sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Aumento do consumo: mérito de quem? :: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Da convergência entre a estabilização macroeconômica e a política de ganhos reais do salário mínimo

Um dos temas mais discutidos hoje no Brasil é o do aparecimento de uma nova classe média e que representa quase metade da população. Os cientistas políticos exploram em suas reflexões o impacto desse grupo de brasileiros em ascensão sobre uma nova dinâmica política/eleitoral no país. Já os analistas econômicos estão mais preocupados com os efeitos da ampliação do mercado consumidor sobre a dinâmica de crescimento dos próximos anos. Mas a opinião geral é que essa dinâmica é suficientemente forte para influir no perfil de nossa sociedade ao longo da próxima década.

No debate eleitoral deste ano, um dos temas que têm dominado as intervenções dos principais atores políticos é o que trata da paternidade dessas mudanças. Para as pessoas ligadas ao governo e aos partidos que lhe dão apoio, não existe dúvida: foi o presidente Lula, com sua política social, o grande responsável por essas mudanças.

Já para os que gravitam em torno do PSDB e do governo FHC, nada disso teria acontecido sem a ruptura com nosso passado inflacionário por ocasião do Plano Real. Todo esse ganho de renda da nova classe média e o crescimento do crédito bancário ao consumidor -que são a base do aumento do consumo dos últimos anos- só ocorreram porque vivemos os últimos dez anos com uma moeda estável e confiável.

Não vou entrar nesse debate. Entretanto é possível quantificar os efeitos da estabilização conseguida nos anos FHC e da política social do governo Lula no crescimento do consumo nos últimos anos. Para esse exercício, escolhi entre vários indicadores o que, em minha opinião, mais se presta a essa análise: o valor em salários mínimos da prestação na compra de um automóvel de R$ 25.000.

Começo pelo fim, isto é, pelo resultado desse estudo realizado pelos economistas da Quest. No período entre junho de 2000 e dezembro de 2009, o número de salários mínimos necessários para pagar a prestação desse automóvel padrão reduziu-se a um terço do comprometimento antigo. Mas o trabalho da Quest foi mais longe e identificou as principais causas dessa queda. Elas estão ligadas à estabilidade econômica, conseguida no governo FHC e mantida pelo presidente Lula, e ao impacto do aumento real do mínimo no poder de compra do consumidor.

A estabilidade teve vários efeitos. O primeiro foi a redução do preço do automóvel em relação ao da cesta de consumo medida pelo IPCA. Em outras palavras, houve uma mudança de preços relativos na cesta de consumo do brasileiro.

Além disso, permitiu uma queda dos juros reais e um aumento dos prazos de financiamento, que chegaram para os automóveis a mais de cinco anos. Claramente foi a maior confiança do sistema bancário na estabilidade futura de preços que motivou esse comportamento.

Esses fatores ligados à estabilidade macroeconômica representaram 60% da queda do valor real das prestações do automóvel tomado aqui como referência. Já o aumento real do salário mínimo e associado à política social do governo Lula explica os restantes 40% de queda no valor da prestação do financiamento.

Esse mesmo exercício pode ser realizado para outros bens de consumo duráveis ou para certos serviços, como viagens internacionais. Neles vamos encontrar também a convergência virtuosa entre a estabilização macroeconômica de FHC e a política de ganhos reais do salário mínimo.

Luiz Carlos Mendonça De Barros , 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

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