas de bambu. O grave caso da proposta do Programa Nacional de Direitos Humanos, razão do pedido de demissão do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e dos chefes militares, significa que o presidente não conseguiu concluir com êxito mais este número de equilibrismo. Pediu a todos para ficar e embarcou rumo a alguns dias de descanso na Bahia — se é que isto será possível — , deixando em Brasília o embrião de uma crise militar, risco que se pensava fazer parte do passado. O problema era previsível, pois há algum tempo um desses núcleos do governo, o de esquerda, tenta rever a Lei da Anistia.
Autoridades de primeiro escalão, Paulo Vanucchi, ministro da Secretaria de Direitos Humanos, e Tarso Genro, ministro da Justiça, estão na linha de frente da operação.
E, ao assinar o decreto do tal programa, encaminhado a ele por Vanucchi, Lula avalizou a pressão do grupo pela revisão da anistia, em nome da punição de torturadores etc. Com razão, Jobim e os comandantes Enzo Peri (Exército), Júlio Moura Neto (Marinha) e Juniti Saito (Aeronáutica) colocaram os cargos à disposição.
Reabrir a questão é recriar uma zona de turbulência já superada pela sociedade brasileira. Por ter sido a anistia recíproca — para militares e militantes — , se, por um delírio, resolverem revê-la, os crimes cometidos por guerrilheiros, alguns hoje em cargos elevados na República, também precisarão ser reexaminados.
Nessa discussão não cabe fazer comparações com outros países latino-americanos, onde a anistia foi forjada com o objetivo de livrar da Justiça apenas um lado, os militares. No Brasil, ao contrário, a Lei da Anistia surgiu de uma negociação do regime com a oposição, para facilitar a caminhada de volta à democracia. Cabe agora ao presidente Lula fugir das usuais contemporizações com falanges do governo, dar um basta a essas reiteradas tentativas de revanchismo, e, como prometeu a Jobim, rever o decreto.
Não há alternativa.
Eliane Cantanhêde:: Não viu, não leu, mas assinou
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
BRASÍLIA - Lula faz na crise com as Forças Armadas o que fez no caos aéreo: empurra com a barriga. Sem condições de decidir entre Jobim e os militares, de um lado, e Dilma, Tarso Genro e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), de outro, ele simplesmente não decide. Foi para a Bahia e deixou a confusão no ar, até os ventos do novo ano.
Depois de lançar o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, com ex-militantes de esquerda emocionados e Dilma chorando, Lula não tem ambiente político para revogar trechos do texto, como exigem Jobim e militares.
Eles reclamam que são parte diretamente interessada e que todas as suas sugestões foram ignoradas, produzindo um texto "desequilibrado" -que cobra todas as responsabilidades da área militar da ditadura e nenhuma dos seus opositores, entre eles os próprios Dilma, Tarso e Vannuchi. Como se a guerra continuasse, mas com um lado só armado. E não é o lado militar.
Cobrado por Jobim, Lula disse o de sempre: assinou o decreto, mas não viu, não leu e não sabia de nada.
Andava muito ocupado com Copenhague. Mas, como é contra revanchismo, tomaria uma atitude. Lula disse e Jobim reproduziu para os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica, que entenderam como uma decisão de mudar o texto. Entenderam errado. Lula não vai revogar uma vírgula, só pretende esvaziar os tópicos críticos na implementação do plano.
O seguro morreu de velho, e um oficial adverte que "intenções são intenções, e o que vale é o que está escrito". Ou seja, o plano.
O risco é que, na hipótese de vitória de Dilma em 2010, em vez de negociarem com Lula e tendo o marechal Jobim como ministro, os militares vão ter que engolir a "ex-guerrilheira" (como dizem), tendo um petista qualquer na Defesa.
Lula viajou, mas a crise continua.
No mínimo, a crise de desconfiança de lado a lado, com Jobim louco para jogar o quepe e tirar a farda.
BRASÍLIA - Lula faz na crise com as Forças Armadas o que fez no caos aéreo: empurra com a barriga. Sem condições de decidir entre Jobim e os militares, de um lado, e Dilma, Tarso Genro e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), de outro, ele simplesmente não decide. Foi para a Bahia e deixou a confusão no ar, até os ventos do novo ano.
Depois de lançar o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, com ex-militantes de esquerda emocionados e Dilma chorando, Lula não tem ambiente político para revogar trechos do texto, como exigem Jobim e militares.
Eles reclamam que são parte diretamente interessada e que todas as suas sugestões foram ignoradas, produzindo um texto "desequilibrado" -que cobra todas as responsabilidades da área militar da ditadura e nenhuma dos seus opositores, entre eles os próprios Dilma, Tarso e Vannuchi. Como se a guerra continuasse, mas com um lado só armado. E não é o lado militar.
Cobrado por Jobim, Lula disse o de sempre: assinou o decreto, mas não viu, não leu e não sabia de nada.
Andava muito ocupado com Copenhague. Mas, como é contra revanchismo, tomaria uma atitude. Lula disse e Jobim reproduziu para os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica, que entenderam como uma decisão de mudar o texto. Entenderam errado. Lula não vai revogar uma vírgula, só pretende esvaziar os tópicos críticos na implementação do plano.
O seguro morreu de velho, e um oficial adverte que "intenções são intenções, e o que vale é o que está escrito". Ou seja, o plano.
O risco é que, na hipótese de vitória de Dilma em 2010, em vez de negociarem com Lula e tendo o marechal Jobim como ministro, os militares vão ter que engolir a "ex-guerrilheira" (como dizem), tendo um petista qualquer na Defesa.
Lula viajou, mas a crise continua.
No mínimo, a crise de desconfiança de lado a lado, com Jobim louco para jogar o quepe e tirar a farda.
Janio de Freitas :: Por trás da coincidência
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Episódio da semana passada aparece em vários jornais no mesmo dia; a coincidência foi produzida antes disso
Um episódio que seria do início da semana passada aparece, de repente, em vários jornais no mesmo dia (ontem), em versões não exatamente iguais, mas, todas, de igual gravidade: uma crise entre as Forças Armadas, por seus comandos e seu original ministro, e o presidente Lula.
Certeza imediata: nem coincidência casual das iniciativas jornalísticas, nem ação combinada dos jornalistas. Coincidência produzida antes da etapa jornalística, sem dúvida. O que é até comum quando há fontes de informação explicitadas ou, se não, em notícias que ficam mais ou menos nos limites convencionais. Nunca em notícia de óbvia gravidade e risco de efeitos deletérios, a ponto de levar os jornais que a divulgaram à cautela de não lhes dar o destaque mancheteiro que seu teor poderia justificar.
O ministro Nelson Jobim fica muito bem na lealdade aos comandantes e ao conjunto das Forças Armadas, acompanhando-os na recusa a conviverem com o Plano Nacional de Direitos Humanos decretado pelo presidente da República no dia 21. Apesar de não ficar tão bem na lealdade ao presidente. Por justiça, Nelson Jobim até fica credenciado para um aval dos militares, por exemplo, na composição de uma chapa eleitoral, ou algo assim importante.
Mas o presidente não ficou e não está bem, nesse caso. A rigor, está mal, mesmo. No mínimo, porque contestado e posto sob pressão para alguma forma de recuo -cada versão é, para ele, pior do que a anterior. Nem é isso, porém, o que mais interessa.
Na(s) fonte(s) da coincidência fabricada e no teor de suas informações há um propósito de agitação política, seguindo a mais inconveniente das receitas conhecidas: com a inclusão das Forças Armadas. É bastante claro que, em discordância da área militar com partes do Plano de Direitos Humanos, como se esperava que houvesse, os pontos problemáticos podiam ser discutidos em normalidade com Lula e outros. Seja, porém, pelo que narra a coincidência fabricada, seja pela contestação incumbida ao ministro Tarso Genro, comprova-se que não houve a conduta normal, em termos funcionais, e exigida pelo regime democrático.
Tanto no teor do que foi passado a jornalistas, como na busca de difusão desse teor pelo uso simultâneo de vários jornais, sempre realçado o sentido de uma crise entre as Forças Armadas e Lula, o propósito de agitação se evidencia com uma indagação implícita: a que e a quem interessa, nestas alturas em que se encaminha um processo eleitoral sob o prestígio imenso de Lula; o Brasil desvia-se para entendimentos internacionais sem mais obediência às regras do Ocidente, e tantos interesses internos e externos se inquietam com as transições, também externas e internas, em curso ou possíveis?
Os desdobramentos imediatos talvez não respondam, é mesmo improvável que o façam. E, pior, Lula não é o tipo que avança em procurá-las. Mas que há resposta, há.
Ano novo
Que 2010 distribua a sorte com mais equidade entre todos.
Episódio da semana passada aparece em vários jornais no mesmo dia; a coincidência foi produzida antes disso
Um episódio que seria do início da semana passada aparece, de repente, em vários jornais no mesmo dia (ontem), em versões não exatamente iguais, mas, todas, de igual gravidade: uma crise entre as Forças Armadas, por seus comandos e seu original ministro, e o presidente Lula.
Certeza imediata: nem coincidência casual das iniciativas jornalísticas, nem ação combinada dos jornalistas. Coincidência produzida antes da etapa jornalística, sem dúvida. O que é até comum quando há fontes de informação explicitadas ou, se não, em notícias que ficam mais ou menos nos limites convencionais. Nunca em notícia de óbvia gravidade e risco de efeitos deletérios, a ponto de levar os jornais que a divulgaram à cautela de não lhes dar o destaque mancheteiro que seu teor poderia justificar.
O ministro Nelson Jobim fica muito bem na lealdade aos comandantes e ao conjunto das Forças Armadas, acompanhando-os na recusa a conviverem com o Plano Nacional de Direitos Humanos decretado pelo presidente da República no dia 21. Apesar de não ficar tão bem na lealdade ao presidente. Por justiça, Nelson Jobim até fica credenciado para um aval dos militares, por exemplo, na composição de uma chapa eleitoral, ou algo assim importante.
Mas o presidente não ficou e não está bem, nesse caso. A rigor, está mal, mesmo. No mínimo, porque contestado e posto sob pressão para alguma forma de recuo -cada versão é, para ele, pior do que a anterior. Nem é isso, porém, o que mais interessa.
Na(s) fonte(s) da coincidência fabricada e no teor de suas informações há um propósito de agitação política, seguindo a mais inconveniente das receitas conhecidas: com a inclusão das Forças Armadas. É bastante claro que, em discordância da área militar com partes do Plano de Direitos Humanos, como se esperava que houvesse, os pontos problemáticos podiam ser discutidos em normalidade com Lula e outros. Seja, porém, pelo que narra a coincidência fabricada, seja pela contestação incumbida ao ministro Tarso Genro, comprova-se que não houve a conduta normal, em termos funcionais, e exigida pelo regime democrático.
Tanto no teor do que foi passado a jornalistas, como na busca de difusão desse teor pelo uso simultâneo de vários jornais, sempre realçado o sentido de uma crise entre as Forças Armadas e Lula, o propósito de agitação se evidencia com uma indagação implícita: a que e a quem interessa, nestas alturas em que se encaminha um processo eleitoral sob o prestígio imenso de Lula; o Brasil desvia-se para entendimentos internacionais sem mais obediência às regras do Ocidente, e tantos interesses internos e externos se inquietam com as transições, também externas e internas, em curso ou possíveis?
Os desdobramentos imediatos talvez não respondam, é mesmo improvável que o façam. E, pior, Lula não é o tipo que avança em procurá-las. Mas que há resposta, há.
Ano novo
Que 2010 distribua a sorte com mais equidade entre todos.
Desconforto na caserna
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
Especialistas criticam eventual reavaliação de Lula em pontos de programa de direitos humanos que desagradam a militares
Danielle Santos
O desconforto criado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, dentro do governo após questionar o Programa Nacional de Direitos Humanos intrigou especialistas, que classificaram o episódio como um retrocesso para a democracia. No último dia 22, Jobim se encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e colocou o cargo à disposição. O mesmo fizeram os comandantes das três força nacionais, Marinha, Exército e Aeronáutica.
Os trechos que contrariaram o bloco militar referem-se à apuração de crimes e violações de direitos humanos no período da ditadura, entre 1964 e 1985. O principal deles trata da criação de uma comissão que terá amplos poderes para apurar casos de violação dos direitos humanos durante a ditadura e, se preciso, punir. Outro pede a revogação de leis remanescentes do período do regime. Na visão dos militares, a medida abre uma brecha para mudanças na Lei da Anistia. Por último, o documento sugere uma lei que proíba o nome de pessoas que tenham praticado crimes de lesa-humanidade em prédios públicos e ruas, além da alteração de nomes já atribuídos.
A indisposição do ministro da Defesa com o tema e a tentativa de reformular o texto já haviam conseguido atrasar o anúncio do programa, que deveria ter ocorrido na véspera da 61ª Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 9 de dezembro. Contrariando a lei do silêncio instaurada na Secretaria dos Direitos Humanos para evitar mais desgastes ao governo, o subsecretário de Direitos Humanos, Perly Cipriano, falou ao Correio sobre o assunto. Cipriano observou que a decisão de Lula em reavaliar parte do texto que desagrada a Jobim vai enfraquecer a luta pelos direitos humanos. “Sem os pontos questionados pela Defesa ficamos sem o direito à verdade e à memória, que são direitos fundamentais numa democracia”, afirma.
No Ministério da Defesa ninguém comenta sobre o assunto. Procurado pelo Correio, o ministro não atendeu às ligações. “Os comandantes de hoje parece que têm medo de uma coisa singela que é a verdade. Não é com ameaças de renúncia que se constrói um cenário de democracia”, rechaça o fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke. “Conforme a saída que for dada, a presidência da República passará a ser tutelada pelo ministro da Defesa e pelos militares. Quando ele (o presidente) anuncia um plano, um decreto, e com um ditado da área militar ele retira, é um arranhão fortíssimo na autoridade dele. Ele pode ter muita popularidade, mas a autoridade está sendo retirada”, analisa o professor de Ética na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano.
Congresso faz críticas a revisão da anistia
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Parlamentares governistas e da oposição criticaram ontem a revogação da Lei de Anistia, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos, que provocou uma crise no governo, com ameaças de demissão do ministro Nelson Jobim (Defesa) e comandantes militares. "Anistia é para os dois lados e não tem que ser revista", diz Eduardo Azeredo (PSDB), presidente da comissão do Senado que trata da Defesa.
Base e oposição criticam revisão da Lei da Anistia
Projeto causou crise na área militar e fez Lula prometer que texto será alterado
BRASÍLIA - Parlamentares da base aliada e de oposição se posicionaram contra a revogação da Lei de Anistia, prevista na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) que cria a Comissão da Verdade para investigar torturas e desaparecidos no regime militar. A proposta da Secretaria Nacional de Direitos Humanos provocou uma crise na área militar na véspera do Natal, como relatou ontem o Estado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva contornou a crise com a promessa de que o texto do programa será alterado.
"A anistia é para os dois lados e não tem que ser revista", defendeu ontem o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. "Tenho um pé atrás com essa revisão da Lei de Anistia. É impensável rever ou extinguir a lei", corroborou o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional. Ele defende que é preciso esclarecer o papel da Casa Civil no episódio. Jungmann argumenta que cabe à Casa Civil, comandada pela ex-guerrilheira Dilma Rousseff, arbitrar sobre as divergências em torno do programa. "É uma situação extremamente delicada", observou.
Uma das vítimas do regime militar, o ex-guerrilheiro e deputado José Genoino (PT-SP) evita entrar na polêmica. Cauteloso, ele argumentou que cabe à Justiça, e não ao Congresso, debater e discutir a lei. "O direito à memória e à verdade não significa o julgamento de ninguém", disse o parlamentar.
Os benefícios e a amplitude da Lei de Anistia estão hoje sob análise do Supremo Tribunal Federal, em decorrência de um processo legal aberto na Justiça Federal de São Paulo contra os ex-coronéis e torturadores Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel.
Parlamentar na época da elaboração e discussão da Lei de Anistia, em 1979, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) observou que a lei representou o final de um momento doloroso, de perseguição com vítimas fatais. "Mexer agora na lei me parece tecnicamente impossível.
Uma anistia se aplica e ela não é revogável", disse ele.
Para Genoino, as polêmicas causadas pela terceira versão do programa serão dirimidas com o envio ao Congresso do projeto de lei que cria a Comissão da Verdade para apurar torturas e desaparecimentos durante o regime militar.
O deputado defendeu ainda a permanência do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que chegou a procurar o presidente Lula para entregar o cargo. Os comandantes das Forças Armadas - Exército, Aeronáutica e Marinha - decidiram que também deixariam os cargos, se a saída de Jobim fosse consumada. "Houve apenas um tensionamento natural e não uma crise na área militar", minimizou.
IRRITAÇÃO
Para as Forças Armadas, a cerimônia de premiação de vítimas da ditadura, no último dia 21, foi "uma armação" para constranger os militares. Pré-candidata ao Planalto, Dilma foi a figura central do evento, não só por ter sido torturada, mas por ter chorado e escolhido a ocasião para exibir o novo visual de cabelos curtíssimos, depois da quimioterapia para tratamento de um câncer linfático.
Os militares também ficaram irritados com a quebra do "acordo tácito" para que os textos do PNDH-3 citassem as Forças Armadas e os movimentos civis da esquerda armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos "para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política no período 1964-1985". Jobim e os militares foram surpreendidos com um texto sem referências aos grupos da esquerda armada.
Parlamentares governistas e da oposição criticaram ontem a revogação da Lei de Anistia, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos, que provocou uma crise no governo, com ameaças de demissão do ministro Nelson Jobim (Defesa) e comandantes militares. "Anistia é para os dois lados e não tem que ser revista", diz Eduardo Azeredo (PSDB), presidente da comissão do Senado que trata da Defesa.
Base e oposição criticam revisão da Lei da Anistia
Projeto causou crise na área militar e fez Lula prometer que texto será alterado
BRASÍLIA - Parlamentares da base aliada e de oposição se posicionaram contra a revogação da Lei de Anistia, prevista na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) que cria a Comissão da Verdade para investigar torturas e desaparecidos no regime militar. A proposta da Secretaria Nacional de Direitos Humanos provocou uma crise na área militar na véspera do Natal, como relatou ontem o Estado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva contornou a crise com a promessa de que o texto do programa será alterado.
"A anistia é para os dois lados e não tem que ser revista", defendeu ontem o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. "Tenho um pé atrás com essa revisão da Lei de Anistia. É impensável rever ou extinguir a lei", corroborou o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional. Ele defende que é preciso esclarecer o papel da Casa Civil no episódio. Jungmann argumenta que cabe à Casa Civil, comandada pela ex-guerrilheira Dilma Rousseff, arbitrar sobre as divergências em torno do programa. "É uma situação extremamente delicada", observou.
Uma das vítimas do regime militar, o ex-guerrilheiro e deputado José Genoino (PT-SP) evita entrar na polêmica. Cauteloso, ele argumentou que cabe à Justiça, e não ao Congresso, debater e discutir a lei. "O direito à memória e à verdade não significa o julgamento de ninguém", disse o parlamentar.
Os benefícios e a amplitude da Lei de Anistia estão hoje sob análise do Supremo Tribunal Federal, em decorrência de um processo legal aberto na Justiça Federal de São Paulo contra os ex-coronéis e torturadores Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel.
Parlamentar na época da elaboração e discussão da Lei de Anistia, em 1979, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) observou que a lei representou o final de um momento doloroso, de perseguição com vítimas fatais. "Mexer agora na lei me parece tecnicamente impossível.
Uma anistia se aplica e ela não é revogável", disse ele.
Para Genoino, as polêmicas causadas pela terceira versão do programa serão dirimidas com o envio ao Congresso do projeto de lei que cria a Comissão da Verdade para apurar torturas e desaparecimentos durante o regime militar.
O deputado defendeu ainda a permanência do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que chegou a procurar o presidente Lula para entregar o cargo. Os comandantes das Forças Armadas - Exército, Aeronáutica e Marinha - decidiram que também deixariam os cargos, se a saída de Jobim fosse consumada. "Houve apenas um tensionamento natural e não uma crise na área militar", minimizou.
IRRITAÇÃO
Para as Forças Armadas, a cerimônia de premiação de vítimas da ditadura, no último dia 21, foi "uma armação" para constranger os militares. Pré-candidata ao Planalto, Dilma foi a figura central do evento, não só por ter sido torturada, mas por ter chorado e escolhido a ocasião para exibir o novo visual de cabelos curtíssimos, depois da quimioterapia para tratamento de um câncer linfático.
Os militares também ficaram irritados com a quebra do "acordo tácito" para que os textos do PNDH-3 citassem as Forças Armadas e os movimentos civis da esquerda armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos "para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política no período 1964-1985". Jobim e os militares foram surpreendidos com um texto sem referências aos grupos da esquerda armada.
Lula deixa para abril definição sobre plano que irritou militares
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O presidente Lula saiu de férias e deixou para abril definição sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos, foco de crise entre militares e membros do governo ligados às famílias de mortos e desaparecidos na ditadura. O governo tem até abril para elaborar projeto da Comissão da Verdade, para examinar violações de direitos humanos durante a repressão. Os militares, que aguardavam recuo do Planalto, acham que Lula "empurra com a barriga".
Lula tenta amenizar crise e frustra comando militar
Presidente adia definição sobre comissão para investigar crimes durante a ditadura
Tarso Genro afirma que não há "controvérsia insanável" dentro do governo apesar da reação das Forças Armadas a plano de direitos humanos
Marta Salomon
O presidente Lula saiu de férias e deixou para abril definição sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos, foco de crise entre militares e membros do governo ligados às famílias de mortos e desaparecidos na ditadura. O governo tem até abril para elaborar projeto da Comissão da Verdade, para examinar violações de direitos humanos durante a repressão. Os militares, que aguardavam recuo do Planalto, acham que Lula "empurra com a barriga".
Lula tenta amenizar crise e frustra comando militar
Presidente adia definição sobre comissão para investigar crimes durante a ditadura
Tarso Genro afirma que não há "controvérsia insanável" dentro do governo apesar da reação das Forças Armadas a plano de direitos humanos
Marta Salomon
Da Sucursal De Brasília
Eliane Cantanhêde Colunista Da Folha
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ganhar tempo e investir num discurso conciliador e contra "revanchismos" para administrar a tensão entre os militares e a ala do governo mais afinada com as famílias de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar.Lula saiu em férias ontem, e uma definição sobre o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, foco da crise, só será anunciada a partir de abril. Os militares, que aguardavam um recuo concreto do governo em relação aos termos do plano, ficaram frustrados. Acham que Lula "empurra com a barriga".
Abril é o prazo que uma comissão do governo tem para elaborar projeto de lei da Comissão Nacional da Verdade -prevista no Plano de Direitos Humanos- para examinar violações de direitos humanos "praticadas no contexto da repressão política", um dos itens de irritação na área militar.
Outros são a identificação de locais públicos que serviram à repressão e a revogação da Lei da Anistia -além da proposta de cassar os nomes de presidentes militares de pontes, rodovias e prédios públicos. A comissão terá representantes dos ministérios da Justiça, da Defesa, da Casa Civil e da Secretaria de Direitos Humanos.
Ontem, as autoridades envolvidas no conflito baixaram o tom das críticas. O secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, entrou em férias e avisou que não comentaria o caso, e o ministro Tarso Genro (Justiça) insistiu em que a palavra final caberá ao presidente.
"Não há nenhum pedido de demissão e nenhuma controvérsia insanável entre Defesa e Secretaria de Direitos Humanos. Isso [o presidente] vai resolver com a sua capacidade de mediação após as férias", disse Tarso, após reunião com Lula.
Também o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica se recusaram a falar. A promessa de Lula, levada a eles por Jobim, é de que a tensão será contornada e que o governo não tem nenhum interesse em provocar os militares e criar-lhes constrangimentos.
Jobim e os comandantes julgam que o plano ignorou todas as sugestões das Forças Armadas e ficou "desequilibrado", pois cobra responsabilidades dos militares, mas não dos seus adversários, "que assaltaram, mataram e sequestraram". Citam até ministros de Lula.Interlocutores de Lula lembraram ontem que o tom conciliador foi dado pelo presidente desde o anúncio do plano, na segunda-feira antes do Natal. Na ocasião, Lula afirmou que o documento seria "digerido" -ou seja, que havia brechas para novos debates. No discurso, o presidente exaltou a experiência de integrantes do governo que lutaram contra a ditadura, como os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Franklin Martins (Comunicação Social), Tarso e Vannuchi.
Segundo Lula, Dilma teria comentado, ao passar pelo Comando do 2º Exército (SP), onde esteve presa, que não sentia mais raiva: "Se alguém prendeu a Dilma, se alguém torturou a Dilma achando que tinha acabado a luta da Dilma, ela é uma possível candidata a presidente da República", declarou.
A tensão entre militares e a área de Direitos Humanos não é novidade no governo Lula. Em 2007, foram duras as críticas de militares ao livro "Direito à Memória e à Verdade". Mais complicada foi a reação dos militares ao debate defendido pelo Ministério da Justiça sobre limites da impunidade a torturadores. Uma nova interpretação da Lei de Anistia rachou o governo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ganhar tempo e investir num discurso conciliador e contra "revanchismos" para administrar a tensão entre os militares e a ala do governo mais afinada com as famílias de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar.Lula saiu em férias ontem, e uma definição sobre o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, foco da crise, só será anunciada a partir de abril. Os militares, que aguardavam um recuo concreto do governo em relação aos termos do plano, ficaram frustrados. Acham que Lula "empurra com a barriga".
Abril é o prazo que uma comissão do governo tem para elaborar projeto de lei da Comissão Nacional da Verdade -prevista no Plano de Direitos Humanos- para examinar violações de direitos humanos "praticadas no contexto da repressão política", um dos itens de irritação na área militar.
Outros são a identificação de locais públicos que serviram à repressão e a revogação da Lei da Anistia -além da proposta de cassar os nomes de presidentes militares de pontes, rodovias e prédios públicos. A comissão terá representantes dos ministérios da Justiça, da Defesa, da Casa Civil e da Secretaria de Direitos Humanos.
Ontem, as autoridades envolvidas no conflito baixaram o tom das críticas. O secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, entrou em férias e avisou que não comentaria o caso, e o ministro Tarso Genro (Justiça) insistiu em que a palavra final caberá ao presidente.
"Não há nenhum pedido de demissão e nenhuma controvérsia insanável entre Defesa e Secretaria de Direitos Humanos. Isso [o presidente] vai resolver com a sua capacidade de mediação após as férias", disse Tarso, após reunião com Lula.
Também o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica se recusaram a falar. A promessa de Lula, levada a eles por Jobim, é de que a tensão será contornada e que o governo não tem nenhum interesse em provocar os militares e criar-lhes constrangimentos.
Jobim e os comandantes julgam que o plano ignorou todas as sugestões das Forças Armadas e ficou "desequilibrado", pois cobra responsabilidades dos militares, mas não dos seus adversários, "que assaltaram, mataram e sequestraram". Citam até ministros de Lula.Interlocutores de Lula lembraram ontem que o tom conciliador foi dado pelo presidente desde o anúncio do plano, na segunda-feira antes do Natal. Na ocasião, Lula afirmou que o documento seria "digerido" -ou seja, que havia brechas para novos debates. No discurso, o presidente exaltou a experiência de integrantes do governo que lutaram contra a ditadura, como os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Franklin Martins (Comunicação Social), Tarso e Vannuchi.
Segundo Lula, Dilma teria comentado, ao passar pelo Comando do 2º Exército (SP), onde esteve presa, que não sentia mais raiva: "Se alguém prendeu a Dilma, se alguém torturou a Dilma achando que tinha acabado a luta da Dilma, ela é uma possível candidata a presidente da República", declarou.
A tensão entre militares e a área de Direitos Humanos não é novidade no governo Lula. Em 2007, foram duras as críticas de militares ao livro "Direito à Memória e à Verdade". Mais complicada foi a reação dos militares ao debate defendido pelo Ministério da Justiça sobre limites da impunidade a torturadores. Uma nova interpretação da Lei de Anistia rachou o governo.
Como agora, Lula investiu na conciliação.
Militares dizem que a crise ainda não acabou
DEU EM O GLOBO
Comandantes exigem mudança no Programa de Direitos Humanos, mas Lula só decidirá após férias
Comandantes exigem mudança no Programa de Direitos Humanos, mas Lula só decidirá após férias
A crise que levou o ministro Nelson Jobim (Defesa) e os comandantes militares a pedir demissão, semana passada, está longe do fim. Militares disseram que o problema só estará resolvido quando o presidente Lula revogar decreto que permite anular a Lei da Anistia e cria a Comissão Nacional da Verdade para apurar crimes cometidos na ditadura. Entidades de direitos humanos pediram que o texto seja mantido.
Para militares, crise não acabou
Lula ainda mantém decreto, e embate entre Jobim e Vannuchi está longe do fim
Jailton de Carvalho e Evandro Éboli
BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu conter as demissões dos comandantes das Forças Armadas, mas não contornou a crise causada pela edição do decreto que permite a revogação da Lei da Anistia e cria a Comissão Nacional da Verdade para investigar crimes cometidos durante a ditadura.
De acordo com militares ouvidos pelo GLOBO, a simples promessa do presidente de retirar ou inviabilizar a aprovação dos pontos mais polêmicos do novo Programa Nacional de Direitos Humanos não é suficiente para superar o embate entre o ministros Nelson Jobim, da Defesa, e Paulo Vannuchi, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Os generais exigem a modificação do decreto editado por Lula criando o programa. Semana passada, Jobim e os comandantes das três Forças entregaram cartas de demissões.
— A questão não foi resolvida. Na administração pública, vale o que está no papel e, por enquanto, não tem nada no papel — disse um importante oficial das Forças Armadas.
— Espero que o decreto seja revisto e reformulado no sentido de proporcionar a pacificação da sociedade — disse o general Gilberto Figueiredo, presidente do Clube Militar.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, tentou minimizar as divergências internas, mas acabou confirmando que ainda está sem solução a queda de braço entre Jobim, à frente dos comandantes militares, e Vannuchi, portavoz dos setores mais à esquerda do governo. Segundo Tarso, Lula tentará buscar um acordo entre as duas partes depois que voltar das férias, em 11 de janeiro. Tarso negou que Jobim, Vannuchi e os comandantes militares tenham ameaçado renunciar.
— Não há nenhum tipo de pedido de demissão e nenhuma controvérsia insanável entre o Ministério da Defesa e a Secretaria de Direitos Humanos.
Isso (o presidente) vai resolver com a sua capacidade de mediação na volta das férias. Não tem nenhum tipo de alarde e nem de preocupação.
É um debate normal que já vinha ocorrendo. Agora o presidente vai dar a palavra final — afirmou Tarso, após reunião com Lula em Brasília.
Lula elogiou criação de comissão
Mais tarde, já em Porto Alegre, Tarso, um dos maiores defensores da revisão da Lei de Anistia para militares que torturaram durante a ditadura, ratificou sua posição: — A minha opinião vocês sabem.
Agora é uma questão concreta de um plano de governo originário da Secretaria de Direitos Humanos, com o qual colaborei. Todos os ministros que assinaram o plano e o apresentaram ao presidente o apoiam. Sou um deles.
Tarso previu uma solução para a divergência entre os ministros: — Lula vai tomar uma decisão de composição, mediada, de interesse do Estado brasileiro. Sempre que houve divergência entre ministros, e isso é natural num governo de amplitude como o nosso, o presidente encontrou pontos intermediários de coesão do governo e dos ministros.
Jobim e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica ameaçaram renunciar aos seus cargos terça-feira passada, um dia depois do lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos. Os comandantes não gostaram do texto que, segundo eles, abre caminho para a revogação da Lei de Anistia e para uma possível revanche contra os militares a partir da criação da Comissão Nacional da Verdade.
Eles entendem que a Comissão da Verdade deveria tratar de crimes cometidos pela esquerda e não apenas de casos de tortura e desaparecimento atribuídos à repressão. Os comandantes estão aguardando mudanças concretas no texto do programa.
Lula disse aos militares que não conhecia do trecho que prevê apuração de supostos crimes cometidos por militares na ditadura. Mas o texto de apresentação do programa, assinado por ele, elogia a criação da Comissão Nacional da Verdade e defende que os fatos devem ser apurados.
Com Agência RBS
Luiz Roberto Nascimento e Silva :: O verão do patriarca
DEU NO JORNAL DO BRASIL
RIO - No universo político da América Latina, ficção e realidade misturam-se de tal forma que não se sabe quando começa uma e quando termina outra. Normalmente, a realidade ultrapassa a ficção com tal intensidade que se um ficcionista escrevesse antecipadamente tais fatos, sua trama seria considerada inverossímil.
As atitudes recentes do Presidente Hugo Chávez só encontram maior compreensão no universo da criação, no movimento literário do continente denominado realismo mágico, cuja maior expressão viva é o escritor Garcia Márquez.
Chávez pediu à população venezuelana que tomasse banhos de no máximo três minutos. Solicitou também que se fizesse racionamento de energia elétrica. Recentemente, informou que se juntará a uma equipe de cientistas cubanos em “vôos para bombardear as nuvens”. Não há nenhuma comprovação científica que tal método possua eficácia para gerar chuvas.
Tendência
A disseminação desse tipo paradigmático de líder político na América Latina merece nossa reflexão. A primeira constatação que pode ser feita é que não existem partidos políticos na América Latina. Apenas a Igreja e o Exército exerceram a função de partidos políticos no continente ao longo do tempo. Por isso, as Forças Armadas sempre tiveram participação direta ou indireta na maior parte dos movimentos. A ruptura da ordem política e constitucional é regra e não exceção. Não causa nenhuma estranheza que o Coronel Aureliano Buendia de Cem anos de solidão tenha promovido trinta e duas revoluções armadas e perdido todas.
Devemos a San Tiago Dantas uma análise única da trajetória singular do Exército no processo político brasileiro que nos levou a uma renovação da sociedade brasileira na virada do século. Segundo ele, a partir da Guerra do Paraguai o Exército ganha uma estabilidade e coesão interna, que dele fariam um ator permanente das grandes decisões nacionais. Opera-se uma identificação do Exército com a classe média. A nova classe média formada de industriais e pequenos negociantes ligados ao Exército nacional une-se para desmontarem a Monarquia e implantarem a República.
Com a ausência de continuidade no processo político democrático é natural que líderes carismáticos populistas tenham sempre predominado sobre lideranças mais orgânicas. Isso ocorreu em toda América Latina com Getúlio Vargas no Brasil, com Juan Perón na Argentina e Lázaro Cárdenas no México. O partido político é em geral apenas um estágio inicial, necessário para a trajetória posterior carismática e pessoal do líder.
Assim, quando somos informados que o governo do Presidente Chávez destruiu pontes na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia não devemos estranhar. Não por acaso, o presidente é militar de carreira que ocupava a patente de tenente-coronel quando assumiu o poder. Em O outono patriarca o ditador feudal e agropecuário genialmente descrito por Garcia Márquez, está no final de sua vida distante da realidade de seu povo, mal-informado, mas age sempre para preservar seu poder pessoal.
Na sua solidão imemorial o ditador pode mudar o clima à vontade. A natureza obedece à fúria dos seus desejos. Ele ouve harpas ao vento, controla a subida das marés. Como diz Garcia Márquez: “um homem cujo poder havia sido tão grande que certa vez perguntou que horas são e lhe haviam respondido quantas o senhor ordenar meu general!” Estamos confrontados não com o outono, mas sim com o verão do Patriarca. A ficção antecipa a realidade modificando metaforicamente as estações.
* Nascimento Silva é ex-ministro da Cultura do governo Itamar Franco
RIO - No universo político da América Latina, ficção e realidade misturam-se de tal forma que não se sabe quando começa uma e quando termina outra. Normalmente, a realidade ultrapassa a ficção com tal intensidade que se um ficcionista escrevesse antecipadamente tais fatos, sua trama seria considerada inverossímil.
As atitudes recentes do Presidente Hugo Chávez só encontram maior compreensão no universo da criação, no movimento literário do continente denominado realismo mágico, cuja maior expressão viva é o escritor Garcia Márquez.
Chávez pediu à população venezuelana que tomasse banhos de no máximo três minutos. Solicitou também que se fizesse racionamento de energia elétrica. Recentemente, informou que se juntará a uma equipe de cientistas cubanos em “vôos para bombardear as nuvens”. Não há nenhuma comprovação científica que tal método possua eficácia para gerar chuvas.
Tendência
A disseminação desse tipo paradigmático de líder político na América Latina merece nossa reflexão. A primeira constatação que pode ser feita é que não existem partidos políticos na América Latina. Apenas a Igreja e o Exército exerceram a função de partidos políticos no continente ao longo do tempo. Por isso, as Forças Armadas sempre tiveram participação direta ou indireta na maior parte dos movimentos. A ruptura da ordem política e constitucional é regra e não exceção. Não causa nenhuma estranheza que o Coronel Aureliano Buendia de Cem anos de solidão tenha promovido trinta e duas revoluções armadas e perdido todas.
Devemos a San Tiago Dantas uma análise única da trajetória singular do Exército no processo político brasileiro que nos levou a uma renovação da sociedade brasileira na virada do século. Segundo ele, a partir da Guerra do Paraguai o Exército ganha uma estabilidade e coesão interna, que dele fariam um ator permanente das grandes decisões nacionais. Opera-se uma identificação do Exército com a classe média. A nova classe média formada de industriais e pequenos negociantes ligados ao Exército nacional une-se para desmontarem a Monarquia e implantarem a República.
Com a ausência de continuidade no processo político democrático é natural que líderes carismáticos populistas tenham sempre predominado sobre lideranças mais orgânicas. Isso ocorreu em toda América Latina com Getúlio Vargas no Brasil, com Juan Perón na Argentina e Lázaro Cárdenas no México. O partido político é em geral apenas um estágio inicial, necessário para a trajetória posterior carismática e pessoal do líder.
Assim, quando somos informados que o governo do Presidente Chávez destruiu pontes na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia não devemos estranhar. Não por acaso, o presidente é militar de carreira que ocupava a patente de tenente-coronel quando assumiu o poder. Em O outono patriarca o ditador feudal e agropecuário genialmente descrito por Garcia Márquez, está no final de sua vida distante da realidade de seu povo, mal-informado, mas age sempre para preservar seu poder pessoal.
Na sua solidão imemorial o ditador pode mudar o clima à vontade. A natureza obedece à fúria dos seus desejos. Ele ouve harpas ao vento, controla a subida das marés. Como diz Garcia Márquez: “um homem cujo poder havia sido tão grande que certa vez perguntou que horas são e lhe haviam respondido quantas o senhor ordenar meu general!” Estamos confrontados não com o outono, mas sim com o verão do Patriarca. A ficção antecipa a realidade modificando metaforicamente as estações.
* Nascimento Silva é ex-ministro da Cultura do governo Itamar Franco
Celso Ming :: O espaço da Bolsa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A Bolsa brasileira foi a que teve o melhor desempenho entre as aplicações financeiras em 2009. As ações que compuseram a cesta do Ibovespa (as 65 mais negociadas) se valorizaram 82,7%.
Para o aplicador, o que importa agora é o futuro e não o passado. Por isso, é preciso avaliar o que esperar e o que não esperar da Bolsa em 2010. (Nas tabelas você tem o comportamento do mercado em 10 bolsas globais medido em euros e em dólares e o que 15 bancos e corretoras esperam da Bolsa brasileira em 2010.)
Em outubro de 2009, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, advertiu que o mercado de ações do Brasil vinha sendo objeto de forte especulação. A necessidade de jogar água fria na fervura foi até mesmo uma das justificativas apresentadas por Mantega para a imposição do IOF de 2% sobre a entrada de capitais destinados à compra de ações no País. Sem mencionar especificamente o mercado de ações, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, por diversas vezes também denunciou a existência de "excessiva especulação nos mercados". Bastam esses avisos para justificar as perguntas sobre os riscos a enfrentar em 2010.
Um bom número de analistas internacionais adverte que a corrida às aplicações de risco e às ações tem tudo para criar uma nova bolha, que será candidata a um estouro se o mercado não se encarregar de esvaziá-la antes.
A principal ameaça vem de fora. Trata-se da possibilidade de recaída da economia global na crise. Hoje há mais dinheiro zanzando pelos mercados do que havia em 2003 e 2004, quando os juros nos Estados Unidos se mantiveram durante muito tempo ao redor de 1% e inflaram as bolhas que estouraram em 2008.
Mesmo se levando em conta que a economia mundial ainda depende das escoras oficiais, mais cedo ou mais tarde, mas provavelmente ainda em 2010, os grandes bancos centrais darão início à operação de enxugamento dos recursos despejados durante a crise (estratégia de saída). Isso significa alta dos juros, e juros em alta não combinam com tempos de esplendor do mercado de ações.
Os riscos internos da economia brasileira parecem menores, mas não são desprezíveis. Apesar de certa deterioração de seus fundamentos, as projeções apontam para forte crescimento da atividade produtiva com baixo risco de descontrole dos preços, o que é bom para as ações.
O maior problema está na disparada das despesas públicas em consequência do jogo eleitoral. Há, sim, certa probabilidade de que a deterioração fiscal crie desconfiança e acione ordens de venda no mercado.
E não se pode desprezar o risco político. Em 2002, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva se viu diante da necessidade de acalmar o mercado. Foi quando assinou a Carta ao Povo Brasileiro, instrumento público por meio do qual se comprometeu a não fazer bobagens na condução da política econômica. Não está claro nem se o mercado se sentirá igualmente inseguro desta vez nem se os candidatos se prestarão a assinar um documento assim.
Por tudo quanto se pode enxergar, o mercado de ações tem bom espaço para crescer. Mas a volatilidade pode aumentar.
A Bolsa brasileira foi a que teve o melhor desempenho entre as aplicações financeiras em 2009. As ações que compuseram a cesta do Ibovespa (as 65 mais negociadas) se valorizaram 82,7%.
Para o aplicador, o que importa agora é o futuro e não o passado. Por isso, é preciso avaliar o que esperar e o que não esperar da Bolsa em 2010. (Nas tabelas você tem o comportamento do mercado em 10 bolsas globais medido em euros e em dólares e o que 15 bancos e corretoras esperam da Bolsa brasileira em 2010.)
Em outubro de 2009, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, advertiu que o mercado de ações do Brasil vinha sendo objeto de forte especulação. A necessidade de jogar água fria na fervura foi até mesmo uma das justificativas apresentadas por Mantega para a imposição do IOF de 2% sobre a entrada de capitais destinados à compra de ações no País. Sem mencionar especificamente o mercado de ações, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, por diversas vezes também denunciou a existência de "excessiva especulação nos mercados". Bastam esses avisos para justificar as perguntas sobre os riscos a enfrentar em 2010.
Um bom número de analistas internacionais adverte que a corrida às aplicações de risco e às ações tem tudo para criar uma nova bolha, que será candidata a um estouro se o mercado não se encarregar de esvaziá-la antes.
A principal ameaça vem de fora. Trata-se da possibilidade de recaída da economia global na crise. Hoje há mais dinheiro zanzando pelos mercados do que havia em 2003 e 2004, quando os juros nos Estados Unidos se mantiveram durante muito tempo ao redor de 1% e inflaram as bolhas que estouraram em 2008.
Mesmo se levando em conta que a economia mundial ainda depende das escoras oficiais, mais cedo ou mais tarde, mas provavelmente ainda em 2010, os grandes bancos centrais darão início à operação de enxugamento dos recursos despejados durante a crise (estratégia de saída). Isso significa alta dos juros, e juros em alta não combinam com tempos de esplendor do mercado de ações.
Os riscos internos da economia brasileira parecem menores, mas não são desprezíveis. Apesar de certa deterioração de seus fundamentos, as projeções apontam para forte crescimento da atividade produtiva com baixo risco de descontrole dos preços, o que é bom para as ações.
O maior problema está na disparada das despesas públicas em consequência do jogo eleitoral. Há, sim, certa probabilidade de que a deterioração fiscal crie desconfiança e acione ordens de venda no mercado.
E não se pode desprezar o risco político. Em 2002, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva se viu diante da necessidade de acalmar o mercado. Foi quando assinou a Carta ao Povo Brasileiro, instrumento público por meio do qual se comprometeu a não fazer bobagens na condução da política econômica. Não está claro nem se o mercado se sentirá igualmente inseguro desta vez nem se os candidatos se prestarão a assinar um documento assim.
Por tudo quanto se pode enxergar, o mercado de ações tem bom espaço para crescer. Mas a volatilidade pode aumentar.
Miriam Leitão :: Décadas gêmeas
DEU EM O GLOBO
O crescimento médio anual da década foi quase tão pequeno quanto o da década perdida de 1980. Por aí se vê que números não provam tanto quanto se imagina. O salto do Brasil foi qualitativo. De 2000 a 2009 o país consolidou a estabilização, reduziu fortemente a desigualdade social, viveu o aumento do acesso a bens de informática e de comunicação.
Há uma tarefa difícil de executar: separar a década de 90 da primeira década do século XXI no Brasil. Muito do que frutificou nos últimos anos nasceu na década anterior. Os brasileiros tinham 23 milhões de celulares em 2000, hoje têm 170 milhões, mas o começo desse processo avassalador ocorreu no início dos anos 90 quando a mudança tecnológica no mundo encontrou o fim do monopólio estatal na telefonia no Brasil.
O país não cresceu muito nesta década: 3,3% em média ao ano, pouco mais do que os 2,9% que cresceu em média na década que ficou conhecida como “perdida”, a dos anos 1980. Mas quando se compara tudo que não seja número, as diferenças são gritantes. A mais importante delas, a inflação.
O descontrole de preços que atingiu extremos nos anos 80 foi vencido nos anos 90, tempo em que o Brasil cresceu magros 1,8% em média.
A vitória sobre a inflação se consolidou nesta década.
O realmente difícil foi a tarefa de transitar da economia superinflacionada para o real, o que foi feito em 1994-1995, mas sem ter passado pelo teste da alternância do poder ficaria sempre a dúvida sobre mudanças radicais na política econômica em caso de vitória do PT. O partido ganhou a eleição e manteve as bases da política abandonando suas bandeiras históricas. Por pragmatismo ou por entender que elas haviam envelhecido.
A pedra fundamental do novo Brasil foi o Plano Real.
Ele removeu o problema que havia engolido anos de crescimento e adiado tarefas gigantes como a do combate à pobreza. As duas décadas foram extraordinariamente bem sucedidas em redução da pobreza. Nos anos 90 o percentual de pobres caiu oito pontos percentuais, nesta década houve outra queda da mesma proporção, e de 2001 para cá houve outra vitória impressionante: a forte queda da desigualdade.
As políticas de transferência de renda avançam na execução da tarefa iniciada com a queda da inflação, mas o grande ponto destoante dessa década que termina é que ela reduziu o ritmo das mudanças na educação. E é com a educação que se fará a verdadeira transformação do país. A década de 90 foi a da inclusão das crianças de 7 a 14 anos na escola. De 1991 a 2000 a escolarização dessa faixa etária pulou de 79,4% para 95% e em 2008 era 98%.
O analfabetismo caiu de 20% para 13,6% e para 10%. Outros dados educacionais melhoraram menos do que a expectativa. A primeira década do século XXI era para ter registrado uma arrancada na educação. Houve melhoras, mas a revolução foi adiada. Sem isso fica difícil desembarcar realmente no século XXI.
No comércio exterior houve um salto forte na corrente de comércio, mas é difícil imaginar que isso fosse possível sem dois passos dados na década de 90: a abertura da economia e a adoção do câmbio flutuante.
Com isso o Brasil conheceu o patamar das duas centenas de bilhões de dólares de reservas cambiais, saindo das duas dezenas no começo da década.
O avanço nas contas públicas chegou até a Lei de Responsabilidade Fiscal e iniciou a era dos superávits primários na década passada.
Na atual os superávits foram mantidos. Com essas bases fiscais, monetárias, cambiais, o país enfrentou o pior ano da década, o que acaba hoje. Um ano de extremos, o de 2009. Tivemos forte recessão no começo do ano, e terminamos com a sensação de euforia de consumo; a Bolsa que parecia não ter piso no começo do ano parece estar entrando em outra bolha, agora; o dólar em alta preocupava, e agora preocupa sua queda excessiva. O amortecedor da crise este ano foi possível por tudo o que foi feito nos anos anteriores. Mas o Brasil já começou a queimar o patrimônio acumulado. Aumentou muito os gastos nos últimos anos, contratou despesas que ficarão cada vez mais pesadas nos próximos anos. 2010 começará com uma encomenda que não se entrega em ano eleitoral: o corte de despesas públicas.
Nestes primeiros dez anos do século XXI o Brasil elevou seu grau de preocupação com a destruição da Floresta Amazônica. Ao todo foram ao chão 169.311 quilômetros quadrados de floresta na década.
Isso é um território quase igual a dois países do tamanho de Portugal, quase igual a quatro estados do Rio. Por força de alguns passos dados em 90, como a volta à reserva legal de 80%, e vários outros passos dados nesta década o país viu a taxa anual despencar e tem a meta de nos próximos dez anos reduzir ainda mais o desmatamento. O desafio ganhou novas fronteiras. A preservação da Amazônia é causa planetária.
Nestes dez anos o mundo mudou muito num ponto: a interconexão global. No final da década passada, a internet era tosca e pouco disseminada até em países ricos.
Hoje o mundo se liga com uma rapidez e intensidade impressionantes. Segundo o Ibope Nielsen Online, o Brasil chegou a setembro de 2009 a 64,8 milhões de pessoas conectadas.
Essa estrada terá bandas cada vez mais largas e por elas vamos trafegar nos anos 10 atrás do futuro. Feliz Ano Novo e Boa Década.
Com Bruno Villas Bôas
O crescimento médio anual da década foi quase tão pequeno quanto o da década perdida de 1980. Por aí se vê que números não provam tanto quanto se imagina. O salto do Brasil foi qualitativo. De 2000 a 2009 o país consolidou a estabilização, reduziu fortemente a desigualdade social, viveu o aumento do acesso a bens de informática e de comunicação.
Há uma tarefa difícil de executar: separar a década de 90 da primeira década do século XXI no Brasil. Muito do que frutificou nos últimos anos nasceu na década anterior. Os brasileiros tinham 23 milhões de celulares em 2000, hoje têm 170 milhões, mas o começo desse processo avassalador ocorreu no início dos anos 90 quando a mudança tecnológica no mundo encontrou o fim do monopólio estatal na telefonia no Brasil.
O país não cresceu muito nesta década: 3,3% em média ao ano, pouco mais do que os 2,9% que cresceu em média na década que ficou conhecida como “perdida”, a dos anos 1980. Mas quando se compara tudo que não seja número, as diferenças são gritantes. A mais importante delas, a inflação.
O descontrole de preços que atingiu extremos nos anos 80 foi vencido nos anos 90, tempo em que o Brasil cresceu magros 1,8% em média.
A vitória sobre a inflação se consolidou nesta década.
O realmente difícil foi a tarefa de transitar da economia superinflacionada para o real, o que foi feito em 1994-1995, mas sem ter passado pelo teste da alternância do poder ficaria sempre a dúvida sobre mudanças radicais na política econômica em caso de vitória do PT. O partido ganhou a eleição e manteve as bases da política abandonando suas bandeiras históricas. Por pragmatismo ou por entender que elas haviam envelhecido.
A pedra fundamental do novo Brasil foi o Plano Real.
Ele removeu o problema que havia engolido anos de crescimento e adiado tarefas gigantes como a do combate à pobreza. As duas décadas foram extraordinariamente bem sucedidas em redução da pobreza. Nos anos 90 o percentual de pobres caiu oito pontos percentuais, nesta década houve outra queda da mesma proporção, e de 2001 para cá houve outra vitória impressionante: a forte queda da desigualdade.
As políticas de transferência de renda avançam na execução da tarefa iniciada com a queda da inflação, mas o grande ponto destoante dessa década que termina é que ela reduziu o ritmo das mudanças na educação. E é com a educação que se fará a verdadeira transformação do país. A década de 90 foi a da inclusão das crianças de 7 a 14 anos na escola. De 1991 a 2000 a escolarização dessa faixa etária pulou de 79,4% para 95% e em 2008 era 98%.
O analfabetismo caiu de 20% para 13,6% e para 10%. Outros dados educacionais melhoraram menos do que a expectativa. A primeira década do século XXI era para ter registrado uma arrancada na educação. Houve melhoras, mas a revolução foi adiada. Sem isso fica difícil desembarcar realmente no século XXI.
No comércio exterior houve um salto forte na corrente de comércio, mas é difícil imaginar que isso fosse possível sem dois passos dados na década de 90: a abertura da economia e a adoção do câmbio flutuante.
Com isso o Brasil conheceu o patamar das duas centenas de bilhões de dólares de reservas cambiais, saindo das duas dezenas no começo da década.
O avanço nas contas públicas chegou até a Lei de Responsabilidade Fiscal e iniciou a era dos superávits primários na década passada.
Na atual os superávits foram mantidos. Com essas bases fiscais, monetárias, cambiais, o país enfrentou o pior ano da década, o que acaba hoje. Um ano de extremos, o de 2009. Tivemos forte recessão no começo do ano, e terminamos com a sensação de euforia de consumo; a Bolsa que parecia não ter piso no começo do ano parece estar entrando em outra bolha, agora; o dólar em alta preocupava, e agora preocupa sua queda excessiva. O amortecedor da crise este ano foi possível por tudo o que foi feito nos anos anteriores. Mas o Brasil já começou a queimar o patrimônio acumulado. Aumentou muito os gastos nos últimos anos, contratou despesas que ficarão cada vez mais pesadas nos próximos anos. 2010 começará com uma encomenda que não se entrega em ano eleitoral: o corte de despesas públicas.
Nestes primeiros dez anos do século XXI o Brasil elevou seu grau de preocupação com a destruição da Floresta Amazônica. Ao todo foram ao chão 169.311 quilômetros quadrados de floresta na década.
Isso é um território quase igual a dois países do tamanho de Portugal, quase igual a quatro estados do Rio. Por força de alguns passos dados em 90, como a volta à reserva legal de 80%, e vários outros passos dados nesta década o país viu a taxa anual despencar e tem a meta de nos próximos dez anos reduzir ainda mais o desmatamento. O desafio ganhou novas fronteiras. A preservação da Amazônia é causa planetária.
Nestes dez anos o mundo mudou muito num ponto: a interconexão global. No final da década passada, a internet era tosca e pouco disseminada até em países ricos.
Hoje o mundo se liga com uma rapidez e intensidade impressionantes. Segundo o Ibope Nielsen Online, o Brasil chegou a setembro de 2009 a 64,8 milhões de pessoas conectadas.
Essa estrada terá bandas cada vez mais largas e por elas vamos trafegar nos anos 10 atrás do futuro. Feliz Ano Novo e Boa Década.
Com Bruno Villas Bôas