quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Planalto manda PT tirar viés estatizante do programa de Dilma

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ordem é para deixar claro no texto que ela manterá política econômica, com câmbio flutuante e metas de inflação

Vera Rosa


BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata do PT ao Palácio do Planalto, não gostaram do tom do documento intitulado A Grande Transformação, que contém as diretrizes do programa de governo petista. Lula e Dilma avaliaram que o texto passa a imagem errônea de que um governo chefiado pela ministra representará uma guinada à esquerda e terá caráter estatizante. Não foi só: querem agora que o PT deixe claro no programa que Dilma manterá os fundamentos da política econômica, como câmbio flutuante, metas de inflação e ajuste fiscal.

O incômodo do presidente e da pré-candidata do PT em relação ao conteúdo do documento - que será apresentado no 4.º Congresso Nacional do partido, de 18 a 20 deste mês, em Brasília - foi transmitido ontem pelo Planalto aos integrantes da Executiva Nacional petista. Dilma reclamou que nem mesmo viu o texto, obtido pelo Estado e publicado na edição do último dia 5, e ficou surpresa com a repercussão negativa da proposta.

Ancorada pelo mote de um novo "projeto nacional de desenvolvimento", a plataforma do PT prega maior presença do Estado na economia, com fortalecimento das empresas estatais e das políticas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal (CEF) para o setor produtivo.

Em reunião da coordenação de governo, na segunda-feira, Lula observou, porém, que já está fazendo isso. Para ele, a referência ao fortalecimento de estatais, do jeito que está no texto, pode criar confusão. Tanto o presidente como Dilma sempre dizem que o Brasil só conseguiu sair da crise mundial antes dos outros países por ter reforçado o papel dos bancos públicos.

"Se não tivéssemos esses bancos, não sei o que seria de nós", tem afirmado a ministra. Na avaliação do Planalto, no entanto, o documento petista pode dar a impressão equivocada de que a pré-candidata do PT defende a reestatização de empresas. A principal recomendação de Lula é para o PT "evitar marolas" no debate.

O temor do governo é que a oposição carimbe em Dilma, uma ex-guerrilheira, a pecha de esquerdista e autoritária. Além disso, a ministra considerou excessivamente genérico o eixo do documento que trata da saúde ("O SUS pode garantir um sistema universal de qualidade") e o tópico que diz ser necessário "aprofundar a transversalidade da política de direitos humanos". Para ela, faltou, ainda, abordar com mais consistência o tema da política industrial.

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), admitiu que haverá mudanças na "forma" do texto, mas negou cobranças do governo. "Não temos essa interpretação de que estamos olhando pelo retrovisor", disse Berzoini, após discurso, no plenário da Câmara, em homenagem aos 30 anos do PT, completados ontem. "Gostamos do Estado aparelhado, mas isso não significa inchaço da máquina. E ninguém duvida que vamos preservar a gestão fiscal responsável. Quem quer mudar isso é o PSDB", rebateu.

Berzoini lembrou que a plataforma de Dilma passará pelo crivo dos aliados. Cotado para vice na chapa, o presidente da Câmara, Michel Temer (SP), comentou, em conversa reservada, que o PMDB não aceitará "prato feito" do PT.

O assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia - coordenador do programa - afirmou que o rascunho da plataforma de Dilma, "bastante preliminar", não provocou descontentamento. "Não deve haver confusão entre o debate do conteúdo substantivo e as interpretações que analistas podem fazer", insistiu Garcia. "As proveitosas observações ao texto preliminar foram levadas em conta na elaboração das versões subsequentes das diretrizes do programa, como é hábito no PT."


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