sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Silêncio diante de violações é diretriz do Itamaraty

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Brasil diz rejeitar "agenda seletiva" de direitos humanos; País torna-se cúmplice de violadores, dizem analistas

Roberto Simon

O silêncio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva diante da repressão cubana a dissidentes reflete uma diretriz da política externa brasileira quando o assunto é direitos humanos. Quem diz isso é o próprio governo Lula. "Não estamos aqui para colocar diploma (de direitos humanos) na parede de ninguém", disse o chanceler Celso Amorim no programa Roda Viva, da TV Cultura, em junho. "O Brasil não tem pretensão de superioridade moral."

O País é um "interlocutor privilegiado", afirma, capaz de dialogar tanto com países do sul, quanto do norte. Por isso, deve rejeitar a "agenda seletiva" imposta pelos poderosos - leia-se: EUA e Europa. "Quantas resoluções há na ONU sobre Guantánamo?", provoca o chanceler.

Mas ONGs e analistas afirmam que essa posição diplomática, na prática, faz do Brasil solidário e até mesmo cúmplice de países que cometem violações sistemáticas. Em nome da "solidariedade sul-sul", a diplomacia brasileira estaria virando a cara a atrocidades cometidas em países que vão de Cuba e Irã, a Sudão e Coreia do Norte.

A relação de votos brasileiros na Assembleia-Geral e no Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas ilustra a ambiguidade.

A plenária dos 192 países da ONU realizou recentemente 3 votações com propostas contra Coreia do Norte, Mianmar e Irã. Nas três o Brasil se absteve.

AHMADINEJAD

O Itamaraty justifica que a instância adequada para o debate é o CDH. Mas, nesse conselho, o País também se absteve em uma condenação ao Sudão pelo genocídio em Darfur e calou sobre o Congo e no Sri Lanka. A China também foi poupada.

O programa nuclear e os protestos que sucederam às eleições de junho no Irã (qualificados de "choro de perdedor" por Lula), colocaram o regime persa no centro dos debates. O Brasil se absteve na Assembleia-Geral e fez um discurso brando sobre o caso no CDH. Evitaram-se palavras que, no jargão diplomático, têm um peso maior, como "exorta" e "urge".

"O Brasil também não falou sobre a repressão após as eleições", critica Lúcia Nader, coordenadora de relações internacionais da ONG Conectas. "Mas foram apresentadas boas ideias."

A crítica de Amorim à suposta "seletividade" dos acusados de violação também é questionável. Em praticamente todas as votações que tocavam Israel (cerca de um terço das propostas no CDH são sobre o tema) o Itamaraty foi contra israelenses. ONGs aplaudiram a posição brasileira, mas criticaram essa "outra seletividade".

CONSTITUIÇÃO

A política de abstenção sistemática, porém, foi praticada também durante o governo Fernando Henrique Cardoso. À época, o País não apoiou decisões contra o cerco chinês a dissidentes, a repressão russa na Chechênia e ao Irã e não criticou Cuba.

Flávia Piovesan, professora de direito da PUC-SP, lembra que a Constituição de 1988 impõe a "prevalência dos direitos humanos" nas relações exteriores brasileiras, elevando o tema a um patamar inédito. "Ela é inovadora sob esse aspecto", afirma Flávia. "O Brasil não pode se aquietar em nome da solidariedade sul-sul."

A nova Carta "animou" um processo interno de redemocratização, diz Flávia. "Mas a esfera externa não acompanhou esse movimento" e a ação brasileira no mundo está excessivamente submetida ao Executivo.

ABSTENÇÃO SISTEMÁTICA

Irã - Itamaraty se calou em votação contra abusos de Teerã contra manifestantes da oposição

Coreia do Norte - Prestes a abrir embaixada em Pyongyang, País não condenou regime

Sudão - Em votação condenando Cartum pelo genocídio em Darfur, Brasil voltou a se abster

Investigações - Não votou para renovar investigação no Congo e não apoiou inquérito no Sri Lanka

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