domingo, 10 de janeiro de 2010

Punição a torturador volta a gerar polêmica

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Protesto e abaixo-assinado fazem defesa de Comissão da Verdade

Roldão Arruda

As reações do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e de grupos militares às propostas de apuração de violações de direitos humanos ocorridas na ditadura reavivaram as polêmicas em torno do assunto. Está prevista para esta semana uma manifestação conjunta de movimentos de direitos humanos e de outros setores organizados da sociedade civil em defesa da Comissão da Verdade - proposta no Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado há três semanas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Paralelamente às costuras para essa ação conjunta, foi intensificada a coleta de assinaturas eletrônicas para o Manifesto Contra a Anistia aos Torturadores. Lançado na segunda semana de dezembro, no site da Associação dos Juízes para a Democracia, o manifesto contava, na sexta-feira à noite, com mais de 11 mil assinaturas. Um número surpreendente, na avaliação do presidente da entidade, Luis Fernando Vidal.

"Imaginávamos que teria boa adesão, mas não que fosse tão rápida, considerando que estamos em período de férias, com pouca capacidade de mobilização das pessoas", diz Vidal. "O espaço está servindo para que pessoas comuns manifestem seu descontentamento."

Na lista de assinaturas aparecem estudantes, profissionais liberais, artistas, educadores, escritores, jornalistas. O compositor Chico Buarque apareceu logo na primeira leva de pessoas que endossaram o manifesto.

Também podem ser localizados na relação o escritor e jornalista Fernando Morais, o ministro Paulo Vannuchi, os artistas plásticos Sérgio Ferro e Fábio Miguez e o professor Daniel Aarão Reis Filho.

"A lista mostra que o debate interessa a toda a sociedade, não por revanchismo, mas pela necessidade de se resgatar a memória e fazer justiça", diz a juíza Kenarik Felippe, secretária da associação.

INTERPRETAÇÃO

As assinaturas do manifesto estão sendo enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente ao ministro Eros Grau. Ele é o relator da ação proposta em outubro de 2008 pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), requerendo que a corte interprete o primeiro artigo da Lei da Anistia, de 1979, e declare que ela não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra os opositores políticos, no período da ditadura militar.

Até agora tem vigorado a interpretação de que a anistia teria alcançado também os agentes do regime. Para a OAB, a tortura, morte e desaparecimento dos corpos de opositores do regime são crimes comuns, não abarcados na anistia política concedida há 30 anos.

A proposta da OAB é para que o Brasil siga o exemplo de países vizinhos que também enfrentaram ditaduras - e adotaram soluções diferentes no acerto de contas. Na Argentina, a Corte Suprema anulou a lei de anistia adotada durante a ditadura. Militares que torturaram prisioneiros políticos foram julgados e condenados.

Na semana passada, a presidente Cristina Kirchner decretou a abertura dos arquivos das Forças Armadas, até mesmo os considerados confidenciais. No Brasil, militares alegam que os arquivos foram queimados.

Uma das tarefas da Comissão da Verdade proposta seria requisitar os arquivos das Forças Armadas. "Isso deve ser feito, não para julgar ninguém, porque nenhuma Comissão da Verdade faz isso, mas sim reconstituir o passado", diz o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, relator da ONU. "Essa conversa de revanchismo é coisa de saudosistas da ditadura."

LEITURAS
A polêmica na área dos direitos humanos também ganhou corpo na semana passada com as críticas à amplitude das propostas contidas no programa lançado por Lula em dezembro. Entidades ligadas à Igreja Católica e imprensa, representantes de partidos e até um ministro, Reinhold Stephanes (Agricultura), fizeram críticas ao programa.

Na opinião de Paula Miraglia, diretora do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, as críticas expõem as diferentes leituras da questão. "No Brasil, por conta da nossa história, a leitura quase sempre fica restrita ao campo da violência, às questões de segurança pública", observa. "Mas a leitura mais aceita hoje é mais ampla, com a compreensão de que os direitos humanos têm interface com outras áreas imprescindíveis à condição humana, como a alimentação e a cultura", destaca a analista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário