DEU EM O GLOBO
O aumento de gastos no ano eleitoral pressionará as contas públicas. Para especialistas, como as receitas sofrem efeitos da crise e as despesas subiram, a meta fiscal de 3,3% do PIB não deve ser cumprida.
Teste das eleições
Aumento de gastos em ano eleitoral ameaça meta fiscal do país, dizem especialistas
Eliane Oliveira e Martha Beck
BRASÍLIA - A pressão pelo aumento de gastos típica de um ano eleitoral acendeu a luz amarela para os especialistas em contas públicas.
Como as receitas ainda não se recuperaram totalmente dos efeitos da crise financeira global e as despesas continuam em alta, economistas ouvidos pelo GLOBO não acreditam que seja possível cumprir este ano a meta fiscal fixada em 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). O quadro só não é mais preocupante, na avaliação de analistas, porque o crescimento projetado para a economia em 2010 em torno de 5% evitará que a dívida pública cresça de uma maneira explosiva.
Entre as pressões que vêm recaindo sobre os gastos públicos estão o reajuste dos salários dos servidores e do Bolsa Família, o salário mínimo, além das obras de infraestrutura previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Também estão pressionando os recursos destinados ao pré-sal e ao programa Minha Casa, Minha Vida. Isso sem contar o impacto de grandes eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e o PAC-2, que será quase todo apoiado em gastos orçamentários.
Ajuste fiscal já virou um consenso
Para Roberto Padovani, economistachefe do West LB, o mais provável é que o país registre em 2010 um superávit primário mais elevado do que o efetivamente entregue em 2009, atingindo 2,5% do PIB. No entanto, o índice não deverá chegar perto da média apurada na última década, de 3,5% do PIB: — A retomada da atividade econômica será fundamental para termos um superávit primário mais elevado em relação a 2009, mas não é suficiente para fazer com que o superávit primário volte aos patamares da última década, de 3,5% do PIB, para compensar o aumento das despesas.
O certo é que há consenso, no governo e no mercado, entre os economistas mais ortodoxos e mais heterodoxos, entre governistas e oposição, que será necessário um ajuste fiscal, para que as despesas cresçam a um ritmo menor.
O economista Sérgio Vale, da MB Associados, avalia que o superávit primário feito este ano será suficiente para controlar a relação dívida/ PIB. No entanto, ele será mais baixo do que a meta (2,8%).
— Para este ano, talvez o governo não precise dos malabarismos (receitas extras como a transferência de R$ 5 bilhões de depósitos judiciais da Caixa) de 2009, pois deverá contar com o crescimento da receita. Só que, por ser ano eleitoral, fico em dúvida sobre a intenção do governo de fazer controle de gastos, principalmente no primeiro semestre deste ano, quando ele tem mais liberdade para gastar antes das restrições impostas pelo período eleitoral — afirmou Vale.
Apesar do alerta, o economista não vê problemas com a dívida líquida: — A questão é a dívida bruta. O governo descobriu a mágica de aumentar seu endividamento sem mexer na dívida líquida — acrescentou Vale, referindo-se, por exemplo, às emissões de títulos para capitalização do BNDES, que somaram R$ 100 bilhões em 2009 e serão mais R$ 80 bilhões este ano.
Já a economista Margarida Gutierrez, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma não espera qualquer deterioração no endividamento público, a não ser que haja um movimento brusco do Banco Central (BC): — O que pode acontecer é a incerteza da trajetória dos juros, do manejo da política monetária, do cumprimento do sistema de metas de inflação.
Margarida admitiu que não se pode descartar uma espécie de relaxamento do BC, por causa de pressões políticas.
— O mercado confia na disciplina fiscal do governo, que sinaliza que manterá a meta de inflação. A menos que o BC mude sua politica, com a troca de presidente.
O economista José Roberto Afonso, especialista em assuntos fiscais, comentou que não dá para responder, acuradamente, se o crescimento será suficiente para cobrir as pressões de despesas — como creem o Palácio do Planalto e a equipe econômica. Segundo ele, a arrecadação nos últimos meses acabou sendo contaminada por receitas atípicas, como transferências de depósitos judiciais.
— Sem as transferências em dezembro, a receita cresceu menos que o projetado para o PIB pelo mercado — observou.
Governo desperdiça oportunidades
Para Afonso, o Brasil está desperdiçando a oportunidade de consolidar uma situação fiscal confortável, o que parecia se desenhar até dois anos atrás, inclusive com a promessa de déficit nominal zero, ou seja, quando as receitas cobrem todas as despesas, inclusive aquelas com juros.
— Oportunidade é sinônimo de crise no ideograma chinês. Em todas as crises do passado, o Brasil aproveitou para fazer reformas.
Não mudamos nada, nem tributos, nem Orçamento, nem Previdência.
E não falta apoio político. Espero que o comodismo do presente não cobre preço alto no futuro — afirmou o economista.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
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